Máfia das
próteses coloca vidas em risco com cirurgias desnecessárias. Médicos
chegam a faturar R$ 100 mil por mês em esquema que desvia dinheiro do
SUS e encarece planos de saúde.
Já imaginou médicos que mandam fazer cirurgias de próteses sem
necessidade, só para ganhar comissão sobre o preço desses implantes? Ou
então gastar muito mais material do que o necessário, também para
faturar um dinheiro por fora? Esses golpes milionários, dados pela máfia
das próteses, são o tema da reportagem de Giovanni Grizotti, que você
vai ver agora.
O Fantástico revela um retrato escandaloso do
que acontece dentro de alguns consultórios e hospitais do Brasil. O
Fantástico investigou, durante três meses, um esquema que transforma a
saúde do país em um balcão de negócios.
O repórter Giovani
Grizotti viajou por cinco estados e se passou por médico para flagrar as
negociatas. Empresas que vendem próteses oferecem dinheiro para que
médicos usem os seus produtos.
Mercado de próteses movimenta anualmente R$ 12 bilhões no Brasil
“Normalmente o que eles utilizavam era aquela que vendia o material
mais caro e que pagava a comissão maior”, conta uma testemunha.
Até cirurgias desnecessárias eram feitas, só para ganhar mais.
“Sacolas de dinheiro não surgem do nada e não são dadas à toa”, diz A testemunha.
O esquema usa documentos falsos para enganar a Justiça. Uma indústria
de liminares que explora o sofrimento de pacientes, desvia o dinheiro do
SUS e encarece os planos de saúde.
“Esse mercado de prótese no
Brasil, ele hoje tem uma organização mafiosa. É uma cadeia, onde você
tem o distribuidor, você tem o fabricante que se omite e você tem na
outra ponta o médico ou o agente que vai implantar a prótese”, conta
Pedro Ramos, diretor da associação dos planos de saúde.
O
mercado de próteses movimenta anualmente R$ 12 bilhões no Brasil. Elas
têm várias finalidades, desde simples parafusos para corrigir fraturas
até peças complexas que substituem partes inteiras do corpo. As
operações são caras.
“Ortopedia, neuro e cardiologia são os mais lucrativos”, revela uma testemunha.
Esta testemunha que falou ao Fantástico conhece bem os bastidores das
negociatas. Durante dez anos, ela trabalhou para quatro distribuidores
no Rio Grande do Sul. Ela explica como são calculadas as comissões dos
médicos.
“É feito um levantamento mensal em nome do médico.
Quantas cirurgias foram feitas o uso do material tal , ‘x’. E ali a
gente faz o levantamento. Em cima disso a gente tira o percentual dele”,
conta a testemunha.
Fantástico: Quanto um médico chega a faturar?
Testemunha: De R$ 5 mil a R$ 50 mil, R$ 60 mil, R$ 100 mil.
Investigação começou no RJ durante um Congresso Internacional
A investigação do Fantástico começa no Rio de Janeiro, durante um
Congresso Internacional de Ortopedia, onde os fabricantes expõem seus
lançamentos. E alguns conquistam a confiança dos médicos não só pela
qualidade, mas por outras vantagens.
“A gente consegue chegar a 20%”, diz um representante da Oscar Iskin.
“20?”, pergunta o repórter do Fantástico.
“É. É o que o senhor vai achar aí no mercado”, responde o representante.
Vinte por cento é a comissão que o médico recebe para indicar ao
paciente a prótese vendida pela Oscar Iskin. E o pagamento é em dinheiro
vivo.
Fantástico: Em dinheiro, espécie?
Representante da Oscar Iskin: É. Espécie.
As negociatas se repetem em outras empresas. O sócio da empresa Totalmedic, de São Paulo, oferece um pouco mais.
Fantástico: Mas é o quê? 20?
Sócio da Totalmedic: 30.
Fantástico: 30? Ó.
Sócio da Totalmedic: Eu prefiro deitar e dormir tranquilo.
Acompanhado do diretor, o vendedor da distribuidora Life X também faz a sua oferta.
Fantástico: Como é que vocês trabalham a questão comercial, assim, a relação com os médicos?
Vendedor da Life X: Olha, hoje a gente está com parceria em questão de 25%.
Fantástico: 25%.
Vendedor da Life X: A maioria das vezes é dinheiro, é espécie.
