ARTIGOS
Mauro Rockenbach*
Em 10 meses de investigações da Operação Leite Compen$ado, em parceria com o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor Alcindo Bastos da Luz Filho e com a aplicação dos fiscais agropecuários do Mapa, dedicamo-nos a apurar fraudes e monitorar os caminhos trilhados pelo leite até chegar à mesa dos gaúchos.
Encontramos seis focos de adulteração, apresentamos à Justiça mais de duas dezenas de responsáveis, 10 dos quais ainda permanecem presos, apreendemos três dezenas de caminhões, fórmulas da fraude, centenas de documentos e notas fiscais.
Mas, agora, algumas considerações merecem ser feitas.
A primeira diz respeito à qualidade do produto consumido na maioria dos lares gaúchos. Segundo os laboratórios que analisaram as amostras, nos últimos meses o leite gaúcho apresenta uma qualidade como há muito tempo não havia. Isso se deve à mudança de postura das indústrias e ao cumprimento de obrigações assumidas nos Termos de Ajustamento de Conduta por aquelas que industrializaram leite fraudado. As análises passaram a ter mais rigor e o leite entregue com adulteração deixou de ser recebido.
Outro destaque é a ausência de regulamentação do transporte de leite cru da propriedade rural até a indústria. Não existe legislação com direitos e obrigações, que estabeleça fiscalização das condições dos veículos, bem como preveja sanções para o descumprimento. O Mapa diz que a obrigação de fiscalizar os “freteiros” é da indústria. Jogo de palavras! Falácia que serve apenas para esconder a incompreensível omissão da União em se debruçar sobre essa atividade que se mostra desajustada. A indústria de laticínios não deve se responsabilizar pela atividade dos transportadores, porque são dois agentes da mesma relação comercial, em que há, muitas vezes, interdependência. Ingenuidade esperar que a indústria, de um dia para o outro, recuse milhões de litros de leite que irão favorecer seu concorrente direto. Se não existe punição, a ousadia e a indecência se instalam. O maior prejudicado é o consumidor, o mais indefeso e vulnerável.
Existem inúmeras agências reguladoras para vários segmentos neste país, mas nenhuma que se preocupe com a qualidade dos alimentos consumidos pela população.
Outro ponto encorajador da fraude é a pena, entre quatro e oito anos de reclusão, além de multa, prevista no art. 272 do Código Penal, se a compararmos com a pena mínima de 10 anos prevista para a falsificação de produtos medicinais ou destinados para fins terapêuticos, que inclusive foi equiparado aos crimes hediondos. Será que deixar a população consumir inconscientemente resíduos de substância cancerígena ou de produtos corrosivos não é mais grave do que colocar farinha em um cosmético? O tráfico de drogas é equiparado aos crimes hediondos. Não retiro a gravidade desse crime, mas o traficante vende o produto que o usuário de entorpecente procura.
O consumidor vai ao comércio esperando comprar apenas leite.
*PROMOTOR DE JUSTIÇA
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