IMPORTAÇÃO DE MÉDICOS
Remédio de fora para um impasse na saúde
Associações e sindicatos médicos travam um embate com governo federal e prefeitos que planejam buscar no Exterior profissionais para atuarem nas unidades básicas de saúde e no Programa de Saúde da Família (PSF). Entre as principais críticas da categoria ao projeto está a possibilidade de os estrangeiros não precisarem prestar exames para garantir o direito de exercer a Medicina em território brasileiro
O plano de importar médicos estrangeiros para atuar em postos de saúde do Brasil levou para a UTI a relação entre prefeitos e associações médicas. Proposta pelos municípios como saída para preencher vagas que os médicos locais não querem, a ideia vem sendo torpedeada por entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB).
O presidente da AMB, Florentino Cardoso, chegou a dizer, na Câmara dos Deputados, que “o Brasil quer trazer a escória”. Em resposta, os prefeitos afirmam que não há médicos suficientes no Brasil e acusam os profissionais locais de quererem garantir uma reserva de mercado. O plano de importar 6 mil médicos foi anunciado pelo governo federal a partir da pressão dos prefeitos que não conseguem mão de obra nacional.
A prefeitura de Porto Xavier, na fronteira com a Argentina, propôs aos médicos brasileiros R$ 9 mil pelo trabalho no Programa de Saúde da Família (PSF), R$ 350 por noite de sobreaviso e mais R$ 56 para cada chamado atendido, totalizando um salário entre R$ 17 mil e R$ 18 mil. Não há interessados. Em outro extremo do Estado, a prefeitura de Santa Vitória do Palmar consegue driblar a dificuldade porque tem permissão para contratar médicos uruguaios. A cidade se beneficia de um acordo firmado entre os governos que vale apenas para áreas urbanas fronteiriças.
A proposta em elaboração pelos ministérios da Educação e da Saúde prevê que os médicos de fora atuariam só na atenção básica e no PSF. Viriam de países como Argentina, Cuba, Portugal e Espanha – que têm proporções de médicos superiores à do Brasil – para atuar em municípios pequenos e médios e na periferia das metrópoles.
A grande objeção feita pelos conselhos de Medicina e sindicatos médicos é a possibilidade de os estrangeiros serem liberados de exames para revalidação de diploma. O CFM promete ir à Justiça se a proposta for adiante.
– Se a intenção fosse séria, o governo traria médicos preparados para fazer cirurgias. Não há médicos pela metade – atacou o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila.
Déficit levaria ao desinteresse
O governo federal e os prefeitos afirmam que o Brasil tem déficit de médicos, o que leva a um desinteresse dos profissionais em trabalhar nos postos menos glamourosos. Segundo o Ministério da Saúde, na última década foram abertos 50 mil postos de trabalho além do número de diplomados.
– Não pode ser um tabu atrair de outros países. Diante da falta de médicos, não vamos ficar assistindo – disse o ministro Alexandre Padilha.
ITAMAR MELO
Cubanos no foco das críticas
Para o CFM, a ideia é um absurdo, não há falta de médicos e a intenção do governo seria trazer cubanos por motivos ideológicos.
– Portugueses e espanhóis não viriam de jeito nenhum. Falam neles para justificar os cubanos. Os brasileiros não querem ir (para certos lugares) por falta de condições de trabalho – garante Claudio Franzen, conselheiro do CFM pelo Rio Grande do Sul.
Para Franzen, uma prova de que estrangeiros não estariam qualificados é o baixo índice de aprovação no exame que revalida os diplomas no Brasil. Dos 884 inscritos em 2012, somente 77 conquistaram o direito de exercer a Medicina no país. O presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), Ary Vanazzi, diz que os exames são para reprovar.
– São feitos pelo CFM. As entidades médicas estão fazendo seu papel, de defender categoria – diz Vanazzi, resaltando que o déficit nas prefeituras do Estado está entre 500 e mil médicos.
ENTREVISTA - “Há mais vagas do que médicos”
José Fortunati/Presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)
Zero Hora – Por que os prefeitos apoiam o plano de trazer médicos do Exterior?
José Fortunati – É uma campanha da Frente Nacional de Prefeitos, que avança por causa da falta de médicos. Em janeiro, fizemos um documento com a assinatura de 2,5 mil prefeitos. Mostramos que era impossível dar sustentação ao SUS se não conseguirmos médicos nas unidades básicas de saúde e no PSF. Entregamos o abaixo-assinado à presidente Dilma, e ela pediu aos ministérios da Saúde e da Educação para tratar do assunto.
ZH – As entidades médicas afirmam que não faltam profissionais.
Fortunati – A proporção de médicos no Brasil é inferior à de países similares. O problema aparece especialmente nas pequenas e médias cidades e na periferia das grandes cidades. Se eu chamar um profissional para o HPS, para o Clínicas, tem médico de sobra. Mas se for para a Lomba do Pinheiro, não consigo. Quando há concurso, as vagas são preenchidas. Mas quando sai a nomeação para a periferia, eles desistem.
ZH – Isso ocorre por que há mais vagas do que profissionais?
Fortunati – Há mais vagas do que médicos, pelo menos médicos que queiram trabalhar na saúde pública.
ZH – As entidades afirmam que os profissionais não vão para certos lugares por falta de estrutura.