Veja um exemplo de quanto dinheiro um médico pode ganhar em comissões,
dado pela mulher que era responsável pela contabilidade de uma grande
clínica em São Paulo. “Aquilo ali parecia uma quadrilha. Uma quadrilha
agindo e lesando a população. É uma quadrilha. Um exemplo que eu tenho
aqui: R$ 260 mil de cirurgia, R$ 80 mil para a conta do médico. Aqui a
gente tem uma empresa pagando R$ 590 mil de comissão para o médico no
período aqui de seis meses”, conta ela.
Para dar aparência de legalidade às comissões, muitas empresas pediam que os médicos assinassem contratos de consultoria.
“Onde o médico não presta consultoria alguma. Ele usa material, só isso”, diz a testemunha.
Esse é o método usado pela Orcimed, de São Paulo, para incluir, na
declaração de renda da empresa, comissões de até 30% aos médicos.
Fantástico: Mas qual é o argumento para justificar a consultoria?
Gerente da Orcimed: Faz consultoria de produtos.
A conversa foi gravada em um congresso voltado para dentistas e médicos
especializados em cirurgias ortopédicas na face, em Campinas, interior
de São Paulo. O gerente da empresa explica que a manobra evita problemas
com a Receita Federal.
Gerente da Orcimed: O governo não está
nem aí para isso. Quer saber o seguinte: está pagando? Pagou o meu?
‘Pagou’. Está tudo bem.
Fantástico: Questão ética?
Gerente da
Orcimed: Ética não interessa a ele. Não quer saber. Ele não discute
ética. Discute grana. Pagou o meu? Pagou. Dane-se agora.
Fraudes em licitações
Só no Sistema Único de Saúde, o SUS, são realizadas, por ano, 7 milhões
de cirurgias que usam próteses. E algumas empresas oferecem meios de
fraudar licitações de hospitais públicos.
É o caso da IOL, de
São Paulo. O repórter se apresentou como diretor de um hospital público
que queria comprar material. O gerente diz que dá para manipular a
concorrência, para que a empresa vença. Para isso, basta exigir no
edital alguma característica do implante que seja exclusiva da IOL.
Nesse caso, é o diâmetro dos furos onde vão os parafusos que fixam as
próteses.
Gerente da IOL: Geralmente o pessoal tem 10, 12, 14.
Fantástico: Aí, no caso, num edital?
Gerente da IOL: A gente coloca 13.
Fantástico: Como?
Gerente da IOL: Bota 13, 15... 11, 13,15.
Fantástico: No caso, tem algum acerto depois daí, alguma...
Gerente
da IOL: Tem. É o edital, o volume do edital, como vai ser o preço do
edital. A única coisa na vida que não dá para negociar é a morte.
A Brumed, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, chegou a
montar empresas de fachada em nome de funcionários para emitir
orçamentos falsos.
Bruno Garisto, dono da Brumed: Uma está no nome do Rodrigo. Outra está no nome do Hugo.
Fantástico: Quem é o Rodrigo?
Bruno Garisto: Rodrigo é um de Manaus, funcionário meu que mexe com coluna.
Fantástico: E o Hugo?
Bruno Garisto: E o Hugo é o que mexe com ortopedia.
Em troca dos contratos, o dono da Brumed paga comissões de 25%.
Bruno Garisto: Vai ter bastante volume?
Fantástico: Vai ter. Te garanto.
Bruno Garisto: Se tiver bastante volume, dá pra chegar nuns 25.
Fantástico: 25?
Bruno Garisto: É.
Fantástico: Vamos chegar ali então. Nós somos do Fantástico e o senhor admitiu a prática de vários crimes.
Bruno
Garisto: Olha, né... Brasil, né... todo mundo pega essa situação de
querer alguma coisa no que produz. Então, isso o Brasil inteiro está
assim.
Fantástico: O senhor admitiu fraude em licitação, falsidade ideológica, pagamento de comissões a médicos?
Bruno Garisto: Não.
Fantástico: Por que o senhor está negando algo que o senhor acabou de admitir?
Bruno Garisto: Olha, a gente não paga comissão. Entendeu?
Fantástico: O senhor nunca disse que repassa 25% de comissão?
Bruno Garisto: Não, nunca repasso.
Fraude de R$ 7 milhões no plano de saúde dos Correios no RJ
Um esquema do mesmo tipo, com comissões e orçamentos falsos, também
alimentou uma fraude de pelo menos R$ 7 milhões no plano de saúde dos
Correios no Rio de Janeiro.
Flagrado pela Polícia Federal, João
Maurício Gomes da Silva, ex-assessor da Diretoria Regional dos Correios
fez um acordo de delação premiada e contou detalhes do golpe.
