quinta-feira, 3 de abril de 2014

JUSTIÇA OBRIGA GESTANTE A FAZER CESÁRIA


ZERO HORA 03 de abril de 2014 | N° 17752


TAÍS SEIBT | TORRES


DISCUSSÃO SOBRE A CESARIA. Debate à luz de um parto


O caso de uma gestante obrigada a realizar uma cesariana após decisão tomada pela Justiça, em Torres, levanta o debate sobre até onde vai o direito de a mulher definir a forma como terá o filho, com cirurgia ou de forma natural

Ouvir o choro da filha recém-nascida ecoar pelo corredor do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, foi um alívio para o técnico em manutenção industrial Emerson Guimarães, 41 anos. Mas o parto, uma cesariana realizada contra a vontade da família, também não deixou de ser uma frustração.

Sem dúvida, o nascimento de Yuja Kali – nome escolhido pelos pais em homenagem à padroeira dos ciganos – provocou um debate sobre os direitos de escolha da mãe sobre o tipo de parto que deseja e o direito do feto à própria vida.

Grávida de 42 semanas, com duas cesarianas e um aborto no histórico, Adelir Lemos de Goes, 29 anos, pretendia manter até o fim a decisão de ter um parto normal. Meses antes, havia procurado uma doula pela internet. Encontrou na catarinense Stephany Hendz, 20 anos, o amparo para conduzir a gestação até o parto natural. Não havia razões filosóficas ou religiosas envolvidas, de acordo com o pai da menina, apenas um desejo da mãe pelo parto natural.

Na madrugada de terça-feira, um mandado judicial colocou fim ao desejo de Adelir. Na tarde anterior, ela havia buscado atendimento no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, por conta de dores lombares. A médica do plantão recomendou uma cesariana. Acompanhada da doula, Adelir contrariou a recomendação e voltou para casa, na localidade de Campo Bonito, zona rural de Torres. Mais tarde, foi reconduzida ao hospital contra sua vontade, para fazer a cesariana. A família chegou a pedir aos paramédicos para ser conduzida a Araranguá, em Santa Catarina, na esperança de que lá a vontade da mãe fosse acolhida, mas a ambulância parou no hospital de Torres.

– Minha mulher não teve o direito de escolher como minha filha ia nascer, e eu ainda fui impedido de assistir ao parto, que eu tanto queria – lamenta o pai da criança, Emerson Guimarães.

O promotor de Justiça Octavio Noronha, com base no laudo médico apresentado pelo hospital, indicando os riscos do parto normal à mãe e ao bebê, ingressou com pedido de medida protetiva à saúde da criança, após ser procurado pelo hospital. A juíza Liniane Maria Mog da Silva acolheu a decisão.

O que mais indignou a doula Stephany, que, assim como o pai da menina, passou a tarde toda de ontem dando entrevistas sobre o caso, é que a médica não teria mostrado imagens da ecografia, o que confirmaria a posição do feto, questionada pela acompanhante.

– Nós sentimos a cabeça do bebê encaixada, ouvimos os batimentos do coração na lateral da barriga. Como que a criança estava em pé? – questionava, vestindo uma camiseta em defesa do parto natural em casa.

Doula pretende processar hospital

A doula pretende processar o hospital e denunciar a obstetra ao Conselho Regional de Medicina. O processo que gerou a medida protetiva será instruído pela Vara da Infância e da Juventude em Torres, que poderá ouvir testemunhas para confirmar se a recomendação da cesariana era mesmo necessária no caso e obter maiores detalhes em torno da situação.

Roberta Baggio, professora de ética na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que, se a criança estiver de fato em risco, o Ministério Público tem o direito de zelar por ela, mas alerta para a falta de maior embasamento quanto às provas para justificar a decisão:

– Se de fato for comprovado que a criança não corria riscos, a intervenção foi irresponsável, e é possível pedir indenização ao hospital.

Em vídeo gravado pelo marido, no começo da tarde de ontem, a mãe dava sinais de frustração.

– Se tivesse um parto natural, eu já estaria em casa, com minha outra filhinha, e o leite já teria descido. Até agora não consegui amamentar minha filha – relata Adelir.

Enquanto as duas não recebem alta, Guimarães se desdobra em casa para dar conta dos três filhos e um enteado. A mais nova, Flora é filha do casal, tem dois anos. Leandro, de 15 anos, é filho de Guimarães do primeiro casamento. Angelo, sete anos, é filho de Adelir, também de união anterior. A família vive em Torres há três anos e deve estar finalmente completa na tarde de hoje. Só não será completa a alegria.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Neste caso, a justiça agiu no interesse público onde a vida de uma pessoa é prioridade e finalidade. Parabéns ao judiciário e ao MP. Esta é a justiça que o Brasil quer, comprometida com a vida das pessoas.

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