segunda-feira, 11 de agosto de 2014

NOVO HOSPITAL E SEM MÉDICOS

ZERO HORA 11/08/2014 | 04h01

Ainda faltam médicos em novo hospital de Porto Alegre. Dos 87 leitos disponíveis, 32 não puderam ser ocupados no primeiro mês porque há dificuldade para contratar profissionais

por José Luís Costa


Para colocar em funcionamento todos os 62 leitos de internação, ainda é preciso contratar médicosFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


O sonho de quatro décadas ainda não está de todo concretizado. Anunciado como uma estrutura completa, o Hospital Restinga e Extremo-Sul (HRES) foi inaugurado com serviços parciais. Nos primeiros 30 dias, o número de internações foi menor do que o previsto. Dos 13 mil atendimentos esperados, foram realizados 8,3 mil. E, dos 87 leitos disponíveis, 32 não puderam ser ocupados por falta de médicos.

A abertura oficial do HRES, que teve até a presença da presidente Dilma Rousseff, levou parte da comunidade a acreditar que a nova instituição – parceria do Hospital Moinhos de Vento com governos federal, estadual e municipal – seria a solução imediata para o atendimento à saúde.

— Houve uma grande confusão. Veio gente de todo canto pensando que iria encontrar um hospital completo. Até uma van de Alvorada, lotada, apareceu aqui — diz o líder comunitário Nelson da Silva, integrante do Conselho Distrital de Saúde e presidente do Comitê Pró-Construção do HRES.

— O hospital foi esperado por muito tempo, e as pessoas achavam que tudo poderia se resolver ali. Mas não abriu a pleno. Imaginei que já poderia ter uma maternidade — acrescenta Djanira Corrêa da Conceição, moradora da Restinga e atual coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre.

Apesar do funcionamento parcial, o HRES é reconhecido por Silva e Djanira como um salto de qualidade para a região onde vivem 110 mil pessoas. Estruturado para atendimento de média complexidade, parte dos serviços prometidos estará disponível em 2015.

Distância é um dos empecilhos

Nesta primeira fase, a prioridade é a ampliação e melhoria do serviço de emergência, que já existia havia 10 anos no antigo posto no Hospital Moinhos de Vento, mas com acréscimo de exames de eletrocardiograma e tomografia — capaz de identificar um acidente vascular cerebral, por exemplo — e leitos de observação e de internação (adulto e pediátrica) para tratamento de enfermidades respiratórias, pneumonia, diabetes e hipertensão, entre outros.

O hospital ainda não tem bloco cirúrgico e centro de tratamento intensivo. Não está apto para acolher casos de maior gravidade, como doenças cardíacas, neurológicas e traumas, embora disponha de uma "sala vermelha", equipada para procedimentos de urgência em pacientes graves, como baleados e esfaqueados. Na atual estrutura, dos 87 leitos, os 25 da emergência tem estado sempre lotados. Dos demais 62 leitos de internação, 32 ficaram vazios no primeiro mês por falta de médicos que não estariam interessados em atender na instituição por conta da distância — 20 quilômetros do centro da Capital.

A direção afirma que a falta de médicos será solucionada nas próximas semanas. Conforme Luiz Antônio Mattia, gerente de operações do HRES, serão contratados cinco profissionais — três médicos hospitalistas para clínica médica e dois pediatras. Assim, de acordo com o gerente, todos os 62 leitos de internação atuais poderão receber pacientes.

— A dificuldade de contratação pode ser explicada porque os profissionais precisam ajustar suas agendas, uma vez que buscamos rotineiros (médicos que trabalham durante o dia em turnos fixos), ocupando quase metade do horário disponível do médico e também por causa da distância do hospital em relação aos demais da Grande Porto Alegre — diz Mattia.

O gerente pondera que o número de atendimentos (8,3 mil no primeiro mês) foi menor do que a expectativa (13 mil) porque incluía serviço de traumatologia, ainda não disponível, e considera positivo o primeiro mês de atendimento:

— Sempre enfatizamos que o hospital abriria com a emergência e leitos de internação. Muitas pessoas que receberam atendimentos nestes primeiros 30 dias precisariam se deslocar aos hospitais do Centro e de outros bairros de Porto Alegre caso o HRES não estivesse em funcionamento.

Nota da Secretaria da Saúde

Em nota, a Secretaria de Saúde da Capital explica a ausência de serviços como maternidade, CTI, bloco cirúrgico, traumatologia e cardiologia, todos previstos para 2015.

