ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903
EDITORIAL
O sistema caro e precário de marcação de consultas é uma prova de como a gestão ineficiente conspira contra os serviços e a imagem do SUS.
A saúde pública gaúcha está diante de mais uma evidência de que suas deficiências devem muito à incompetência administrativa. O caso do precário sistema de marcação de consultas, contratado pelo Estado e pela prefeitura de Porto Alegre, junta-se a outras provas como bem mais do que um exemplo de desperdício de recursos. O sistema que não funcionava representa um descaso com os usuários do SUS, já maltratados pela falta de médicos especializados, pelas emergências lotadas e pelas filas de quem espera por uma cirurgia. O sistema inoperante, contratado por altas somas, foi denunciado por ação do Ministério Público, no ano passado, mas continuou sendo usado. E somente veio a público agora com a divulgação de um relatório do Tribunal de Contas do Estado, com o alerta de que é preciso interromper um contrato lesivo para todos.
A lista de falhas é grande e deve ser investigada a fundo, para que se esclareça se vão ao limite da ineficiência ou se caracterizam delitos. As consequências são conhecidas. O sistema não foi suficiente para reduzir as filas de quem precisa de atendimento. Não há como justificar que alguém que precise de consulta com pneumologista, em Porto Alegre, fique quatro anos na fila, ou que a espera por um psiquiatra dure até três anos. O TCE apurou que 164 mil pessoas do Interior aguardavam, em agosto de 2013, por um especialista em Porto Alegre, num aumento de 41,7% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Um mecanismo que deveria facilitar a vida de quem depende unicamente da estrutura do SUS acaba por conspirar contra outros esforços de servidores dos governos estadual e municipal para que os serviços sejam melhorados.
Cada um dos que estão nas filas tem uma história particular de fracasso diante de uma demanda que, por obrigação, deveria ser atendida pelo setor público. Esse é o dano visível, incontestável. Agora, deve-se esclarecer quais são os prejuízos para o Estado e para a prefeitura, com a identificação dos seus responsáveis. Em primeiro lugar, é preciso que se diga por que os governos adquiriram, sem licitação, um software considerado caro, se um sistema gratuito estava disponível. Não podem ficar encobertos os tentáculos de um esquema que favorecia uma vasta rede de contratos, cujas despesas, incluindo-se todas as prefeituras, chegaram a R$ 30 milhões.
O que não pode persistir é o jogo de empurra de responsabilidades, como ficou claro nas alegações divulgadas ontem. O SUS é um modelo consagrado de saúde pública, com reconhecimento internacional, mas com sérias limitações, provocadas muito mais por gestões ineficientes – muitas vezes combinadas com atos de corrupção – do que por falta de recursos. São esses gestores, envolvidos em casos como o do sistema de consultas que não funciona, os maiores conspiradores contra a imagem da saúde pública e de seus servidores.
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