FOLHA.COM, 15/01/2014 11h39
FELIPE BÄCHTOLD
ENVIADO ESPECIAL A VENÂNCIO AIRES (RS)15/01/2014 11h39
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Estado entre os melhores do país em indicadores sociais, o Rio Grande do Sul lidera estatísticas em uma área que preocupa governos e intriga pesquisadores: o de recordista em taxas de suicídio.
Órgãos de saúde do Estado tentam quebrar o silêncio sobre um tema sempre delicado e ampliar o atendimento a pacientes que consideram em situação de risco. Os gaúchos têm índices que atingem o dobro da média nacional.
Entre 2007 e 2010, o Estado teve 10,2 mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes – valor próximo ao de países europeus como Suécia e Noruega, que já foram conhecidos por índices elevados desse tipo de morte.
Dados do Ministério da Saúde tabulados pela Folha com cidades brasileiras acima de 50 mil habitantes apontou que, no período de 2007 e 2011, estão no Rio Grande do Sul 9 das 20 cidades que proporcionalmente tiveram mais casos.
O epicentro do fenômeno no Estado está no vale do Rio Pardo, região conhecida como um polo mundial da produção de fumo.
Um dos municípios mais ricos do Estado, Venâncio Aires teve 79 casos em cinco anos (o equivalente a 23,1 casos para cada 100 mil habitantes).
Na cidade de 69 mil habitantes a 127 km de Porto Alegre, o tema é um tabu. A explicação comum é a forte influência da cultura alemã e seus padrões de auto exigência.
Cerca de 10% dos leitos do principal hospital local são destinados à psiquiatria. Nos últimos anos, a prefeitura começou a investir em um programa de prevenção baseado em internações e grupos de ajuda.
O delegado Felipe Cano diz que os casos na localidade são tão numerosos que não é possível traçar um perfil dos mortos: há de pobres a ricos, jovens e idosos, moradores do centro e da área rural.
"Todo mundo sabe de uma história com um vizinho, um conhecido. E é uma coisa que não se divulga justamente para não fomentar", afirma.
Enquanto a cidade possui taxas de criminalidade baixas, na delegacia há centenas de fotos de investigações de suicídios, que precisam ser apurados até que a hipótese de crime seja descartada.
A enfermeira Cristina Teles, que atua na prevenção no município, diz que uma possível causa é um efeito de repetição. "A pessoa pensa: `meu pai fez isso, meu avô fez isso'. Em um momento de crise, cogita também fazer."
FUMO
Nos anos 90, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul levantou uma hipótese que associa a alta dos suicídios ao uso de agrotóxicos chamados organofosforados nas plantações de fumo. O trabalho apontava a possibilidade de o produto gerar efeitos comportamentais no agricultor.
O debate sobre o assunto fez com que até um projeto de lei fosse encaminhado no Congresso banindo o uso esses produtos. A proposta segue parada desde 2011.
A Associação dos Fumicultores, porém, rechaça essa relação e diz que hoje o composto é pouco usado. Uma pesquisa da Unicamp e de uma universidade local sobre o tema apontou que não havia relação entre as mortes e o uso do material na lavoura.
QUESTÃO DE HONRA
O psiquiatra Ricardo Nogueira, que estudou em mestrado as taxas de suicídio no Rio Grande do Sul, vê "múltiplos fatores" no fenômeno e cita a questão da "honra" na tradição gaúcha como uma das causas.
"Vejo uma coisa em comum entre gaúchos e japoneses. É a questão da dignidade, de não poder ser traído, de não levar desaforo."
Até a influência do Uruguai, onde os índices são muito superiores aos do Brasil, foi posta como hipótese.
O doutor em ciências médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Jair Segal cita a predominância na região de pequenas propriedades familiares, frequentemente afetadas por dívidas ou perdas com o clima.
"Há quem veja a morte como uma saída pela vergonha de perder a propriedade."
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