segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

CLAMOR POPULAR




ZERO HORA 26 de janeiro de 2015 | N° 18054


EDITORIAL



O brasileiro pede para que o governo melhore a saúde e combata a violência e as drogas, numa repetição de apelos que parecem não sensibilizar as autoridades.

Pesquisa do instituto Ibope Inteligência, encomendada pela Confederação Nacional dos Municípios e divulgada na última quinta-feira, expressa de forma clara as prioridades da população brasileira para o ano que está começando. Renovam-se apelos que já apareciam com insistência em amostragens no ano passado e que tornam evidentes as carências da população na área da saúde. Foram ouvidas 2.002 pessoas em 142 municípios, e a melhoria dos serviços nesse setor aparece destacadamente como a principal urgência. Mais da metade dos entrevistados (51%) apontou essa prioridade. Depois, aparecem o combate à violência e à criminalidade e o controle da inflação (ambos com 29% de indicações).

Entre 20 itens relacionados como problemas que preocupam os brasileiros, o mais mencionado foi o tráfico e consumo de drogas – que, não por acaso, está diretamente relacionado à violência, à criminalidade e até mesmo, direta e indiretamente, a problemas de saúde. O resultado da pesquisa deve ser tratado como um pedido de socorro que o brasileiro expressa há muito tempo, sem que isso provoque reações à altura por parte das autoridades. A saúde pública brasileira, cujas responsabilidades são compartilhadas por União, Estados e municípios, tem a mais precária gestão de todas as áreas essenciais.

São graves e crônicos os problemas em educação e segurança, assim como há deficiências bem identificadas em infraestrutura e outros setores que dependem muito de governos. Mas nenhum tem a urgência da saúde, pelo motivo óbvio de que o suporte oficial pode determinar a vida ou a morte de alguém. As carências, que vão do atendimento básico às cirurgias seletivas, passando pelas emergências dos hospitais, multiplicam-se no mesmo ritmo da omissão governamental. A União transfere tarefas para os Estados, que ficam à espera de ações dos municípios, e o jogo de empurra apenas agrava uma situação alarmante.

Chama atenção na pesquisa o dado que aponta o combate às drogas, com 20% de indicações, entre as providências mais reclamadas, abaixo da melhoria da educação e do combate à corrupção. Tal preocupação tem vínculo com outra demanda que ocupa o segundo lugar no levantamento, logo depois da saúde, que é o combate à violência e à criminalidade. São questões que interessam a todos, independentemente da condição social, mas que representam perdas humanas mais expressivas, como revelam as estatísticas, para as populações de baixa renda. Com pesquisas como essa, o governo já sabe o que deve fazer. Falta agir.

EM RESUMO

Editorial comenta pesquisa sobre as prioridades da população em relação ao setor público e observa que essas são antigas demandas sem respostas efetivas dos que estão no poder.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

MÁFIA DAS PRÓTESTES TERIA PAGO PROPINA A HOSPITAIS

DIÁRIO GAÚCHO 18/01/2015 | 23h11


Máfia das próteses: hospitais receberiam parte de propinas de empresas. Ex-funcionária de fornecedor de próteses afirmou que, para entrar nos hospitais, é cobrado até 20%



Foto: Reprodução / RBS TV


A Polícia Civil e o Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul investigam novas denúncias contra a máfia das próteses, dessa vez envolvendo hospitais que estariam recebendo parte das comissões pagas pelos fornecedores por equipamentos médicos. Reportagens publicadas pela TV Globo mostraram que médicos ganham propina para fazer cirurgias superfaturadas e, às vezes, desnecessárias.


Uma ex-funcionária de um fornecedor de próteses, que revelou no último domingo que pacientes de um hospital em Itajaí (SC) obtiveram stents – tubos metálicos usados para expandir os vasos sanguíneos entupidos do coração – com prazo de validade vencido, afirmou hoje ao Fantástico que “para entrar no hospital, é cobrado de 10% a 20%. Então, praticamente hospitais todos têm uma taxa de comercialização”.


Em Pelotas, a promotora Rosely de Azevedo Lopes investiga uma cobrança parecida sobre o preço das próteses em três hospitais credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2012, a Santa Casa da cidade admitiu ao MP que ficava com parte do valor das próteses. Em documento, o hospital alega que o dinheiro serve para cobrir os custos de logística e compensar o baixo valor do repasse do SUS.


– É cobrada uma taxa de comercialização. Na época era cobrada taxa de comercialização, em torno de 15%, sobre o material que é oferecido. Nós não vemos nenhuma ilegalidade - disse o procurador jurídico da Santa Casa João Paulo Haical ao Fantástico.

Na semana passada, uma operação da Delegacia Fazendária do Estado cumpriu 21 mandados de busca para investigar a máfia das próteses. Entre os alvos estava o apartamento do médico Fernando Sanchis, suspeito de falsificar documentos em pedidos de liminar para realizar cirurgias superfaturadas. Para evitar que deixem o país, Sanchis e mais quatro médicos, além de três advogados, tiveram os passaportes apreendidos.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

ADULTOS PORTADORES DE TDAH



ZERO HORA 10 de janeiro de 2015 | N° 18038


ESTUDOS PELA FRENTE


Diagnóstico preciso é essencial para mais qualidade de vida



O avanço nas pesquisas em adultos portadores de TDAH tem trazido à tona a importância de um correto e preciso diagnóstico sobre a doença depois da infância, já que os tratamentos disponíveis trazem resultados quase imediatos quando o assunto é melhorar a qualidade de vida. Uma das últimas novidades na área foi a atualização dos critérios de diagnóstico, modificados para a mais recente edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) – publicação da Associação Americana de Psiquiatria adotada como principal guia internacional para a determinação das doenças mentais. Nesta atualização, de 2013, houve uma redução em relação à quantidade de sintomas necessários para o diagnóstico em adultos, já que eles tendem a atenuar alguns dos traços comportamentais.

– Manifestações de hiperatividade, como correr, escalar móveis e outros sintomas característicos de crianças, não são necessários para identificar o transtorno em adultos, por exemplo. Eles sofrem mais da sensação de inquietude, como não conseguir relaxar em momentos de descanso – explica o psiquiatra Paulo Mattos.

Além disso, a idade limite para o início da manifestação dos sintomas também foi alterada. Antigamente, eles deveriam aparecer até os sete anos. Hoje, este limite foi estendido para os 12 anos já que, segundo o especialista, muitos adultos portadores da doença têm dificuldade de se lembrar dos comportamentos atípicos antes dos sete anos.

Os tratamentos realizados hoje para pacientes portadores do transtorno, tanto adultos quanto crianças, são baseados em medicamentos psicoestimulantes, como a ritalina e a anfetamina. O psiquiatra Eugenio Grevet explica que, apesar de não ter cura, o TDAH é uma doença que ainda precisa de muitos estudos, pois em torno de 15% dos pacientes que realizam um tratamento contínuo por cerca de sete anos param de apresentar os sintomas mesmo depois de deixar de tomar o medicamento.

