quinta-feira, 28 de abril de 2011

UTI PRECÁRIA E IRREGULAR

MP abre inquérito para investigar funcionamento de UTI ilegal em hospital de São Leopoldo. Promotora vistoriou unidade de saúde nesta quarta após denúncias de condições precárias - Vanessa Franzosi, Sucursal da Serra - ZERO HORA ONLINE, 27/04/2011

O mau cheiro e as condições precárias de conservação do prédio de 80 anos do Hospital Centenário, de São Leopoldo, foram vistos de perto nesta quarta-feira pela promotora do município.

Denúncias do Cremers e de médicos do hospital sobre as más condições da estrutura e do funcionamento ilegal de uma Unidade de Tratamento Intensivo foram constatadas. Dois inquéritos civis estão abertos pelo Ministério Público (MP).

Uma das investigações é pelo uso indevido de uma ala de politraumatizados utilizada como UTI sem as condições de equipamentos e médicos disponíveis. Nesta quarta, durante a vistoria da promotora Débora Rezende Cardoso, pelo menos cinco pacientes que necessitariam de atendimento em uma UTI estavam na ala improvisada. A UTI adulta do hospital tem 10 leitos, todos ocupados.

Outra situação alertada ao MP é sobre as condições do telhado do hospital que, antigo, tem infiltrações. Em janeiro, o centro obstétrico foi interditado quando houve fortes chuvas e reaberto depois de transferido para outra ala do hospital.

— A administração do hospital sabe das condições precárias do telhado e está em processo para a troca, mas teremos que fazer um Termo de Ajustamento de Conduta para o funcionamento da UTI improvisada — explica a promotora, que deve marcar uma reunião de urgência com a equipe do hospital nos próximos dias.

De acordo com o vice-presidente administrativo do hospital, Alexandre Andara, um processo licitatório está aberto para a troca de todo o telhado do hospital, que é administrado por uma fundação do município. Serão necessários R$ 2,1 milhões para a obra.

O hospital necessitaria, no entanto, de R$ 8 milhões para que fossem feitas todas as reformas necessárias, conforme o administrador. Segundo Andara, pintura de paredes, troca de equipamentos e ampliação de 249 para 300 leitos seriam ideais para o bom funcionamento do hospital.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A SAÚDE MENTAL DESASSISTIDA

A história das doenças mentais é tão antiga quanto a própria humanidade. Desde sempre, algumas pessoas apresentam formas peculiares de pensar, expressar emoções e comportamentos que se caracterizam por condutas estranhas e bizarras. Nos casos extremos, tornam-se até perigosas em relação ao seu próprio bem-estar e/ou das pessoas com quem convivem – familiares e sociedade em geral. Quando o comportamento delas mostra-se excessivamente inadequado e desconectado do senso de realidade comum, o convívio social em suas próprias famílias torna-se insuportável.

Como as crianças pequenas, os doentes mentais graves necessitam cuidados básicos em relação à sua rotina, higiene, alimentação, segurança e hábitos em geral. Do ponto de vista médico e psicológico, é fundamental o tratamento adequado e permanente. Muitas vezes, ao contrário dos outros doentes, que quando sentem algum problema significativo procuram alívio para seu sofrimento, os doentes mentais graves não se consideram doentes e, portanto, julgam ser desnecessária a ajuda especializada.

Nos últimos 20 anos, em diversos países do mundo, decidiu-se que o hospital psiquiátrico era o grande vilão em relação aos problemas inerentes à assistência em saúde mental. No caso específico do Brasil, aproximadamente 80 mil leitos psiquiátricos foram fechados sem que a necessária contrapartida de atendimento ambulatorial fosse construída a tempo suficiente de minimizar as consequências negativas de uma política dessa magnitude. Em vez de qualificar os hospitais existentes e também as equipes de profissionais envolvidas na tarefa de cuidar, sobretudo dos doentes mentais graves, decretou-se reformar todo o sistema.

