segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O PROGRAMA MAIS MÉDICOS TRARÁ BENEFÍCIOS INEGÁVEIS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2294 | 01.Nov.13

ENTREVISTA: Claudio Lottenberg

O presidente do Hospital Israelita Albert Einstein afirma que a iniciativa do governo federal ajudará uma população que sofre, sem saber, de males como diabetes e hipertensão

por Mônica Tarantino



EVIDÊNCIAS
Para aumentar a qualidade do atendimento, Lottenberg defende a adoção
de modelos de tratamentos certificados por diversos estudos científicos

O desperdício de recursos, seja tempo, seja dinheiro ou tecnologia, está entre as poucas coisas que realmente irritam o oftalmologista Claudio Lottenberg, 53 anos. Há 11 anos à frente do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo – considerado o melhor da América Latina –, ele é responsável por sua expansão e pelas parcerias firmadas com o setor público. Desde 2008, por exemplo, a instituição assumiu a gestão do hospital municipal Moysés Deutsch, na zona sul paulistana. Lottenberg une a experiência de gestor privado e público com a de médico para fazer diagnósticos da saúde brasileira. A princípio crítico do Programa Mais Médicos, ele agora combate o radicalismo contra a iniciativa. “O programa trará benefícios inegáveis em locais onde não havia ninguém. Mas é uma medida compensatória”, afirma. “Precisamos agora de medidas que estruturem o sistema de saúde para conter a elevação dos custos e qualificar o capital humano.” Lottenberg concedeu esta entrevista logo após sua chegada de uma viagem a Israel. Enquanto respondia às perguntas, fez a barba, tomou chá, pediu uma pausa para trocar a camiseta branca por uma camisa azul-clara, bem passada e ligeiramente folgada, checou o celular e ajustou a gravata para a foto, tudo isso sem perder o fio da meada nem sequer por um segundo.


"Os profissionais do Exterior não vão competir em São Paulo.
Eles estarão no interior do País, como no Acre, Estado onde
o governador não consegue intensivistas nem por R$ 25 mil”


“Uma nova tecnologia ou medicamento sempre
agregam custo, mas não trazem necessariamente valor"



ISTOÉ - O que acha do Programa Mais Médicos?


CLAUDIO LOTTENBERG - É um programa que nasce como uma iniciativa de curto prazo, voltado para suprir carências. A presença dos médicos em localidades onde não havia ninguém para atender a população trará bons resultados. Eles irão dar assistência a pessoas que sofrem, sem saber, de males como pressão alta e diabetes. Isso não demanda alta tecnologia, mas um médico bem preparado. Outro acerto é o fato de a sociedade se mobilizar em torno do reconhecimento de que a falta de médicos e sua má distribuição são um problema.

ISTOÉ - Como considera a reação negativa de boa parte dos médicos brasileiros?


CLAUDIO LOTTENBERG - Questiono-me se nós médicos não temos sido excessivamente reativos ao programa. Os profissionais do Exterior não vão competir em São Paulo. Eles estarão no interior do País, como no Acre, Estado onde o governador Tião Viana disse não conseguir médicos intensivistas nem por R$ 25 mil. Não se pode lidar com um problema dessa magnitude na base do contra ou do a favor. É uma questão de saúde pública que tem inúmeros desdobramentos sociais.
ISTOÉ - Um dos argumentos contrários é o de que o programa não apresenta uma solução definitiva para a saúde.


CLAUDIO LOTTENBERG - Realmente, o que não pode acontecer é que o problema se torne perene, sem mudanças, sem que haja uma maior sinergia com as lideranças médicas do País, sem criatividade na formação do capital humano, incentivos para a mobilidade e nem um plano de carreira. Fundamentalmente, o programa é uma política compensatória, que não terá efeito de estruturação do sistema de saúde. Mas ele trará benefícios inegáveis onde antes não havia ninguém para atender a população.
ISTOÉ - Os médicos também reclamaram que, da forma como a iniciativa foi divulgada, pareceu que a culpa pelas deficiências no atendimento era somente da classe.


CLAUDIO LOTTENBERG - O assunto propiciou entendimentos equivocados que precisam ser administrados. Não se pode responsabilizar os médicos pela carência da assistência em localidades mais distantes ou pelo fracasso de um sistema de saúde. Boa parte da população está com essa impressão, que não é real. É preciso entender que o médico é um ser humano a quem está sendo ofertada uma oportunidade profissional que tem prós e contras, e que ele tem necessidades que transcendem a atividade de trabalho, como todos. O médico tem filhos na escola, família.
ISTOÉ - Pode dar exemplos do que considera políticas capazes de estruturar a saúde brasileira?


CLAUDIO LOTTENBERG - Diante do fato de que saúde não tem preço, mas tem custo, é necessário adotar ferramentas de gestão para administrar corretamente. Se isso não for feito, ele se tornará insustentável. A área da saúde registra índices inflacionários muito maiores do que os da economia em geral.
ISTOÉ - Quais fatores influenciam a inflação no setor?