Tratamento pode dar mais segurança

Para Cleber Ferrari, o tratamento de dois anos com medicamentos e acompanhamento de especialistas significou uma mudança radical em sua vida. Sentindo-se mais “enquadrado” na sociedade, ele adquiriu a confiança para ingressar em cursos de pós-graduação e, principalmente, de estudar para um concurso, do qual já foi aprovado.

– Ninguém enxergava o que eu tinha como um transtorno, mas depois que realizei as avaliações e fui diagnosticado, vi que muitas coisas na minha vida faziam sentido. Hoje sei que o tenho e que preciso tratá-lo da forma adequada – resume Cleber.



Sou um adulto com TDAH?

Veja alguns sinais que podem identificar o transtorno na pós-adolescência

Falta de foco
Assim como crianças, adultos portadores de TDAH apresentam dificuldade de prestar atenção em detalhes e acabam cometendo erros por descuido em atividades cotidianas. No trabalho, eles tendem a adiar tarefas que julgam desinteressantes ou desagradáveis.

Atrasos frequentes
Ao contrário do que acontece com as crianças, que normalmente têm os pais para organizar suas tarefas, os adultos com o transtorno costumam se atrasar com frequência ou deixam de cumprir compromissos.

Rotina desorganizada
A dificuldade de estabelecer prioridades é frequentemente identificada nos portadores do transtorno, que demoram mais do que o normal para organizar ou terminar uma tarefa antes de iniciar a outra. Isso deixa a rotina deles desorganizada, e dá a impressão que não têm tempo para executar as tarefas.

Dificuldade de manter relacionamentos
Conforme a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, aproximadamente 25% dos adultos com TDAH podem ter sérios problemas de conduta antissocial, o que prejudica tanto as relações sociais como afetivas.

Ansiedade e estresse
Nos adultos, sintomas como estresse e ansiedade são mais associados à rotina muito agitada e, raramente, levam as pessoas a um médico que possa fazer o diagnóstico preciso do transtorno. Pacientes com TDAH sofrem de ansiedade por não conseguirem se enquadrar nos padrões de trabalho, por exemplo, o que leva a quadros graves de estresse e depressão.

Problemas ao dirigir
Assim como as crianças, os adultos com TDAH têm dificuldades de realizar tarefas que exijam concentração por um tempo prolongado, como dirigir. Eles tendem a se distrair facilmente, olhando para rádio, celular e perdendo o foco na direção.

Perda de prazos
Com um estilo de vida bastante desorganizado, normalmente esses adultos esquecem de pagar contas em dia e cumprir prazos que são estabelecidos, tanto por não recordarem as datas como por não conseguirem estabelecer uma agenda para entregar tarefas.

Dificuldades sociais
Em geral, os portadores de TDAH são impacientes, tomam decisões precipitadas e, muitas vezes, se arrependem daquilo que fazem impulsivamente. Isso dificulta o convívio social e profissional.

Incapacidade de relaxar
Enquanto crianças com TDAH manifestam sintomas de hiperatividade como correr pela casa, escalar móveis, entre outros, os adultos portadores sofrem com a sensação de inquietude. Em momento de relaxamento, com férias e finais de semana, eles têm dificuldade de sossegar e ficar parados.

IMPLANTES VENCIDOS GERAM COMISSÕES MAIORES AOS MÉDICOS

ZERO HORA 12/01/2015 | 07h49

Cirurgias cardíacas foram feitas com implantes vencidos em Itajaí. Distribuidores oferecerem comissões maiores conforme validade dos produtos se aproxima do limite

por Giovani Grizotti



Ex-vendedora de uma fornecedora de implantes diz que distribuidores costumam oferecer comissões maiores conforme a data do prazo de validade dos produtos se aproxima do limite Foto: Reprodução / TV Globo


Pagamento de altas comissões a médicos e até colocação de implantes com validade vencida fazem parte de negociatas com distribuidores de produtos na área cardíaca, mostrou neste domingo o Fantástico, em reportagem produzida pela RBS TV. No domingo passado, licitações direcionadas e cirurgias desnecessárias foram tema de primeira reportagem sobre esquema de fraudes na saúde.

Ex-vendedor de uma empresa gaúcha que distribui implantes para o coração revelou que os médicos chegam a receber até R$ 3,5 mil por stent indicado a pacientes.

— Então, tu imagina ele colocando 10 em um mês — afirma.


Em Santa Catarina, a reportagem localizou uma ex-vendedora de uma fornecedora de implantes do Rio, que fez mais uma denúncia: distribuidores costumam oferecer comissões maiores conforme a data do prazo de validade dos produtos se aproxima do limite.

Segundo a ex-vendedora, pacientes do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí (SC), chegaram a receber stents nessas condições. A partir de cópias de e-mails e planilhas da empresa entregues por ela, a reportagem repassou ao hospital uma lista com nomes de pacientes. Uma sindicância interna, em andamento, já confirmou: pelo menos dois deles receberam stents vencidos.


— Jamais esperávamos que uma situação dessa pudesse ter acontecido. Os pacientes estão sendo acompanhados — diz a assessora jurídica do hospital, Zilda Bueno.

Em Uberlândia (MG), uma investigação da Polícia Federal mostrou que médicos também recebiam comissões de fornecedores de marca-passos. A reportagem teve acesso aos documentos ainda não examinados pelo Ministério Público Federal (MPF). O custo de um parafuso pedicular, utilizado em cirurgias de coluna, foi importado pelo equivalente a R$ 260. No RS, chegou a ser vendido por quase R$ 4 mil, uma diferença superior a 1.400%.

MÉDICOS FAZEM CIRURGIAS DE CORAÇÃO COM MATERIAL VENCIDO PARA LUCRAR

TV GLOBO FANTASTICO Edição do dia 11/01/2015


Fantástico mostra novas denúncias envolvendo a máfia das próteses. O CFM defende uma tabela para os preços de próteses e implantes.





O Fantástico mostra novas denúncias envolvendo a máfia das próteses. Além das operações desnecessárias, médicos chegam a usar material vencido, só para ganhar comissão. E, o que é mais chocante: desta vez, as cirurgias são no coração dos pacientes. A reportagem é de Giovani Grizotti.

“Eles correm risco de vida. Eles podem morrer. Porque a partir do momento que você coloca um produto que tem uma droga que está vencida, ele pode ir a óbito”, diz uma testemunha.

“São hospitais que colocam dois, três stents num paciente sem necessidade. Fazem as análises, veem que tem apenas uma obstrução e colocam dois ou três apenas pra ter uma comissão maior”, conta outra testemunha.

Essas são testemunhas de um esquema que coloca em risco a vida de pacientes com problemas cardíacos em troca de dinheiro.

