MARCOS ROLIM*
A edição de Zero Hora do dia 13 trouxe opinião contra a Lei da Reforma Psiquiátrica do RS. No texto, o autor afirma que a Lei Estadual 9.716/92 “expulsa o doente mental das instituições consideradas retrógradas”, o que teria promovido o abandono dos pacientes nas ruas. Mais adiante, o autor – presidente da Associação de Psiquiatria do RS – diz que “nada respalda a determinação absurda de fechar leitos psiquiátricos ao invés de qualificá-los”.
Lendo isso, me dei conta de que, passados 20 anos da promulgação da primeira Lei de Reforma Psiquiátrica do Brasil, já haveria tempo para que o autor do artigo pudesse lê-la. Sim, porque, para dizer o que disse, é imprescindível que nunca a tenha lido. Há outras hipóteses, claro, mas todas piores, razão pela qual as desconsidero. A Lei 9.716/92 não determinou “fechar leitos” (sic). O absurdo só existe na imaginação dos seus críticos. A lei tampouco expulsou alguém de um hospital. A lei, pelo contrário, manda abrir leitos psiquiátricos, mas em hospitais gerais. Primeiro, pessoas acometidas de doença mental internadas em hospitais gerais não serão tão expostas ao estigma social como as internadas em manicômios. Segundo, hospitais gerais possuem estrutura complexa e profissionais de diversas especialidades, o que assegura melhor atenção, notadamente quando consideramos as comorbidades.
Um pequeno esforço de pesquisa mostraria que a demanda por internações de doentes mentais vem caindo, ano a ano no RS, exatamente porque, desde a Lei da Reforma, se organizou uma rede de atenção em saúde mental, com os Caps e outros recursos comunitários, que é muito mais resolutiva e que tem atuado com especial incidência na prevenção ao surto psiquiátrico. Esta dinâmica contraria os interesses dos donos das clínicas e hospitais psiquiátricos, para quem o aumento das internações, em número e duração, sempre foi – por coincidência, claro – funcional ao seu faturamento no SUS.
Mas, então, por que faltam leitos psiquiátricos? O motivo é sabido, embora dele não se dê notícia. O que ocorre é que não dispomos de rede pública capaz de atender à demanda em alcoolismo e drogadição, o que produz enorme distorção de demanda. Não temos, tampouco, política pública minimamente eficiente para a prevenção do consumo de drogas. Sem ter para onde encaminhar os dependentes químicos, as famílias buscam o Judiciário, que determina a internação em hospitais psiquiátricos. Já é hora de o Parlamento gaúcho se debruçar sobre este tema, mas não para retroceder na reforma, como desejam os proponentes da indústria da loucura.
*JORNALISTA
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