sábado, 2 de julho de 2016

IPE, UM PLANO À BEIRA DO COLAPSO



ZERO HORA 02 de julho de 2016 | N° 18571


FÁBIO SCHAFFNER. REPORTAGEM ESPECIAL



RECLAMAÇÕES de cobranças ilegais, falta de especialistas para atender os usuários e atraso nos repasses a hospitais e médicos estão na lista de problemas do Instituto de Previdência que, em 2015, teve prejuízo de R$ 107 milhões



Com 1 milhão de usuários e 8,9 mil médicos e estabelecimentos credenciados, o Instituto de Previdência do Estado (IPE) é o mais abrangente plano de saúde gaúcho. Tamanho gigantismo resulta em problemas de igual proporção. Enquanto pacientes reclamam de cobranças ilegais, demora na marcação de consultas e exames, escassez de especialistas e recusa na autorização de procedimentos, o instituto contabiliza prejuízos sucessivos e descontrole administrativo-financeiro. O atual panorama demonstra que, neste ano em que completa meio século de existência, o plano que propicia assistência médica e hospitalar a 10% da população do Estado está a caminho do colapso.

Em 2015, o Fundo de Assistência à Saúde, que custeia todas as operações médico-hospitalares do IPE, registrou déficit de R$ 107,3 milhões. Só nos primeiros cinco meses de 2016, o prejuízo é de R$ 27,3 milhões. Projeções feitas por auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontam para perda crescente, chegando a R$ 879 milhões em 2023. Conforme o relatório do TCE, esse descompasso encaminha “para uma situação de insustentabilidade, com resultados que inviabilizarão o IPE-Saúde”.

O desequilíbrio econômico tem várias causas. A maior é o crescimento exponencial dos gastos. De 2004 a 2014, as despesas dobraram, enquanto o volume de contribuições subiu 40%. Para 2016, a previsão é de que sejam gastos R$ 2 bilhões. Do universo de 1 milhão de usuários, 408 mil são dependentes, portanto não pagam mensalidade. O aumento da idade média dos segurados eleva o valor dos dispêndios, e a permissão para desligamento voluntário faz com que servidores mais jovens e com salários mais altos deixem de repassar a cota de 3,1%. Ou seja, quem precisa de mais serviços médicos paga barato em relação aos planos similares – em contrapartida, quem prescinde de assistência e deveria contribuir com valor maior não se associa.

– Está desenhada a desgraça. É difícil encontrar solução. Quem sabe aumentar a contribuição, estabelecendo valor fixo conforme o salário do segurado – diagnostica Álvaro Guedes, especialista em Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

SEM FLUXO DE CAIXA E APENAS 56 SERVIDORES


A esse quadro, somam-se o atraso nos repasses da cota patronal pelo governo do Estado, também correspondente a 3,1% sobre os salários de cada beneficiá­rio, e a negligência administrativa. Nos últimos anos, o IPE deixou de cobrar dívidas, manteve contratos deficitários com quase um terço das prefeituras e órgãos públicos conveniados e tem quadro de pessoal precário – 56 servidores. Assim, o instituto ficou quase uma década sem atualizar dados de contribuintes e manteve controle falho na fiscalização dos procedimentos cobrados por médicos e hospitais, o que propicia fraudes. O descalabro permitiu que, em 2015, o índice de sinistralidade chegasse a 106% (a cada R$ 100 arrecadados, gastaram-se R$ 106). Para manter-se viável, o índice não pode superar 85%.

Sem fluxo de caixa, o IPE não reajusta o valor pago a médicos e estabelecimentos há cinco anos. A defasagem gera debandada do sistema. Muitos dos médicos que seguem restringiram as consultas, alguns cobram por fora sem emitir recibo.

– Hoje, um médico do IPE paga para trabalhar. Então dá desconto, cobra R$ 100 pela consulta pois não se enxerga mais no instituto condições de mediar a relação médico-paciente – admite o presidente do Sindicato Médico do RS, Paulo de Argollo Mendes.


Para solucionar déficit, elevar contribuições


Em busca de equilíbrio financeiro, a direção do IPE encaminhou à Casa Civil modelos de anteprojetos para melhorar a arrecadação e controlar os gastos, tentando pôr fim ao déficit do instituto. O governo não divulga o teor das propostas, mas entre as iniciativas em estudo está o aumento no percentual das contribuições – cogita-se passar dos 3,1% atuais para 5% –, a cobrança por dependentes, a comprovação por parte do usuário de que o cônjuge mantém dependência financeira do titular e prazos de carência de até três anos para quem deixou o plano e deseja voltar.

– Há medidas que dificilmente seriam aprovadas pela Assembleia, mas o problema é que o IPE está prestes a quebrar – admite um graduado assessor do Piratini.

Sem abrir por inteiro o conteúdo das ações em estudo, a direção do IPE chegou a discutir novos modelos de financiamento com entidades de servidores. A maioria das alternativas foi rechaçada.

– Toda hora aparece alguém com uma proposta de alteração. O que querem é privatizar o IPE, porque lá nós pagamos um percentual sobre o salário e nos planos privados se paga por pessoa – reclama o presidente Sindicato dos Servidores Públicos do Estado, Claudio Augustin.

Apesar da urgência por mudanças, o Piratini receia enviar os projetos à Assembleia em um cenário de atrasos nos salários do funcionalismo. O presidente do Sindicato dos Servidores do IPE, Bayard Bernd, diz que a entidade batalha para que os projetos sejam remetidos ao Legislativo o quanto antes.

– O IPE está em crise. As agências do Interior estão fechando. Mas os sindicatos dizem que o momento não é oportuno para se elevar as contribuições em razão da defasagem salarial e do parcelamento nos salários – resume Bernd.

SEM RISCO DE INSOLVÊNCIA, DIZ DIRETOR DE SAÚDE

Na direção do instituto, a ordem é dialogar. O presidente do IPE, José Parode, reconhece a resistência dos servidores, mas argumenta que é preciso um “consenso mínimo” que permita a aprovação do ajuste.

– Não podemos mais perder tempo. O sistema é de todos e a sua existência tem de estar centrada no princípio do mutualismo (colaboração mútua). Quando temos um número de dependentes cuja contribuição está dentro da alíquota do servidor e existe desequilíbrio, de algum lugar esse dinheiro tem de sair – avalia Parode.

