domingo, 4 de maio de 2014

UM HOSPITAL PÚBLICO QUE PARECE PRIVADO


 REVISTA ÉPOCA 29/04/2014 09h17
Em Salvador, um hospital público que parece privado. O Hospital do Subúrbio mostra que o governo não precisa gastar mais para oferecer um atendimento de qualidade à população

JOSÉ FUCS, DE SALVADOR


EM RECUPERAÇÃO
O motorista Aderson Barreto Brito e sua mãe, Ademaura, num quarto da enfermaria do Hospital do Subúrbio. Ele sofreu uma cirurgia delicada na perna esquerda (Foto: Márcio Lima/ÉPOCA)


Hospital do Subúrbio, em Periperi, bairro pobre e violento da periferia de Salvador, é a maior prova de que é possível melhorar a saúde pública no país sem ter de gastar uma fortuna. Primeira parceria público-privada (PPP) do Brasil no setor de saúde, o Hospital do Subúrbio alia o melhor de dois mundos: é um hospital público, com atendimento gratuito, com a qualidade de um bom hospital particular. Construído pelo governo baiano, o Hospital do Subúrbio é administrado, operado e equipado pela iniciativa privada desde sua inauguração, em setembro de 2010. O melhor: seu custo é, segundo a Secretaria de Saúde da Bahia, cerca de 10% mais inferior ao de hospitais similares geridos diretamente pelo governo do Estado. “Administrar um hospital – pessoal, insumos, equipamentos – é algo complexo, que exige uma agilidade que o Estado não tem”, diz Jorge Oliveira, presidente da Prodal Saúde, empresa que ganhou a concessão do Hospital do Subúrbio por dez anos, num leilão realizado na BM&F Bovespa em março de 2010.

O pioneirismo da PPP do Hospital do Subúrbio coube, ironicamente, a um governo ligado ao PT – partido que, em campanhas eleitorais, opõe-se a privatizações de forma veemente. Mesmo correndo o risco de ser criticado por correligionários, o governador Jaques Wagnerdeixou de lado a ideologia e adotou uma atitude pragmática. Com o limite de recursos próprios, uniu-se à iniciativa privada. Ao final, não apenas reforçou a rede pública de hospitais de urgência e emergência em Salvador – que não crescia havia 20 anos –, como economizou o dinheiro que teria de usar para equipar o hospital. Esse investimento, R$ 30 milhões até agora e uma estimativa de outros R$ 30 milhões até o final do contrato, em 2020, foi todo feito pela concessionária. O Estado, responsável pela construção do prédio, gastou mais R$ 50 milhões na obra.


“Fizemos uma opção heterodoxa pela combinação de várias alternativas de gestão, sem preconceito de nenhuma natureza”, afirma Jorge Solla, ex-secretário de Saúde da Bahia e ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde no primeiro mandato de Lula. Petista histórico, Solla coordenou o projeto de concessão do Hospital do Subúrbio ao setor privado e deixou o cargo no fim de janeiro, para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. “Quem está na gestão tem de fazer o diagnóstico dos problemas e encontrar a melhor ferramenta para dar conta deles. Não basta dizer que não pode.”

Houve oposição feroz à iniciativa por parte de médicos do setor público e servidores da área de saúde. Ainda hoje, o projeto é alvo de críticas, especialmente no aspecto ideológico. “Essa PPP é uma enganação”, diz Inalba Fontenelle, presidente do sindicato dos trabalhadores em saúde da Bahia. “É uma forma de privatizar o setor de saúde, dentro do modelo de Estado mínimo que se criou no país nos anos 1990.”