“Aquela empresa que, teoricamente, dizemos que era parceira, ela
apresentava, já vinham com duas ou três orçamentos montados. Então
sempre determinando quem estaria levando naquela determinada cirurgia,
quem seria a beneficiada”, diz João Maurício Gomes da Silva, ex-assessor
da diretoria regional dos Correios.
Ele mostra o exemplo de uma cirurgia de coluna que custou quase R$ 1 milhão ao plano dos Correios.
“Bem paga, muito bem paga, num preço normal, de repente, a uns R$ 180
mil, no máximo uns R$ 200 mil.”, conta o ex-assessor da diretoria
regional dos Correios.
Para justificar operações tão caras, os médicos cobravam por produtos que sequer eram usados.
“Ele multiplicava mil, duas mil vezes a necessidade dessa massa com a
ideia de que conseguiria justificar isso tecnicamente que o organismo
absorvia essa massa”, explica João Maurício Gomes da Silva.
A massa é como um cimento para firmar os parafusos que fixam as próteses.
Representantes de empresa em SC dão detalhes sem constrangimento
A artimanha de cobrar por material não utilizado é comum nesse mercado
negro. Os representantes da empresa Strehl, de Balneário Camboriú, em
Santa Catarina, dão detalhes sem constrangimento.
Representante da Strehl: No raio-X ou qualquer outra coisa, não aparece. Aí você pode inventar, entendeu? Usei seis.
Fantástico: Não aparece... Ele não vai ter como provar que eu usei três.
Veja o que pode render a comissão paga por uma única cirurgia de face:
Representante da Strehl: Tu vai ganhar em torno de uns R$ 18 mil, R$ 20 mil.
Fantástico: Para um custo total de…?
Representante
da Strehl: Aí depende de quanto o senhor pedir, quanto mais pedir, mais
ganha. O pessoal pede. Tudo que dá para pedir, o pessoal pede.
Fantástico: Até exagera um pouquinho, né?
Representante da Strehl: Sempre, né? Sempre exagerado.
E o abuso vai além. Outra tática é até motivo de piada para os vendedores.
Representante da Strehl: A gente até riu quando eu soube disso aí. Que
eles entortaram a placa, eles tentaram usar, mas aí eles não
conseguiram.
Fantástico: E aí tiveram que colocar outra?
Representante da Strehl: Aí tiveram que colocar outra.
Ou seja, danificaram uma prótese de propósito para poder cobrar duas vezes. E o rendimento é dividido.
Representante da Strehl: É. Tira o custo do material. E o lucro a gente divide em dois.
Fantástico: Meio a meio?
Representante da Strehl: Meio a meio.
É tanta desfaçatez que surgiu uma nova especialidade em alguns
hospitais: os fiscais de cirurgia. Médicos contratados por planos de
saúde para vigiar as operações mais caras.
“Alguns determinados
materiais não deixam registro, então, quando são implantados, não
aparecem em filmes radiológicos e é necessário que seja acompanhado para
ver efetivamente qual foi a quantidade de material utilizado”, conta um
fiscal.
Médicos indicam cirurgias desnecessárias para lucrar mais
Entre tanta coisa errada, um golpe se destaca como o mais escandaloso:
indicar uma cirurgia sem necessidade, só para ganhar o dinheiro. É o que
denuncia o médico Alberto Kaemmerer, que durante 14 anos foi diretor de
um grande hospital de Porto Alegre.
“A cirurgia mal indicada, ela acresce um risco muitíssimo importante. Risco de morte”, alerta o cirurgião Alberto Kaemmerer.
O hospital precisou criar um grupo de médicos para revisar os pedidos
de cirurgia. Pelo menos 35% eram rejeitados, porque a operação seria
desnecessária.
Fantástico: O que que está por trás desse alto percentual de cirurgias desnecessárias na sua opinião?
Alberto Kaemmerer: Ganho financeiro.
Fantástico: De quem?
Alberto Kaemmerer: De médicos e também de alguns hospitais.
Uma experiência parecida foi realizada pelo Hospital Albert Einstein,
em São Paulo, um dos principais da América Latina. Durante um ano, uma
equipe médica revisou os pedidos de cirurgia de coluna encaminhados por
um plano de saúde.
“Nós recebemos aproximadamente 1,1 mil
pacientes no período de um ano. E desses, menos de 500 tiveram indicação
cirúrgica. Então, muito possivelmente, estava havendo um exagero em
relação a essas indicações”, diz Cláudio Lottenberg, presidente do
Hospital Albert Einstein.
