O Estado de S.Paulo 24 Outubro 2014 | 02h 06
OPINIÃO
Mais um estudo - desta vez do Conselho Federal de Medicina (CFM) - coloca em evidência a grave crise por que passa a rede pública de saúde. Ele mostra, com base em dados do Ministério da Saúde, que de julho de 2010 a julho de 2014 houve uma redução considerável de leitos de internação colocados à disposição da população pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O trabalho vem corroborar as conclusões de outros semelhantes, realizados recentemente, sobre essa tendência.
O número de leitos do SUS caiu de 336,2 mil para 321,6 mil naquele período - uma redução de 14.671 -, e o Rio de Janeiro foi o Estado mais afetado. Ele perdeu 5.977 leitos, ou 40,7% do total, como mostra reportagem do jornal O Globo. O Ministério da Saúde não nega seus próprios números, como não poderia deixar de ser, mas tem uma visão muito diferente da do CFM sobre a questão. Alega que a necessidade de internação hospitalar diminuiu nos últimos anos, como consequência, entre outras coisas, de programas de prevenção de doenças e do Saúde da Família, e que ao mesmo tempo cresceu muito o número de outros tipos de leitos.
Em ocasiões anteriores em que o problema foi levantado, as autoridades da área de saúde observaram que se deve levar em conta também a redução de leitos no setor de psiquiatria, justificada por terem surgido novas formas de tratamento que dispensam a internação.
De fato, como o próprio CFM reconhece, os chamados leitos complementares saltaram de 24.244 para 27.148 nos quatro anos do estudo. Os leitos de observação passaram de 80.742 para 91.710 no período e, como faz questão de ressaltar o Ministério, os leitos de UTI, ditos de maior complexidade, aumentaram de 15.509 para 19.394, um crescimento de 25% nos últimos três anos.
Uma coisa, porém, não exclui a outra. Do fato de a criação desses leitos ser uma necessidade não se deduz que ela justifique a eliminação de leitos de internação, e menos ainda na grande quantidade registrada. Tem razão, por isso, o vice-presidente do CFM, Mauro Ribeiro, quando recomenda não confundir as duas coisas. "Usam-se afirmações verdadeiras e justificativas falsas. Quando se coloca que há um aumento da tecnologia, medicações mais eficientes e tempo de internação menor do que há 20 anos, isso é verdadeiro. Mas usar isso para fechar leitos é justificativa falaciosa. Há filas para cirurgias eletivas e superlotação nos prontos-socorros", afirma.
Não são apenas a simples constatação que qualquer um pode fazer pessoalmente e as frequentes reportagens de jornais e televisões, estas com cenas particularmente chocantes, que comprovam a superlotação dos hospitais, com doentes atendidos nos corredores. Trabalhos técnicos de inegável seriedade fazem o mesmo.
Um estudo do Tribunal de Contas da União, feito em 2013, em 116 hospitais distribuídos por todos os Estados e o Distrito Federal, que constitui uma amostra representativa do sistema público de saúde, mostrou que nele faltam leitos, profissionais de saúde, medicamentos e equipamentos. A maioria dos dirigentes das unidades avaliadas, 64%, disse existir superlotação nos setores de emergência. Não foram poucos os casos constatados de pacientes atendidos em corredores, em macas e até em cadeiras.
A conclusões quase idênticas - algumas até mais chocantes - chegou um estudo posterior, feito por deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, representantes do Conselho Federal de Medicina e do Ministério Público Federal em oito unidades de atendimento de urgência espalhadas pelo País. "Existem casos que são verdadeiros acampamentos de guerra. As pessoas são depositadas ali", denunciou um dos membros do grupo, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).
É grave e preocupante, sim, a eliminação de 14.671 leitos hospitalares em quatro anos, porque, se eles pudessem ser compensados pelos milhares de outros criados corretamente, como pretende o Ministério da Saúde, a situação não seria essa mostrada por tais estudos.
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