quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

EMERGÊNCIA E POLÊMICA



ZERO HORA 11 de fevereiro de 2015 | N° 18070

CLEIDI PEREIRA LARA ELY 

Colaborou Débora Ely



SOCORRO AÉREO. Acidente expõe incertezas do serviço


MENINO DE TRÊS anos caiu da sacada de um hotel em Capão da Canoa e precisou ser transferido de helicóptero para Capital. Central de Regulação do Samu afirmou que convênio não existe mais e operação só foi possível por insistência de médica

A demora na transferência de uma criança argentina de três anos, que caiu do terceiro andar de um hotel em Capão da Canoa, trouxe novas incertezas sobre a continuidade do serviço aeromédico do Estado. Com politraumatismo, Thiago Baez Cichanowski teve de ser transferido para a Capital, mas o atendimento levou uma hora e quinze minutos a mais do que o habitual (45 minutos), por impasse envolvendo o convênio entre Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Brigada Militar (BM) e prefeitura de Imbé.

Pediatra no Hospital Santa Luzia, de Capão da Canoa, e integrante da equipe aeromédica, Rossana de Carli teve de insistir para conseguir transferir a criança. A decisão de acompanhar o paciente para monitorar seu estado de saúde foi tomada por conta e risco da profissional, quando percebeu que não haveria equipe para a viagem. Isso porque, para a Central de Regulação do Samu, o grupo aeromédico de Imbé não existe mais.

– Tive que insistir para trazer pessoalmente o menino. Só consegui porque me responsabilizei e tive apoio da Brigada – contou.

Há duas semanas, em entrevista a ZH, o secretario da Saúde, João Gabbardo, afirmou que o trabalho realizado desde 2012 por 15 médicos e enfermeiros com apoio da BM era “totalmente dispensável” e que o serviço seria desativado. No dia seguinte, recuou e declarou que o convênio seria mantido, mas que o grupo seria substituído por outro sem dedicação exclusiva e vinculado diretamente à Secretaria Estadual da Saúde (SES).

Segundo o ex-coordenador estadual do Samu e chefe do serviço aeromédico, Maicon Vargas, a equipe vinha sendo “boicotada” pela Central de Regulação, que não autorizava os voos e os repassava para terceirizados. Diante da dificuldade, Vargas dispensou a equipe no sábado, após consultar a Secretaria de Saúde de Imbé, “para evitar pagamentos extras”:

– Nós entendemos que estamos dispensados, mas até agora a equipe não teve uma posição oficial.

Em nota, a SES informou que o serviço aeromédico continua sendo prestado. O secretário garantiu que o atual convênio não foi rescindido e disse não saber de quem teria partido a ordem para não repassar os chamados. O secretário reafirmou a substituição da equipe para reformulação do serviço.


Médica precisou assumir por conta própria responsabilidade pelo transporte do paciente até hospital em Porto Alegre




Criança está internada em estado grave


O acidente com Thiago Baez Cichanowski, de três anos, ocorreu na manhã de ontem, por volta das 8h30min, em Capão da Canoa, no Litoral Norte. O menino argentino caiu do terceiro andar de um hotel – a uma altura de cerca de sete metros. A burocracia que atrasou a transferência aérea de Thiago para Porto Alegre reacendeu as incertezas sobre a manutenção do atendimento aeromédico do Estado. Até as 19h de ontem, Thiago seguia internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do HPS, em estado grave.

A Delegacia de Polícia de Capão da Canoa abriu um inquérito para apurar as cirscuntâncias do acidente. Em depoimento à polícia, Marta Cichanowski, 39 anos, mãe do menino, alegou ter descido para tomar café com outros dois filhos e uma irmã. Thiago teria ficado dormindo. Ela disse ainda que, ao sair, portas e janelas estavam fechadas, e que não imaginou que ele seria capaz de sair sozinho.

Socorrido por um funcionário do hotel, o menino foi levado pelo Samu ao Hospital Santa Luzia. Com a negativa inicial da Central de Regulação do Estado em acionar o serviço aeromédico, Thiago só foi transferido para a Capital duas horas depois, por insistência da médica que assumiu responsabilidade e acompanhou o garoto no helicóptero.