Os stents são tubos metálicos usados para expandir os vasos sanguíneos entupidos do coração e normalizar a circulação. Em muitos casos, são a única saída para evitar um infarto. E uma fonte de lucro para médicos inescrupulosos. Veja o que diz um ex-funcionário de uma distribuidora desse tipo de implante do Rio Grande do Sul:

“Cada stent, o médico chegava a ganhar até R$ 3 mil, R$ 3,5 mil, R$ 4 mil. Então, tu imagina ele colocando dez stents num mês, ele ganhava R$ 35 mil, R$ 40 mil. Somando 12 meses, ele ganhava R$ 480 mil por ano. Tudo em dinheiro vivo, fora de taxas, não declarado”.

O cardiologista Fernando Sant’Anna decidiu investigar a real necessidade do uso de stents. “Nós estudamos 250 pacientes e foram 451 obstruções, 451 entupimentos”.

Neste universo pesquisado, ele chegou à conclusão de que 22% dos implantes de stent são desnecessários.

Em Itajaí, Santa Catarina, um crime pior ainda. Uma mulher trabalhou para um distribuidor de implantes e diz que pacientes de um hospital receberam stents com prazos de validade vencidos.

“Se está próximo do vencimento ou está vencido, esse valor ele aumenta. Maior é o valor da propina. No final do mês ele pode ter de R$ 20 mil a R$ 30 mil de salário extra”, conta.

Ela entregou ao Fantástico cópias de mensagens e planilhas que detalham as comissões pagas a um médico do hospital. Procurada, a direção abriu uma sindicância, ainda em andamento, e confirmou que dois pacientes receberam stents vencidos.

“Jamais esperávamos que uma situação dessa pudesse ter acontecido. Os pacientes estão sendo acompanhados periodicamente pelos médicos cardiologistas clínicos”, explica Zilda Bueno, assessora jurídica do hospital.

“Essa utilização de stents com prazo de validade vencido pode obstruir o stent, levando à ineficácia da colocação desse stent, podendo acarretar, óbvio, consequências de caráter irreversível e até óbito”, alerta Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.

Em Uberlândia, Minas Gerais, marcapassos eram colocados, sem necessidade, nos corações dos pacientes. Os fornecedores dos materiais pagavam comissões para os médicos.

Fantástico: Quais eram os valores desses marcapassos e a que percentuais chegavam essas comissões?
Carlos Henrique Cota D’Ângelo, delegado da Polícia Federal de Uberlândia: Era realmente uma fonte de recurso muito boa, porque produto de até R$ 80 mil chegava-se a porcentagens de até 50% desse produto, colocado em grande quantidade.

“Outros tipos de procedimento poderiam ter sido feitos pra que se evitasse a colocação do marcapasso”, avalia o procurador da República Frederico Pellucci.

No Brasil, as comissões contribuem para encarecer os implantes.

“Na Europa, um stent farmacológico ele é comercializado a 300 euros, mais ou menos. Já no Brasil, o valor praticado é no mínimo R$ 8 mil, e pode chegar a até R$ 13 mil, R$ 14 mil”, afirma o procurador da República de Urbelândia Cléber Eustáquio Neves.

O procurador de Uberlândia investiga abuso de poder econômico no preço das próteses. As notas fiscais obtidas revelam uma diferença muito alta entre a compra e a venda. Um parafuso usado em cirurgias de coluna custou ao distribuidor de Minas Gerais o equivalente a R$ 260. Em Porto Alegre, ele foi vendido por quase R$ 4 mil, uma diferença de 1.438%.

O Conselho Federal de Medicina defende uma tabela para os preços de próteses e implantes. “Isso vai coibir a exorbitância de lucro que inclusive levam à possibilidade de maior oferta de propinas”, diz Vital.

Nos Estados Unidos, o jornal The New York Times, um dos mais importantes do mundo, publicou no mês passado uma reportagem sobre uma gigante no mercado de próteses. A Biomet, desde 2012, é investigada pelo pagamento de propinas para médicos no México e no Brasil. Aqui, a Biomet é fornecedora de próteses e outros materiais para a Intelimed.

No domingo passado, o Fantástico mostrou que a Intelimed paga comissões de até 20% aos médicos que indicam seus produtos.

Fantástico: Como é que vocês tão trabalhando comercialmente?
Vendedor: Depende das linhas, né? Depende das linhas, 15%, 20%.

A empresa fornece próteses para o doutor Fernando Sanchis. Como foi mostrado semana passada, o esquema de liminares usa documentos falsos para obrigar governo e planos de saúde a pagarem por operações superfaturadas.

Daniela de Castro Nicheli diz ser uma das vítimas do doutor Sanchis e está processando o médico.

“Eu tenho muita dor. E eu perdi o movimento do pé. Eu não tenho força no pé e nem o movimento normal”, afirma.

Ela ficou com dificuldades para caminhar. “Eu não posso dirigir, eu não posso sair com o meu filho para passear”.

Na segunda-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul abriu sindicância contra Fernando Sanchis. Os hospitais em que ele atuava também vão investigá-lo.

Durante a semana, o Fantástico recebeu dezenas de denúncias contra a máfia das próteses. No Rio de Janeiro, o médico Marcelo Paiva Paes de Oliveira passou por uma operação de coluna há mais de um ano:

“Existem três laudos médicos dizendo que a indicação cirúrgica foi uma indicação mal feita e que na verdade atendeu a interesses financeiros. Minha cirurgia custou só de parafuso, seis parafusos, R$ 208 mil”.

Na sexta-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio abriu um processo contra o cirurgião que operou Marcelo.

Em alguns casos, o descalabro começa mesmo antes da cirurgia. A empresa pernambucana Intraview, de equipamentos de diagnóstico por imagem, superfatura a venda.

“A gente pode botar um preço maior e fica um negócio legal pra você. Pra cima, o céu é o limite”, oferece o vendedor.

No mercado de próteses, havia certeza de impunidade. “Ninguém vai investigar, ninguém vai dar bola. Isso acontece há mais de 12, 13, 14 anos”, diz uma testemunha.

“Uma profissão tão nobre quanto a medicina não comporta as pessoas atuarem dessa maneira. Se preciso for, cassar o registro profissional deles”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.

Depois das denúncias do Fantástico, CPIs foram propostas na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O governo federal anunciou, na segunda-feira, a criação de uma força-tarefa com o Ministério da Saúde, Receita e Polícia Federal para fazer uma devassa no mercado negro das próteses.

O vendedor diz que tem medo de virar nome de uma operação da PF. “Eu não quero tá com o nome em operação nenhuma dessas aí”.

Justamente o que o governo pretende fazer.