Embora admitam que há problemas de financiamento, Parode e o diretor de Saúde Alexandre Escobar discordam que a atual situação aponta para um quadro de insolvência. Eles afirmam que novas ferramentas de gestão modernizaram os controles e aperfeiçoaram a administração de receitas e despesas. Também garantem que os contratos deficitários com as prefeituras foram quase todos refeitos e hoje respondem por 15% da arrecadação.

– No momento, não corremos o risco de insolvência. Claro que não temos bola de cristal e depende de um arranjo que envolve uma parcela da sociedade gaúcha. A saída é mudar o modelo e estamos discutindo isso aqui dentro. Uma parcela grande dos servidores já entende que o ingresso de novos beneficiários seja seguido de um financiamento adequado – afirma Escobar.


Insatisfação de usuários, prédio sucateado e prejuízos

Na raiz dos problemas de atendimento enfrentados pelos usuários do IPE está a insatisfação das entidades médicas e hospitalares com a remuneração paga pelo instituto. Na última semana de junho, as organizações sindicais enviaram documento à direção do IPE questionando o desvio de recursos da autarquia para o caixa único do Estado.

Segundo apontamentos do TCE, de 2004 a 2010 nada menos do que R$ 332 milhões foram usados para pagar outras despesas e não na assistência médico-hospitalar. No ano passado, o Estado deixou de repassar R$ 211,7 milhões da cota patronal, valor semelhante ao que está deixando de pagar este ano. Enquanto isso, os servidores da autarquia trabalham em um prédio sucateado, cujos elevadores raramente funcionam e ainda há salas com as janelas cobertas por tapumes.

– Esse dinheiro não pertence ao governo, pertence aos servidores públicos. Já foi nos dito que o Estado tem cinco meses de atraso nos repasses – afirma o presidente do Sindicato Médico, Paulo Argollo.

Embora estejam recebendo em dia, médicos e estabelecimentos reclamam do baixo valor pago pelas consultas (R$ 47) e procedimentos. Por uma videocirurgia para retirada da vesícula, por exemplo, o IPE paga R$ 521,63, valor cerca de 10 vezes menor do que o preço no setor privado.

–Pelo atendimento particular, cobro R$ 4,8 mil por essa cirurgia. Mas faço pelo IPE porque metade dos meus pacientes é do plano. Agora, se quebrar uma pinça durante o procedimento, o prejuízo é de US$ 1 mil – diz um gastroenterologista do Interior.

PEDIDO É PARA DENUNCIAR MÉDICOS QUE COBRAM POR FORA

Embora insatisfeitos, os médicos não têm se descredenciado do IPE. Continuam vinculados ao plano, mas cobram por fora ou deixam de atender primeiras consultas. Os que pedem desligamento muitas vezes credenciam os médicos-auxiliares. Essa vinculação é estratégica porque permite aos pacientes fazerem exames e custear eventuais internações pelo plano.

– É uma espécie de semidescredenciamento, uma coisa um tanto esdrúxula mas que está acontecendo. Já enviamos carta aos médicos orientando que, casos cobrem pelo atendimento, não façam a cobrança do IPE. Cobrar duas vezes é ilegal, mas manter esse sistema híbrido é um comodismo ao paciente, que não precisa pagar por tudo – justifica Argollo.

No IPE, essa situação é vista como antiética. A direção pede que os segurados denunciem os médicos que cobram por fora para poder providenciar o descredenciamento dos profissionais, mas, na maioria dos casos, os pacientes têm medo de ficar sem atendimento.

– Descredenciar o médico não resolve, pois muitos municípios têm apenas um especialista do IPE. A gente quer é que eles cumpram a lei – diz a vice-presidente do Cpers, Solange Carvalho, cuja entidade enviou ao instituto um dossiê com denúncias de cobranças ilegais.



“Pacientes, reféns dos médicos”


Além de enfrentar os males da doença, muitos segurados do IPE convivem com drama de consciência: denunciar as cobranças ilegais feitas pelos médicos e ter de procurar outro profissional ou seguir o tratamento com o especialista de confiança, mesmo tendo que pagar por fora para ser atendido. Uma servidora pública da Capital que pediu para não se identificar está cansada de ver os pais consumirem parte da aposentadoria com esses repasses. Ela conta que o pai é aposentado da Brigada Militar, tem 84 anos e um quadro demencial provocado pelo Alzheimer em estágio inicial. A mãe é professora aposentada e está com 79 anos. Ambos moram na Fronteira Oeste, contribuem mensalmente para o IPE-Saúde, mas só conseguem agendar consulta pagando em média R$ 170.

– Meu pai precisa de neurologista, psiquiatra e cardiologista. São três consultas a cada 15 dias. Quando a gente liga para marcar, os médicos dizem que não há mais vagas pelo IPE, mas que vão dar desconto. Ao final, eles atendem pelo IPE, recebem do plano, e ainda cobram por fora – afirma a servidora.

Márcia conta que sempre acessa o site do IPE antes de pedir uma consulta. Conforme os registros do portal, há horários disponíveis. Contudo, quando telefona para agendar atendimento, secretárias afirmam que a cota mensal já se esgotou.

– O site do IPE funciona muito bem. O que não funciona é o atendimento do médico – reclama.

A filha do casal já esteve no escritório do IPE em São Gabriel para denunciar a cobrança ilegal. Os servidores pediram que ela remetesse a denúncia à Ouvidoria. Com medo de que os pais sofram represálias ou fiquem sem atendimento, acabou deixando o assunto de lado.

– No Interior, os pacientes ficam reféns dos médicos. Não há muito o que fazer – resigna-se.



“A gente se sente lesada”


Prestes a completar 24 anos de serviço público, a escrivã da Polícia Civil Dirlene Corrêa da Silva luta com as dificuldades para tratar um câncer pelo IPE-Saúde. Aos 47 anos, lotada na Delegacia da Mulher de Santa Rosa, Dirlene teve de fazer pagamentos por fora a um médico, precisou recorrer à rede privada devido à demora na marcação de exames e agora briga na Justiça para garantir o tratamento.

Os problemas começaram em dezembro de 2014, quando teve diagnosticado câncer no ovário. O médico pediu uma ecografia abdominal total, mas pelo IPE o exame iria demorar um mês para ser realizado. Como a situação era grave, Dirlene pagou pelo atendimento particular, fato que se repetiu na realização de uma colonoscopia. Havia metástase, e a cirurgia precisaria ser feita em breve. O médico, então, cobrou R$ 2,5 mil por fora para realizar o procedimento.