Recentemente, o estudo intitulado Mapa da Violência, realizado pelo Instituto Sangari e pelo Ministério da Justiça do Brasil, revelou que o número de suicídios no Brasil, entre os anos 1998-2008, subiu 33,5%. Estima-se que mais de 95% dos suicídios se relacionam com as doenças mentais. A epidemia de dependentes de crack é um problema significativo de saúde pública que apresenta diversos fatores na sua origem, mas, sem dúvida, um dos principais determinantes é a dificuldade no acesso ao tratamento das doenças mentais. O aumento progressivo do número de moradores de rua nos grandes centros urbanos, desde o início dos anos 1990, é um fenômeno preocupante, que coincide no tempo com a mudança acima mencionada e, surpreendentemente, muito pouco acontece em sentido contrário.

O massacre de estudantes ocorrido no último dia 7 de abril, na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, foi conduzido por uma pessoa doente mental grave. Wellington Menezes de Oliveira vivia isolado com seus pensamentos delirantes, dominado por uma insanidade, completamente desassistido em sua saúde mental. As consequências da ausência de tratamento médico e psicológico dos doentes mentais graves são perturbadoras e cada vez mais onerosas para a sociedade.

FERNANDO LEJDERMAN, MÉDICO PSIQUIATRA - ZERO HORA 21/04/2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A SAUDE PUBLICA QUE MERECEMOS



Passado o calor eleitoral, onde as promessas se eternizam entre todos os candidatos em “defesa” da melhoria dos serviços de saúde pública prestados à população, fica ainda mais claro, a importância da união de todos e a responsabilidade da sociedade em defesa do atendimento de qualidade à saúde daqueles que recorrem ao serviço de saúde publica.

Todos precisam abraçar esta causa, pois é um sonho de todos brasileiros. Porém, o que se ver nos dias atuais, é uma saúde publica de péssima qualidade, beirando ao colapso total, apesar dos “eternos” desmentidos de nossos dirigentes. Claro, eles não precisam e nem se utilizam desses serviços. Nem eles nem os familiares. São hospitais construídos sem condições de operar, muitos inaugurados a toque de caixa, apenas com o objetivo de render votos ou para dar uma satisfação ao eleitorado, muitos funcionando sem médicos, enfermeiras, sem medicamentos, ou mesmo sem leitos ou uma simples maca; os existentes totalmente sucateados e alguns sem as mínimas condições de funcionamento, diante da situação de precariedade e da falta de manutenção e conservação.

Alguns funcionam como verdadeiros matadouros, se me permitem o termo. Diante desta situação ficamos a perguntar: afinal de quem será a culpa?

Quem será o responsável por tanto descaso e falta de comprometimento?

Pagamos talvez a mais elevada carga tributária do planeta, cujo maior escorchado é exatamente a classe pobre, pois não possui as condições e os artifícios de transferir para terceiros os impostos que são seus. Afinal, para onde está indo este dinheiro?

E ainda falam em ressuscitar o famigerado imposto do cheque, que serviu para tudo menos para a saúde. Com certeza estão à procura de mais uma fonte que servirá para desvios dos recursos públicos e enriquecimento de políticos e empresários gananciosos que não tem compromisso com o bem estar da população.

E onde está à contrapartida do Estado diante da escorcha tributária praticada contra a população?

Será que deixam de investir nas necessidades básicas da população por acharem que o dinheiro é pouco, com isto poderá prejudicar as suas mordomias e regalias? Nesta hora então, a qualidade de vida da população vá para o ralo, pois a eleição já passou?

No entanto, eles, os governantes e políticos, coitados, “inocentes” os grandes sacrificados se acham merecedores de grandes mordomias, tais como, direito a viagens, combustível dentre outras regalias, por conta do nosso dinheiro, além de se alto concederem altos salários e algo a mais. Porém, em relação à saúde pública é fundamental que medidas sejam tomadas para o aumento do seu financiamento, não com a imposição de novo imposto, pois já pagamos impostos suficientes para termos uma saúde de qualidade, questão de prioridade. Mas que fique claro, o aumento do financiamento pelo setor público por si só não servira de garantias quanto à melhoria na sua qualidade.

