quinta-feira, 5 de julho de 2012

A SAÚDE NA UTI

 
ZERO HORA 05 de julho de 2012 | N° 17121. ARTIGOS

Vinícius de Melo Lima - Promotor de Justiça de Torres/RS


A condição humana de milhares de pessoas aguardando vagas para internação nas UTIs aponta a gravidade dos problemas afetos à área de saúde pública no Estado do Rio Grande do Sul. Tal quadro se agrava ainda mais quando em jogo está o direito à vida de recém-nascidos e crianças que precisam de vagas em UTIs neonatal (até 30 dias de vida) e pediátrica. Há um distanciamento perigoso entre a previsão constitucional de prioridade absoluta e o cenário das ruas que bate nas portas das Promotorias de Justiça.

Em casos-limite, sequer há a possibilidade de aquisição de leitos particulares por parte do Estado, diante da ausência de vagas para internação, tanto na UTI neonatal quanto na pediátrica. Em dolorosa experiência vivenciada pelo signatário no dia 2 de julho de 2012, diante do relato de um pai desesperado em face da ausência de UTI pediátrica na Comarca de Torres, o Ministério Público ingressou com demanda em juízo postulando a imediata transferência da criança para um hospital com UTI pediátrica no Estado. Todavia, a alegação foi sempre a mesma – “não há vagas” –, sendo que os entes públicos (município e Estado) e a instituição hospitalar local, após idas e vindas, alcançaram a internação do infante em UTI pediátrica tão somente em outro Estado da Federação, mais precisamente na cidade de Tubarão, Santa Catarina.

Das ilusões perdidas (Balzac) temos que avançar para a adoção de medidas concretas, tais como, por exemplo, o aforamento de uma ação civil pública contra o Estado do Rio Grande do Sul, postulando o redirecionamento de verbas públicas em favor da saúde, que agoniza e pede socorro! Não faltará argumento calcado no mito fatalista do dado ou na falácia realista (“as coisas não mudam, são assim mesmo”). Se os direitos são trunfos contra a maioria (Dworkin), a saúde precisa ser levada a sério em nosso Estado, diante do inequívoco défice de concretização dos direitos fundamentais. Evidente que a solução consensual pode (e deve) ser tentada, mas o consenso não significa a verdade, e não pode em momento algum implicar renúncia a direitos fundamentais.

Assim, é preciso tirar a saúde da UTI, devolvendo esperança a incontáveis famílias que carecem de uma sensibilização e um agir transformador por parte do Estado do Rio Grande do Sul, sendo o Ministério Público parceiro fundamental na luta pela defesa dos interesses prioritários de crianças e adolescentes.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na minha opinião, o Ministério Público não é "parceiro fundamental na luta pela defesa dos interesses prioritários de crianças e adolescentes", mas uma instituição permanente incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da constituição federal). E se um direito fundamental como a saúde, de interesse social e individual, está há muito tempo sendo indisponibilizada ao povo brasileiro e sendo tratada com descaso, negligência e desvios de verbas, que motivos estão impedindo o Ministério Público de agir contra os verdadeiros responsáveis? O MP não pode ser parceiro da indignação popular, mas instrumento de defesa com autonomia, independência e salários condizentes para agir de pronto em defesa do povo e da ordem jurídica e social. E este povo não precisa de oratória, mas de ação imediata e coativa das instituições democráticas que existem para denunciar e aplicar a lei. E todos sabem que são os responsáveis pelo caos na saúde. Médicos, agentes de saúde e seguranças dos hospitais não são os culpados. O problema é a falta de coragem da justiça em denunciar, processar, julgar, punir e tirar os direitos políticos dos verdadeiros culpados.

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