– A gente se sente lesada. Depois disso, resolvi continuar o tratamento em Porto Alegre – conta a escrivã.

Na Capital, após quatro sessões de quimioterapia, foi detectada a necessidade de nova cirurgia. Ao final do procedimento de seis horas, o marido de Dirlene recebeu um telefonema: era preciso pagar R$ 6 mil ao anestesista. Ao pedir reembolso ao IPE, caiu num emaranhado burocrático que levou três meses para resultar na restituição de R$ 1 mil.

– Duvidaram que a cirurgia teria demorado seis horas e chegaram a perder meus prontuários. A minha advogada teve de ir para trás do balcão para ajudar a procurar os documentos – diz.

Um mês após a operação, recebeu novo telefonema do hospital, desta vez cobrando R$ 4 mil por uso de dreno e manta térmica – não cobertos pelo IPE. Em recuperação e cansada, parcelou a dívida.

Agora, novos exames revelaram a necessidade de se continuar investigando a chance de retorno do câncer. Para diagnóstico mais preciso, os médicos pediram um procedimento não invasivo e sofisticado que custa R$ 3,5 mil. O IPE negou o exame, mas ela conseguiu reverter decisão na Justiça.

– Paguei o IPE a vida inteira. Quando a gente mais precisa, se está abalado pela doença, não temos retorno. – desabafa.



O IPE-SAÚDE EM NÚMEROS
Beneficiários
618.377 contribuintes
408.053 dependentes (não contribuem)


Resultado financeiro em 2015
Receita R$ 1,672 bilhão
Despesa R$ 1,779 bilhão
Déficit R$ 107,31 milhões

Valor gasto com assistência médica em 2015
R$ 1,8 bilhão
Número de atendimentos em 2015
15,3 milhões
Previsão de gastos em 2016
R$ 2,035 bilhões
Saldo atual no Fundo de Assistência à Saúde
R$ 197 milhões
Saldo a receber do Tesouro do Estado em maio de 2016
R$ 200 milhões
Valor médio pago por consulta a especialista
R$ 47
Número de demandas judiciais
Em 2015, 598 processos
Quadro de pessoal
56 servidores
RAIO X DOS PROBLEMAS
-Insustentabilidade – O atraso nos repasses da cota patronal pelo governo do Estado e a permissão para que os servidores se desliguem do plano afetam a arrecadação do IPE-Saúde. Em contrapartida, o envelhecimento dos segurados demanda despesa cada vez maior. Os déficits no plano principal são sucessivos e crescentes. O que melhora o resultado fiscal são os planos complementares, como o PAC (para ex-dependentes) e o Pames (de internação privativa).
-Prejuízo – Dos 328 contratos com prefeituras e órgãos públicos em 2014, 94 são deficitários. No total, 141 apresentam índice de comprometimento de receita superior a 85%. Isso representou perdas de R$ 31 milhões, conforme relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage). Apesar do resultado negativo, o IPE renovou 36 desses contratos. Atualmente, apenas sete continuariam sendo deficitários, sem alteração de alíquota nem atualização atuarial.
-Abandono – O IPE tem 619 imóveis, sendo 218 bens patrimoniais e outros 401 provenientes de mutuários inadimplentes. Somente os 218 imóveis próprios valem R$ 184,4 milhões – valor suficiente para cobrir o déficit no ano passado. Alguns estão localizados em zonas nobres da Capital, outros, em completo abandono, invadidos ou ocupados sem cobertura contratual.
-Negligência – Embora tenha saldo bilionário a receber, o IPE não cobra suas dívidas. De acordo com a Cage, somente os valores devidos ao Fundo de Assistência à Saúde em 31 de dezembro de 2014 somam R$ 4,7 bilhões. Desse total, R$ 3,8 bilhões são devidos pelo Tesouro do Estado. Em geral, o governo argumenta que nada deve ao IPE-Saúde, devido aos sucessivos aportes que faz para cobrir o déficit do IPE-Previdência, que, só no ano passado, teve rombo de R$ 8 bilhões.
-Descontrole – Sem servidores suficientes e com sistema de informatização precário, o IPE não consegue fiscalizar com eficácia os procedimentos cobrados. Inspeção do Tribunal de Contas do Estado mostra que há casos de pessoas consultando mesmo depois de mortas, 40 mil segurados com RG nulo, milhares de atendimentos sem senha, médico que realizou 193 consultas entre 20h e 6h e outro com 109 consultas em um mesmo dia.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O RISCO DA DESORIENTAÇÃO

 

ZERO HORA 08 de fevereiro de 2016 | N° 18439



EDITORIAL



Autoridades e sociedade não podem se negar a debater sobre a melhor forma de oferecer proteção às mulheres ameaçadas pelo zika vírus.

Entre as muitas questões do alarme mundial criado pela propagação do zika vírus, uma é particularmente relevante para que todas as outras sejam enfrentadas. É a que diz respeito ao drama pessoal das mulheres grávidas, das mulheres que venham a engravidar sob os mesmos riscos e das que já tiveram filhos com microcefalia. As mães de crianças que nasceram com a malformação devem ter o suporte do Estado, para que consigam pelo menos amenizar o sofrimento dos filhos e o próprio sofrimento. Ao mesmo tempo, os governos terão de lidar, em conjunto com todas as instituições, inclusive a Justiça, com a grave questão representada pela tendência, já confirmada, do aumento de abortos clandestinos no país.

O não enfrentamento dessa realidade pode levar o país a cometer um erro tão grave quanto as falhas que contribuíram para a proliferação do mosquito que espalha o zika vírus e outras doenças. Como tem observado o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, as autoridades estão sendo convocadas a não fugir do debate e da busca de soluções. Temporão apelou, em entrevista na semana passada ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, para que a questão do aborto seja tratada com a seriedade, a delicadeza e a firmeza que merece. É a voz sensata de um especialista em saúde pública, em meio a muitas vozes que nem sempre contribuem para o enfrentamento do cenário dramático provocado pelo zika vírus.

Em primeiro lugar, como observam o ex-ministro e outros envolvidos nas tentativas de soluções, os dramas desencadeados a partir da relação entre o vírus e a microcefalia, e que muitas vezes pode levar ao aborto, configuram uma questão de saúde pública. Abordagens que levem em conta leis, ética médica e conceitos religiosos devem considerar esse drama, ou não haverá contribuição para que as mulheres – as maiores vítimas – tenham a proteção que merecem. A decisão pessoal, de cada mulher, sob a orientação da legislação e de médicos e profissionais da área da saúde, é intransferível e deve ser respeitada.