O que irá nos garantir a melhoria dos serviços é um financiamento bem direcionado e adequado do sistema, aliado a um controle tanto por parte do Poder Público como pela sociedade para que não ocorram os desvios dos recursos e das suas finalidades, prática está que já se tornou comum na grande maioria de nossos municípios. Basta ver as páginas policiais dos nossos jornais. Se conseguirmos aumentar o financiamento e impedir a roubalheira, com certeza paulatinamente chegaremos lá.

Porém, não dá para falar em melhoria dos serviços prestados na área da saúde pública, se nas suas discussões não estiverem inseridas todos que direta ou indiretamente, estão envolvidos com a saúde pública. E aí entraria, não só os profissionais e gestores, mas também a sociedade representada por Associações de Moradores, Sindicatos e ONG’s, transferindo para todos a discussão e apresentação de propostas que venham viabilizar de forma efetiva as condições da melhoria do ambiente de trabalho e do atendimento.

Apesar de a todo o momento ouvirmos desculpas buscando justificar o injustificável pelo Ministério, Secretarias Estaduais e Municipais da Saúde (que no Brasil deveria se chamar da DOENÇA) em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, medido anualmente, o qual está muito aquém das possibilidades do país diante dos elevados impostos pagos por todos nós, torna-se necessários a união de todos, para uma atuação concreta e possamos obter significativos avanços nas áreas sociais.

Este é um desafio que a sociedade precisa urgentemente assumir, debater e trazer para a mesa das suas discussões a gestão da saúde pública. Esta deve ser uma bandeira, que deve ser levantada por todos e suas discussões não devem conter preconceitos ou ideologias, tendo em vista ser uma luta de todos e para todos, a busca da a assistência e o atendimento de qualidade à saúde da população é uma obrigação e dever do Estado, e que por falta de ações da sociedade ele tem se omitido.

Independente de quem esteja no Poder cabe a nós fiscalizar, interagir, debater e cobrar, de forma que possam ser garantido para todos a melhoria e a qualidade do atendimento. O que não podemos mais admitir é o estado terminal que a saúde pública se encontra, e nós, os contribuintes, aquele que a cada minuto é escorchado com o crescente número de impostos, ficarmos de braços cruzados assistindo os desmandos cometidos pelos que se intitulam “gestores” e aceitarmos e as desculpas esfarrapadas ditas diariamente, sem que se observe qualquer ação ou medidas efetivas serem tomadas para reverter a situação, ou que ao menos traga alguma esperança do restabelecimento da moralidade par o setor.

Torna-se urgente que, no âmbito dos municípios sejam criadas Comissões interdisciplinar de Saúde, contando com a participação dos profissionais que diretamente ou indiretamente atendem à Saúde Pública e membros da comunidade, representados por associações de moradores ou ong’s, cujas reuniões regulares, pelo menos uma cada trimestre, devem ser prescindidas de audiências públicas, contando com a participação dos moradores, de forma que as múltiplas questões que envolvem os médicos e paramédicos e o paciente sejam discutidas e buscadas as soluções. Este seria um dos caminhos a ser trilhado na busca de uma saúde mais qualificada.

Muitos desafios nos aguardam e outros estão por vir, mas é importante e fundamental o amadurecimento, não só da classe médica e paramédica, mas também da comunidade, cujo amadurecimento traga avanços políticos, técnicos, estruturais de forma que os frutos deste amadurecimento e destes avanços possam efetivamente ser colhidos pela sociedade.

Palavra de Sá. Francklin Sá, Feira de Santana, Bahia, segunda-feira, 18 de abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

EQUÍVOCOS NA SAÚDE

Uma matéria publicada no GLOBO, em plena segunda-feira de carnaval, anunciava a terceirização de profissionais como ameaça ao funcionamento de nossos hospitais universitários. Paralelamente, pesquisas recentes do Ipea mostravam que, entre as principais queixas nas emergências públicas, estava a longa espera para o atendimento devido à falta de médicos.

Tais fatores levam ao mesmo diagnóstico: estamos diante de uma grave crise na política de recursos humanos da saúde.