No sábado, o corretor de imóveis Wilson Grevien fotografou o garoto ao lado do irmão mais velho, pendurado na sacada do hotel. A imagem foi anexada ao inquérito da polícia.

– Vamos investigar a hipótese de lesão corporal culposa, cujos indícios preliminares apontam negligência da mãe – explicou a delegada Walquíria Meder, titular da DP de Capão da Canoa.




POLÍTICA + | Rosane de Oliveira


 UM SERVIÇO QUE PRECISA SER MANTIDO
Se alguém ainda tinha dúvida sobre a necessidade de o Estado oferecer um serviço de transporte de pacientes em estado grave, deve ter se convencido diante do caso da criança argentina que caiu da sacada de um hotel em Capão da Canoa. O desencontro de informações reabriu o debate sobre o assunto e forçou o secretário da Saúde, João Gabbardo, a reafirmar que o serviço não será suprimido na esteira do pacote de contenção de gastos.

Depois de uma nota oficial pouco esclarecedora, emitida pela Secretaria da Saúde, Gabbardo disse à coluna que não determinou a suspensão do serviço e que o convênio com a equipe hoje responsável pelo atendimento está mantido. O secretário abriu uma investigação para saber por que uma atendente da equipe de regulação do SUS disse que o transporte aeromédico não existia mais.

A médica Rossana de Carli, que atendeu o menino na emergência do Hospital Santa Luzia, em Capão da Canoa, relatou ter enfrentado dificuldade para obter a autorização para a remoção na aeronave da Brigada Militar. Disse que precisou implorar para trazer a criança de helicóptero para o Hospital de Pronto Socorro e só conseguiu a autorização depois de 45 minutos, o que retardou o atendimento.

Gabbardo informou que o serviço será mantido, mas o governo está repensando quem vai prestar o atendimento e se os dois helicópteros comprados para esse fim serão exclusivos da Secretaria da Saúde. O governo estuda o uso compartilhado com a Secretaria da Segurança.

Se depender da opinião do secretário, o atendimento dos pacientes que precisam ser transportados de helicóptero será feito por médicos e enfermeiros do Samu, os mesmos que trabalham nas ambulâncias. Se essa for a opção, as equipes receberão treinamento especial para atuar em aeronaves.


ALIÁS

O uso do helicóptero da Uniair para ir a uma feijoada no Litoral faz lembrar a resposta do então candidato José Ivo Sartori à equipe do La Urna, quando perguntado sobre o que cortaria: “Viagenzinha em demasia. Não se pode mexer naquilo que é importante na vida das pessoas”.




quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

RESPEITO AO PACIENTE E À PROFISSÃO



ZERO HORA 05 de fevereiro de 2015 | N° 18064



POR JOÃO CARLOS GUARAGNA*



O arsenal terapêutico da cardiologia atual, composto por medicamentos, “stents”, marca-passos e cirurgia, além de salvar muitos pacientes, tem prolongado suas vidas com qualidade. Entretanto, um procedimento pode terminar mal, mesmo com profissionais competentes, devido a sua complexidade ou pela gravidade da doença. Mas o intolerável é o uso eticamente incorreto da medicina colocando em risco a segurança do paciente.

Em nosso Estado, é elevado o nível dos cardiologistas, tanto pela formação acadêmica quanto pela experiência adquirida. A diferença é o médico que demonstra interesse genuíno na saúde do seu paciente. Geralmente, é o cardiologista clínico quem estabelece um forte vínculo com os pacientes, baseado na confiança, que é fundamental no momento de graves decisões. É esse cardiologista quem deve centralizar a indicação de procedimentos invasivos.

Os custos da cardiologia intervencionista são elevados e, se o lucro for o foco principal, o médico perde sua autonomia e o paciente deixa de desfrutar de outras opções terapêuticas eficazes.

Procedimentos realizados com superfaturamento e a utilização de propinas trazem prejuízo à economia da saúde, atingindo o paciente, as seguradoras e os médicos que trabalham com honestidade. Esse desvio financeiro faz com que a consulta médica ambulatorial, as visitas hospitalares e a hora-plantão em emergências e UTIs tenham seus valores subvalorizados, reduzindo o interesse de profissionais por essas atividades.

