Mesmo recebendo até 2 salários mínimos, idosos são vítimas de exploração. Sem dinheiro, muitos são abandonados em instituições de longa permanência - Renata Mariz, Ana Cláudia Dolores e Marcelo da Fonseca - Correio Braziliense, 05/04/2011.
Brasília, Recife e Belo Horizonte — Marcas visíveis dos maus-tratos, o pé esquerdo em processo de necrose, a sujeira acumulada no corpo e a fraqueza pela falta de uma alimentação decente assustaram as autoridades que encontraram Joana*, imobilizada num sofá pelas sequelas do acidente vascular cerebral (AVC) sofrido 10 meses antes. Por trás das condições precárias da mulher de 83 anos, porém, estava outro tipo de violência, recorrente entre os idosos, que apesar de não deixar hematomas pode ser fatal. A exploração financeira praticada pelo único filho de Joana levou à venda da casa, sem que ela autorizasse, conquistada depois de anos de trabalho. A aposentada ainda se surpreendeu com dois empréstimos feitos no próprio nome.
O benefício mensal de Joana é de um salário mínimo — renda máxima recebida por 43% dos idosos no país. Pouco para revelar o lado mais mesquinho de familiares, muito para parentes sem renda regular, trabalho, consciência ou consideração diante das necessidades dos mais velhos. “O idoso paga um preço muito alto pelo desemprego dos filhos, pelos descalabros da economia, sem contar as características da época, como drogas, álcool e um consumismo exagerado”, lamenta o geriatra Renato Maia, professor da Universidade de Brasília.
Embora não notifique todas as denúncias de violência financeira que recebe, o Ministério Público do DF abre dois inquéritos por mês, em média, que se tornam, em seguida, processos judiciais contra os exploradores. “Num contexto em que o idoso não costuma denunciar, é um número alto de ocorrências. E posso afirmar que em 100% dos casos temos a família envolvida”, diz Sandra Julião, promotora da área do idoso no DF.
Drogas
O maior estudo já feito sobre o tema da violência contra idosos no país chegou a 3.637 denúncias de abuso financeiro registradas em delegacias, promotorias ou centros de apoio de todas as capitais, no período de um ano. “Em vez de dar autonomia, a renda do idoso muitas vezes o coloca como alvo de mais violência, quando a família cobra dele o papel de provedor, de criador de netos”, afirma Vicente Faleiros, doutor em sociologia e autor da pesquisa. Não à toa, 64% das pessoas com mais de 60 anos no Brasil sustentam a casa, sendo que apenas 37% moram sozinhas ou com um cônjuge.
Retirada da situação de risco, uma instituição de longa permanência, mais conhecida como asilo, tornou-se a nova morada de Joana. Como grande parte dos idosos que sofrem maus-tratos de parentes, a senhora de cabelos ralos e brancos não gosta de falar sobre o passado. Prefere acreditar que o filho, apontado como usuário de drogas no processo penal que responde por negligência, vai se redimir. “Ele sabe o que é melhor para mim, a gente tem que ter calma”, resigna-se. Primeiro, ela afirma que recebe visita do rebento todos os dias. Depois, duas vezes por mês. O fato é que o homem vai ao asilo, às vezes, empurrado por uma determinação judicial.
A negação da violência também acompanhou Ivone*, de 62 anos, por muito tempo. Pensionista, moradora do bairro de Aguazinha, na periferia de Olinda (PE), ela só falou sobre os abusos que sofre depois que vizinhos denunciaram a situação à polícia. Diante das autoridades, há menos de 15 dias, Ivone tentou amenizar a história, que envolve bebida, desemprego e extorsão. No entanto, acabou revelando o drama de viver sob as ameaças do filho de 39 anos, desde os 15 viciado em álcool. Sem trabalho, ele passa o dia bebendo com a pensão de um salário mínimo.
Ivone já tentou se afastar, mas teme ser machucada pelo filho. “Ele bebeu e ficou muito estressado. Aí gritou comigo e disse que, se eu saísse de casa, iria cortar as minhas pernas”, contou. O geriatra Renato Maia aponta as dificuldades que fazem do idoso alvo recorrente de abusos de todas as ordens. “A vulnerabilidade orgânica, psíquica, social e financeira é enorme. Se você é velho, sua capacidade de reagir e superar é menor”, destaca o geriatra.
A fragilidade mencionada pelo professor da UnB é visível em Maria Bras quando chega o fim do dia. Sem aposentadoria, ela encara uma jornada de trabalho que ultrapassa 12 horas puxando um carrinho pesado com material reciclável. A senhora de 65 anos engrossa a multidão de idosos que se mantem ocupados (29%) mais por necessidade e menos por vontade no Brasil. No ano passado, Maria recebeu a notícia de que tinha problemas nas articulações e também osteoporose. O médico aconselhou-a a deixar o trabalho braçal. Mas ela não seguiu a recomendação. “Eu sei que o problema pode ser muito sério, mas cada um sabe o que tem que fazer na vida. E eu tenho que estar nessa luta, porque não tenho aposentadoria. Então é pedir a Deus para que a saúde aguente”, diz.
* Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.
No Brasil, a saúde pública é tratada com descaso, negligência e impostos altos em remédios e tudo o que faz bem à saúde. Médicos e agentes da saúde são poucos e mal pagos; As pessoas sofrem e morrem em filas, corredores de ambulatórios e postos de saúde; As perícias são demoradas e burocracia exagerada; Há falta de leitos, UTI, equipamentos, tecnologia, hospitais e postos de saúde apropriados para a demanda; A impunidade da corrupção desvia recursos e incentiva as fraudes.
terça-feira, 5 de abril de 2011
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