Especialistas no assunto, legisladores, juristas e a sociedade devem se dedicar agora a esse debate penoso, mas inadiável. O que não pode acontecer, enquanto o contágio se alastra, é que o risco do zika vírus, aliado à deficiência dos programas de educação sexual e métodos contraceptivos, acabe por desencadear um aumento no número de abortos clandestinos. Apenas seis países da América Latina permitem o aborto por malformação fetal, e a situação criada pelo zika vírus e a microcefalia é inédita no Brasil.

A ameaça de banalização de abortos sem assistência, a desorientação e a sensação de que os governos abandonaram as mulheres à própria sorte é tudo que não pode ocorrer. O Brasil precisa enfrentar o mosquito, o vírus e os preconceitos, que, em momentos como este, podem ser tão fatais quanto os males que devem ser combatidos. Como observa Temporão, as saídas estarão no bom senso, para que todos, e não só os sanitaristas, os médicos e os diretamente envolvidos em alternativas, joguem luzes em um tema aterrorizante e ainda obscuro.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A BUROCRACIA QUE MATA



ZERO HORA 07 de janeiro de 2016 | N° 18407


EDITORIAIS



O episódio da paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) que foi chamada para uma consulta 11 anos depois de sua morte ilustra com crueldade as falhas do atendimento público nessa área, mas sobretudo a falta de condições quase generalizada dos municípios para atender demandas que não param de crescer. A consulta havia sido solicitada há 15 anos, em Alvorada, para tratamento de uma febre reumática. Em 2004, a paciente acabou morrendo em decorrência de uma pancreatite. Mesmo que o atraso e a causa da morte não tenham relação direta, o fato é exemplar de erros nessa área e que, em muitas outras circunstâncias, acabam por abreviar a vida de pacientes dependentes do Sistema Único de Saúde.

A falha é atribuída à troca do sistema de informática da Secretaria Municipal de Saúde. Mas o SUS falha também por falta de verbas, por má gestão, por processos superados e pela relação sempre problemática entre os entes que deveriam mantê- lo como o mais essencial de todos os serviços públicos. Por tudo isso, o que aconteceu com a paciente somente comunicada depois do falecimento acaba por configurar o retrato da depreciação de um sistema que acumula deficiências de toda ordem. A origem de quase todos os problemas está nas estruturas – do atendimento básico ao procedimento mais complexo –, que deveriam ser compartilhadas por União, Estados e municípios.

Não há clareza sobre as atribuições de cada um e não se cumpre o que determina a Constituição, de que a saúde é um direito de todos, porque foram criadas obrigações sem a previsão racional de recursos. Tanto que, a cada ano, a União se debate com orçamentos insuficientes e Estados e municípios também se queixam da incapacidade de cumprirem o que a lei determina. Além disso, recursos escassos são criminosamente desviados pela corrupção. As mudanças somente acontecerão quando União e governos estaduais e municipais forem cúmplices em suas responsabilidades e corrigirem falhas históricas num sistema que sistematicamente desperdiça recursos e vidas.

domingo, 4 de outubro de 2015

SUICÍDIO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA. É PRECISO ROMPER O SILÊNCIO

 
ZERO HORA 04 de outubro de 2015 | N° 18314


ITAMAR MELO



CRESCE O NÚMERO DE CASOS entre crianças e adolescentes brasileiros. No Rio Grande do Sul, estudo deste ano mostra que, entre 2005 e 2013, houve 4.658 tentativas por autointoxicação


No começo deste ano, uma menina de Porto Alegre subiu no telhado de sua casa e ameaçou atirar-se lá do alto. Os pais foram chamados às pressas no trabalho. Levada ao Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de Deus, a garota contou que tentara se matar porque ninguém lhe dava atenção na família. O pai e a mãe passavam os dias fora, do início da manhã até a noite. A menina tinha oito anos.

Um garoto da mesma faixa etária ingressou na emergência do hospital, pouco tempo atrás, por ter ingerido uma moeda. O otorrino retirou o objeto e liberou o paciente. Uma semana depois, ele retornou. Desta vez, havia engolido várias moedas. Na investigação, descobriu-se que a motivação para a atitude era tristeza.

Situações desse tipo estão se tornando mais comuns nesta década, segundo diferentes levantamentos, resultando em aumento de mortes entre crianças e adolescentes. Conforme a publicação Mapa da Violência, que se baseia em dados coletados pelo Ministério da Saúde, as faixas em que as taxas de suicídio mais cresceram no Brasil, entre 2002 e 2012, foram as dos 10 aos 14 anos (40%) e dos 15 aos 19 anos (33,5%). No Rio Grande do Sul, de acordo com estatísticas da Secretaria Estadual da Saúde, ocorreram 60 suicídios nesse grupo em 2013, o maior número desde 2009.

Essas mortes são a face trágica de um problema muito mais abrangente, que diz respeito às tentativas de tirar a própria vida. De acordo com os registros existentes no Centro de Informações Toxicológicas (CIT), 4.658 crianças e adolescentes gaúchos tentaram se matar, apenas por autointoxicação, entre 2005 e 2013.

– Até hoje, jamais tínhamos constatado tentativas em idade tão tenra. E agora está acontecendo isso. É uma novidade, uma coisa pouco estudada, um novo mundo. Por enquanto, estamos apenas detectando o problema. Precisamos de pesquisas e de uma política específica. Porque a metodologia de prevenção para criança e adolescente tem de ser outra. Para começar, é mais difícil de detectar o risco, porque eles não verbalizam tanto quanto a pessoa mais velha – observa o psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio.

Para o médico Vitor Stumpf, voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV), as tentativas de suicídio ente crianças e adolescentes são um problema muito negligenciado, pouco conhecido até mesmo por profissionais.

– A massa dos pediatras não tem conhecimento nessa área. Neste mês de outubro, tentei de todos os jeitos incluir uma mesa sobre suicídio em um congresso de pediatria. Negaram – afirma.

PESQUISA APONTA PARTICULARIDADES

Os dados do CIT foram dissecados em uma dissertação de mestrado defendida na UFRGS em maio. De autoria da psiquiatra da infância e da adolescência Berenice Rheinheimer, o trabalho trouxe dados alarmantes, indicando tendência de forte aumento nas tentativas no universo dos oito aos 17 anos (abaixo dessa idade, os casos são automaticamente classificados como acidente). Em 2005, foram 492 episódios. Em 2013, apesar de a população da faixa etária ter recuado consideravelmente, os casos subiram para 626.

