segunda-feira, 14 de abril de 2014

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE


ZERO HORA 14 de abril de 2014 | N° 17763


ARTIGOS


 Roberto Canquerini*




A promulgação da Constituição de 1988 trouxe diversos benefícios sociais para os brasileiros. Entre eles, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, e o Estado passou a ter obrigação de garantir esse direito à população. Entretanto, a insuficiência dos recursos disponíveis ao SUS, fator que gera dificuldades para o cidadão obter medicamentos de ponta e tratamentos complexos e que compromete, inclusive, a realização de procedimentos básicos em unidades de saúde, somada à pouca efetividade alcançada pelas políticas públicas relacionadas à saúde no país, resultou na crescente demanda de parte da população recorrendo ao Judiciário para assegurar esse direito constitucional.

E os números são bastante representativos, especialmente no RS: segundo o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o Estado concentra pouco mais de 115 mil ações judiciais na área da saúde, quase metade do total nacional, cerca de 240 mil processos. Tais ações oneram os cofres públicos, em função de os gastos serem realizados de forma emergencial, portanto, sem o devido planejamento por parte dos governos, que se veem forçados ao cumprimento das decisões dos magistrados.

Nesse ponto, estabelece-se um conflito, tendo em vista que o direito individual acaba por suplantar o coletivo, especialmente em casos nos quais as demandas dos pacientes não são criteriosamente avaliadas. Contudo, como desconsiderar a legitimidade de o cidadão recorrer à Justiça para consolidar o direito à saúde que o Estado não lhe provê? Fato é que, conforme reportagem de 2013 de ZH, com relação a medicamentos, dos R$ 316 milhões gastos ano passado pela SES, R$ 192 milhões (64%) foram via judicial. Ainda em 2013, R$ 134 milhões foram gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais que determinavam o fornecimento de medicamentos, valor 5.000% maior do que a soma gasta em 2005.

Nesse cenário, torna-se imperativo que os gestores públicos planejem as ações considerando o crescente fenômeno da judicialização; logo, o mapeamento dos processos judiciais e a sistematização desses dados podem ser capazes de detalhar informações úteis das demandas dos pacientes em todo o país. Além disso, através de consórcios intermunicipais, a implantação de câmaras técnicas especializadas e respaldadas por farmacêuticos e médicos poderiam emitir pareceres aos magistrados, auxiliando-os na emissão das sentenças e evitando desperdícios de verbas públicas, pois muitas vezes Estados e municípios custeiam o mesmo tratamento em duplicidade, e, em tantas outras oportunidades, os medicamentos prescritos podem ser substituídos por outros disponíveis nos postos de saúde municipais ou na farmácia do Estado, sem prejuízo à qualidade do tratamento farmacológico.


*Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do sul (CRF-RS)

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