"A divulgação mostrou o hospital como um todo, que, de fato é o mais completo em sua concepção, desde a arquitetura, sofisticação dos equipamentos, qualificação das equipes e padrões modernos de atendimento. Desde o início, a divulgação detalhou todas as etapas do empreendimento, explicando as fases de operação conforme as instalações fossem ficando disponíveis, de acordo com o cronograma do projeto. Nunca se disse que o hospital iniciaria suas operações com toda estrutura prevista no projeto concluída."

Sobre o número de atendimentos abaixo do previsto, a secretaria explicou: "Em qualquer projeto, as previsões de capacidade instalada podem não ser plenamente atendidas no primeiro momento em função dos ajustes da largada".

Traumatologia funcionará em 2015

A falta de serviço em traumatologia no Hospital Restinga e Extremo-Sul limita o atendimento de acidentados. Na manhã de 1º de agosto, João Eduardo Araújo, nove anos, seguia de bicicleta por um cruzamento da Rua Padre Pedro Leonardi quando foi atropelado por um ônibus. Uma ambulância foi chamada ao local do acidente, cerca de 200 metros do HRES. Mas o menino foi levado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), distante 20 quilômetros dali. O garoto sofreu lesões leves e, no dia seguinte, recebeu alta. A situação desagradou a família.

— Não temos hospital — disse Jonatas Araújo, pai do menino.

Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, Djanira Corrêa da Conceição conta que chegou a se irritar ao saber que uma mulher com a mão quebrada correu para o Hospital da Restinga, mas teve de ser transferida para o HPS.

— Hospital é como uma máquina, para funcionar bem precisa de ajustes. Depois de algumas reuniões, comecei a entender a rotina do hospital. As coisas vão se ajeitando aos poucos — afirmou.

Simers visitará instalações

De acordo com Luiz Antônio Mattia, gerente de operações do HRES, a instituição tem condições de dar os primeiros socorros, mas não é referência em trauma como o HPS — o serviço de traumatologia estará disponível no próximo ano.

Em relação a atendimentos clínicos, pacientes entrevistados por Zero Hora se dividem em elogios e críticas. Internado por causa de uma acidente vascular cerebral, o servente de obras André Luís da Silva, 42 anos, aprovou o serviço:

— Estou sendo muito bem atendido aqui.

Para o técnico em informática Miguel Campos Filho, 47 anos, que levou o pai de 81 anos para tratamento de uma infecção nos pés, ainda há demora.

— Em relação ao antigo pronto atendimento, a estrutura melhorou bastante e sei que as pessoas procuram mais, mas o sistema é um pouco lento — comentou.

O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, estranhou o desinteresse de profissionais em atuar no novo hospital. Ele disse que a entidade vai verificar essa situação e pretende visitar a instituição nos próximos dias para conhecer as instalações e avaliar as condições de trabalho.

Os números do primeiro mês

Atendimento ambulatorial: 8,3 mil, sendo 65% adultos e 35% pediátricos. Mais de 1,3 mil exames de imagem entre Raio X e tomografias.

Tempo de espera: casos urgentes, classificação vermelha, têm atendimento imediato. Depois, dependendo da gravidade, a espera varia de 30 minutos a quatro horas.

- Internações: 101 .
- Óbitos: 17 .
- Leitos de emergência: 25.
- Leitos de internação: 62 (32 não ocupados por falta de médicos).
- Custo operacional: o valor previsto é de R$ 4,6 milhões mensais: 50% do Ministério da Saúde, 26% da prefeitura e 24% do Estado.
- Número de médicos: 76 contratados pela CLT, seis cirurgiões como pessoa jurídica (PJ) e mais um grupo de radiologistas. Faltam três médicos para o setor de internação e dois pediatras para atender todos os 62 leitos atuais.
- Número de enfermeiros e técnicos em enfermagem: 33 enfermeiros mais quatro em contratação e 77 técnicos em enfermagem e mais 24 em contratação

Previsão para 2015

- 121 leitos de internação e 48 leitos de passagem
- Centro cirúrgico, centro obstétrico e CTI adulto
- Centro de especialidades em traumatologia, cardiologia, neurologia e odontologia
- Unidade de diagnóstico para realização de exames, atendendo demandas do hospital e de postos de saúde
- Escola de formação e qualificação de servidores

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