sexta-feira, 16 de maio de 2014

PORQUE NÃO DESISTIMOS


ZERO HORA 16 de maio de 2014 | N° 17798. ARTIGO

por José J. Camargo*



Aprendi nesses anos, trabalhando no limite da alta complexidade, que esta tarefa nos condenou a uma vida em que a felicidade não tem nada a ver com paz, é apenas um fugaz ponto de equilíbrio no máximo de tensão.

Depois do primeiro caso de transplante de pulmão, que foi um sucesso com repercussão continental, coube-nos o desastre do segundo caso. Era um paciente de apenas 36 anos, que apresentava uma fibrose pulmonar secundária ao uso de drogas injetáveis, e que submetido a um transplante de pulmão teve uma evolução inicial normal mas desenvolveu uma rejeição sem resposta ao tratamento e acabou morrendo depois de 13 dias.

Quando terminamos a necropsia, estava clareando o dia. O exame do fígado e dos rins mostrava que as drogas alteraram também esses órgãos e isso explicava a falta de resposta à medicação, mas o entendimento do caso não diminuía o sentimento de perda.

Com o fracasso pesando uma tonelada, saí da UTI exausto e encontrei na antessala os três pacientes que naquela época compunham a nossa então modesta lista de espera para o transplante. Minha primeira reação foi de surpresa por descobrir que eles acompanhavam o caso, tão de perto e tão unidos, depois a ânsia de descobrir como se comportariam diante daquela tragédia, e cheguei a imaginar o pedido de desligamento do programa recém iniciado. E os três, chorando abraçados, suplicaram: “Dr. seja forte, pense em nós, e não desista, pelo amor de Deus!”.

Porque não desistimos, ultrapassamos os 460 transplantes, e cumprimos hoje 25 anos da história que se iniciou naquela inesquecível madrugada de 16 de maio de 1989.

Daquele episódio, dois sentimentos dominantes: a descoberta definitiva de que todos os grandes passos da nossa trajetória são inevitáveis exercícios de solidão e que, depois daquele salto rumo ao desconhecido, a nossa vida nunca mais seria a mesma e a história cobraria o preço da mudança.

O trabalho nesta área de alta complexidade só pode ser exitoso com o concurso de muitas cabeças determinadas e solidárias, e com elas compartilhamos trabalho, alegrias e perdas. Passado esse tempo, seguimos ainda atormentados com a sensação de que poderíamos ter feito mais e melhor, mas reconfortados com a certeza de nunca desistiremos de tentar!

*DIRETOR DO CENTRO DE TRANSPLANTES DA SANTA CASA DE PORTO ALEGRE

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