– Uma das coisas que chocam em relação a esses números é que a comunicação de casos ao CIT é voluntária. A realidade pode ser bem pior do que a registrada – sustenta Berenice.

Se o suicídio entre adultos já está envolto por silêncios e tabus, é ainda mais entre crianças e adolescentes. A sociedade, em geral, não aceita a ideia de que eles possam querer se matar. Pais de adolescentes que se mataram tendem à negação, uma reação ao sentimento de culpa. Além disso, é escasso o conhecimento sobre que lógica rege os suicídios juvenis e sobre como preveni-los – os estudos e a experiência existentes dizem respeito basicamente a pessoas mais velhas.

A pesquisa de Berenice ajuda a iluminar algumas das diferenças e particularidades. Ao analisar os dados do CIT, ela descobriu que crianças e adolescentes tendem a tentar o suicídio no segundo semestre do ano – com destaque para o mês de outubro –, talvez como um reflexo de dificuldades escolares. Entre adultos, existem estudos demonstrando que a preferência é pelo verão. Berenice percebeu também que as crianças atentam contra a vida em dias de semana – nas outras faixas etárias, o ato tende a ocorrer no sábado ou no domingo.

– Chamou a atenção que a véspera de Natal foi o dia com menos casos ao longo de nove anos. Depois, veio o Dia das Crianças. É um achado que não esperávamos. Não há relato sobre isso em lugar nenhum. Pode ter relação com o fato de nessas datas as crianças estarem em casa, com as famílias, mais satisfeitas. É uma hipótese – observa a pesquisadora.

As tentativas de suicídio por autointoxicação envolvendo crianças e adolescentes também espantam em razão das substâncias utilizadas. Enquanto em outros países os relatos envolvem a ingestão de analgésicos, por aqui as tentativas relacionadas a medicamentos são principalmente com antidepressivos (23,47%), ansiolíticos (20,76%), antitérmicos (15,20%) e anticonvulsivantes (13,01%). Em 98,5% das situações, a tentativa é realizada em casa.

– Como é que nossas crianças estão tendo acesso a essa medicação? É uma falha das famílias e da área da saúde, por não orientar que esses medicamentos têm de ficar escondidos – alerta Berenice.



ENTREVISTA

“O bullying está fortemente associado”


CARLOS ESTELLITA-LINS - Coordenador do Grupo de Pesquisa de Prevenção ao Suicídio da Fundação Oswaldo Cruz (RJ)



Por que aumentou o suicídio na infância e na adolescência?

O que há são explicações epidemiológicas. É como na economia. Por que a bolsa subiu? Você encontra três ou quatro eventos importantes relacionados e diz que deve ter sido por isso. Esse tipo de critério cientítico é bastante frouxo, mas é o melhor que a gente tem. A partir dos nove anos, você tem dados de suicídio. A partir dos 12 anos, já é relevante. O modelo do suicídio é sofrimento psíquico grande, depressão, ansiedade. No caso do jovem, é importante mencionar, existem situações de violência. A violência no Brasil não diminuiu, ela cresceu.

A violência da sociedade tem um impacto no suicídio?

Tem, por alguns mecanismos obscuros e outros claros. Situações de violência geram sofrimento psíquico, geram perdas. E especialmente o abuso, a violência física, com humilhação. Uma forma de violência institucional, que é o bullying, está fortemente associada ao suicídio no adolescente.

Alguma pressão social nova surgiu sobre os adolescentes nos últimos anos?

O aumento é, na verdade, uma curva de elevação. Não está marcando um acontecimento novo. O ponto que a gente pode discutir é a digitalização da sociedade, a virtualização. Há vantagens, mas cada vez mais a gente começa a observar as perdas, os malefícios, que ainda estão sendo estudados.

Que tipo de impacto teria a onipresença da internet?

No adolescente, a gente discute se há síndromes e distúrbios novos. A pessoa ficar vivendo num mundo virtual, levando a um maior afastamento, introspecção, a mais depressão, a um isolamento.

A internet facilita também o acesso a informaçõoes sobre suicídio?

Isso é preocupante, porque o conhecimento dos meios muitas vezes é buscado por quem está com ideação suicida. Ele pode começar a planejar, e isso auxilia. Outro aspecto são ambientes virtuais onde se pode falar tudo, exortar o jovem a fazer. Onde, de modo inconsequente, protegida pelo anonimato, a pessoa exorta o suicídio, dá conselhos, banaliza. A gente viu casos de meninas que foram humilhadas, que tiveram suas imagens eróticas divulgadas de maneira ilegal. É uma forma de cyberbullying. Isso gerou uma forma de suicídio menos típica, que não está relacionada com sofrimento psíquico continuado, e sim com o amor-próprio. Isso é uma novidade. É muito grave.






quinta-feira, 27 de agosto de 2015

CARTA DE UMA MÉDICA




Fernanda Melo


"Dilma, deixa eu te falar uma coisa!

Sou Fernanda Melo, médica, moradora e trabalhadora de Cabo Frio, cidade da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro.

Este ano completo 7 anos de formada pela Universidade Federal Fluminense e desde então, por opção de vida, trabalho no interior. Inclusive hoje, não moro mais num grande centro. Já trabalhei em cada canto...

Você não sabe o que eu já vi e vivi, não só como médica, mas como cidadã brasileira. Já tive que comprar remédio com meu dinheiro, porque a mãe da criança só tinha R$ 2,00 para comprar o pão.

Por que comprei?
Porque não tinha vaga no hospital para internar e eu já tinha usado todos os espaços possíveis (inclusive do corredor!) para internar os mais graves.

Você sabe o que é puxadinho?

Agora, já viu dentro de enfermaria? Pois é, eu já vi. E muitos. Sabe o que é mãe e filho dormirem na mesma maca porque simplesmente não havia espaço para sequer uma cadeira?

Já viu macas tão grudadas, mas tão grudadas, que na hora da visita médica era necessário chamar um por um para o consultório porque era impossível transitar na enfermaria?

Já trabalhei num local em que tive que autorizar que o familiar trouxesse comida ( não tinha, ora bolas!) e já trabalhei em outro que lotava na hora do lanche (diga-se refresco ralo com biscoito de péssima qualidade) que era distribuído aos que aguardavam na recepção.

