CAIO CIGANA
Elo sem controle
Na terceira fase da Operação Leite Compen$ado, foi descoberta uma nova variação da fraude. Desta vez, a adição é de água oxigenada. A ação apreendeu caminhões, resfriadores e substâncias químicas em Três de Maio e Nova Candelária, no noroeste do Estado. Mas como nas vezes anteriores, a fraude teria ocorrido no transporte, elo entre produtor e indústria.
Nem o aperto da fiscalização e o efeito pedagógico da prisão de envolvidos nos episódios anteriores parecem ter sido suficientes para inibir a ganância dos adulteradores. Um dia antes de completar seis meses da Operação Leite Compen$ado, o Ministério Público Estadual (MPE) acionou a terceira fase ontem, em Três de Maio e Nova Candelária, no Noroeste.
A exemplo das outras vezes, a figura central era um transportador, elo da cadeia do leite que assumiu o papel de intermediário, comprando o produto dos pecuaristas e revendendo à indústria. À frente da ofensiva do MPE, Mauro Rockenbach, da promotoria especializada criminal da Capital, aponta a falta de fiscalização no transporte como uma das brechas para a continuidade da adulteração:
– Existe apenas uma normativa dizendo que a fiscalização é atribuição da indústria. Ora, a indústria não tem interesse em perder fornecedores.
Com a experiência de 37 anos, o presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios, Ernesto Krug, entende que seria essencial impedir que transportadores revendam e mudar os critérios de remuneração.
– A relação deve ser direta entre indústria e produtor. E a remuneração tem de ser pela qualidade, não pelo volume – sustenta Krug.
Em crise com o MPE, o superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, discorda da necessidade de regras específicas. Para Signor, a instrução que estabelece normas para a cadeia leiteira dá condições para o leite ser transportado com qualidade. O ministério – que só atua nos postos de resfriamento e na indústria – não teria estrutura para acompanhar os mais de mil caminhões que levam o produto das propriedades aos laticínios. E diz:
– Fraude é caso de polícia.
MPE e Signor concordam apenas que a detecção da fraude é resultado da melhora na fiscalização. Com isso, aumentou a bateria de análises.
Embora tenha apontado a fraude, a Laticínios Bom Gosto segue na mira do MPE porque, apesar de ter descartado o leite com problemas, continuou a receber produto do mesmo fornecedor quando não comprovava inconformidades. Em nota, a empresa afirma que “iniciou imediatamente o descredenciamento e rescisão de contrato com a transportadora”.
E existem fortes indícios de que adulteração do leite continua.
– Há indicativos em mais dois pontos no Estado – avisa Rockenbach.
RESULTADODAS OPERAÇÕES - Deflagrada em maio deste ano, a Operação Leite Compen$ado resultou em processos criminais contra 19 pessoas: 10 em Ibirubá, quatro em Ronda Alta, duas em Guaporé, uma em Horizontina e outra em Três de Maio. Das 14 pessoas detidas, nove continuam presas, incluindo o vereador de Horizontina Larri Lauri Jappe.
CONTRAPONTO - Advogado dos quatro investigados, Juarez Antônio da Silva informou que seus clientes só irão falar em juízo. Conforme Juarez, eles negam qualquer adulteração de leite. Afirmou que os resfriadores apreendidos no galpão eram usados para fazer reserva momentânea do produto e que essa “é uma prática comum entre os transportadores da região”. O advogado afirmou, ainda, não ter tido acesso aos materiais apreendidos no galpão e na residência.
Água oxigenada é a fraude da vez
Fraudadores não se intimidaram e encontraram uma opção para obter lucro maior, desta vez com a adição de água oxigenada ao leite. O Ministério Público Estadual (MPE) apreendeu ontem três caminhões, resfriadores e substâncias químicas de um transportador que seria um dos líderes da suposta fraude em Três de Maio.
Conforme a investigação, o dono da Transportadora Reidel & Dias Ltda, Airton Jacó Reidel, faria a adulteração em um galpão próximo ao centro da cidade – nos fundos da casa de parentes. No local, interditado pelo MPE, foram encontrados bicarbonato de sódio, soda cáustica e sal de cozinha. Na residência de Reidel, foram apreendidos 50 litros de soda, além de notas fiscais da compra de mais 500 quilos do produto e 150 quilos de peróxido de hidrogênio (conhecido como água oxigenada). Conforme o MPE, o grupo compraria leite prestes a vencer por preço até 50% inferior ao do mercado e, após a manipulação com água oxigenada, repassaria para a indústria.
Apontado como o líder do esquema pelo MPE, Reidel atuaria com a ajuda da esposa, Rejane Dias, e dos sobrinhos Roberto Carlos Baumgarten e Laércio Rodrigo Baumgarten.
O Ministério Público pediu a prisão preventiva dos envolvidos, mas a Justiça negou por entender que a apreensão de caminhões e resfriadores impediria a continuidade da fraude. Reidel chegou a ser preso por posse ilegal de arma, após a polícia encontrar um revólver calibre 32 dentro de uma bota da esposa, mas foi solto depois de pagar fiança.
A investigação começou em setembro, quando os laticínios Bom Gosto e Mallmann informaram ao MPE e ao Ministério da Agricultura a detecção de água oxigenada no leite entregue pela transportadora de Reidel.
– As empresas informaram ter rejeitado as cargas ao detectar a água oxigenada. Após, três relatórios do laboratório da Univates confirmaram a presença – diz Alcindo Bastos da Silva Filho, da promotoria especializada em defesa do consumidor.
JOANA COLUSSI | TRÊS DE MAIO
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