É necessário mudar isso! Não é papel apenas do governo e das seguradoras. Os hospitais podem conter essa prática, assumindo o controle econômico dos procedimentos invasivos e exigindo a aplicação das diretrizes médicas. Os casos duvidosos devem ser discutidos por um Time do Coração formado por cardiologistas da clínica, da hemodinâmica, da eletrofisiologia e um cirurgião cardíaco. O médico que faz procedimentos contraindicados visando a sua meta financeira, além de demonstrar profundo desprezo pelo ser humano e pela profissão que exerce, comete um crime e como tal deve ser tratado.


Professor da Faculdade de Medicina da PUC/RS e chefe do serviço de cardiologia do Hospital São LucasJ

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

MATERIAIS CAROS SÃO RETIRADOS SEM CONTROLE DOS HOSPITAIS FEDERAIS

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 01/02/2015


Ao todo, 98% das próteses vasculares dos hospitais federais foram retiradas sem documentação. Há próteses com valores acima de R$ 100 mil.




Há um mês, o Fantástico vem denunciando a máfia das próteses. Fornecedores que pagam propina, médicos que marcam cirurgias desnecessárias, hospitais que emitem notas superfaturadas. É a saúde transformada em negócio pela corrupção.

O Fantástico mostra mais um capítulo dessa triste realidade. O total descontrole nos almoxarifados de hospitais federais. Materiais caríssimos, comprados com dinheiro público, são retirados sem que se saiba quem retirou, por que e para qual paciente.

Depois da cirurgia em que teve uma das mamas retirada por causa de um câncer, Maria Elione Gomes ganhou um implante de silicone.

O que a costureira não sabia, até agora, é que pelos registros do hospital, ela saiu de lá, não com uma, mas com cinco próteses.

Fantástico: Prótese mamária de silicone. Saiu uma, duas, três, quatro, cinco.
Maria Elione: Meu Deus! Como explica isso?
Fantástico: Usaram o nome da senhora para tirar cinco próteses do almoxarifado do hospital.

O aposentado José Linhares lutava contra uma trombose na perna, um bloqueio na circulação do sangue. Para tentar evitar a amputação, que mais tarde acabaria acontecendo, os médicos colocaram um stent, um tubo minúsculo usado para melhorar o fluxo dentro da artéria.

Só que pelo prontuário, ele teria outros 12 stents no corpo.

Fantástico: Eu queria que o senhor contasse comigo. 1,2, ...,11, 12.
José: 12 vezes, 12 stents. Cada stent R$ 11 mil.

Toda vez que um paciente chega a um hospital e é internado ele ganha um número. É o prontuário médico. Se vai passar por uma cirurgia e precisa de uma prótese, por exemplo, alguém da equipe médica vai até o almoxarifado, preenche informações sobre o procedimento e retira o item que vai ser usado na operação.

As informações deixadas no almoxarifado e o número do prontuário geram uma AIH, Autorização de Internação Hospitalar. É com a AIH que o Ministério da Saúde controla o uso dos produtos oferecidos no SUS, o Sistema Único de Saúde.

Mas não é o que tem acontecido nos seis hospitais federais do Rio de Janeiro. Elione foi operada no Hospital Geral de Bonsucesso em 26 de junho de 2013.

Fantástico: Foi a cirurgia que a senhora fez?
Maria Elione: Foi.
Fantástico: Uma única vez?
Maria Elione: Uma única vez.

No mesmo dia, o número do prontuário dela foi usado para a retirada de outras quatro próteses, que ninguém sabe onde foram parar.

“Estou até tremendo, porque usaram meu nome. Isso não pode, tenho certeza que isso não pode. É contra a lei. Até porque eu não tenho cinco mamas”, afirma Maria Elione.

Com José, o uso indevido do prontuário foi feito bem depois da cirurgia.

Fantástico: A cirurgia para colocação do stent, o senhor se lembra a data?
José: Foi em 2011.
Fantástico: E a amputação?
José: A amputação foi em 2013.
Fantástico: No começo?
José: Foi em fevereiro.
Fantástico: A retirada desses stents é em outubro de 2013.
José: Outubro de 2013? Outubro de 2013 já estava em casa há muito tempo.

