sexta-feira, 27 de setembro de 2013

RASTREABILIDADE: UM DIREITO DO PACIENTE


JORNAL DO COMERCIO 27/09/2013


João Carlos de Oliveira

Uma recente pesquisa divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) traz à tona dados alarmantes. O estudo revela que até 73% das falhas registradas nos hospitais brasileiros poderiam ser evitadas. Isso inclui, por exemplo, medicações trocadas, danos por falha de tratamento e vários outros tipos de problemas. Para se ter uma ideia, significa que, em 2008, 562 mil pacientes, de um total de 11,1 milhões de pessoas internadas pelo SUS, foram vítimas de erros evitáveis.

Hospitais e centros de tratamentos são ambientes extremamente complexos, nos quais a atenção deve ser redobrada, pois são suscetíveis a falhas humanas. Às vezes, a dose errada é dada a um paciente. Ou a medicação não é aquela. Ou o equipamento médico errado é utilizado. Episódios como esses demonstram a necessidade de o sistema de saúde garantir a segurança do paciente tanto com relação à autenticidade dos remédios, evitando a pirataria, quanto à sua correta administração pelos agentes de saúde. Existem ferramentas e processos capazes de prevenir a grande maioria desse tipo de erro, e a automação e rastreabilidade são caminhos mais eficazes para garantir a adoção de um controle efetivo. A utilização de sistemas automatizados que garantem a rastreabilidade permite saber todo o percurso que o produto fez até chegar ao destino final, pois possibilita conhecer a precisa identificação de cada item, sua proveniência e localização. A rastreabilidade garante direitos ao paciente: receber o medicamento certo, na dose certa, na hora certa, na via correta.

A falsificação de medicamentos é outro ponto crítico para a cadeia de suprimentos em saúde que pode ser combatido. A tendência é que cada vez se cobre dos governos e das empresas um gerenciamento efetivo das cadeias produtivas, permitindo a rastreabilidade e visibilidade dos produtos. Quem faz a lição de casa ganha duas vezes: conquista a confiança do consumidor e abre as portas para o comércio mundial, que também tem sido criterioso quanto ao controle de origem.

Presidente da GS1 Brasil - Associação Brasileira de Automação

SOBRE DEMOCRACIA E SAÚDE, RESPEITO E VERDADE

JORNAL DO COMERCIO 27/09/2013


Mário Henrique Osanai


Após um longo silêncio, as ruas decidiram falar. E, com uma voz firme e afinada, pediram mudanças. Insatisfeitas e indignadas, cobraram ações dos gestores públicos. Mandaram seus recados ainda mais fortes contra a corrupção e o descaso. Nos gabinetes, jatinhos e helicópteros, o fenômeno foi percebido. Mas a interpretação foi distorcida. As pessoas foram convertidas em percentuais e estimativas. Os pleitos foram transformados em oportunidades para projetos de poder. A corrupção se excitou e estendeu seus braços. O abandono colocou uma máscara. E a democracia sangrou.

O cotidiano demonstra a carência das estruturas e de recursos humanos nos grandes centros. Os noticiários se repetem, mostrando pessoas morrendo ou fragilizadas ao extremo pela doença. E tudo se agrava pela gestão incompetente. Emergências lotadas, profissionais exaustos e recursos escassos. Ambulâncias e ônibus despejando vítimas da demagogia às portas dos hospitais. A omissão das autoridades públicas foi exposta. Nas reuniões de cúpula, carros blindados e palácios, o problema foi reconhecido. Mas as ações foram, como sempre, cenográficas. As mortes e sequelas foram atribuídas à falta de médicos. O caos foi transferido a uma única categoria profissional. O projeto eleitoreiro se encorpou e afiou suas garras. A mentira pintou o rosto. E a saúde agonizou.

Das gavetas, saíram projetos. E a MP 621/2013 surgiu, criando um curso de especialização, cujos alunos seriam a força de trabalho. Mas os estabelecimentos deficientes são os mesmos. Segundo a MP, o curso, oferecido por instituição pública de educação superior, garantiria tutores acadêmicos e supervisores. E a população carente teria mais assistência, humanidade e qualidade. Mais uma vez, a promessa veio envolta na falácia. E os alunos ficaram sozinhos. Alguns abandonaram e foram chamados de traidores. Outros foram abandonados à própria sorte. O dinheiro de estatais inundou espaços publicitários. Nos palanques e diretórios, as comemorações com as pesquisas. O povo continuou sofrido, doente e vulnerável. Exposto aos males da pior doença. E o respeito desapareceu.

E qual a verdade? O que será feito para combater a corrupção e a falcatrua? E por que as vítimas são sempre as mesmas? Já passou da hora de termos uma gestão competente, comprometida com a verdade e com o povo. Talvez, a solução seja o retorno da democracia.

Médico

COMO ESTÁ O SEU COLESTEROL?

ZERO HORA 27 de setembro de 2013 | N° 17566

CÂNDIDA HANSEN

CHANCE AO CORAÇÃO

Nova diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia baixa de 100 para 70 o nível ideal do LDL em pacientes de alto risco. Maior impacto será para as mulheres


Apartir deste sábado, muitos brasileiros vão acordar com os seus níveis de colesterol no sangue acima do recomendado. Mas isso não significa que as pessoas vão exagerar no consumo de gorduras durante o dia de hoje.

É que amanhã a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) apresenta nova diretriz que altera os limites considerados saudáveis de LDL, o colesterol ruim, no sangue.

As novas orientações são mais severas, especialmente para as mulheres. Antes, pessoas com alto risco de doenças cardiovasculares tinham como meta manter os níveis de colesterol LDL em até 100 miligramas por decilitro de sangue. Agora, a luta será ficar abaixo de 70 mg/dl.