“Nós estamos declarando guerra com toda a nossa força”, garante o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

“Eles não estão preocupados com o paciente. Eles estão preocupados quanto eles vão receber no final. Pra eles o que importa é, no dia 30 de cada mês, quanto eles têm pra receber”, afima uma testemunha.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

FRAUDANDO A SAÚDE



ZERO HORA 7 de janeiro de 2015 | N° 18035


STEPHEN DORAL STEFANI



Já há tempos, fontes pagadoras da saúde, públicas e privadas, vinham assinalando que a utilização e demanda de materiais de alto custo – particularmente órteses e próteses – tinham um modelo perverso. Com indicações médicas questionáveis e até fraudulentas, materiais superfaturados passavam a ser utilizados por demandas judiciais. Recentemente, o tema veio à tona após ótimo trabalho de jornalismo investigativo divulgado. Expõe muito mais problemas do que se percebe no primeiro momento. Mostra que o sistema de compras públicas e privadas é contaminado por meliantes, mostra que os custos exorbitantes em saúde crescem por incapacidade de soluções gerenciais ágeis, mostra que o Judiciário por vezes não utiliza a assessoria técnica que seria conveniente e, o mais cruel, mostra que as pessoas podem ter sua saúde usada como produto de comércio. Cruel e assustador. É a ponta de um iceberg que ocorre, em graus variáveis, em várias áreas da saúde.

O sistema de saúde – tanto público quanto privado – tem crescido em demanda e complexidade, sem o suporte econômico e gerencial de que precisa. O trinômio qualidade, segurança e efetividade frequentemente é desconsiderado. E o desdobramento disso tudo é, da mesma forma, enorme. A segurança da população no que diz respeito a instituições relevantes para o funcionamento da sociedade, como médica e judiciária, fica prejudicada. São entidades que não poderiam estar doentes.

Outro efeito colateral é a extrapolação dos crimes para toda uma classe. Como já escreveu Eric Hoffer, autor do clássico The True Believer, estamos mais propensos a generalizar o mal do que o bem. Assumir que o mal é mais potente e contagiante é desistir de lutar. Generalizar o comportamento de alguns criminosos para toda uma categoria profissional, em sua maioria de bem e tão indignada com os crimes e a impunidade como a grande parte dos brasileiros, só serve para fomentar uma discussão desfocada e improdutiva. Todos esperam investigações ágeis e que não se caia novamente na fossa da impunidade.

Médico

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A MÁFIA DAS PRÓTESES

ZERO HORA 06 de janeiro de 2015 | N° 18034



EDITORIAIS



Interesses corporativos não podem, sob hipótese alguma, impedir que prosperem e tenham um bom desfecho as investigações sobre as fraudes com próteses ortopédicas no país, com ramificações no Estado. Ao contrário, para que não se repitam os resultados frustrantes de sindicâncias anteriores, motivadas pelas mesmas suspeitas, entidades médicas e de profissionais da saúde devem empenhar-se no esclarecimento de delitos que desrespeitam pacientes e provocam danos no setor público e em empresas privadas. É inconcebível que grupos com perfil de máfia atuem por tanto tempo sem que instituições de vigilância do próprio setor tenham pelo menos tentado impedir a manipulação de liminares na Justiça, superfaturamentos e conluios para pagamento de propinas a cirurgiões.

Os casos, denunciados pelo repórter Giovani Grizotti, no programa Fantástico, certamente representam exceção. Mas acabam, pelas omissões, pondo em dúvida as atividades de profissionais que não têm nenhuma relação com os crimes. Esse é um dos maiores danos dos delitos, por envolver a imagem de médicos de uma área submetida a interesses diversos, num mercado que movimenta R$ 12 bilhões anuais.

Além da polícia e do MP, cabe às entidades médicas esclarecer como os investigados atuavam em rede, desde o fabricante, passando pelo distribuidor, o médico e, em alguns casos, advogados que produziam ações falsificadas para enganar o Judiciário com pedidos de próteses desnecessárias. Crimes semelhantes já foram investigados anos atrás. Desta vez, a denúncia não pode se esgotar no impacto do trabalho jornalístico.

MÁFIA DAS PROTESES PODE SER SÓ A PONTA DO ICEBERG



zero hora 06/01/2015 | 04h23

Opinião

Rosane de Oliveira
Colunista é a titular da Política+




Antes tarde do que nunca, os ministérios da Saúde e da Justiça anunciaram ontem um pacote de medidas para ampliar a segurança na comercialização de próteses, órteses e materiais especiais, e a estruturação de um plano para prevenção de irregularidades. Foi preciso que o repórter Giovani Grizotti escancarasse no Fantástico os métodos de atuação da máfia das próteses para o governo adotar medidas destinadas a estancar mais essa sangria no Sistema Único de Saúde (SUS).

Não é de hoje que se fala abertamente da existência de uma máfia, integrada por médicos, advogados e fornecedores de próteses e órteses. No Rio Grande do Sul mesmo, já houve investigação, com julgamento e condenação dos envolvidos, mas o esquema não se abalou. Ao contrário, são consistentes os indícios de que floresceu nos últimos anos, agindo tão às claras, que Grizotti conseguiu “negociar” com fornecedores em um congresso, passando-se por médico.

A autópsia dessa fraude explica por que falta dinheiro para o SUS. Recursos que deveriam ser usados no atendimento da população acabam desviados para a conta de pessoas inescrupulosas.

Esta é apenas a ponta do iceberg. Médicos honestos sugerem que a Polícia Federal e o Ministério Público investiguem também outros ramos da medicina, além da ortopedia e da traumatologia, para verificar se o que está sendo pago pelo SUS é o valor correto e se as cirurgias são, de fato, necessárias. Outro item que está a merecer atenção da Polícia Federal e do Ministério Público é a indústria de ações judiciais para fornecimento de remédios caros e de eficácia não comprovada.


A fraude não atinge apenas o sistema público de saúde. Presidente da Federação Unimed/RS, o médico Nilson Luiz May se debate há uma década contra a máfia das próteses e diz que “o lucro fácil seduziu inclusive alguns maus colegas, já devidamente identificados, e contaminou toda a cadeia produtiva da saúde”. Ou seja, se uma cooperativa de médicos estava sendo lesadas por profissionais associados, pode-se imaginar o que a máfia fez – ou tentou fazer – contra o SUS, o IPE Saúde e operadores de planos de saúde privados.

CIRURGIAS DESNECESSÁRIAS PARA SUPERFATURAR PRÓTESES


ZERO HORA 04/01/2015 | 23h09

Fraude provoca cirurgias desnecessárias para superfaturar próteses. Denunciado pelo Fantástico na noite deste domingo, suposto esquema envolveria cobrança ilegal por médicos e dentistas, licitações direcionadas e operações sem necessidade

por Giovani Grizotti




Foto: Reprodução / RBS TV


Um suposto esquema de pagamentos de comissões a médicos e dentistas por distribuidores de próteses e implantes, que estaria ocorrendo em cinco Estados, foi denunciado neste domingo pelo Fantástico, da TV Globo.

Para documentar as negociatas, a reportagem da RBS TV se fez passar por médico, montou consultório com autorização de um hospital e participou de congressos de medicina no Rio e em São Paulo. As comissões na suposta fraude oscilariam de 15% a 50%.