Fortunati – Segundo o SUS, Porto Alegre é a quinta cidade com melhor estrutura. Aqui, não tem essa desculpa. Existe um comportamento corporativista das entidades. Elas defendem o médico, enquanto o meu interesse, como gestor, é defender a população.
ZH – Os 6 mil que o governo quer trazer resolveriam a carência?
Fortunati – É o que precisamos neste primeiro momento.
ZH – Segundo entidades médicas, os cubanos têm formação deficiente e não passam na validação do diploma no Brasil.
Fortunati – Quem faz o exame é o CFM, que tem interesses corporativos. Esse teste tem nível de exigência 10 vezes maior do que é cobrado dos médicos brasileiros. Concentraram a discussão nos cubanos para ideologizar o debate. A campanha é para contratar médicos ibero-americanos.
ZH – Críticos dizem que a intenção é trazer cubanos.
Fortunati – Vão se surpreender com o número de médicos de Portugal e Espanha que querem vir.
ENTREVISTA - “Os salários não são bons”
Maria Rita de Assis Brasil/Presidente em exercício do Sindicato Médico do RS
Zero Hora – Por que o sindicato é contra o plano?
Maria Rita de Assis Brasil – Porque a falta de médicos é a ponta do iceberg do financiamento da saúde. Temos 400 mil em atividade no país. São quase dois médicos por mil habitantes, quando o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é um médico para cada mil habitantes.
ZH – Mas esses 6 mil médicos iriam para onde prefeitos não conseguem profissionais brasileiros.
Maria Rita – Com salário de R$ 2 mil, R$ 3 mil, a regra nas pequenas cidades, não se prende um profissional.
ZH – Na Capital, não se consegue médicos para a periferia.
Maria Rita – Porque ela não paga. Os salários não são bons.
ZH – Os defensores da proposta dizem que os exames de revalidação de diploma têm um grau de exigência maior do que o imposto aos médicos brasileiros.
Maria Rita – Contemplam nossa epidemiologia. Para trabalhar no Maranhão, o médico tem de saber que doenças aparecem lá. Se não souber, não passa na revalidação.
ZH – Não é melhor ter um médico não especializado do que não ter nenhum?
Maria Rita – A questão é o sistema de saúde. Dizem que colocarão médicos no Interior. Mas se eles atenderem uma parada cardiorrespiratória, não terão o que fazer. Não tem equipamento.
ZH – Mesmo nessas dificuldades, não é melhor ter um médico lá?
Maria Rita – Mas ele não é resolutivo como o senso comum e talvez até a imprensa estejam pensando.
ZH – Nessas condições, faz diferença se o médico é ou não brasileiro?
Maria Rita – Se ele sabe ser médico, não. Mas tu gostarias que, para os jornalistas se tornarem mais baratos, viessem jornalistas do Uruguai?
ZH – Aí, entra a crítica aos brasileiros, de que são corporativistas.
Maria Rita – Não faz diferença 400 mil médicos ou 406 mil médicos.
ZH – Qual é o valor mínimo que o sindicato recomenda de salário?
Maria Rita – O piso nacional, definido pela lei do médico de 1961, é de três salários mínimos da época. Isso, corrigido, dá hoje ao redor de R$ 10,5 mil brutos. Esse seria o piso do médico para quatro horas de trabalho.
Zero Hora – Por que o sindicato é contra o plano?
Maria Rita de Assis Brasil – Porque a falta de médicos é a ponta do iceberg do financiamento da saúde. Temos 400 mil em atividade no país. São quase dois médicos por mil habitantes, quando o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é um médico para cada mil habitantes.
ZH – Mas esses 6 mil médicos iriam para onde prefeitos não conseguem profissionais brasileiros.
Maria Rita – Com salário de R$ 2 mil, R$ 3 mil, a regra nas pequenas cidades, não se prende um profissional.
ZH – Na Capital, não se consegue médicos para a periferia.
Maria Rita – Porque ela não paga. Os salários não são bons.
ZH – Os defensores da proposta dizem que os exames de revalidação de diploma têm um grau de exigência maior do que o imposto aos médicos brasileiros.
Maria Rita – Contemplam nossa epidemiologia. Para trabalhar no Maranhão, o médico tem de saber que doenças aparecem lá. Se não souber, não passa na revalidação.
ZH – Não é melhor ter um médico não especializado do que não ter nenhum?
Maria Rita – A questão é o sistema de saúde. Dizem que colocarão médicos no Interior. Mas se eles atenderem uma parada cardiorrespiratória, não terão o que fazer. Não tem equipamento.
ZH – Mesmo nessas dificuldades, não é melhor ter um médico lá?
Maria Rita – Mas ele não é resolutivo como o senso comum e talvez até a imprensa estejam pensando.
ZH – Nessas condições, faz diferença se o médico é ou não brasileiro?
Maria Rita – Se ele sabe ser médico, não. Mas tu gostarias que, para os jornalistas se tornarem mais baratos, viessem jornalistas do Uruguai?
ZH – Aí, entra a crítica aos brasileiros, de que são corporativistas.
Maria Rita – Não faz diferença 400 mil médicos ou 406 mil médicos.
ZH – Qual é o valor mínimo que o sindicato recomenda de salário?
Maria Rita – O piso nacional, definido pela lei do médico de 1961, é de três salários mínimos da época. Isso, corrigido, dá hoje ao redor de R$ 10,5 mil brutos. Esse seria o piso do médico para quatro horas de trabalho.
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