As recomendações da 5ª Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose para identificar o risco dos pacientes também mudaram. Até hoje, as mulheres são classificadas como pacientes de alto risco quando têm mais de 20% de possibilidade de infarto, derrame ou insuficiência cardíaca nos próximos 10 anos. Com a nova diretriz, uma chance maior do que 10% já deve acender o sinal amarelo. Esta probabilidade é calculada de acordo com fatores como tabagismo, idade, histórico pessoal e familiar de doenças cardíacas, diabetes, entre outros.

Para Hermes Xavier, presidente do departamento de aterosclerose da SBC e editor da nova diretriz, o risco aumentado das mulheres é o que causa mais impacto.

– Nos últimos anos, nós subestimamos o risco cardiovascular da mulher. O estilo de vida feminino mudou, e elas têm mais fatores de risco como obesidade, tabagismo e colesterol alto. Há 25 anos, somente uma mulher infartava a cada quatro casos masculinos. Atualmente, nas grandes cidades, esse índice já está quase empatado. Esta situação tem de ser corrigida – diz Xavier.

A técnica em enfermagem Cleuza Siqueira, 51 anos, que há pelo menos sete anos luta contra o colesterol. A chegada da menopausa trouxe problemas como a hipertensão e o colesterol alto.

– Tomei medicamento para controlar os índices de LDL por dois anos. Hoje, tento manter os níveis somente com uma alimentação mais regrada e exercícios físicos, mas estou sempre no limite – conta.

Com a diretriz, o caso de Cleuza ficou mais severo. E, para atingir as novas metas, há uma consequência: mais pessoas vão usar medicamentos para controlar os índices, as estatinas. Segundo Xavier, o aumento na prescrição é visto com bons olhos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

– Não temos dúvidas de que o uso de estatina vai aumentar, mas temos de conscientizar médicos e pacientes de que a meta precisa ser atingida – justifica Xavier.

O diretor da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul lembra que o ideal é alcançar uma taxa saudável de colesterol sem o uso de medicação.

– Quanto mais medicação o paciente toma, mais ele estará sujeito aos efeitos colaterais. É mais fácil a pessoa tomar uma pílula do que mudar os hábitos de vida, mas o resultado seria muito melhor – pondera.

A cardiologista Gicela Risso Rocha concorda que a prevenção e os hábitos saudáveis devem ser priorizados:

– Antes de pensar em medicar, temos de alertar para mudança no estilo de vida. Mas, provavelmente, vamos salvar vidas com esse alerta que chega pela diretriz.


A BASE CIENTÍFICA

A 5ª Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose tem como principal base científica uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, publicada em 2012.

- A pesquisa é uma metanálise, ou seja, reúne e avalia os principais estudos desenvolvidos sobre o tema.
- Foram avaliados os dados de mais de 270 mil pacientes tratados com estatina que alcançaram uma redução importante nos níveis de LDL.

- O estudo mostra que a redução rigorosa dos níveis de colesterol é efetiva para diminuir os eventos cardíacos e a mortalidade decorrentes de problemas do coração.

- A pesquisa também garante a eficácia e a segurança das estatinas, medicamentos utilizados para reduzir os níveis de colesterol.

- 300 mil pessoas morrem anualmente no Brasil devido a doenças cardiovasculares como infarto, acidente vascular encefálico, insuficiências cardíaca e renal ou morte súbita



quinta-feira, 26 de setembro de 2013

CURSO DE MEDICINA VOLTADO AOS SUS

zero hora 26 de setembro de 2013 | N° 17565

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA

Está nascendo um novo curso de Medicina


Ainclusão de uma emenda na medida provisória que cria o programa Mais Médicos pode abrir caminho para a criação de uma nova faculdade de Medicina no Rio Grande do Sul, voltada a formar profissionais para trabalhar no SUS. O diretor-superintendente do Grupo Hospitalar Conceição, Carlos Nery Paes, está em conversações avançadas com os ministérios da Saúde e da Educação para a implantação do curso no GHC a partir de 2014 ou, na pior das hipóteses, em 2015. O substitutivo do relator da MP, Rogério Carvalho (PT-SE), prevê que hospitais com características como as do Conceição possam fazer o projeto do curso e encaminhar diretamente aos ministérios.

– Temos uma condição muito especial para a criação do curso. Todos os anos, mais de 5 mil alunos de graduação passam pelo Conceição. Todas as faculdades mandam alunos.

O Grupo Conceição começou a trabalhar na elaboração do projeto, que seria focado na formação de médicos para a atenção básica. A faculdade receberia recursos federais e teria acesso universal de acordo com o desempenho no Enem.

O principal apoiador da ideia é o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que estreitou os laços com o Conceição durante as visitas que fez no início do ano por conta do atendimento às vítimas do incêndio na boate Kiss.

A proposta em gestação deve acirrar as divergências entre as entidades médicas e o governo. Tanto o Cremers quanto o Sindicato Médico sustentam que não faltam médicos no Brasil e citam números da Organização Mundial da Saúde. Dizem que o que falta é estrutura de atendimento e um plano de carreira, semelhante ao de juiz e de promotor, para interiorizar os médicos.

Um curso semelhante ao que está sendo planejado para o Conceição foi criado em Passo Fundo e teve índice recorde de inscritos na primeira seleção: 329,5 candidatos por vaga.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A FARRA E A SAÚDE


23 de setembro de 2013 | 2h 09

Denis Lerrer Rosenfield* - O Estado de S.Paulo



O que tem que ver uma medida provisória (MP) que trata do setor sucroalcooleiro, visando especificamente a Região Nordeste, com nova regulamentação que permite a captação de receitas entre drogarias e farmácias de manipulação? Literalmente, nada!

No entanto, esse é o caso da MP n.º 615, de 2013 - muito apropriadamente denominada pelo Estadão de "farra das MPs", em editorial de 16 de setembro -, ora pendente de sanção pela presidente da República. A situação é surreal!