Doze stents desviados que passaram longe da fiscalização. Mas o descontrole é ainda mais grave, o Fantástico teve acesso a informações sigilosas do banco de dados do SUS, e os dados revelam que a fraude vai além de usar o número de um prontuário repetidas vezes.
Na maioria dos casos, não há sequer a preocupação de preencher papéis. Itens caríssimos saem dos almoxarifados sem nenhum tipo de informação: da cirurgia ou do paciente.

O levantamento analisou o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2013. E levou em conta, principalmente, os materiais mais caros, como marca-passos de R$ 10 mil. E próteses cardiovasculares que passam de R$ 100 mil.

Pelos números das requisições deixadas nos almoxarifados, os auditores puderam confirmar a saída dos itens. Mas quase não encontraram informações sobre o destino do material.

Foram tiradas dos estoques, por exemplo, 1.202 próteses mamárias. Sendo 1.073 delas sem emissão da AIH. Isso significa, 89% do material circulando por aí sem controle.

No caso das próteses vasculares, como o stent do José, foram retirados 2.357 itens no período. Sendo 2.310 deles sem a AIH. Ninguém sabe onde estão 98% das próteses vasculares dos hospitais federais.

“Alguém levou isso para algum lugar”, afirma um médico. Ele foi gestor em um hospital federal. “Às vezes, o doutor leva para uma outra unidade que está faltando, tentando fazer o bem. Às vezes leva para uma outra unidade com o sentido de lucro. Acontece de tudo nas unidades federais você pode ter certeza que acontece de tudo”, afirma.

Ele conta que os desvios começam na compra do material. “Fizemos compras de um determinado produto, aproximadamente, umas 6 mil unidades e só chegaram 500, e foi atestado pelo responsável pelo almoxarifado de que todo o material tinha chegado”, diz

E reconhece que é ainda mais difícil detectar os erros na saída dos itens.

Fantástico: Como é que um material caríssimo desse como é que acontece de ele sair sem nenhum controle?

Gestor: Com a conivência da autoridade gestora. Então isso dá margem para tudo. Isso pode ser erro, pode ser desonestidade talvez, mas no mínimo é um descaso com o dinheiro público.

“Isso revela uma total falta de controle. No caso, do Ministério da Saúde, que é responsável por esses hospitais federais”, afirma o professor de medicina da USP Mário Scheffer.

O Fantástico procurou o Ministério da Saúde. A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que nos seis hospitais federais do Rio foram implantadas, em 2014, medidas para aprimorar o gerenciamento de material médico-hospitalar.

Mas agora em janeiro de 2015, o Fantástico conversou com uma funcionária de um almoxarifado e ouviu que o controle só aumentou de verdade depois que o Fantástico começou a exibir a série de reportagens sobre desvios e corrupção na saúde pública.

Fantástico: Auditoria é feita com frequência?
Funcionária: Bom, ultimamente tem dado um monte de salamaleque lá no Fantástico, aí aparece, né? Volta e meia a direção manda pedir tudo à gente.

O Ministério da Saúde explicou também que um dos mecanismos de controle implantados é a utilização de salas específicas para material de alto custo e que as denúncias desta reportagem serão investigadas.

O ministro da Controladoria-Geral da União anunciou que vai fazer uma auditoria. Ele afirmou que o descontrole pode atingir também as redes estaduais e municipais de saúde. “Estamos falando de um problema que pode ser muito maior ainda, nas demais unidades de saúde”, diz Valdir Moysés Simão.

“Nós estamos desperdiçando recursos que poderiam ser utilizados na melhoria da assistência no SUS”, afirma Mário Scheffer.

“Eu tenho um universo de cerca de 15 mil pacientes aguardando até oito anos para a realização de uma cirurgia. Quando eu tiro um insumo ou medicamento de alto custo, eu posso estar tirando a vida de um paciente que está aguardando em uma fila de espera”, diz o Defensor Público Federal Daniel Macedo.

Foi nessas pessoas que o José pensou quando soube dos 12 stents desviados no nome dele. “Me sinto mal mesmo, mal. Saber que pessoas precisando, necessitando e usaram lá. Agora não foi para dar para ninguém. Para fazer caridade, não foi, duvido que foi”, reclama o aposentado José Linhares.
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