Para dar aparência de legalidade às comissões, empresas teriam pedido que os médicos assinassem contratos de consultoria. Uma delas seria a Orcimed, de São Paulo, que incluiria, na declaração de renda da empresa, comissões de até 30% aos médicos. Em conversa gravada em um congresso em Campinas (SP), o gerente da Orcimed, Milton Soto, frisou que a manobra evitaria problemas com a Receita Federal:

— O governo quer o quê? Imposto. Não discute ética. Discute grana.

Médicos e dentistas chegariam a faturar R$ 100 mil no fim de cada mês, revelou uma ex-vendedora de próteses do Rio Grande do Sul. Em 10 anos, ela trabalhou em quatro empresas. O percentual pago aos envolvidos no suposto esquema seria definido a partir de um levantamento mensal considerando as cirurgias e o material usado.

A representante comercial contou que as especialidades médicas mais “lucrativas” envolveriam ortopedia, neurocirurgia e cardiologia. Hospitais públicos também teriam sido lesados. Em um congresso de ortopedia e traumatologia no Rio, o gerente da empresa IOL, Rodrigo Souza, disse que seria possível direcionar licitações de forma que a empresa vença as concorrências. Para isso, bastaria incluir nas especificações técnicas caraterísticas que só as próteses da IOL teriam. O valor da comissão dependeria do volume:

— A única coisa que não dá para negociar é a morte — afirmou Souza.



As empresas chegariam até a propor aos médicos que incluíssem nos relatórios materiais não implantados nos pacientes. É o que sugeriu na reportagem Fernando Strehl, sócio da Strehl, de Balneário Camboriú (SC). Mas a tática só valeria para produtos não detectáveis em exames de imagem, como enxerto ósseo. Quanto maior o valor cobrado, maior seria o lucro do médico.

De olho em polpudas comissões, médicos até fariam cirurgias desnecessárias. É o que denunciou o médico gaúcho Alberto Kaemmerer. Por 14 anos, ele foi diretor do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre, que criou um grupo para revisar pedidos de cirurgia – pelo menos 35% eram rejeitados por terem sido considerados dispensáveis.


No Rio Grande do Sul, o golpe incluiria falsificação para pedido de liminares judiciais

A partir de denúncia da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a polícia está investigando no Rio Grande do Sul um esquema entre advogados e médicos, que falsificariam documentos para propor à Justiça pedidos de liminares de cirurgias superfaturadas.
Em Gravataí, a aposentada Wilma Prates, 76 anos, pode ter sido uma vítima. Ela mal consegue caminhar devido a um problema na coluna. Ainda sofre de depressão:

— Não consigo me movimentar, pegar uma vassoura, vem a dor.

O esquema funcionaria assim: depois de esperar anos na fila do SUS, pacientes vão até os hospitais para consulta. Ali, em vez de dar o atendimento pelo sistema público, os médicos os encaminhariam a escritórios de advocacia. Com documentos falsos e orçamentos superfaturados, seriam montados pedidos de liminar para obrigar o governo a bancar as cirurgias.

Foi o que aconteceu com Wilma. O marido dela, José Prates, conta que o advogado lhe garantiu que resolveria tudo. Mas um laudo feito por médicos do Hospital de Clínicas, da Capital, indicou que a paciente correria risco de vida se fizesse a cirurgia. Com base nisso, a liminar foi negada pela Justiça.

Na ação judicial, consta que o advogado enviou à Justiça três orçamentos de médicos para que fosse escolhido o de menor valor, que foi o do ortopedista Fernando Sanchis. Procurado pela reportagem, o perito Oto Rodrigues concluiu que uma mesma pessoa assinou os três orçamentos.

O valor do material que seria utilizado na cirurgia chegaria a R$ 151 mil. Tudo seria fornecido pela Intelimed, de Porto Alegre, que supostamente pagaria comissões de até 20% aos médicos que indicassem seus produtos, segundo relatou um representante da empresa à reportagem.

Segundo a PGE, os valores que aparecem nas liminares são 20 vezes maiores do que os de mercado.

— Quem paga essa conta somos todos nós. Vai ser bloqueado o dinheiro do Estado, e esse valor vai sair para pagar um procedimento particular, que teria dentro do sistema — destaca a procuradora Fabrícia Boscaini.

Pelo menos 65 pedidos de liminar sob suspeita foram descobertos pelos procuradores no Estado. O desembargador do Tribunal de Justiça João Barcelos de Souza Júnior, que atua em alguns desses processos, fez um desabafo:

— No momento em que se encontram situações em que pessoas buscam o Judiciário para realizar uma fraude e conseguir, com isso, aferir grandes lucros, significa que o sistema está desmoralizado.


CONTRAPONTOS

O que diz o médico Fernando Sanchis
Negou que receba comissão de fornecedores de próteses, mas reconheceu que pode ter assinado laudos em nome de outros médicos, sempre “com conhecimento” do outro profissional.

O que diz a Orcimed
Em nota, a empresa afirma que a prática de cobrança ostensiva de comissões por médicos e dentistas se generalizou no mercado, mas que tem exigido desses profissionais trabalhos de consultoria, como contrapartida. Informa ainda que sofre boicote de médicos por não aceitar a prática do superfaturamento e que, por isso, deixou de fornecer material em 170 cirurgias.

O que diz a IOL Implantes
Diz que não participa de licitações em quaisquer esferas de governo e que repudia insinuações de fraude. Segundo a empresa, a conversa entre o gerente e o repórter aconteceu em ambiente informal e que não representa a opinião do fabricante.

O que a diz Strehl
A direção não foi localizada.

O que diz a Intelimed
Em nota, a empresa disse primar pela ética e que faz treinamentos regulares sobre seu código de conduta aos funcionários e representantes. Explicou que o vendedor citado na reportagem não é funcionário da empresa, mas um agente terceirizado. Por isso, observa que ele não responde pela empresa e, caso haja irregularidade na conduta do representante, adotará as medidas cabíveis.

MÁFIA DAS PRÓTESES ENRIQUECE COLOCANDO VIDAS EM RISCO



Máfia das próteses coloca vidas em risco com cirurgias desnecessárias. Médicos chegam a faturar R$ 100 mil por mês em esquema que desvia dinheiro do SUS e encarece planos de saúde.





Já imaginou médicos que mandam fazer cirurgias de próteses sem necessidade, só para ganhar comissão sobre o preço desses implantes? Ou então gastar muito mais material do que o necessário, também para faturar um dinheiro por fora? Esses golpes milionários, dados pela máfia das próteses, são o tema da reportagem de Giovanni Grizotti, que você vai ver agora.

O Fantástico revela um retrato escandaloso do que acontece dentro de alguns consultórios e hospitais do Brasil. O Fantástico investigou, durante três meses, um esquema que transforma a saúde do país em um balcão de negócios.