Interesses dos mais difusos e, às vezes, mais obscuros são contemplados em negociações que têm como objetivo a aprovação de uma MP de interesse do governo. Assuntos que nada têm em comum com o assunto tratado são inseridos arbitrária e açodadamente num texto legal, sem passarem pelos trâmites legislativos ordinários, próprios, por exemplo, de projetos de lei.

Isso faz com que discussões não tenham lugar, o embate e o confronto de opiniões não se realizem e os argumentos pró e contra sejam simplesmente desconsiderados. O que seria o trâmite específico do processo legislativo simplesmente não ocorre, sendo substituído pelo arbítrio de interesses que estavam à espreita de uma oportunidade para se concretizarem.

Trata-se de uma prática que perverte o processo legislativo. É como se o interesse que teme a discussão clara e ordenada, não ousando apresentar-se sob a forma de projeto de lei, pudesse apenas prosperar sob essa forma legal da medida provisória, porém essencialmente distorcida. Um Legislativo que se preze não poderia compactuar com tal tipo de prática. É o próprio processo de criação e elaboração de leis que é sumariamente abandonado.

No caso em questão, o efeito é ainda mais perverso, porque afeta a saúde da população, transformando o texto legal em vigor e até uma resolução da Anvisa, de 2007. O problema é grave: como pode um agregado extemporâneo a uma medida provisória alterar um texto legal, fruto de todo um processo legislativo, e uma resolução posterior da Anvisa tratando da mesma questão? Se há algo a ser mudado, deveria ele seguir os trâmites legislativos normais, e não ser introduzido de forma arbitrária no calor de uma negociação a respeito do setor de cana-de-açúcar e etanol.

Atualmente, drogarias não podem captar receitas com prescrições magistrais, próprias de farmácias de manipulação. O que se visa com isso é manter a qualidade dos produtos manipulados e a saúde da população. Não se trata de uma separação arbitrária, pois ela obedece a formas de produção e personalização de produtos bastante distintas. O que está em questão é o coletivo, e não os interesses setoriais.

Farmácias de manipulação são rigorosamente controladas. Obedecem a uma série de condições e critérios que as distinguem das drogarias. Cada uma delas tem laboratório, farmacêutico responsável, trata os seus clientes de forma individualizada, segue regras sanitárias estritas e obedece a condições rigorosas de conservação de seus produtos. Medicamentos manipulados são únicos e personalizados, distinguindo-se, nesse sentido, dos medicamentos industrializados, que obedecem a outras regras e condições.

Drogarias, por sua vez, vendem medicamentos em série, caracterizando-se pelo comércio de produtos industrializados. Não têm a cultura do produto manipulado, tampouco possuem os laboratórios correspondentes. Logo, não obedecem às regras próprias, sanitárias e laboratoriais, das farmácias de manipulação. Sua atividade é completamente distinta. Só o olhar incauto as identificaria.

Dessa maneira, o agregado introduzido pelo artigo 36 na Medida Provisória 615 visa a abolir essa distinção, fazendo com que as drogarias venham a exercer certas funções das farmácias de manipulação, sem terem as condições de cultura, laboratoriais e sanitárias para tal. O risco daí decorrente pode ser grande para clientes que, inadvertidamente, passem a recorrer a drogarias para adquirirem um produto que lá não é manipulado. Ou seja, sob a forma aparentemente anódina de uma autorização para que drogarias e farmácias possam captar receitas entre si, introduz-se uma grande modificação. Eis o perigo.

Para além dos problemas próprios de conservação dos produtos manipulados e das condições laboratoriais específicas de sua produção, perde-se a cultura da relação pessoal com o cliente e da de produtos únicos, que são individualizados de acordo com as necessidades de cada um. Receituários médicos, odontológicos e veterinários exercem, precisamente, essa função. São prescrições personalizadas. É como se os medicamentos manipulados pudessem vir a ser produzidos em série, industrialmente, o que contraria justamente a sua natureza própria.

Ademais, a autorização de captação de receitas entre estabelecimentos de natureza distinta (farmácias de manipulação e drogarias) faria com que a ação fiscalizadora da autoridade sanitária correspondente se visse sensivelmente enfraquecida. As farmácias de manipulação, que obedecem a uma legislação sanitária estrita, cujo objetivo consiste em preservar a qualidade, a segurança e a eficácia dos seus produtos, ver-se-iam confrontadas com uma situação completamente distinta. Seus medicamentos e suas finalidades próprias de individualização correriam um grande risco, podendo afetar a saúde da população. Quem seria responsável?

Não pode, portanto, vingar, na farra de negociação de uma MP, que o arbitrário vença uma regulamentação legal vigente, que atende às necessidades da população brasileira. Se for para mudar, que todos sejam ouvidos, que os interessados apresentem os seus argumentos, num processo legislativo adequado aos projetos de lei. Os direitos do cidadão seriam, assim, preservados. Urge que a presidente da República vete o artigo 36 da Medida Provisória n.º 615.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.

domingo, 22 de setembro de 2013

MÉDICOS NO FRONT DA SAÚDE

ZERO HORA 22 de setembro de 2013 | N° 17561

ITAMAR MELO. Colaborou Julia Otero

NO FRONT DA SAÚDE. Com a palavra, os médicos do SUS


A iniciativa do governo federal de trazer médicos do Exterior para assumir vagas na rede pública de saúde deixou os profissionais brasileiros em uma situação delicada. Ao criticarem a medida, eles acabaram por se indispor com amplos setores da população, favoráveis ao programa.

– O governo colocou a sociedade contra o médico. Ele foi apresentado como um elitista que não quer trabalhar com pobre – afirma José Camargo, chefe do setor de transplantes da Santa Casa.