No âmbito municipal, o problema vem atravessando diversos governos que insistem em buscar uma "solução mágica" em detrimento do servidor público que, no passado, foi capaz de administrar bem os hospitais municipais, tais como Miguel Couto, Souza Aguiar e Salgado Filho. A atual administração herdou um sistema já contaminado por ONGs e cooperativas e substituiu por fundações.

Nenhuma dessas instituições, no entanto, conseguiu fixar médicos conforme as necessidades da população. Diante desse quadro, tentei a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a situação. Infelizmente, não foi desejo da maioria dos parlamentares seguir adiante.

Agora, a bola da vez atende pela alcunha de Organizações Sociais (OSs). Atualmente, essas instituições são as responsáveis pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), pelo Programa Saúde da Família (PSF) e poderão assumir, sem licitação, o controle das emergências dos quatro grandes hospitais municipais. Caso isso se confirme, o governo estará rasgando a Lei nº 5.026, que proíbe tal modelo de gestão em unidades de saúde já existentes.

Assim, a Secretaria de Saúde continua sua questionável estratégia de terceirização e dá um péssimo exemplo na condução das políticas públicas de saúde no Rio. Se existiam problemas quando a gestão era exercida por funcionários públicos, pior ainda é assistir ao aumento dos equívocos quando pagamos (caro) para terceiros controlarem o sistema. Já tivemos exemplos suficientes de que, quando o governo substitui a sua função de executor pela de regulador, consegue ser ainda mais ineficiente.

Não se trata de ideologia, mas de uma análise do momento que vivemos. As UPAs, com altíssimos investimentos em propaganda, estão carentes de médicos. Dezenas de equipes do PSF, que trabalham nas belíssimas clínicas da família, também carecem de profissionais. Fica claro que as terceirizações não foram a solução.

A volta do concurso público; a cobrança do cumprimento das mesmas metas oferecidas aos terceirizados; o respeito à legislação referente às licitações; a valorização dos concursados com vencimentos compatíveis com os valores de mercado; e um plano de cargos, carreiras e salários são as melhores medidas para corrigir os equívocos da saúde.

PAULO PINHEIRO é médico, vereador (PPS) e vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio - 06/04/2011 - O GLOBO.

A RELAÇÃO DESGASTADA ENTRE MÉDICOS E PLANOS DE SAÚDE

Mau sintoma: a relação desgastada entre médicos e planos de saúde - O GLOBO, 06/04/2011 às 16h44m. Luiz Roberto Londres

Em 7 de abril de 1831, o Paço do Senado recebia missiva do imperador Pedro I abdicando do trono brasileiro em favor de seu filho ainda menor de idade, Pedro de Alcântara. Em 1946, na mesma data, a Organização Mundial de Saúde (OMS) era criada. Também em 7 de abril, mas de 1506, nascia o futuro santo Francisco Xavier. Neste dia, em 1614, morria o pintor Doménikos Theotokópoulos, conhecido como El Greco. Fins e começos importantes têm marcado essa data, que passou a ser comemorativa do Dia Mundial da Saúde a partir de 1950.

É importante, neste dia, nos conscientizarmos do estado doentio em que se encontra a saúde em nosso país. Aqueles por ela responsáveis, como também responsáveis pela nossa saúde, os médicos, estarão promovendo um movimento que visa conscientizar a todos - cidadãos e autoridades - da terrível deformação que permeia o atendimento médico. Nesse dia estarão atendendo seus pacientes, mas não estarão se sujeitando às normas impostas pelos intermediários financeiros - as operadoras de saúde em suas diversas modalidades.

Com o progressivo desaparecimento de nossa saúde pública, apesar do que diz o artigo 196 da Constituição Federal ("A saúde é direito de todos e dever do Estado"), entidades privadas, muitas delas de fins lucrativos, tomam, aos poucos, o lugar que é do Estado e, em um movimento crescente, usando os seus estabelecimentos de atendimento, onde deveriam estar sendo privilegiados aqueles que não podem pagar por um plano de saúde.