Indústria de liminares
Dona
Wilma, de 76 anos, pode ter sido vítima de uma indústria de liminares
para realizar cirurgias às vezes desnecessárias. Ela mal consegue
caminhar por causa de um problema na coluna. Também sofre de depressão.
“Eu não consigo me movimentar, pegar uma vassoura, varrer uma casa, aí vem a dor”, conta a aposentada Wilma Prates.
O esquema funciona assim: depois de esperar anos na fila do SUS,
pacientes vão até os hospitais para realizar a consulta. Ali, em vez de
dar o atendimento pelo sistema público, os médicos encaminham os
pacientes a escritórios de advocacia. Com documentos falsos e orçamentos
de cirurgia superfaturados, são montados pedidos de liminar para
obrigar o governo a bancar os procedimentos. Foi o que aconteceu com
Dona Wilma.
“O advogado me disse: ‘Pode deixar comigo que eu resolvo a situação’”, diz José Prates, marido de Wilma.
Mas um laudo indicou que a dona Wilma correria risco de vida se fizesse
a cirurgia. Com base nisso, a liminar foi negada pela Justiça.
O Fantástico examinou em detalhes o processo judicial. O advogado
apresentou à Justiça três orçamentos de médicos para que os
desembargadores escolhessem o de menor valor, que é o do ortopedista
Fernando Sanchis. Pedimos a um perito para examinar os papéis.
“Conclusão que ele é o grande suspeito de ter produzido as falsificações
das assinaturas, de ter colocado o carimbo e de ter produzido o texto.
Eu chego à conclusão que isto aqui é uma fraude”, define o perito Oto
Henrique Rodrigues.
O valor do material que seria utilizado na
cirurgia era de R$ 151 mil. O fornecedor é a empresa Intelimed, de Porto
Alegre. A empresa paga comissões de até 20% aos médicos que indicam
seus produtos. Quem admite é um vendedor.
Vendedor da
Intelimed: Depende das linhas, 15%, 20%. Nessa linha, nesse valor aí.
Isso nos principais convênios. Mas teria que ver direitinho.
Seu João Francisco, de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, também
foi usado no esquema. Ele é usuário do plano de saúde dos servidores do
Governo Federal.
O advogado indicado pelo doutor Sanchis
entrou com um pedido de liminar para que o plano bancasse uma cirurgia
de coluna, orçada em R$ 110 mil.
O plano de saúde do Seu João
conseguiu suspender a liminar e fez a mesma operação, com outro médico,
por pouco mais de R$ 9 mil.
"Essas enrolações, quem é
prejudicado é quem tá doente, entendeste? Tu está à mercê dele, você não
entende nada", lamenta o serralheiro João Francisco Costa Da Silva.
Segundo os advogados do governo, os valores que aparecem nas liminares chegam a ser 20 vezes maiores do que os de mercado.
Fantástico: E quem paga essa conta?
Fabrícia
Boscaini, procuradora: Quem paga essa conta somos todos nós. Vai ser
bloqueado o dinheiro do Estado e esse dinheiro vai sair para pagar um
procedimento particular, que teria dentro do sistema.
É o caso de Dona Elisabete, que esperou um ano pela liminar e agora teve que voltar para a fila do SUS.
“Aí é muita cachorrada. Poxa vida, aí eles pegam as pessoas bem
inocentes para fazer uma coisa dessas.”, lamenta a balconista Elisabete
Steinmacher Cufre.
Pelo menos 65 pedidos de liminar sob
suspeita foram descobertos pelos procuradores do Rio Grande do Sul. Um
desembargador que atua em alguns desses processos desabafa.
“Que o sistema penal do país está falido, porque no momento em que se
encontram situações em que pessoas, seja que área for, profissionais,
buscam o Poder Judiciário para realizar uma fraude e conseguir com isso
auferir grandes lucros, significa que o sistema está desmoralizado e que
estão, inclusive, brincando com o Judiciário. É lamentável”, diz o
desembargador do TJ-RS, João Barcelos de Souza Júnior.
Procurado pelo Fantástico, o cirurgião Fernando Sanchis nega que receba
comissão de fornecedores de próteses. Mas reconhece que pode ter
assinado laudos em nome de outros médicos.
Fantástico: O senhor está admitindo com isso, uma falsificação.
Fernando Sanchis: Não.
