quinta-feira, 21 de novembro de 2013

RIO GRANDE DO SUL, CAMPEÃO EM TUDO

ZERO HORA 21 de novembro de 2013 | N° 17621

ARTIGOS

Paulo de Argollo Mendes*



Não é novidade que o Rio Grande do Sul lidera em número de ações judiciais para obter tratamentos pelo SUS. Como não é novidade que o Estado ocupa a última posição em gastos com saúde, que responderam por 9,71% da receita corrente líquida em impostos e transferências em 2012 (dados do Ministério da Saúde), quando deveriam ser 12%. São Paulo está em 16º lugar, aplica 12,43% (quase 30% a mais). Mas um tema marginalmente abordado na reportagem de Zero Hora do domingo passado sobre a chamada judicialização da saúde mereceria reflexão.

Há sempre uma voz que se outorga a supremacia de delimitar o acesso a um direito assegurado na Constituição Federal como universal, escrito no artigo 196. São incontáveis os gestores ocupantes de cargos eletivos ou de confiança (CCs) que tentam dizer quando, onde, como e etc. os brasileiros terão direito ao que está na sua maior lei, apelidada de Constituição Cidadã, e que foi alvo do clamor dos protestos recentes.

Gostaria de ler nos jornais um diagnóstico detalhado sobre a demanda não suprida pelo SUS quando o doente necessita e não quando o gestor decide que receberá (normalmente com uma distância de anos, atestada por ZH). Mas lê-se o mesmo roteiro. Alguém – médicos sempre são os mais alvejados – está cobrando ou receitando algo que não deveria. O gestor demora anos para acolher o tratamento, e a solução deve seguir os valores do SUS?

Será que somos líderes na judicialização por causa de algumas situações que merecem, claro, averiguação e responsabilização? Ou porque há milhares de gaúchos que precisam ir à Justiça para ter o que singelamente deveria estar disponível de forma mais transparente e facilitada? Será que boa parte do que é buscado via judicial não poderia ser alcançada em postos e farmácias do SUS?

A Secretaria Estadual da Saúde, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Famurs realizam periodicamente encontros para atacar os algozes do que parece ser um assalto aos cofres públicos, orquestrado por pacientes orientados por médicos ou advogados. Por que não vejo a mesma abordagem feita sobre a família de classe média (cuja condição socioeconômica a impediria de solicitar o auxílio ao Estado) que busca o leite especial, aos casos de transplante e outros procedimentos de maior complexidade (por óbvio, de custo mais elevado)? O SUS é o maior financiador desses procedimentos que beneficiam doentes de todos os extratos sociais – e cumpre seu papel. Pior é descobrir que medicamentos para evitar rejeição de órgãos faltam aos pacientes. Qual é a lógica?

Infelizmente, a sociedade ainda é servida por uma versão ao gosto do senso comum para um tema que incontestavelmente confronta a eficiência das instituições em zelar e agir para fazer valer direitos (saúde, educação, segurança...), além de um claro jogo midiático dominado por acusações de supostas atitudes de profissionais e cidadãos contra o interesse público. Está mais do que na hora de imprensa e setores sociais (organizados ou não) inverterem a ordem das coisas. O SUS foi concebido para atingir a todos. Cada um que trate de cumprir a sua parte.



*MÉDICO E PRESIDENTE DO SINDICATO MÉDICO DO RIO GRANDE DO SUL (SIMERS)

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