Já esperei 12 horas por um simples hemograma. Já perdi o paciente antes de conseguir um mera ultrassonografia. Já vi luva descartável ser reciclada. Já deixei de conseguir vaga em UTI pra doente grave porque eu não tinha um exame complementar que justificasse o pedido.

Já fui ambuzando um prematuro de 1Kg (que óbvio, a mãe não tinha feito pré natal!) por 40 Km para vê-lo morrer na porta do hospital sem poder fazer nada. A ambulância não tinha nada...

Tem mais, calma! Já tive que escolher direta ou indiretamente quem deveria viver. E morrer...

Já ouvi muito desaforo de paciente, revoltando com tanto descaso e que na hora da raiva, desconta no médico, como eu, como meus colegas, na enfermeira, na recepcionista, no segurança, mas nunca em você.

Já ouviu alguém dizer na tua cara: meu filho vai morrer e a culpa é tua?
Não, né? E a culpa nem era minha, mas era tua, talvez. Ou do teu antecessor. Ou do antecessor dele...

Já vi gente morrer! Óbvio, médico sempre vê gente morrendo, mas de apendicite, porque não tinha centro cirúrgico no lugar, nem ambulância pra transferir, nem vaga em outro hospital?

Agonizando, de insuficiência respiratória, porque não tinha laringoscópio, não tinha tubo, não tinha respirador?

De sepse, porque não tinha antibiótico, não tinha isolamento, não tinha UTI?

A gente é preparado pra ver gente morrer, mas não nessas condições.
Ah Dilma, você não sabe mesmo o que eu já vi!
Mas deixa eu te falar uma coisa: trazer médico de Cuba, de Marte ou de qualquer outro lugar, não vai resolver nada!
E você sabe bem disso.

Só está tentado enrolar a gente com essa conversa fiada. É tanto descaso, tanta carência, tanto despreparo...
As pessoas adoecem pela fome, pela sede, pela falta de saneamento e educação e quando procuram os hospitais, despejam em nós todas as suas frustrações, medos, incertezas...

Mas às vezes eu não tenho luva e fio pra fazer uma sutura, o que dirá uma resposta para todo o seu sofrimento!

►O problema do interior não é falta de médico. É falta de estrutura, de interesse, de vergonha na cara. Na tua cara e dessa corja que te acompanha!◄

Não é só salário que a gente reivindica.
Eu não quero ganhar muito num lugar que tenha que fingir que faço medicina. E acho que a maioria dos médicos brasileiros também não.

Quer um conselho?

Pare de falar besteira em rede nacional e admita: já deu pra vocês!

Eu sei que na hora do desespero, a gente apela, mas vamos combinar, você abusou!

Se você não sabe ser "presidenta", desculpe-me, mas eu sei ser médica, mas por conta da incompetência de vocês, não estou conseguindo
exercer minha função com louvor!

Não sei se isso vai chegar até você, mas já valeu pelo desabafo!"


FONTE:
Marina Ines Acorde Brasil Ribeirão Preto - SP
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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

RADIAÇÃO DE CELULARES PODE SER PREJUDICIAL À SAÚDE

 

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 23/08/2015


Estudo mostra que radiação de celulares pode ser prejudicial à saúde. Cientista ucraniano garante que essa radiação tem efeito sobre o organismo. O tema, porém, divide opiniões.





Nas grandes cidades do mundo e até nas que não são tão grandes assim, a gente vê telefones celulares, e suas torres, pra todo lado. Esses equipamentos emitem um tipo de radiação que os cientistas diziam que era inofensiva. Entre os pesquisadores, o tema divide opiniões. Você vai ver, agora, as conclusões de um levantamento supercompleto feito a partir de cem artigos científicos que tratam desse assunto. E que cuidados devemos tomar.

São Paulo vista do alto! Um mar de concreto e de antenas, muitas de telefonia móvel. São Paulo vista de baixo: um fluxo constante de pessoas e de telefones celulares.

Avenida Paulista, um dos pontos mais movimentados e mais altos de São Paulo. Esse é um lugar cercado de radiação e de ondas eletromagnéticas, que, é claro, a gente não consegue ver.

Se a gente voltasse no tempo, para 1985, a quantidade de radiação eletromagnética. Se ela fosse visível, seria mais ou menos como mostrado no vídeo acima. Mas agora, 30 anos depois, com celulares, tablets e computadores para todo lado, os cientistas calculam que a quantidade de radiação eletromagnética aumentou muito: 250 mil vezes. Se essas ondas fossem visíveis, você não conseguiria enxergar mais nada.

Mas toda essa radiação é segura para saúde? O tema divide opiniões. Enquanto muitos cientistas duvidam que a radiação de baixa intensidade provoque algum tipo de dano, outros discordam.

Um levantamento supercompleto, recém-publicado, de pesquisadores da Ucrânia e dos Estados Unidos concluiu: essas ondas eletromagnéticas podem não ser tão inofensivas como se pensava.

“Essa energia entra nos tecidos. Estamos falando de efeitos de radiação no organismo”, afirma o biólogo molecular Segiy Kyrylenko.

O estudo reforça o que já tinha sido divulgado em um relatório de 2011, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Trinta e um cientistas, de 14 países, decidiram incluir a radiação dos celulares na mesma categoria da emissão de gases de automóveis e do café, o grupo 2B, dos agentes possivelmente cancerígenos.

“Os efeitos dessa radiação são evidentes, detectáveis e temos que ter cuidado”, garante Kyrylenko.

Um dos autores do levantamento mais recente, o ucraniano Sergyi Kyrylenko, passa uma temporada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Dos 100 trabalhos que o grupo dele analisou, 93 detectaram algum tipo de efeito em organismos vivos das ondas dos celulares, chamadas de radiação de baixa frequência. Kyrylenko destaca uma dessas pesquisas, feita pela própria equipe ucraniana.

“Nós pegamos ovos de codorna e colocamos um celular comum por cima. Depois de três dias expostos à radiação do aparelho, o desenvolvimento dos ovos acelerou. Depois de cinco dias, no entanto, o desenvolvimento dos mesmos ovos desacelerou. Não estamos dizendo que isso pode causar danos. O que estamos falando é que essa radiação tem algum efeito no organismo, não é neutra”, relata Kyrylenko.

Essa radiação neutra tem um outro nome: radiação não-ionizante. Isso quer dizer que ela não tem energia suficiente para quebrar moléculas, como a do DNA, e fazer estragos no nosso corpo.