Nesta reportagem, Zero Hora dá voz a cinco profissionais que atuam ou atuaram na rede pública, em diferentes municípios gaúchos, para que eles relatem as dificuldades de ser médico do SUS. Os depoimentos ilustram a posição de profissionais como Camargo, para quem o médico virou bode expiatório de precariedades que não são dele, mas do próprio sistema, que carece de financiamento, gestão e estrutura adequada.

– O problema do SUS é muito mais complexo do que colocar médico onde não tem. Por que será que ninguém quer trabalhar lá? Porque não tem preço que pague conviver com a morte evitável – diz ele.


“O profissional representa a prefeitura, o Estado, a União”

“Atuo há 15 anos na Lomba do Pinheiro, em um posto que tem goteiras na sala dos pacientes. Enfrentamos falta de enfermeiros e técnicos, a ponto de salas que deveriam estar abertas e à disposição da população o tempo todo funcionarem em rodízio. O paciente chega com um dedo cortado, precisa de curativo e encontra a sala fechada. É coisa simples, mínima para uma unidade de saúde oferecer, mas ele vai ter de procurar outro posto de saúde.

A dificuldade é resolver a situação de quem precisa de atendimento especializado. Tenho um paciente taxista que está perdendo a visão. Ele tem de fazer exame de campimetria para diagnosticar a doença e definir o tratamento. Encaminhei-o ao oftalmologista como prioridade, e conseguimos a consulta. Mas, quando chegou lá, ele esbarrou no exame, marcado para um ano depois. Fiquei sabendo porque ele voltou à unidade de saúde com a visão mais deteriorada, para pedir encaminhamento a outro oftalmologista. Esse taxista não está trabalhando e corre o risco de ficar cego.

Outro caso que acompanhei é o de um rapaz de 23 anos com uma situação séria de epilepsia, com convulsões frequentes, que o deixam machucado. Encaminhei-o a um neurologista. O eletroencefalograma que ele precisa fazer leva um ano para sair.

A gente vê a saúde desses pacientes se deteriorar enquanto esperam exames que não são coisa de outro mundo, mas aos quais não temos acesso. Só quem tem o controle sobre o exame é o gestor (o administrador da saúde local).

Outra questão é a falta de remédios na farmácia da unidade. Tem vezes que faltam coisas básicas, como paracetamol. O paciente precisa fazer uma via-crúcis por unidades até achar o remédio. São pessoas que têm dificuldade para pagar a passagem.

Para o usuário, o profissional da unidade de saúde representa a prefeitura, o Estado, a União. Se o paciente precisa de neurologista ou cardiologista, ele vê a unidade básica como o local que tem de suprir essa necessidade. Isso gera conflitos, porque há pacientes que consideram o médico o culpado por problemas do sistema. Já houve pacientes alterados, tapa na cara de enfermeiro, ameaças. Esse estresse provoca um grau elevado de adoecimento entre profissionais. Muitos têm de tomar medicação.

Essas situações fazem o médico se sentir impotente e frustrado. A distância entre aquilo que tu podes fazer e o que tu consegues fazer é enorme. Há profissionais que realizaram uma formação de dois ou três anos em saúde da família mas desistem. Continuo porque, bem ou mal, criei vínculo com a comunidade e consigo influir na vida das pessoas.”


“Via as pessoas com dor e não tinha o que fazer”

“Fiz concurso como urologista para um hospital da Região Metropolitana, fui efetivado e ganhava um salário razoável. Logo que entrei, disse que precisava de material, senão era um contrassenso estar lá. Solicitaram que eu entregasse uma relação do que queria. Passei um final de semana fazendo isso, com todas as especificações, para não ter erro numa licitação. Tudo que pedi custaria hoje cerca de R$ 200 mil. Podiam comprar partes. Nos três anos em que fiquei no hospital, não foi comprado nada.

Isso tinha impacto direto no meu trabalho. Não conseguia realizar os procedimentos. Se aparece um paciente com cálculo no ureter, tenho de desobstruir. É uma urgência. Para isso, preciso de aparelhos endoscópicos. Não se pode fazer uma cirurgia aberta, com corte. Se fizer isso, posso até ser acionado judicialmente pelo paciente. Nesses casos, eu via os pacientes passando por problemas, com dor, dificuldade, desconforto, e não tinha o que fazer. Só podia insistir: preciso de material, preciso de material.

O paciente internava com sangramento na urina. Constatava-se uma área suspeita de ter um tumor na bexiga. O procedimento é entrar na uretra com aparelhos e retirar o tumor. Resolve o sangramento e vai dar um diagnóstico do que está acontecendo. Isso eu via quase todos os dias. E não tinha como resolver.

Só resolvia casos simples e me sentia inútil. Uma das coisas mais frustrantes é saber o que se deve fazer, ter qualificação técnica para isso, ver o problema e não poder agir porque alguém não comprou material.

Recentemente, mudou a administração, e o novo administrador disse que eu tinha de mudar a postura e resolver os problemas. Respondi: ‘Se o senhor me der condições técnicas, vou resolver’. Ele não queria que eu pedisse para a direção comprar coisas. Como punição, fui retirado da minha função, teria de fazer cirurgia geral. Resolvi me demitir há pouco mais de um mês. Faltavam dois, três meses para eu ter estabilidade. Tinham nos informado de um projeto que iria para a Câmara e dobraria nosso salário, que já era razoável. Se eu tivesse um pensamento pequeno, podia muito bem passar para a cirurgia, atender três meses e ter minha estabilidade. Mas não concordo com isso.

Essas situações acabam afastando profissionais qualificados, frustrados porque não conseguem resolver o problema do paciente devido à má gestão. Chega uma hora que tu dizes: ‘Esse dinheiro eu não mereço ganhar’. Hoje atendo quase só clínica privada, que ocupa 90% do meu tempo, e decidi nunca mais fazer concurso público.”