As reivindicações médicas abrangem vários pontos. O mais visível deles, uma vez que cada vez mais o atendimento médico tem como carro-chefe o dinheiro, é a questão da remuneração pelos serviços prestados. Se o leitor fizer um histórico dos reajustes em suas mensalidades e comparar com os reajustes concedidos (vejam só: concedidos) aos médicos, verá a crescente desvalorização dos serviços profissionais em função do lucro dos intermediários. Ou seja, quem produz tem que, cada vez mais, reverter os recursos a que tem direito para aqueles que agenciam a colocação de seus serviços.

Entretanto, a perda de autonomia do médico em decidir sobre os seus honorários é bem menos grave do que a perda da autonomia do médico em decidir sobre os passos para tratar seus pacientes. Cresce de maneira assustadora a interferência de funcionários e contratados dos planos de saúde na conduta médica. Mais grave se torna o fato quando essa distorção parte de auditores médicos em descumprimento do que diz tanto o Código de Ética Médica em seus artigos 94 ("É vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório") e 97 ("É vedado ao médico autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente").

Vemos que o médico, o verdadeiro responsável pelo tratamento de um paciente, é, cada vez mais, colocado a serviço de terceiros que se eximem dessa responsabilidade. O interesse do paciente passa a estar sujeito ao interesse financeiro do pagador - esta é a verdade. Pois enquanto a missão do médico deveria estar voltada para o paciente, a missão dos intermediários financeiros está voltada para o lucro. Entre ambas as situações há um visível conflito na precedência de princípios.

Que este 7 de abril sirva para um passo a mais na conscientização de todos, para que se façam as correções necessárias na profunda distorção que sofre o atendimento médico em nosso país. Uma solução que, acredito, poderia resolver esse conflito seria a seguinte: os planos de saúde que limitassem o atendimento médico àqueles profissionais por eles credenciados deveriam responder solidariamente por danos e erros médicos ocorridos quando esses profissionais estivessem envolvidos.

Luiz Roberto Londres é médico e vice-presidente do Movimento de Participação Médica

RIGOR NA SAÚDE

Às vésperas do Dia Mundial da Saúde, lembrado hoje, a decisão do governo federal de apertar a fiscalização sobre a aplicação das verbas nesta área deve ser vista como um passo importante e vigiada de perto até ser realmente posta em prática. Apenas um pequeno percentual dos repasses feitos pelo Ministério da Saúde para Estados e municípios, estimado em no máximo 2,5% do total das liberações, contaria hoje com uma fiscalização efetiva. Mesmo assim, nos últimos quatro anos, os desvios quantificados em Tomadas de Contas Especiais (TCEs) alcançaram a cifra de R$ 662 milhões. São recursos destinados a socorrer enfermos e a salvar vidas, mas que, na falta de controles rígidos, acabaram tomando outros rumos, o que é inadmissível.

Só o volume efetivamente comprovado de desvio, mesmo se constituindo numa pequena parcela do total, seria suficiente para a construção de centenas de unidades básicas de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Serviria também para pagar salários por um ano de centenas de equipes do Programa Saúde da Família. O montante demonstra que uma degradação tão acelerada na qualidade dos serviços prestados na área de saúde pública não pode ser atribuída simplesmente ao fim da chamada CPMF, compensado com folga com o aumento da alíquota do IOF e da arrecadação de maneira geral. Os problemas se agravaram, em boa parte, porque nem municípios, nem Estados vêm demonstrando empenho em encarar a sério suas atribuições nesta área, mas também porque os recursos disponíveis são desviados e não chegam a quem efetivamente precisa.

É inadmissível que o dinheiro capaz de reduzir o sofrimento de tantos enfermos à espera de socorro e mesmo de evitar mortes continue a ser desperdiçado por maus gestores e desviado para o bolso de corruptos. A presidente Dilma Rousseff, que durante a campanha eleitoral se comprometeu com avanços nesta área, reafirmou há poucos dias em Belo Horizonte que “não vai haver um dia em que o governo federal e o Ministério da Saúde não tentem melhorar o SUS”. Entre as intenções e a prática, porém, o que se constata hoje é uma rede pública incapaz de atender à demanda de um lado e, de outro, pacientes que não conseguem marcar consultas com especialistas, que são transferidos para a Capital em ambulâncias ou ônibus por não contarem com atendimento nos municípios nos quais moram ou na região, que são mandados das emergências dos hospitais para os postos, mas os encontram fechados, pois funcionam em horário restrito, como se doença tivesse hora para se manifestar.