CLAUDIO LOTTENBERG - Os mais importantes estão ligados à incorporação de novas tecnologias. Não se pode fazer isso sem a perspectiva da economia em saúde. Essa avaliação precisa ser feita, uma vez que uma nova tecnologia ou medicamento sempre agregam custo, mas não trazem necessariamente valor. Muitas vezes, vale incorporar novos métodos pela resolutividade que eles possuem, mas isso tem que ser cuidadosamente ponderado. Nesse sentido, a comunidade médica está diante do desafio de refletir sobre a sua realidade. Será que não estamos concordando e nos submetendo às regras da indústria farmacêutica e de equipamentos, sem perceber a extensão de seu impacto? Nos Estados Unidos, cada vez que a agência reguladora FDA aprova um procedimento, produto ou aparelho, está implícito que as fontes pagadoras deverão pagar por ele. Isso gerou um déficit imenso.
ISTOÉ - Quais critérios devem ser usados para medir a eficiência de um serviço de saúde?


CLAUDIO LOTTENBERG - Sem protocolos de tratamentos baseados em inúmeros estudos – o que gera evidências clínicas de eficácia – e a padronização de medicamentos, não há como medir resultados e, portanto, não há como melhorar. Parte disso pode acontecer com o incentivo à participação mais direta do setor privado no atendimento à saúde pública.
ISTOÉ - Por quê?


CLAUDIO LOTTENBERG - A área privada já está mais adaptada ao uso desses parâmetros.
ISTOÉ - O sr. acaba de se filiar ao Partido Republicano. Por que deseja trocar o sucesso à frente do hospital pelos solavancos da vida política?


CLAUDIO LOTTENBERG - O fato de me filiar a um partido não significa fazer trocas ou mudanças. Apenas me habilitei a participar de um processo. Sou um gestor público e privado na área da saúde e estou pronto para enfrentar desafios.
ISTOÉ - Foi o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que encorajou sua filiação?


CLAUDIO LOTTENBERG - O ministro Padilha me incentivou, mas não foi só ele. Tenho apoio da família, da minha comunidade, do segmento da saúde, de líderes empresariais e do campo político brasileiro. Esse sentimento de solidariedade tem sido muito estimulante.
ISTOÉ - O ex-vice-presidente José Alencar foi do PR. O lugar dele está vago na política brasileira?


CLAUDIO LOTTENBERG - Não me sinto confortável em dizer se existe um vazio, mas Alencar marcou nossa história. Gostava muito dele e o atendi como médico algumas vezes. Era um político habilidoso que tinha a virtude de ouvir todos os lados e de aproximar as pessoas para que chegassem a acordos sobre questões delicadas. Foi um edificador de aproximação de alas que até então pouco conversavam. Até que fosse eleito, o País havia se esquecido da importância de um vice-presidente.
ISTOÉ - Que marcas da sua gestão à frente do Einstein podem ser úteis para a saúde pública?


CLAUDIO LOTTENBERG - Foi na minha administração que o hospital aumentou sua participação na saúde pública, no compartilhamento de seus avanços em gestão e na criação de protocolos de saúde. Tornei a instituição pelo menos duas vezes maior do que o nosso principal concorrente sem perder o foco da qualidade. Criamos uma estrutura diversificada de laboratórios e ambulatórios que agilizam o atendimento e temos o maior e melhor serviço de transplante de fígado acessível aos usuários do SUS. Fazemos em média 250 transplantes por ano e mantemos um amplo programa filantrópico.
ISTOÉ - Que mudanças terá o currículo da faculdade de medicina a ser lançada pelo Einstein em 2015?


CLAUDIO LOTTENBERG - O papel do médico está mudando e é necessário formar líderes. Quero uma escola de onde saiam profissionais com noções de gestão em saúde e governança corporativa para tomar decisões. Eles serão formados para o trabalho em equipe, operação de estruturas e processos e para enxergar a necessidade dos pacientes com a consciência de que o indivíduo à sua frente está inserido em um contexto maior. Quero que o médico entenda que a saúde depende de financiamento, acesso e humanismo. Medicina não consiste apenas em tecnologia, mas é, antes disso, envolvimento e confiança. Investiremos R$ 50 milhões na construção de um novo prédio.
ISTOÉ - Já sabe quanto custará a mensalidade?


CLAUDIO LOTTENBERG - Sei que elas serão competitivas em comparação com as instituições privadas e adequadas para a qualidade de ensino que desejamos. Haverá, porém, um sistema de bolsas e incentivos para atrair os melhores alunos. Eu mesmo pude estudar com bolsas de estudo.
ISTOÉ - O que o levou a Israel?


CLAUDIO LOTTENBERG - Sou presidente da Confederação Israelita do Brasil e vice-presidente do Congresso Mundial Judaico. Fui a um encontro dessa entidade. Ir a Israel me remete às grandes questões humanistas e contemporâneas, como as negociações de paz, e aos valores que me formaram. Estudei lá por um período e sempre me impressiono com o sistema de saúde israelense, que é também universalizante, proporcionalmente maior do que o brasileiro, dotado de muitos centros de alta tecnologia com as portas abertas ao público, como o hospital de Hadassa, criado antes mesmo do Estado de Israel.
ISTOÉ - E o que trouxe para o Brasil desta vez?


CLAUDIO LOTTENBERG - Desta viagem, trouxe novas iniciativas para estudos em neurologia e pesquisas em câncer e também o apoio do governo israelense para orientar ações em saúde na Guiné-Bissau. O convite foi feito pelo jurista e político timorense José Manuel Ramos-Horta, Prêmio Nobel da Paz, por causa dos serviços prestados pelo Einstein durante as catástrofes do Haiti e da tragédia de Santa Maria, por exemplo.

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