quarta-feira, 13 de agosto de 2014

MANICÔMIO PROTÁSIO ALVES

ZERO HORA 13 de agosto de 2014 | N° 17889


CARLOS SALGADO


Encontrar velhos conhecidos pelas ruas de Porto Alegre costuma ser agradável. Cruzar com desafortunados é triste e desafia nossa capacidade solidária. A Lei Estadual nº 9.716, de 1992, travestida de respeito à liberdade cidadã, expulsa o doente mental de instituições consideradas retrógradas, os manicômios. Da internação psiquiátrica ao abandono nas ruas, foram poucos passos.

Passados mais de 20 anos da promulgação da lei, é fácil encontrar, pelas calçadas da Avenida Protásio Alves, velhos conhecidos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, lá da Avenida Bento Gonçalves. A lei pretendia libertar os doentes mentais, mas abriu vagas no pior dos manicômios medievais, que é o leito da avenida.

Penalizado pelos azares da vulnerabilidade mental, o doente psiquiátrico vem sendo despejado através de uma denúncia vazia que o destitui da cidadania que lhe restava e garantia um abrigo. O céu como teto é uma alegoria elegante na poesia. No frio anoitecer do abandono, é apenas desassistência.

Caminho muito pela Avenida Protásio Alves porque uni residência e consultório em uma de suas antigas casas. Recebo pacientes psiquiátricos e, quando lhes indico internação, é frequente que tenham dificuldade em obter a vaga necessária. A Lei Estadual nº 9.716 pretendia aprimorar a atenção ao doente mental, mas provocou o fechamento compulsório de leitos e impede a abertura de novas vagas privadas ou públicas. Ela se conflitua com a Lei Federal n0 10.216, de 2001, que garante a todo doente mental a assistência adequada à gravidade de seu quadro clínico. Nada, no senso comum ou na legislação federal, respalda a determinação absurda de fechar leitos psiquiátricos em lugar de qualificá-los.

O abandono do doente mental só faz crescer. A própria Lei Estadual nº 9.716 previa sua revisão em cinco anos. O atraso de mais de 20 anos vai para a conta do doente mental.

Com a palavra, nossa Assembleia Legislativa gaúcha, casa do povo, com ou sem doença mental, votante ou não.



Psiquiatra, presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

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