Em qualquer área, mas particularmente na de saúde pública, é inconcebível que possa haver margem para o desperdício e o desvio de verbas. Por isso, a intenção do Ministério da Saúde de reforçar os controles deve preceder qualquer outra, visando sempre à qualidade do serviço prestado para usuários do SUS.

EDITORIAL ZERO HORA - 07/04/2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

IDOSOS SÃO VÍTIMAS DE EXPLORAÇÃO E MAUS TRATOS

Mesmo recebendo até 2 salários mínimos, idosos são vítimas de exploração. Sem dinheiro, muitos são abandonados em instituições de longa permanência - Renata Mariz, Ana Cláudia Dolores e Marcelo da Fonseca - Correio Braziliense, 05/04/2011.

Brasília, Recife e Belo Horizonte — Marcas visíveis dos maus-tratos, o pé esquerdo em processo de necrose, a sujeira acumulada no corpo e a fraqueza pela falta de uma alimentação decente assustaram as autoridades que encontraram Joana*, imobilizada num sofá pelas sequelas do acidente vascular cerebral (AVC) sofrido 10 meses antes. Por trás das condições precárias da mulher de 83 anos, porém, estava outro tipo de violência, recorrente entre os idosos, que apesar de não deixar hematomas pode ser fatal. A exploração financeira praticada pelo único filho de Joana levou à venda da casa, sem que ela autorizasse, conquistada depois de anos de trabalho. A aposentada ainda se surpreendeu com dois empréstimos feitos no próprio nome.

O benefício mensal de Joana é de um salário mínimo — renda máxima recebida por 43% dos idosos no país. Pouco para revelar o lado mais mesquinho de familiares, muito para parentes sem renda regular, trabalho, consciência ou consideração diante das necessidades dos mais velhos. “O idoso paga um preço muito alto pelo desemprego dos filhos, pelos descalabros da economia, sem contar as características da época, como drogas, álcool e um consumismo exagerado”, lamenta o geriatra Renato Maia, professor da Universidade de Brasília.

Embora não notifique todas as denúncias de violência financeira que recebe, o Ministério Público do DF abre dois inquéritos por mês, em média, que se tornam, em seguida, processos judiciais contra os exploradores. “Num contexto em que o idoso não costuma denunciar, é um número alto de ocorrências. E posso afirmar que em 100% dos casos temos a família envolvida”, diz Sandra Julião, promotora da área do idoso no DF.

Drogas

O maior estudo já feito sobre o tema da violência contra idosos no país chegou a 3.637 denúncias de abuso financeiro registradas em delegacias, promotorias ou centros de apoio de todas as capitais, no período de um ano. “Em vez de dar autonomia, a renda do idoso muitas vezes o coloca como alvo de mais violência, quando a família cobra dele o papel de provedor, de criador de netos”, afirma Vicente Faleiros, doutor em sociologia e autor da pesquisa. Não à toa, 64% das pessoas com mais de 60 anos no Brasil sustentam a casa, sendo que apenas 37% moram sozinhas ou com um cônjuge.

Retirada da situação de risco, uma instituição de longa permanência, mais conhecida como asilo, tornou-se a nova morada de Joana. Como grande parte dos idosos que sofrem maus-tratos de parentes, a senhora de cabelos ralos e brancos não gosta de falar sobre o passado. Prefere acreditar que o filho, apontado como usuário de drogas no processo penal que responde por negligência, vai se redimir. “Ele sabe o que é melhor para mim, a gente tem que ter calma”, resigna-se. Primeiro, ela afirma que recebe visita do rebento todos os dias. Depois, duas vezes por mês. O fato é que o homem vai ao asilo, às vezes, empurrado por uma determinação judicial.