Fantástico: Isso não é grave?
Fernando Sanchis: Não, de maneira nenhuma.
Fantástico: O senhor reconheceu que pode ter assinado em nome de outros médicos.
Fernando Sanchis: Mas com conhecimento dele, sempre. Ele trabalha junto com nós.
Por telefone, Henrique Cruz, médico que aparece nos orçamentos e
trabalhava com Fernando Sanchis, nega ter autorizado a assinatura e diz
que deixou a equipe dele após descobrir a fraude.
“Quando eu vi
isso aí, eu caí fora. Eu descobri (que ele estava fazendo isso) porque
me mandaram um papel falando assim, o paciente chegou com um papel com
esses orçamentos. Aí eu falei, ‘eu não assinei orçamento’”, alega
Henrique Cruz.
“Então, o que o consumidor deve fazer? Primeiro:
se ele tem dúvida da recomendação desse procedimento, que ele procure
um segundo ou um terceiro profissional da área da saúde. O consumidor
tem um papel fundamental em não acomodar-se quando a recomendação que
está vindo do profissional da saúde é suspeita de alguma coisa que não
esteja correta ou que coloque sua vida em jogo”, orienta Alcebíades
Santini, presidente do Fórum Latino-americano de Defesa do Consumidor.
Presentes e pagamento de comissões a médicos
A oferta de presentes e o pagamento de comissões a médicos é uma
prática comum, e não vem de hoje. Foi o que concluiu uma pesquisa do
Conselho Regional de Medicina de São Paulo, entre 2009 e 2010. Trinta e
sete por cento dos entrevistados admitiram que receberam presentes com
valor superior a R$ 500 nos 12 meses anteriores à pesquisa. E o assédio
começa cedo, logo na faculdade: 74% dos entrevistados disseram que
receberam ou viram um colega receber benefícios da indústria durante os
seis anos do curso de medicina.
“O Código de Ética Médica veda
essa interação, com o intuito de vantagens, com a indústria e/ou a
farmácia. Óbvio que as punições são previstas em lei. Estabelece desde
uma censura e a até mesmo a cassação do exercício da profissão”, explica
Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.
Mas não é a ética que preocupa os vendedores de próteses que pagam comissões a médicos.
“A gente sabe que esses órgãos não vão discutir nada disso, porque isso é uma discussão sem fim”, diz um vendedor.
O que eles temem é que essas negociatas deixem o sigilo dos
consultórios e hospitais e se tornem públicas, em uma reportagem de
televisão, por exemplo.
Vendedor: Ano que vem vai ser um ano, para esse mercado, importante.
Fantástico: Por quê?
Vendedor:
Porque vai estourar tudo. Porque a gente já sabe que a questão da
Receita Federal e a Polícia Federal em cima. Ontem a gente teve
informação que provavelmente em meados de janeiro o Fantástico faça uma
reportagem com duas especialidades mostrando como funciona esse mercado.
Fantástico: Vamos ali, que o meu colega está aguardando ali.
O repórter Giovani Grizotti se apresenta.
Fantástico: Você disse que o Fantástico vai dar matéria sobre isso? Nós
somos do Fantástico. O que você tem a dizer? Você paga propina para
médico?
Vendedor: Não eu, não. Jamais.
E quando o vendedor é informado que vai aparecer na reportagem, decide correr, desesperadamente.
Fantástico: Você maquia pagamento de propina na forma de contrato de
consultoria? Por que você está correndo? A gente só quer uma explicação
sua, por gentileza.
Fantástico procurou todas as empresas mostradas na reportagem
A Life X não quis se manifestar.
Em nota, a Totalmedic disse que respeita as tabelas dos planos de saúde e que vai adotar as medidas cabíveis.
Já a IOL implantes disse que não participa de licitações públicas e
repudia insinuações de fraude. Segundo a empresa, a conversa entre o
gerente e o repórter aconteceu em ambiente informal e não representa a
opinião do fabricante.
Também em nota, a Orcimed afirmou que
cobrar comissões se tornou normal no mercado. A Orcimed disse ainda que
sofre boicote de médicos por não aceitar a prática do superfaturamento e
que, por isso, deixou de fornecer material para diversas cirurgias.
Os diretores da empresa Strehl não foram encontrados.
A Oscar Skin informou que demitiu o vendedor que apareceu oferecendo comissão.
Também por nota, a Intelimed disse que o representante mostrado na
reportagem é um funcionário terceirizado. Mas que vai tomar as medidas
cabíveis.