ADIB D. JATENE, MEMBRO DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA, FOI MINISTRO DA SAÚDE - O ESTADO DE SÃO PAULO, 22/05/2012
Em medicina se aprende que o diagnóstico correto é que
determina a terapêutica. Se o diagnóstico estiver errado, a terapêutica
também será errada. Isso me ocorreu quando tomei conhecimento de
estratégia em elaboração no governo para garantir a presença de médicos
em pequenos municípios, em áreas remotas e nas periferias das grandes
cidades.
O diagnóstico, a meu ver, equivocado, seria baseado em informações de
prefeitos, e até governadores, de que não conseguem contratar médicos
para o Programa de Saúde da Família (PSF), mesmo oferecendo salários
superiores a R$ 10 mil. Concluem, a partir daí, que o problema é falta
de médicos. O corolário seria a ampliação de vagas em faculdades
públicas, abertura de novas faculdades e, pasmem, flexibilização nos
critérios de revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro. Esses
critérios foram recentemente revistos e consolidados no projeto
Revalida.
Segundo as informações, propõe-se a contratação de médicos no
exterior (leia-se Bolívia e Cuba, entre outros), que viriam como
estagiários para trabalhar nas áreas específicas para as quais não se
consegue contratar médicos. O estágio seria cumprido por dois anos sob
supervisão, após os quais o diploma seria reconhecido, beneficiado pela
anunciada flexibilização dos critérios. Como o assunto está em
apreciação e, ao que me consta, a decisão ainda não foi tomada,
atrevo-me a algumas considerações sobre o tema.
Concordo com a ideia de que nos faltam médicos. Acontece que,
baseadas nessa constatação, diversas universidades, não apenas privadas,
mas também públicas, criaram mais cursos, ampliando o número de vagas.
Em 1996 tínhamos 82 faculdades de medicina. Hoje temos 187. Nos últimos
15 anos foram criados 105 cursos de medicina, 70 dos quais privados.
Quando todos tiverem completado pelo menos seis anos, oportunidade em
que formarão sua primeira turma, estaremos graduando aproximadamente 18
mil médicos por ano, o que significa quase duplicar o número de
formados.
Se hoje temos 1,9 médico por mil habitantes, dentro de poucos anos
ultrapassaremos os 2,5/1.000, considerados adequados. O problema que
temos enfrentado é o de capacitar esses médicos para atender a
população, sem utilizar a alta tecnologia, e criar condições nos
diferentes locais em que irão atuar capazes de lhes oferecer condições
de trabalho e o adequado suporte.
Por outro lado, a má distribuição não tem relação direta com o número
de profissionais existentes. Se fosse assim, as capitais, onde vivem
20% da população do País e onde se concentram 50% dos médicos, estariam
todas bem servidas. Exatamente nas capitais, e nas respectivas áreas
metropolitanas, é onde se observam em suas periferias as carências mais
sentidas desses profissionais, limitando a ampliação do PSF.
Isso ocorre porque tradicionalmente os médicos se localizam perto dos
hospitais, que lhes dão suporte. Nas grandes cidades, os hospitais
concentram-se nas áreas mais antigas e ricas, deixando as periferias sem
eles e, em consequência, sem médicos. Em 1999, demonstrei que na
capital de São Paulo, em 25 distritos onde vivia 1,8 milhão de pessoas,
existiam na média 13 leitos por mil habitantes. Nos outros 71 distritos,
onde moravam 8,1 milhões de habitantes, havia 0,6 leito por mil. Nesse
grupo foi possível destacar 39 distritos com mais de 4 milhões de
habitantes onde não havia nenhum leito. Portanto, na capital de São
Paulo, para colocar nestas áreas dois leitos por mil habitantes, há um
déficit de 12 mil leitos, o que significaria 60 hospitais de 200 leitos.
E isso para atendimento de casos eletivos e de urgência. Não se está
cogitando de leitos para doentes crônicos.
As equipes de Saúde da Família necessitariam de ambulatórios de
especialidade para referir pacientes, os quais, por sua vez, precisariam
de oportunidade para eventuais internações. Acontece que esses leitos
não existem onde está a maior concentração de população.
Criou-se em nosso meio a ideia de que os graduados em medicina devem
complementar sua formação com a residência médica. Como as vagas para
residência são em número menor que o de formandos, estabeleceu-se, na
verdade, um novo vestibular para ingresso nela. No 6.º ano, antes de se
aprimorarem no internato para atender os pacientes, dispensando a alta
tecnologia, os alunos fazem "cursinhos" e se preparam para ingressar na
residência. Os que não passam vão trabalhar, sem supervisão e mal
preparados, em ambulatórios de convênios e plantões de pronto-socorro.
Já os que cumprem a residência - que, como já afirmei, só existe onde
está implantada toda a moderna tecnologia - saem com títulos de
especialistas e não vão trabalhar nos locais onde se constata a
deficiência do profissional médico.
Temos de agir, e rápido, na revisão do curso médico. Talvez seja
necessário fazer os médicos que se formarem em determinado Estado, por
exemplo, permanecerem por um ou dois anos nesse mesmo Estado, designados
para as áreas onde há falta deles, mantendo-os sob supervisão da escola
em que se graduaram, como pré-requisito obrigatório para pleitearem a
residência médica.
Como se vê, o problema de distribuição de médicos é por demais
complexo e não se resolve com medidas simples e equivocadas. Talvez seja
o momento de pensar uma carreira de Estado capaz de orientar a
distribuição desses profissionais no seio da população, oferecendo-lhes
condições de trabalho, supervisão e até suporte informatizado.
As entidades médicas estão mobilizadas e dispostas a colaborar na
busca de solução racional e permanente, em que não cabe a ideia de
corporativismo e se coloque em primeiro lugar a pessoa humana, que
sofre, merece respeito e deve ter acesso a médicos competentes e
preparados para atendê-la sem o emprego da alta tecnologia, que deve ser
utilizada por especialistas.