A negação da violência também acompanhou Ivone*, de 62 anos, por muito tempo. Pensionista, moradora do bairro de Aguazinha, na periferia de Olinda (PE), ela só falou sobre os abusos que sofre depois que vizinhos denunciaram a situação à polícia. Diante das autoridades, há menos de 15 dias, Ivone tentou amenizar a história, que envolve bebida, desemprego e extorsão. No entanto, acabou revelando o drama de viver sob as ameaças do filho de 39 anos, desde os 15 viciado em álcool. Sem trabalho, ele passa o dia bebendo com a pensão de um salário mínimo.

Ivone já tentou se afastar, mas teme ser machucada pelo filho. “Ele bebeu e ficou muito estressado. Aí gritou comigo e disse que, se eu saísse de casa, iria cortar as minhas pernas”, contou. O geriatra Renato Maia aponta as dificuldades que fazem do idoso alvo recorrente de abusos de todas as ordens. “A vulnerabilidade orgânica, psíquica, social e financeira é enorme. Se você é velho, sua capacidade de reagir e superar é menor”, destaca o geriatra.

A fragilidade mencionada pelo professor da UnB é visível em Maria Bras quando chega o fim do dia. Sem aposentadoria, ela encara uma jornada de trabalho que ultrapassa 12 horas puxando um carrinho pesado com material reciclável. A senhora de 65 anos engrossa a multidão de idosos que se mantem ocupados (29%) mais por necessidade e menos por vontade no Brasil. No ano passado, Maria recebeu a notícia de que tinha problemas nas articulações e também osteoporose. O médico aconselhou-a a deixar o trabalho braçal. Mas ela não seguiu a recomendação. “Eu sei que o problema pode ser muito sério, mas cada um sabe o que tem que fazer na vida. E eu tenho que estar nessa luta, porque não tenho aposentadoria. Então é pedir a Deus para que a saúde aguente”, diz.

* Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.

domingo, 3 de abril de 2011

OS NOVOS VAMPIROS



Ministério da Saúde descobre que uma nova Máfia dos Sanguessugas instalada no governo do Distrito Federal desviou, só em 2009, mais de R$ 70 milhões destinados à compra de hemoderivados - Hugo Marques - REVISTA ISTO É, 03/04/2011

Em maio de 2004, o País se surpreendeu com a prisão da Máfia dos Vampiros, que desviou R$ 2 bilhões do Ministério da Saúde em contratos superfaturados para fornecimento de remédios específicos para o tratamento da hemofilia. Agora, exatos seis anos depois, uma auditoria do Sistema Único de Saúde no Hospital de Apoio de Brasília percebeu que um esquema muito semelhante está ocorrendo na Capital Federal e recomendou que a Secretaria de Saúde do DF investigasse mais a fundo a compra e distribuição de hemoderivados. Pouco menos de três meses após a abertura da sindicância, o governo do Distrito Federal já descobriu que uma quadrilha muito semelhante àquela da Máfia dos Vampiros desviou, só em 2009, R$ 72 milhões dos R$ 180 milhões gastos na compra de hemoderivados na capital federal.

Os novos vampiros brasilienses ultrapassaram seus antecessores. Além das tradicionais artimanhas para roubar dinheiro público, como licitações viciadas ou superfaturamento de preços, agora os criminosos também estavam roubando medicamentos no transporte entre os laboratórios e os hospitais. Remédios que deveriam ser distribuídos gratuitamente à população estavam sendo vendidos em farmácias de cidades mineiras e goianas. “Entre roubo, produtos entregues próximo da data de vencimento, que tinham de ser inutilizados, e medicamentos não entregues, os desvios chegavam a 40% do dinheiro do DF para medicamentos”, diz uma autoridade que acompanha o caso.

Não à toa, o SUS constatou que o consumo de remédios para hemofílicos no Distrito Federal foi 179% maior do que a média do País em 2009. Brasília apresentou consumo de 83.732 UI (unidades internacionais) por paciente/ano, enquanto a média do Brasil foi de 34.452 UI por paciente/ano. Diante das distorções, o governo do DF decidiu recadastrar os hemofílicos. Dos 470 pacientes que tinham recebido medicamentos no Hospital de Apoio em anos anteriores, menos de 100 compareceram para se recadastrar. Até uma ONG que participa do programa de medicamentos para hemofilia, a Ajude-C, terá seus cadastros de pacientes revistos.