O repórter Giovani Grizotti viajou por cinco estados e se passou por médico para flagrar as negociatas. Empresas que vendem próteses oferecem dinheiro para que médicos usem os seus produtos.

Mercado de próteses movimenta anualmente R$ 12 bilhões no Brasil

“Normalmente o que eles utilizavam era aquela que vendia o material mais caro e que pagava a comissão maior”, conta uma testemunha.

Até cirurgias desnecessárias eram feitas, só para ganhar mais.

“Sacolas de dinheiro não surgem do nada e não são dadas à toa”, diz A testemunha.

O esquema usa documentos falsos para enganar a Justiça. Uma indústria de liminares que explora o sofrimento de pacientes, desvia o dinheiro do SUS e encarece os planos de saúde.

“Esse mercado de prótese no Brasil, ele hoje tem uma organização mafiosa. É uma cadeia, onde você tem o distribuidor, você tem o fabricante que se omite e você tem na outra ponta o médico ou o agente que vai implantar a prótese”, conta Pedro Ramos, diretor da associação dos planos de saúde.

O mercado de próteses movimenta anualmente R$ 12 bilhões no Brasil. Elas têm várias finalidades, desde simples parafusos para corrigir fraturas até peças complexas que substituem partes inteiras do corpo. As operações são caras.

“Ortopedia, neuro e cardiologia são os mais lucrativos”, revela uma testemunha.

Esta testemunha que falou ao Fantástico conhece bem os bastidores das negociatas. Durante dez anos, ela trabalhou para quatro distribuidores no Rio Grande do Sul. Ela explica como são calculadas as comissões dos médicos.

“É feito um levantamento mensal em nome do médico. Quantas cirurgias foram feitas o uso do material tal , ‘x’. E ali a gente faz o levantamento. Em cima disso a gente tira o percentual dele”, conta a testemunha.

Fantástico: Quanto um médico chega a faturar?
Testemunha: De R$ 5 mil a R$ 50 mil, R$ 60 mil, R$ 100 mil.

Investigação começou no RJ durante um Congresso Internacional

A investigação do Fantástico começa no Rio de Janeiro, durante um Congresso Internacional de Ortopedia, onde os fabricantes expõem seus lançamentos. E alguns conquistam a confiança dos médicos não só pela qualidade, mas por outras vantagens.

“A gente consegue chegar a 20%”, diz um representante da Oscar Iskin.
“20?”, pergunta o repórter do Fantástico.
“É. É o que o senhor vai achar aí no mercado”, responde o representante.

Vinte por cento é a comissão que o médico recebe para indicar ao paciente a prótese vendida pela Oscar Iskin. E o pagamento é em dinheiro vivo.

Fantástico: Em dinheiro, espécie?
Representante da Oscar Iskin: É. Espécie.

As negociatas se repetem em outras empresas. O sócio da empresa Totalmedic, de São Paulo, oferece um pouco mais.

Fantástico: Mas é o quê? 20?
Sócio da Totalmedic: 30.
Fantástico: 30? Ó.
Sócio da Totalmedic: Eu prefiro deitar e dormir tranquilo.

Acompanhado do diretor, o vendedor da distribuidora Life X também faz a sua oferta.

Fantástico: Como é que vocês trabalham a questão comercial, assim, a relação com os médicos?
Vendedor da Life X: Olha, hoje a gente está com parceria em questão de 25%.
Fantástico: 25%.
Vendedor da Life X: A maioria das vezes é dinheiro, é espécie.

Veja um exemplo de quanto dinheiro um médico pode ganhar em comissões, dado pela mulher que era responsável pela contabilidade de uma grande clínica em São Paulo. “Aquilo ali parecia uma quadrilha. Uma quadrilha agindo e lesando a população. É uma quadrilha. Um exemplo que eu tenho aqui: R$ 260 mil de cirurgia, R$ 80 mil para a conta do médico. Aqui a gente tem uma empresa pagando R$ 590 mil de comissão para o médico no período aqui de seis meses”, conta ela.

Para dar aparência de legalidade às comissões, muitas empresas pediam que os médicos assinassem contratos de consultoria.

“Onde o médico não presta consultoria alguma. Ele usa material, só isso”, diz a testemunha.

Esse é o método usado pela Orcimed, de São Paulo, para incluir, na declaração de renda da empresa, comissões de até 30% aos médicos.

Fantástico: Mas qual é o argumento para justificar a consultoria?
Gerente da Orcimed: Faz consultoria de produtos.

A conversa foi gravada em um congresso voltado para dentistas e médicos especializados em cirurgias ortopédicas na face, em Campinas, interior de São Paulo. O gerente da empresa explica que a manobra evita problemas com a Receita Federal.

Gerente da Orcimed: O governo não está nem aí para isso. Quer saber o seguinte: está pagando? Pagou o meu? ‘Pagou’. Está tudo bem.
Fantástico: Questão ética?
Gerente da Orcimed: Ética não interessa a ele. Não quer saber. Ele não discute ética. Discute grana. Pagou o meu? Pagou. Dane-se agora.

Fraudes em licitações

Só no Sistema Único de Saúde, o SUS, são realizadas, por ano, 7 milhões de cirurgias que usam próteses. E algumas empresas oferecem meios de fraudar licitações de hospitais públicos.

É o caso da IOL, de São Paulo. O repórter se apresentou como diretor de um hospital público que queria comprar material. O gerente diz que dá para manipular a concorrência, para que a empresa vença. Para isso, basta exigir no edital alguma característica do implante que seja exclusiva da IOL. Nesse caso, é o diâmetro dos furos onde vão os parafusos que fixam as próteses.

Gerente da IOL: Geralmente o pessoal tem 10, 12, 14.
Fantástico: Aí, no caso, num edital?
Gerente da IOL: A gente coloca 13.
Fantástico: Como?
Gerente da IOL: Bota 13, 15... 11, 13,15.
Fantástico: No caso, tem algum acerto depois daí, alguma...
Gerente da IOL: Tem. É o edital, o volume do edital, como vai ser o preço do edital. A única coisa na vida que não dá para negociar é a morte.

A Brumed, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, chegou a montar empresas de fachada em nome de funcionários para emitir orçamentos falsos.

Bruno Garisto, dono da Brumed: Uma está no nome do Rodrigo. Outra está no nome do Hugo.
Fantástico: Quem é o Rodrigo?
Bruno Garisto: Rodrigo é um de Manaus, funcionário meu que mexe com coluna.
Fantástico: E o Hugo?
Bruno Garisto: E o Hugo é o que mexe com ortopedia.

Em troca dos contratos, o dono da Brumed paga comissões de 25%.