Já um outro tipo de radiação sabidamente provoca danos: a radiação ionizante. Ela causa doenças, inclusive o câncer. É a radiação das bombas atômicas e dos raios-x, que são muito úteis, mas precisam ser aplicadas em doses baixas.

Mas se a radiação não-ionizante não tem energia suficiente para romper moléculas e causar doenças, então como é que ela afeta os organismos vivos? Os cientistas têm uma forte suspeita.

O que boa parte dessas pesquisas está detectando lá nas células tem um nome complicado, mas é fácil de explicar: é o estresse oxidativo. Quando a gente respira, o oxigênio faz muito bem, é claro. Mas ele também produz substâncias que podem causar doenças, são os radicais livres. Só que dentro do nosso organismo, existem substâncias que combatem os radicais livres. Só que no estresse oxidativo há um desequilíbrio, fica sobrando radical livre no organismo e isso pode levar a muitas doenças.

“São danos que podem levar ao desenvolvimento de tumores” afirma Kyrylenko.

Nos consultórios e salas de cirurgia, opiniões diferentes. O doutor Antonio de Salles, professor de neurocirurgia da Universidade da Califórnia, toma precauções.

“Eu uso bastante celular, claro, mas eu tento evitar colocar na orelha, com o alto falante do telefone. Eu acho que nós devemos usar o celular distante do nosso corpo”, aconselha o neurocirurgião.

Guilherme Lepski, também neurocirurgião e treinado na Alemanha, tem uma visão oposta:

“Eu não acredito muito nesse risco prático do celular na formação de tumores. É possível que exista algum risco? É possível. Eu particularmente acho que esse risco deve ser mínimo, muito pequeno ou, eventualmente, não existente”, diz Lepski.

E o doutor José Renato Félix Bauab, neurologista clínico, espera por mais pesquisas.

“Têm alguns estudos que conseguiram comprovar que a proximidade ao crânio, naquele lado do cérebro, você tem um aumento de metabolismo. Mas ainda não conseguiu-se ainda uma comprovação de lesão ao DNA”, pondera Bauab.

Mas o neurocirurgião Antonio de Salles lembra que os celulares são um fenômeno recente, e muitas vezes, na medicina, é preciso tempo para os efeitos ficarem claros. “Quando os anos se passam e se seguem apropriadamente os estudos e os pacientes, a gente começa a ver isso”, diz Salles.

O representante dos fabricantes afirma:

“Usar celular é seguríssimo. Os celulares que são colocados para comercialização seguem determinados padrões definidos pela Organização Mundial de Saúde. E esses limites têm uma margem de segurança enorme”, afirma Aderbal Bonturi Pereira, diretor do Fórum de Fabricantes de Celulares.

Enquanto o debate prossegue, os cientistas dão dicas para você se proteger.

1) Use o celular longe do corpo. “Principalmente, quando o celular está fazendo a conexão, que é quando a radiação está mais forte. Depois, é só usar o viva voz”, recomenda Kyrylenko.

2) Prefira mensagens de texto a ligações. “A radiação não-ionizante será menor”, diz Salles.

3) Não durma com o celular perto da cabeça.

4) Não carregue o aparelho no bolso.

5) E, por fim, importante! Enquanto houver dúvidas, evite que crianças usem o celular.

“O osso é mais fino, as células estão em desenvolvimento”, esclarece Salles.

“Não é para jogar fora os celulares, mas para usar com sabedoria” afirma Kyrylenko.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

MAIS UM HOSPITAL VAI FECHAR! MAS QUEM SE IMPORTA?



ZERO HORA 06 de agosto de 2015 | N° 18249


CARLOS ROBERTO SCHWARTSMANN



Em sua edição de 1º de agosto, ZH publicou a mais triste notícia para a nossa saúde: o Hospital Parque Belém está prestes a fechar. Porto Alegre deve ser a única cidade do mundo que, em tempo de paz, permitiu que fossem fechados nove hospitais nos últimos anos. Onde estavam nossos governantes? Hiroshima e Nagasaki perderam seus hospitais no mesmo dia e no mesmo momento, mas estavam em guerra. Nós nunca estivemos em guerra. Segundo o Simers, o déficit de leitos em Porto Alegre é superior a 4 mil.

A nossa querida Santa Casa, de 211 anos, maior hospital filantrópico que atende pelo SUS no Brasil, se vê constrangida a reduzir o número de seus leitos, pois no ano passado bateu o recorde histórico e inconcebível de R$ 102 milhões de prejuízo com o SUS. É necessário magia para tapar um rombo como esse que, entre outras coisas, obriga o hospital a se submeter aos indignos empréstimos do nosso sistema bancário. Tal situação impede a manutenção adequada, a ampliação e a modernização de qualquer hospital. E, certamente, essa realidade sombria não pode ser imputada a uma má administração.

O governo federal lavou as mãos quando municipalizou a saúde. Há 20 anos, não há reajuste nos exames laboratoriais. Por uma análise de glicemia o sistema paga R$ 1,85. Somente o tubo a vácuo do exame custa em torno de R$ 3. A diária hospitalar é simplesmente ridícula: R$ 16,19. Nenhum hotel ou motel de quinta categoria pode sobreviver com tais preços. A consulta médica especializada é R$ 10. Por uma cesariana, o obstetra e toda a equipe médica recebem R$ 150,05. Para tratar uma fratura do fêmur, os três ortopedistas, mínimo necessário para realizar a cirurgia, recebem conjuntamente R$ 145,07.

Nestes tempos precários, toda a rede de saúde está contaminada. Os convênios viraram SUS e o SUS virou Misericórdia. O número de médicos que atendem pelo sistema vem diminuindo drasticamente ano após ano. Os pacientes do Interior sabem bem do que estou falando!

Os colegas que atendem pelo SUS são abençoados e cumprem – esfarrapados, mas com honra – o juramento de Hipócrates: “Em primeiro lugar está o bem do paciente”.

Será muito difícil alcançar essa meta sem hospitais!

Médico e professor universitário

quinta-feira, 16 de julho de 2015

DIAGNÓSTICO DE 2012 DO TCU SOBRE DESCONTROLES NA SAÚDE


ZERO HORA 16 de julho de 2015 | N° 18228



INFORME ESPECIAL | Tulio Milman



DIAGNÓSTICO 1

Diante de informações veiculadas pelo Informe Especial sobre descontroles na área da saúde, o Tribunal de Contas da União se manifestou. Na condição de órgão responsável pela fiscalização de recursos federais, debruçou-se sobre a questão em 2012. As principais conclusões:

-Inconsistência do planejamento da contratação de serviços de saúde.