Apesar da gritaria, o Hospital do Subúrbio é um sucesso. Tornou-se, em pouco tempo, uma referência no Brasil e no exterior. Em meados de 2012, foi eleito como uma das 100 iniciativas mais inovadoras do mundo pela KPMG, uma das principais empresas internacionais de consultoria e auditoria. Em abril de 2013, o hospital recebeu o prêmio Parcerias Emergentes, do IFC, o braço financeiro do Banco Mundial, e do Infrastructure Journal como um dos dez melhores projetos de PPP da América Latina e do Caribe. Antes, já recebera um prêmio semelhante da revista World Finance, sediada em Londres. “O Hospital do Subúrbio é um exemplo do que conseguimos fazer quando trabalhamos com o Estado e, ao mesmo tempo, trazemos a experiência do setor privado para oferecer serviços de qualidade aos mais necessitados”, afirmou Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, em visita ao hospital há um ano. Mais importante, o hospital conquistou a satisfação quase unânime dos usuários, de acordo com uma pesquisa realizada há pouco tempo com pacientes, familiares e visitantes.

“O hospital é nota mil”, disse a ÉPOCA o motorista particular Aderson Barreto Brito, de 24 anos. Ele estava internado num quarto da enfermaria, com mais dois pacientes, em janeiro. Passara por uma delicada cirurgia, para fazer um enxerto na perna esquerda, com tecido tirado da coxa. O objetivo era reparar um “desluvamento” – lesão causada pela separação da pele e do tecido subcutâneo – sofrido num acidente como passageiro de um mototáxi. “Ele está sendo bem cuidado. Sempre dão atenção a ele”, afirmou sua mãe, Ademaura Barreto Brito, de 42 anos. Ela nasceu na Bahia, mas radicou-se em São Paulo e foi ver de perto como estava o filho e acompanhar sua recuperação.

Com 313 leitos, 60 na UTI e 253 na enfermaria, além de mais 60 para internação em domicílio, o Hospital do Subúrbio não tem pacientes deitados em macas ou colchonetes espalhados pelos corredores, como é costumeiro em hospitais públicos. Os quartos da enfermaria costumam receber no máximo três pacientes. Em geral, os resultados dos exames costumam sair no mesmo dia da solicitação. Os equipamentos de diagnóstico por imagem, como ultrassonografia e tomografia, são de última geração. As imagens são armazenadas na rede do hospital e podem ser acessadas a qualquer momento na UTI, no centro cirúrgico ou na enfermaria. Como a manutenção tem de ser feita pela concessionária, fica mais fácil chamar a assistência técnica para consertar as máquinas, porque não é preciso fazer licitação. Isso também facilita a compra de insumos básicos, como soro fisiológico, seringas e algodão. Eles podem ser comprados a qualquer momento. “O setor público compra equipamentos de boa qualidade”, diz Lícia Cavalcanti, diretora-geral do hospital, com larga experiência no setor público de saúde. “Mas, para fazer a manutenção, é muito burocrático.”

No Hospital do Subúrbio, os médicos e funcionários administrativos são contratados pela concessionária, não pelo Estado. Não têm estabilidade, como nos hospitais públicos. Podem ser substituí­dos a qualquer hora, se não tiverem bom desempenho. Quando médicos ou funcionários saem de licença-maternidade, o hospital pode contratar servidores temporários para substituí-los, em vez de ficar com o quadro reduzido. Segundo Lícia, o paciente é atendido pelo mesmo médico da internação até a alta, exceto nos casos de emergência, atendidos pelos médicos de plantão. O acompanhamento e o tratamento pós-ope­ratório costumam ser feitos pelo mesmo médico que fez a cirurgia. Isso facilita o acesso dos pacientes aos médicos e a avaliação dos profissionais, além de contribuir para reduzir o tempo de permanência do paciente no hospital, um dos principais problemas dos hospitais públicos. “Um hospital de urgência e emergência precisa ter rotatividade, para liberar leitos para quem está saindo da emergência”, afirma Lícia. “Não é um lugar para morar. É para ter uma passagem rápida.”