Ao que tudo indica, remédios para hemofilia, os chamados “fatores recombinantes”, são apenas a ponta de mais um iceberg da roubalheira brasiliense.

UM REMÉDIO OU UM VENENO?

“A diferença entre o remédio e o veneno está na dose.” A frase do médico suíço Paracelso, do século 16, ainda hoje visível na decoração de consultórios médicos, é bastante útil para medir a saúde financeira dos municípios que atualmente se veem às voltas com uma prática que ameaça corroer a capacidade investidora das cidades brasileiras: as crescentes demandas judiciais por medicamentos caros que deveriam ser fornecidos pelo Estado ou pela União, mas acabam saindo dos cofres das prefeituras.

O financiamento da saúde pública é uma preocupação nacional desde os albores da redemocratização, na década de 80. A Constituição de 1988 estabeleceu o compartilhamento da gestão de saúde entre municípios, Estados e União, contingenciando, por exemplo, 15% dos orçamentos municipais para a área, e uma fatia de 12% dos estaduais. A parcela da União jamais foi definida, apesar da boa tentativa da Emenda Complementar 29, ainda pendente de regulamentação.

Os municípios se esforçaram e hoje, em sua ampla maioria, investem mais que os 15% obrigatórios. No caso dos Estados, todavia, nenhum aplica toda a sua cota, no que são tolerados pelos Tribunais de Contas, sempre tão implacáveis com as prefeituras.

Pelas normas do SUS, cabe às prefeituras a obrigatoriedade de manter em seus postos de saúde uma lista de cerca de 80 medicamentos da chamada Farmácia Básica, devendo os Estados arcar com os demais. Apesar disso, milhares de decisões judiciais, ignorando estas normas, simplesmente determinam ao município que providencie, em 48 horas, medicamentos caros que competem a outras esferas de governo.

Não se descrê de que os magistrados pensem estar fazendo justiça social. No entanto, o fluxo crescente de tais ações, movidas muitas vezes por pessoas que detêm os recursos para pagar esses medicamentos, acaba por inverter a lógica da saúde pública, que deveria ser universal, mas pressiona o caixa das prefeituras em favor de uma minoria.

No caso de São Gabriel, cidade que administro, a despesa com remédios demandados por via judicial saltou de R$ 200 mil em 2003 para R$ 1,7 milhão no ano passado, numa evolução de quase 1.000%, totalizando R$ 7 milhões em oito anos. A despesa de 2010 corresponde a uma folha de pagamento, valor que daria para construir 40 apartamentos populares, ou custear mais 500 alunos na rede municipal de ensino. Isto sem falar nas despesas normais da saúde básica e o socorro financeiro aos hospitais filantrópicos, feito por muitas prefeituras, e que no caso de São Gabriel representa R$ 2 milhões por ano. O mais grave é que o montante gasto para medicamentos demandados judicialmente beneficia um público que nos últimos dois anos foi de 427 pessoas, em detrimento da saúde básica de 60 mil habitantes.

Além disso, vários juristas opinam que não é exatamente tarefa do Judiciário deliberar sobre aquisições que, por alocação de recursos e prioridades, são da alçada do Poder Executivo. Além do aspecto financeiro, há um conflito de competências.

O remédio judicial, pelo excesso da dose que vem sendo aplicada nos últimos anos, pode levar muitas prefeituras à falência múltipla de órgãos nos próximos 10 anos. A sociedade precisa discutir esta questão, sob pena de muitos municípios não poderem, futuramente, atender à saúde básica de todos em detrimento do privilégio de alguns poucos. Faria bem a nossos juízes pensar no conselho do médico Paracelso.

ROSSANO DOTTO GONÇALVES, PREFEITO DE SÃO GABRIEL - ZERO HORA 02/04/2011