“Tem vezes que digo para ele ir a um lugar com recursos”


“Trabalho há 18 anos no pronto atendimento de Eldorado do Sul. Grande parte de minha rotina é ficar ao telefone tentando internar paciente em outro município. Às vezes perco três, quatro horas para conseguir uma vaga. Médico custa caro, mas tenho de parar tudo e fazer só isso. Deixo de atender outras pessoas.

É preciso encaminhar para outras cidades porque há muitos casos em que não temos condições de tratar aqui. Em várias situações, o paciente corre risco de vida, mas a gente não consegue transferir. O retardo em oferecer o tratamento resulta em morbidade. A isquemia cerebral é um exemplo. Se o atendimento é feito em tempo hábil, desobstrui-se a artéria, tira-se o coágulo, a circulação do cérebro normaliza, e a pessoa volta a ter vida normal. Se isso não acontece, a chance de sequelas que duram para a vida toda é maior. Se recebemos um paciente desses e não conseguimos encaminhar, ele pode ficar com um lado todo do corpo paralisado para sempre. Isso a gente vê direto.

Tem vezes que eu olho o paciente e digo para ele ir direto a um lugar com mais recursos, porque sei que, se eu aceitá-lo no pronto atendimento, depois não consigo a transferência, e ele vai sair prejudicado. Se ele for direto, não podem recusá-lo.

Outras vezes, quando não consigo a transferência e vejo que a coisa está encrespando, bate o desespero. Boto o paciente na ambulância e vou embora. Tu vês que aqui não tem como salvar o paciente, mas de repente se ele entrar na emergência de um hospital-escola, pode haver uma chance. Quando tu chegas lá no hospital, és xingado pelo médico do plantão. Teve caso em que o jurídico de um hospital de Porto Alegre botou processo contra um médico daqui, porque ele foi sem contato. É melhor levar um processo porque fui sem contato do que deixar o paciente aqui e levar processo porque a família diz que não fiz nada.

É uma angústia e um estresse enormes, tanto para o profissional quanto para a família e o paciente. Familiares não conseguem entender a situação e começam a pressionar o médico, a ameaçar o médico. Acham que o não atendimento é culpa do profissional.

Tem alguns que tentam agredir. Ameaça a gente escuta direto. Tens de colocar na fila de espera e era isso. Legalmente, tu registras a situação e estás respaldado. Nenhuma instituição vai te cobrar coisas que tu não tens como fazer. Mas, emocionalmente e fisicamente, tu continuas à mercê. E quando a família começa a te ameaçar e a te xingar, não existe mais relação médico-paciente. Isso leva profissionais a desistirem. Continuo porque sou burra.”



“É frustrante ver um paciente que poderia sobreviver”

“Me formei há um ano e meio e fui trabalhar em uma prefeitura do interior de Goiás. O salário era de R$ 20 mil. Descobri que o prefeito queria me usar como arma política para ganhar a eleição. Decidi não ficar, porque não se pode usar a medicina para fazer política. Fui embora depois de uma semana. Vim trabalhar em Cachoeira do Sul, no pronto atendimento. Era um médico só por plantão 24 horas. Na média, passavam 140 pacientes por plantão. Tinha essa demanda enorme, mas colocavam um médico só para atender. Não pensavam que é preciso realizar uma anamnese, um exame físico. Eu tinha de dar preferência para as urgências.

Como as pessoas esperavam horas para ser atendidas, ficavam irritadas e havia confusão. Era comum o paciente se voltar contra o médico. Várias vezes tive problemas, com ameaças. Uma vez um paciente invadiu a cozinha, quando eu estava no almoço, para botar a boca em mim e dizer que eu devia estar atendendo.

Eu me sentia frustrado, porque meu trabalho não tinha retorno. Depois de nove meses, não aguentei mais a sobrecarga e o ambiente inadequado para médico e pacientes. Senti que não estava sendo útil por falta de condições mínimas de trabalho. Daí eu saí.

Em outubro, comecei a trabalhar como plantonista no pronto atendimento 24 horas de Arambaré e no Hospital Nossa Senhora do Carmo, de Tapes. As condições são melhores, mas temos dificuldade quando o paciente é grave e precisa de UTI. Muitas vezes a gente não consegue transferi-lo, porque depende de vaga.

Há pessoas que morrem antes de conseguir a transferência. Teve uma paciente que chegou em trabalho de parto. O bebê nasceu prematuro e precisava de UTI neonatal. Levou três horas para conseguir a vaga. Quando a criança chegou a Porto Alegre, morreu. Talvez pudesse ter sido salva, se as condições fossem outras.

Tem situações em que não se consegue a vaga, e o paciente fica aqui, com risco de vida. É muito comum tu fazeres um plantão e teres um paciente que está aguardando uma cirurgia simples, como retirar uma vesícula que está provocando dor. E, na semana seguinte, no novo plantão, ver que o paciente está lá de novo, com dor, sendo medicado, porque não conseguiu a cirurgia. É frustrante tu veres um paciente que poderia sobreviver e não sobrevive por problemas desse tipo. O que me leva a trabalhar no sistema é que me formei para isso. Tenho de atender pessoas, por mais que seja difícil. A gente acaba ajudando um ou outro. A medicina é assim. Apesar de todas as dificuldades, no final do dia durmo tranquilo, porque de alguma forma estou ajudando.




“Às vezes, tem de escolher quem vai morrer”

“Trabalho no SUS em Pinheiro Machado, Candiota e Pedras Altas. Nossa dificuldade no Interior é a fila do SUS, tanto para exames quanto para especialistas. Tem exames mais sofisticados, como ressonância, endoscopia, colonoscopia, que demoram até dois anos. Por exemplo, se tu tens uma suspeita de tumor, demora muito para fazer, e a doença avança. Isso acaba com as chances de diagnóstico precoce. Esta semana mesmo vi uma paciente de oncologia morrer porque a consulta para o especialista demorou cinco meses e não deu tempo de ela iniciar o tratamento. No Interior, o SUS não preconiza ter grandes especialistas, mas ter cidades-referência para tratamento, que no meu caso são Pelotas ou Bagé. As prefeituras funcionam bem. A pessoa consulta no posto, o médico vê necessidade de ser encaminhado, a secretaria de saúde marca a consulta e agenda a viagem junto. Então as prefeituras passam carregando gente todo dia, várias vezes ao dia.