Bruno Garisto: Vai ter bastante volume?
Fantástico: Vai ter. Te garanto.
Bruno Garisto: Se tiver bastante volume, dá pra chegar nuns 25.
Fantástico: 25?
Bruno Garisto: É.
Fantástico: Vamos chegar ali então. Nós somos do Fantástico e o senhor admitiu a prática de vários crimes.
Bruno Garisto: Olha, né... Brasil, né... todo mundo pega essa situação de querer alguma coisa no que produz. Então, isso o Brasil inteiro está assim.
Fantástico: O senhor admitiu fraude em licitação, falsidade ideológica, pagamento de comissões a médicos?
Bruno Garisto: Não.
Fantástico: Por que o senhor está negando algo que o senhor acabou de admitir?
Bruno Garisto: Olha, a gente não paga comissão. Entendeu?
Fantástico: O senhor nunca disse que repassa 25% de comissão?
Bruno Garisto: Não, nunca repasso.

Fraude de R$ 7 milhões no plano de saúde dos Correios no RJ

Um esquema do mesmo tipo, com comissões e orçamentos falsos, também alimentou uma fraude de pelo menos R$ 7 milhões no plano de saúde dos Correios no Rio de Janeiro.

Flagrado pela Polícia Federal, João Maurício Gomes da Silva, ex-assessor da Diretoria Regional dos Correios fez um acordo de delação premiada e contou detalhes do golpe.

“Aquela empresa que, teoricamente, dizemos que era parceira, ela apresentava, já vinham com duas ou três orçamentos montados. Então sempre determinando quem estaria levando naquela determinada cirurgia, quem seria a beneficiada”, diz João Maurício Gomes da Silva, ex-assessor da diretoria regional dos Correios.

Ele mostra o exemplo de uma cirurgia de coluna que custou quase R$ 1 milhão ao plano dos Correios.

“Bem paga, muito bem paga, num preço normal, de repente, a uns R$ 180 mil, no máximo uns R$ 200 mil.”, conta o ex-assessor da diretoria regional dos Correios.

Para justificar operações tão caras, os médicos cobravam por produtos que sequer eram usados.

“Ele multiplicava mil, duas mil vezes a necessidade dessa massa com a ideia de que conseguiria justificar isso tecnicamente que o organismo absorvia essa massa”, explica João Maurício Gomes da Silva.

A massa é como um cimento para firmar os parafusos que fixam as próteses.

Representantes de empresa em SC dão detalhes sem constrangimento

A artimanha de cobrar por material não utilizado é comum nesse mercado negro. Os representantes da empresa Strehl, de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, dão detalhes sem constrangimento.

Representante da Strehl: No raio-X ou qualquer outra coisa, não aparece. Aí você pode inventar, entendeu? Usei seis.
Fantástico: Não aparece... Ele não vai ter como provar que eu usei três.

Veja o que pode render a comissão paga por uma única cirurgia de face:

Representante da Strehl: Tu vai ganhar em torno de uns R$ 18 mil, R$ 20 mil.
Fantástico: Para um custo total de…?
Representante da Strehl: Aí depende de quanto o senhor pedir, quanto mais pedir, mais ganha. O pessoal pede. Tudo que dá para pedir, o pessoal pede.
Fantástico: Até exagera um pouquinho, né?
Representante da Strehl: Sempre, né? Sempre exagerado.

E o abuso vai além. Outra tática é até motivo de piada para os vendedores.

Representante da Strehl: A gente até riu quando eu soube disso aí. Que eles entortaram a placa, eles tentaram usar, mas aí eles não conseguiram.
Fantástico: E aí tiveram que colocar outra?
Representante da Strehl: Aí tiveram que colocar outra.

Ou seja, danificaram uma prótese de propósito para poder cobrar duas vezes. E o rendimento é dividido.

Representante da Strehl: É. Tira o custo do material. E o lucro a gente divide em dois.
Fantástico: Meio a meio?
Representante da Strehl: Meio a meio.

É tanta desfaçatez que surgiu uma nova especialidade em alguns hospitais: os fiscais de cirurgia. Médicos contratados por planos de saúde para vigiar as operações mais caras.

“Alguns determinados materiais não deixam registro, então, quando são implantados, não aparecem em filmes radiológicos e é necessário que seja acompanhado para ver efetivamente qual foi a quantidade de material utilizado”, conta um fiscal.

Médicos indicam cirurgias desnecessárias para lucrar mais

Entre tanta coisa errada, um golpe se destaca como o mais escandaloso: indicar uma cirurgia sem necessidade, só para ganhar o dinheiro. É o que denuncia o médico Alberto Kaemmerer, que durante 14 anos foi diretor de um grande hospital de Porto Alegre.

“A cirurgia mal indicada, ela acresce um risco muitíssimo importante. Risco de morte”, alerta o cirurgião Alberto Kaemmerer.

O hospital precisou criar um grupo de médicos para revisar os pedidos de cirurgia. Pelo menos 35% eram rejeitados, porque a operação seria desnecessária.

Fantástico: O que que está por trás desse alto percentual de cirurgias desnecessárias na sua opinião?
Alberto Kaemmerer: Ganho financeiro.
Fantástico: De quem?
Alberto Kaemmerer: De médicos e também de alguns hospitais.

Uma experiência parecida foi realizada pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, um dos principais da América Latina. Durante um ano, uma equipe médica revisou os pedidos de cirurgia de coluna encaminhados por um plano de saúde.

“Nós recebemos aproximadamente 1,1 mil pacientes no período de um ano. E desses, menos de 500 tiveram indicação cirúrgica. Então, muito possivelmente, estava havendo um exagero em relação a essas indicações”, diz Cláudio Lottenberg, presidente do Hospital Albert Einstein.

Indústria de liminares

Dona Wilma, de 76 anos, pode ter sido vítima de uma indústria de liminares para realizar cirurgias às vezes desnecessárias. Ela mal consegue caminhar por causa de um problema na coluna. Também sofre de depressão.

“Eu não consigo me movimentar, pegar uma vassoura, varrer uma casa, aí vem a dor”, conta a aposentada Wilma Prates.

O esquema funciona assim: depois de esperar anos na fila do SUS, pacientes vão até os hospitais para realizar a consulta. Ali, em vez de dar o atendimento pelo sistema público, os médicos encaminham os pacientes a escritórios de advocacia. Com documentos falsos e orçamentos de cirurgia superfaturados, são montados pedidos de liminar para obrigar o governo a bancar os procedimentos. Foi o que aconteceu com Dona Wilma.

“O advogado me disse: ‘Pode deixar comigo que eu resolvo a situação’”, diz José Prates, marido de Wilma.

Mas um laudo indicou que a dona Wilma correria risco de vida se fizesse a cirurgia. Com base nisso, a liminar foi negada pela Justiça.

O Fantástico examinou em detalhes o processo judicial. O advogado apresentou à Justiça três orçamentos de médicos para que os desembargadores escolhessem o de menor valor, que é o do ortopedista Fernando Sanchis. Pedimos a um perito para examinar os papéis.

“Conclusão que ele é o grande suspeito de ter produzido as falsificações das assinaturas, de ter colocado o carimbo e de ter produzido o texto. Eu chego à conclusão que isto aqui é uma fraude”, define o perito Oto Henrique Rodrigues.