-Ausência de ampla divulgação, como regra geral, das necessidades de serviços a serem contratados, especialmente na área ambulatorial.

-Falhas na formalização dos procedimentos de seleção das instituições privadas de assistência à saúde mediante chamamento público.

-Pagamento a prestadores de serviços de saúde da rede privada sem a formalização do competente contrato.

-Definição genérica do objeto dos contratos firmados com prestadores de serviços hospitalares e ambulatoriais pagos por produção e ausência do respectivo Plano Operativo.

-Ausência de definição nos contratos de prestação de serviços de saúde, tanto ambulatoriais quanto hospitalares, ou de designação formal, dos responsáveis pela fiscalização da sua execução.

-Distribuição dos serviços hospitalares e ambulatoriais contratados não está compatível com os quantitativos estimados para população de cada município.

-Ausência ou deficiência no acompanhamento, controle e avaliação dos serviços contratados.

-Pagamento indevido a entidades filantrópicas que aderiram ao processo de contratualização (Portarias GM/MS n. 1.721/2005, SAS/MS n. 635/2005 e GM/MS n. 3.123/2006).



DIAGNÓSTICO 2

Feitas as constatações, o TCU formalizou uma série de determinações à Secretaria Estadual da Saúde. O cumprimento das decisões foi monitorado por meio do processo 003.321/2015-0. O relatório está pronto, mas ainda não foi julgado. O valor fiscalizado chegou a R$ 1,39 bilhão.



BOA NOTÍCIA


A disposição do governo estadual e dos hospitais é de dialogar. Ganham todos.





quarta-feira, 15 de julho de 2015

SOCORRAM OS QUE ESTÃO DOENTES



ZERO HORA 15 de julho de 2015 | N° 18227



PAULO SERGIO ROSA GUEDES



Um amigo e colega, excelente médico e pessoa profundamente interessada na saúde de seus pacientes – aspecto este que o distingue – me pediu que o ajudasse num tema de interesse geral, referente à saúde pública. Disse-me ele: “Precisamos nos unir na defesa dos pacientes, esta é uma luta na qual vale a pena investir”.

Instigou-me a participar dessa luta em face de achar que eu possuo dotes para escrever – o que não sustento que seja bem assim – e que, por isto, poderia colaborar com o problema, de conhecimento geral, do descaso que genericamente tem sido dedicado aos integrantes de nossa sociedade que necessitam de cuidados médicos.

Meditei sobre o pedido. Interessei-me pelo tema, muito, é claro, pela grande consideração que tenho por ele – meu amigo e colega – e pela imensa importância que tem o bom atendimento das pessoas.

Assim, esclareci, para mim mesmo, alguns aspectos fundamentais do país em que vivemos, os quais, sinteticamente, descrevo nestas linhas. Sem nenhuma intenção de crítica banal e/ou destrutiva, passo a enumerá-los:

1. Não possuímos mais uma rede ferroviária. Isto nos leva a não termos estradas de rodagem em boas condições – o que se torna impossível – nem possibilidade de transportar cargas aos portos ou a locais onde necessitam ser desembarcadas;

2. Mantemos um sistema financeiro cujo objetivo maior consiste em aumentar os lucros, com absoluta independência da relação trabalho/ganho;

3. Cultivamos um desinteresse visível pelo uso de nossas hidrovias, o que repercute da mesma maneira que o citado no item 1 acima;

4. E, para não me alongar, pois muito mais teria a dizer, nos especializamos num sistema de ensino muito mais burocrático do que realmente formador da personalidade de nossos jovens.

Ora, se é verdade o que sinteticamente descrevi, não temos como promover um eficiente trabalho de atendimento médico – que precisa bem menos de dinheiro do que de vontade política – e é extremamente imprescindível ao nosso desenvolvimento.

Encerro afirmando o que sempre e permanentemente soubemos: a omissão de socorro é crime previsto em nosso Código Penal.

*Médico

sábado, 11 de julho de 2015

RESOLVAM, SENHORES GOVERNANTES!




ZERO HORA 11 de julho de 2015 | N° 18223


EDITORIAL



A situação da saúde é dramática demais para ser debitada apenas ao Executivo, embora a iniciativa de uma convocação de poderes para impedir o caos deva partir do governador.O clamor de um número a cada dia maior de pacientes desatendidos, em consequência da aceleração nos atrasos de repasses por parte do governo estadual, exige uma urgência ainda maior na solução desse drama, que impõe à população as consequências da crise financeira sob a forma de sofrimento físico e psicológico. Municípios gaúchos de maior porte, como Porto Alegre, vêm recorrendo ao Judiciário na tentativa de assegurar os repasses. Os demais prometem partir para ações individuais, depois que o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Estado, representando 497 prefeituras gaúchas, teve uma liminar negada.

Ainda assim, é preciso que as providências não ocorram apenas por força da lei, mas pela conscientização de que essa área não pode ser relegada ao desamparo pelo poder público.

Intensificado a partir dessa semana, o problema é consequência direta da crise do setor público. De 2000 até agora, a participação da União nos recursos destinados à saúde pública caiu de 60% para 40%. A situação, que já era difícil, foi agravada com a queda do Produto Interno Bruto (PIB) e com a necessidade de o governo federal recorrer ao ajuste fiscal. O atraso nos repasses por parte do governo do Estado acelerou o fechamento de alas de instituições de saúde e até mesmo de hospitais, sobrecarregando os dos maiores municípios, que se veem compelidos a recorrer ao Judiciário. Em consequência, pacientes ficam sem vaga nas emergências hospitalares e precisam aguardar ainda mais tempo por uma consulta com especialista.

Todos sabemos que, no setor público gaúcho, os recursos estão escassos e que o governo está imobilizado por sucessivas decisões judiciais com o objetivo de garantir o pagamento de salários em dia a grupos de servidores.

Ainda assim, todos os ocupantes de funções públicas – o governador, os secretários, os parlamentares, os juízes e os demais integrantes da administração – estão nos seus cargos para resolver os problemas dos cidadãos.

Questões relacionadas a essa área não podem esperar, pois a demora pode agravar o quadro dos pacientes e até mesmo levar à morte em muitos casos. A situação da saúde é dramática demais para ser debitada apenas ao Executivo, embora a iniciativa de uma convocação de poderes para impedir o caos deva partir do governador.