O problema é que o SUS demora muito. É muita gente para usar a mesma coisa. Há pouco, examinei uma moça. Ela está com nódulo no seio. Daí perguntei a ela: ‘Tu tens plano de saúde?’. E ela: ‘Não’. Daí tu ficas assim, porque até ela conseguir fazer um ultrassom pelo SUS, o problema já pode estar disseminado, sabe? Uma mulher com menos de 40 anos. Aí eu disse para ela: ‘Olha, vou te pedir um ultrassom, tenta fazer o mais rápido possível. Vai na secretaria, tenta marcar. Se demorar muito, tenta conseguir um dinheiro emprestado e fazer um exame particular, conseguir mais barato, sei lá, tenta te virar’. A vontade que tu tens é de conseguir tudo para todo mundo, é muito frustrante.

Quando é emergência, também é difícil. Primeiro porque tu te expões muito: pode dar um acidente, por exemplo, com 10 feridos graves, e só tu de médico. Mas daí tu mandas para uma cidade maior, e o hospital está superlotado. Não tem leito, não tem medicação.

Às vezes, a gente tem de escolher quem é que vai para o leito, quem é que vai morrer, quem vai receber o remédio. Às vezes, acontece de ter pouca medicação, e tu teres de escolher quem vai receber aquela medicação. Ou não ter a medicação: já me chegaram vários casos de pessoas enfartando e eu não tenho remédio.Ficamos eu, o paciente e um raio X. Porque é uma medicação muito cara, tipo R$ 5 mil, então tentamos estabilizar o paciente e encaminhá-lo para centros de referência o mais rápido possível.

E mesmo remédios baratos, às vezes acabam na farmácia do município. Os pacientes vêm cobrar que eu prescrevi medicação que não tem na farmácia, e ele não tem dinheiro para comprar.”

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

GUERRILHA MÉDICA

FOLHA.COM 20/09/2013 - 03h00


Editorial




Dada a celeuma, é natural que governo federal e entidades médicas continuem sem se entender quanto à filosofia e à oportunidade do programa Mais Médicos.

É inaceitável, porém, que as associações de classe tenham decidido fazer a lei com suas próprias mãos, criando uma série de empecilhos burocráticos para não emitir o registro dos profissionais estrangeiros --o que atrasa ainda mais o início do programa. Marcada para esta semana, a estreia de 682 médicos precisou ser adiada por causa dessa disputa infrutífera.

Não importa o que pensem os médicos, o Planalto baixou uma medida provisória que obriga os conselhos regionais da categoria a expedir os registros mesmo para profissionais que não tenham passado pelo processo de validação do diploma. Medidas provisórias, como se sabe, têm força de lei.

Se a classe não está de acordo, conta com várias possibilidades de ação. Pode tentar convencer o Congresso a rejeitar a regra; se não conseguir, como parece mais provável, tem ainda a oportunidade de recorrer à Justiça.

Há argumentos jurídicos para questionar não só o conteúdo da iniciativa --um advogado com verve poderia descrevê-la como uma ameaça à saúde pública, por exemplo--, mas também sua forma.

Em tese, medidas provisórias precisam atender ao duplo critério de relevância e urgência. É difícil demonstrar urgência no programa, contudo, sendo secular a falta de médicos nos rincões do país.

A maior ausência é de planejamento, mas os conselhos não podem ignorar a presunção de legalidade do instrumento legislativo e inventar procedimentos com o único intuito de descumpri-lo. Agindo dessa maneira, retiram-se do campo da divergência democrática para flertar com um delito.

Médicos não estão acostumados com isso, mas às vezes é preciso reconhecer a derrota. Ainda que o governo venha sendo populista e pouco sério nessa novela, parece inatacável o argumento de que é legítimo e necessário levar profissionais de saúde, incluindo os cubanos, a lugares onde os brasileiros não estão dispostos a ir.

Fariam melhor os conselhos se parassem de boicotar a emissão dos registros e se concentrassem em aprimorar o Mais Médicos.

É preciso insistir que levar um profissional com um estetoscópio a lugares carentes é mero paliativo --embora muito necessário--, que fica muito aquém de resolver a contento os problemas da saúde.

Como o tema entrou na agenda pública, os médicos deveriam pressionar o governo por seus pleitos legítimos, como a destinação de mais verbas ao setor e a criação da carreira de médico do SUS.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SAÚDE DOS GAÚCHOS PIOROU

CORREIO DO POVO 19/09/2013 18:25

Fonte: Danton Júnior / Correio do Povo

Estudo mostra que saúde dos gaúchos piorou nos últimos anos. Estresse e sobrecarga emocional atingem 70,9% dos moradores do Estado


Mais pesado, mais cansado e mais estressado. A segunda edição da pesquisa Saúde do Coração do Estado, divulgada nesta quinta-feira pela Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs), mostrou que a saúde do gaúcho piorou nos últimos anos. Conforme os dados, 57,5% da população está com excesso de peso. Na primeira edição da pesquisa, em 2010, esse índice era de 43%. O sobrepeso vem acompanhado de cansaço, estresse e sobrecarga emocional - fatores que há três anos atingiam 52,4% da população gaúcha. Atualmente, são 70,9%.

Realizada pelo Instituto Methodus, a pesquisa ouviu 1,5 mil pessoas em 25 municípios do Estado entre os dias 16 e 22 de agosto. Elas responderam a perguntas sobre hábitos alimentares, prática de exercícios e doenças. Segundo o presidente da Socergs, Justo Leivas, a associação dos fatores constatados na pesquisa aumenta o risco de doenças cardiovasculares - principal causa de mortes no mundo. “Se não mudarmos isso, infelizmente as pessoas vão começar a morrer mais cedo”, observa o médico.