O valor do material que seria utilizado na cirurgia era de R$ 151 mil. O fornecedor é a empresa Intelimed, de Porto Alegre. A empresa paga comissões de até 20% aos médicos que indicam seus produtos. Quem admite é um vendedor.

Vendedor da Intelimed: Depende das linhas, 15%, 20%. Nessa linha, nesse valor aí. Isso nos principais convênios. Mas teria que ver direitinho.

Seu João Francisco, de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, também foi usado no esquema. Ele é usuário do plano de saúde dos servidores do Governo Federal.

O advogado indicado pelo doutor Sanchis entrou com um pedido de liminar para que o plano bancasse uma cirurgia de coluna, orçada em R$ 110 mil.

O plano de saúde do Seu João conseguiu suspender a liminar e fez a mesma operação, com outro médico, por pouco mais de R$ 9 mil.

"Essas enrolações, quem é prejudicado é quem tá doente, entendeste? Tu está à mercê dele, você não entende nada", lamenta o serralheiro João Francisco Costa Da Silva.

Segundo os advogados do governo, os valores que aparecem nas liminares chegam a ser 20 vezes maiores do que os de mercado.

Fantástico: E quem paga essa conta?
Fabrícia Boscaini, procuradora: Quem paga essa conta somos todos nós. Vai ser bloqueado o dinheiro do Estado e esse dinheiro vai sair para pagar um procedimento particular, que teria dentro do sistema.

É o caso de Dona Elisabete, que esperou um ano pela liminar e agora teve que voltar para a fila do SUS.

“Aí é muita cachorrada. Poxa vida, aí eles pegam as pessoas bem inocentes para fazer uma coisa dessas.”, lamenta a balconista Elisabete Steinmacher Cufre.

Pelo menos 65 pedidos de liminar sob suspeita foram descobertos pelos procuradores do Rio Grande do Sul. Um desembargador que atua em alguns desses processos desabafa.

“Que o sistema penal do país está falido, porque no momento em que se encontram situações em que pessoas, seja que área for, profissionais, buscam o Poder Judiciário para realizar uma fraude e conseguir com isso auferir grandes lucros, significa que o sistema está desmoralizado e que estão, inclusive, brincando com o Judiciário. É lamentável”, diz o desembargador do TJ-RS, João Barcelos de Souza Júnior.

Procurado pelo Fantástico, o cirurgião Fernando Sanchis nega que receba comissão de fornecedores de próteses. Mas reconhece que pode ter assinado laudos em nome de outros médicos.

Fantástico: O senhor está admitindo com isso, uma falsificação.
Fernando Sanchis: Não.
Fantástico: Isso não é grave?
Fernando Sanchis: Não, de maneira nenhuma.
Fantástico: O senhor reconheceu que pode ter assinado em nome de outros médicos.
Fernando Sanchis: Mas com conhecimento dele, sempre. Ele trabalha junto com nós.

Por telefone, Henrique Cruz, médico que aparece nos orçamentos e trabalhava com Fernando Sanchis, nega ter autorizado a assinatura e diz que deixou a equipe dele após descobrir a fraude.

“Quando eu vi isso aí, eu caí fora. Eu descobri (que ele estava fazendo isso) porque me mandaram um papel falando assim, o paciente chegou com um papel com esses orçamentos. Aí eu falei, ‘eu não assinei orçamento’”, alega Henrique Cruz.

“Então, o que o consumidor deve fazer? Primeiro: se ele tem dúvida da recomendação desse procedimento, que ele procure um segundo ou um terceiro profissional da área da saúde. O consumidor tem um papel fundamental em não acomodar-se quando a recomendação que está vindo do profissional da saúde é suspeita de alguma coisa que não esteja correta ou que coloque sua vida em jogo”, orienta Alcebíades Santini, presidente do Fórum Latino-americano de Defesa do Consumidor.

Presentes e pagamento de comissões a médicos

A oferta de presentes e o pagamento de comissões a médicos é uma prática comum, e não vem de hoje. Foi o que concluiu uma pesquisa do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, entre 2009 e 2010. Trinta e sete por cento dos entrevistados admitiram que receberam presentes com valor superior a R$ 500 nos 12 meses anteriores à pesquisa. E o assédio começa cedo, logo na faculdade: 74% dos entrevistados disseram que receberam ou viram um colega receber benefícios da indústria durante os seis anos do curso de medicina.

“O Código de Ética Médica veda essa interação, com o intuito de vantagens, com a indústria e/ou a farmácia. Óbvio que as punições são previstas em lei. Estabelece desde uma censura e a até mesmo a cassação do exercício da profissão”, explica Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.

Mas não é a ética que preocupa os vendedores de próteses que pagam comissões a médicos.

“A gente sabe que esses órgãos não vão discutir nada disso, porque isso é uma discussão sem fim”, diz um vendedor.

O que eles temem é que essas negociatas deixem o sigilo dos consultórios e hospitais e se tornem públicas, em uma reportagem de televisão, por exemplo.

Vendedor: Ano que vem vai ser um ano, para esse mercado, importante.
Fantástico: Por quê?
Vendedor: Porque vai estourar tudo. Porque a gente já sabe que a questão da Receita Federal e a Polícia Federal em cima. Ontem a gente teve informação que provavelmente em meados de janeiro o Fantástico faça uma reportagem com duas especialidades mostrando como funciona esse mercado.
Fantástico: Vamos ali, que o meu colega está aguardando ali.

O repórter Giovani Grizotti se apresenta.

Fantástico: Você disse que o Fantástico vai dar matéria sobre isso? Nós somos do Fantástico. O que você tem a dizer? Você paga propina para médico?
Vendedor: Não eu, não. Jamais.

E quando o vendedor é informado que vai aparecer na reportagem, decide correr, desesperadamente.

Fantástico: Você maquia pagamento de propina na forma de contrato de consultoria? Por que você está correndo? A gente só quer uma explicação sua, por gentileza.

Fantástico procurou todas as empresas mostradas na reportagem

A Life X não quis se manifestar.

Em nota, a Totalmedic disse que respeita as tabelas dos planos de saúde e que vai adotar as medidas cabíveis.

Já a IOL implantes disse que não participa de licitações públicas e repudia insinuações de fraude. Segundo a empresa, a conversa entre o gerente e o repórter aconteceu em ambiente informal e não representa a opinião do fabricante.

Também em nota, a Orcimed afirmou que cobrar comissões se tornou normal no mercado. A Orcimed disse ainda que sofre boicote de médicos por não aceitar a prática do superfaturamento e que, por isso, deixou de fornecer material para diversas cirurgias.

Os diretores da empresa Strehl não foram encontrados.

A Oscar Skin informou que demitiu o vendedor que apareceu oferecendo comissão.

Também por nota, a Intelimed disse que o representante mostrado na reportagem é um funcionário terceirizado. Mas que vai tomar as medidas cabíveis.