OS NÚMEROS DO SUCESSO

Os principais números do Hospital do Subúrbio


R$ 151,5 milhões é quanto o governo da Bahia paga por ano para terceirizar a gestão e a operação do hospital

46% foi quanto aumentou o pagamento anual feito pelo Estado à concessionária desde 2010

R$ 50 milhões foi quanto o governo baiano investiu na construção do prédio

R$ 30 milhões foi quanto a concessionária investiu no aparelhamento do hospital e na adequação das instalações em quatro anos

10% é quanto o custo do Hospital do Subúrbio é inferior ao dos hospitais administrados diretamente pelo Estado

20% é quanto as transferências do SUS cobrem do custo do Hospital do Subúrbio

400 é o número de pacientes que o hospital chega a receber por dia

313 é o total de leitos do hospital

0,4% é a taxa de mortalidade do hospital no período pós-operatório, abaixo da máxima de 2%, exigida no contrato


Desde o início da concessão, o valor do contrato sofreu quatro revisões. Passou de R$ 103,5 milhões para R$ 151,5 millhões por ano – um salto de 46%. Além de cobrir a alta dos custos, segundo Solla, o ex-secretário de Saúde, isso se deve à ampliação do número de leitos, internações e procedimentos em relação ao previsto no contrato original. Ele diz que, ainda assim, o custo por paciente do Hospital do Subúrbio continua competitivo em relação a hospitais similares administrados diretamente pelo Estado, porque o aumento de custos atinge toda a rede hospitalar. “A inflação no setor de saúde é maior que a média”, afirma.

De acordo com Solla, as metas quantitativas e qualitativas, das quais depende o pagamento mensal da concessionária, foram superadas com folga até agora. A infecção hospitalar ficou em 6,5 casos por 1.000 atendimentos, no último trimestre de 2013, bem abaixo do máximo de 20 por 1.000 previstos no contrato. O índice de rotatividade do hospital deveria ser de, no mínimo, 4,9. Está em 23,6. “Claro que temos falhas, mas procuramos identificá-las e modificá-las”, diz Lícia.

O Hospital do Subúrbio tornou-se vítima de seu próprio sucesso. A qualidade do atendimento e das instalações atraiu uma demanda maior do que se previa. O espaço interno teve de passar por adaptações. Algumas áreas reservadas a ventilação e iluminação no projeto original tiveram de ser reformadas para permitir o aumento no número de leitos. Até o refeitório teve de ser ampliado, para o hospital poder contratar mais funcionários. Embora voltado ao atendimento de urgência, ele chega a receber 400 pacientes por dia, a maioria com problemas corriqueiros. Para não abrir mão de suas conquistas, o hospital adotou uma escala de classificação de risco, que prioriza os casos mais graves. Ainda opera num nível 30% acima de sua capacidade. A sala de medicação, desenhada para receber seis pacientes, foi improvisada para acomodar mais três.

No momento, o governo inicia a construção de uma unidade pré-hospitalar ao lado, para atender os casos mais simples. Sua gestão também deverá ficar a cargo da Prodal, empresa que gerencia e opera o hospital. Isso ainda está em negociação e depende da definição de novas metas e do valor adicional pago à concessionária. Com o término da obra, previsto para o início de 2015, espe­ra-se que o movimento no Hospital do Subúrbio diminua bem. “No Brasil, as emergências hospitalares ainda recebem uma demanda grande de pacientes que deveriam ser absorvidos pelo posto de saúde”, diz Solla. “A população procura um hospital de emergência para coisas básicas, e isso toma tempo e espaço.”

Apesar dos contratempos, o governo baiano prepara novas PPPs para a saúde. Uma delas é para construir e equipar o segundo bloco do Instituto Couto Maia, em Salvador, voltado para doenças infecciosas. Ao contrário da PPP do Hospital do Subúrbio, no Couto Maia a equipe de profissionais será formada por servidores do Estado. Outro projeto prevê a construção de uma central de laudos para diagnósticos por imagem, para modernizar o serviço nos hospitais ligados ao governo estadual. A concessionária será responsável por integrar em rede 12 hospitais, de Salvador e do interior, e pelo investimento em equipamentos. Depois, a ideia é interligar os demais hospitais do Estado ao sistema e permitir que exames e laudos possam ser acessados em qualquer hospital do Estado. Com criatividade e ousadia – e sem preconceito ideológico –, é possível desenvolver projetos inovadores e alcançar resultados estimulantes até numa área carente de investimentos no Brasil, como a saúde pública.

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