Os principais fatores de risco observados pela pesquisa foram hipertensão e colesterol alto. Além disso, dados do Ministério da Saúde indicam que Porto Alegre é a capital com o maior índice de fumantes do país (um em cada quatro habitantes). “A concomitância destes fatores aidna é muito prevalente. Temos que nos preocupar com isso porque a saúde do gaúcho poderia estar muito melhor”, disse a vice-presidente da Socergs, Carisi Polanczyk.

A costela assada como vilã

Um dos fatores que preocupam os cardiologistas é um hábito bem conhecido do gaúcho: o churrasco. Conforme a pesquisa, 59,4% dos entrevistados consomem o prato mais tradicional da nossa culinária uma ou duas vezes por semana. É o maior índice, seguido por lanches, como hambúrgueres e pizzas (28,9%) e alimentos fritos (23,5%). De acordo com Leivas, dois cortes apresentam maior risco devido à grande presença de gordura: o entrecot e a costela. “Quem optar por essa parte deve pelo menos espaçar o intervalo de consumo”, recomenda.

Para alterar o quadro constatado pela pesquisa, a Socergs pretende trabalhar a prevenção nas escolas. Um protocolo de intenção deverá ser assinado com a Secretaria Estadual de Educação, visando a adoção de hábitos saudáveis desde a infância. “O adulto tem muita dificuldade em mudar os seus hábitos. A criança tem uma receptividade muito maior, inclusive replicando essa informação”, afirma Leivas.

“Povo está mais consciente”

A boa notícia da pesquisa foi o crescimento da aferição da pressão, do colesterol e da glicemia, com índices acima de 80%. “O povo está mais consciente e as pessoas têm mais informações. O que precisa é colocar em prática”, acredita Leivas. Para que isso ocorra, recomenda-se observar os hábitos alimentares com maior atenção e praticar exercícios. “Qualquer atividade física é melhor do que não fazer”, completa Carisi.





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

PEDIDA SUSPENSÃO DO ROCK IN RIO POR PROBLEMAS NO SERVIÇO DE SAÚDE


Ministério Publico pede suspensão do Rock in Rio. Vistoria detectou problemas nos postos de saúde; Justiça ainda não se manifestou

Julio Maria - O Estado de S.Paulo, 18/09/2013



O Ministério Público do Rio de Janeiro não gostou do que viu nas vistorias que fez pelos postos de saúde do Rock in Rio, durante o primeiro final de semana de shows. Agentes consideraram que nas áreas para atendimento não havia médicos suficientes, que os espaços eram reduzidos e que não havia pistas de escape seguras para a remoção de pacientes. Então, por meio de sua Promotoria de Tutela Coletiva de Defesa do Consumir, entrou na noite de terça-feira com uma liminar pedindo a suspensão do evento.



Wilton Junior/Estadão
Agentes consideraram que nas áreas para atendimento não havia médicos suficientes

Na noite de sábado, a reportagem do Estado esteve em um dos postos de saúde para obter informações sobre ocorrências médicas. Ao ver o crachá do repórter, a responsável por um dos postos entendeu que ele pertencia à produção do festival e passou a fazer uma série de reivindicações. "Temos que ter mais espaço para este pessoal", dizia, apontando para pacientes que estavam deitados nas camas tomando soro por problemas alcoólicos. "Temos que liberar esta área para outros atendimentos e deixá-los no soro em outra sala, resolvam isso pra gente."

A responsável, que não se identificou no final da conversa, disse que já havia pedido para remover os pacientes vítimas de abuso de álcool para uma outra área, mas que lhe informaram que seria impossível por falta de iluminação no local. Apesar de informar que não recebeu a liminar, a assessoria de imprensa diz que as providências para melhoria deste setor já estão sendo tomadas. Uma decisão da Justiça está sendo aguardada para esta quarta-feira. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

HÁ FRAUDE NA SAÚDE, SIM!

ZERO HORA 13 de setembro de 2013 | N° 17552

ARTIGOS


 JULIO DORNELLES DE MATOS*



Oprograma Fantástico do último domingo veiculou notícia sobre fraudes em alguns hospitais do país, cujo conteúdo é motivo de indignação. No entanto, sabe-se que são notícias requentadas, pontuais e, se verdadeiras, deveriam ter sido punidas exemplarmente, adotando-se eficaz sistema de fiscalização. O que surpreende é o momento em que esse assunto é divulgado, quando a população pede mais saúde e quando as santas casas e hospitais filantrópicos brasileiros clamam por uma resposta de sobrevivência no relacionamento deficitário com o SUS. Existe fraude na saúde, sim. Porém, a fraude verdadeira está na falta de gestão pública do setor, pelas práticas reiteradas de políticas temporárias, caracterizadas como de governo e/ou ministros e não de Estado. Vive-se de programa em programa, de incentivo em incentivo. Há fraude na saúde, sim. Milhões de brasileiros não conseguem acessar os serviços de saúde, adoecem e acabam superlotando as emergências, tudo por falta de estruturas públicas que deem respostas nos tempos certos. Exemplo publicado nesta semana, de que 10 mil pacientes aguardam na fila, em Porto Alegre, por acesso a especialidade de ortopedia. Esta realidade é de todo o país. Há fraude na saúde, sim. Para manter instituições públicas, o governo paga oito vezes mais do que para manter as instituições sem fins lucrativos, estas com certeza centenárias e dedicadas à sociedade como missão de origem.

Há fraude na saúde, sim. No brutal subfinanciamento imposto a quem presta serviços ao SUS. O segmento hospitalar filantrópico amarga, a cada ano, um déficit de R$ 5,1 bilhões, já tendo constituído uma dívida acumulada ao longo dos últimos anos superior a R$ 15 bilhões. Há fraude na saúde, sim. O Brasil é um dos países que menos investem em saúde na América Latina, apesar de a União ser a maior detentora da arrecadação (60% dos tributos) e, se comparado com o PIB, o investimento não passa de 4% em saúde, quando este número deveria ser, no mínimo, o dobro ou o triplo. No entanto, o fácil é transferir responsabilidades para os Estados e municípios e eximir-se do devido apoio no custeio. Há fraude na saúde, sim. Mas que de maneira nenhuma se generalize. As instituições sérias não podem pagar por eventuais erros de poucos. E que essa punição também alcance a gestão pública. Essa deve responder pelos gritos da sociedade e também pelos anseios dos prestadores que estão morrendo, como os pacientes das filas, por puro descaso. Há fraude na saúde, sim. Porém, não esta alardeada do lado dos hospitais. Ela está, essencialmente, do outro lado, na subtração da esperança por serviços acessíveis e de qualidade, almejados pelo povo brasileiro e de quem, por vocação, para ele, quer continuar a fazer o bem.

*PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS DO RIO GRANDE DO SUL

terça-feira, 10 de setembro de 2013

COMBATER O TABU PARA EVITAR O SUICÍDIO

FOLHA.COM 10/09/2013 - 03h00

Humberto Corrêa



O suicídio é um tabu social, mas é também um problema de saúde pública --em escala global.

Um milhão de pessoas se suicidam a cada ano em todo o mundo, o que representa uma morte a cada 1 minuto e 9 segundos. No Brasil, calcula-se que sejam pelo menos 9.000 óbitos por ano, 25 por dia --um número certamente subestimado.

No nosso país, tivemos um aumento de 30% da mortalidade por suicídio entre jovens, principalmente homens, nas últimas duas décadas. São milhares de brasileiros que perdemos todos os anos. Mas muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas.

Todos nós conhecemos alguém próximo que morreu por suicídio, ou fez uma tentativa grave. A despeito disso, não falamos no assunto, ou o fazemos à boca pequena.

É um assunto proibido. Não temos grande cobertura por parte da mídia, que, na maioria dos casos, acredita, erroneamente, que abordar o assunto incentivaria suicídios.

Não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. Nosso país, ao contrário de outros, ainda não tirou do papel sua estratégia nacional de prevenção ao suicídio.

Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos. Jogamos para debaixo do tapete.

De onde surgiu esse estigma, esse tabu? O suicídio existe desde que existe o ser humano. Temos relatos de suicídios nas mais antigas e variadas culturas. Na nossa cultura, ocidental cristã, o suicídio se transformou pouco a pouco em uma questão problemática.

Santo Agostinho, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja donástica, um movimento depois considerado herético que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu.

Para enfrentá-los, santo Agostinho, no "Cidade de Deus", vai dar nova abordagem ao sexto mandamento --"não matarás"-- com uma especificação: "Nem a outro nem a si próprio". Essa visão ganha força, e o suicídio se transforma não apenas em pecado, mas no pior dos pecados, a grande sina.

Por exemplo, o suicida não teria direito às honras fúnebres, não poderia ser enterrado em cemitério cristão. Quem tentasse suicídio seria excomungado. Essa visão impregnou corações e mentes.

Nos vários Estados nacionais que vão surgindo na Europa, os códigos penais previam punição ao suicida --por exemplo, pelo confisco dos bens, ou esquartejando o corpo do suicida. Quem tentasse suicídio poderia ser preso e, paradoxalmente, até condenado à morte.

Hoje, a maioria dos Estados não criminaliza mais o suicídio, embora alguns poucos, infelizmente, ainda o façam.

Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou corretamente tratado. O sofrimento causado pela doença psiquiátrica e outros fatores podem levar a pessoa a pensar em se matar.

Identificar rapidamente pessoas com transtornos psiquiátricos, principalmente depressão, pessoas que falam em se matar, e sugerir a elas um tratamento adequado, o mais rapidamente possível, é algo que todos podemos fazer. Pressionar o poder público para estabelecer campanhas e estratégias de prevenção, com segmento de todas as pessoas que fizerem tentativas graves de suicídio, todos nós devemos fazer. Investir em mais estudos e pesquisas sobre o tema nos permitirá melhor compreendê-lo e prevenir o ato.

Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação. Lutar contra esse estigma, contra esse tabu, salvará muitas vidas.

Daí a importância de se instituir, a partir deste ano, a data 10 de setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio, o que foi feito muito acertadamente pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio (Iasp) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

HUMBERTO CORRÊA, 45, é presidente da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e representante no Brasil da Associação Internacional de Prevenção do Suicídio

A SAÚDE FRAUDADA

ZERO HORA 10 de setembro de 2013 | N° 17549

EDITORIAIS


A denúncia de que alguns hospitais cometeram fraudes grosseiras na hora de cobrar por internações do Sistema Único de Saúde (SUS), feita pelo programa Fantástico da Rede Globo, volta a chamar a atenção para descalabros comuns numa área que envolve tanto sofrimento para os brasileiros de maneira geral. Enquanto pacientes aguardam um tempo interminável para conseguir marcar sua consulta com especialistas ou são mantidos na rua ou nos corredores das emergências por falta de leito, instituições hospitalares se apressam em tirar vantagem, cobrando por serviços inexistentes ou claramente falsificados. Em respeito ao rigor que deveria haver sempre no uso de dinheiro público mas também à dor de tantos brasileiros desassistidos, é preciso que os controles nessa área sejam aperfeiçoados e reforçados.

Um dia depois da exibição do programa, o Diário Oficial publicou ontem mudança que promete dificultar fraudes nos pagamentos de internação hospitalar, fechando brechas para falsificações na hora do preen- chimento de uma fatura, por exemplo. A alteração, porém, só valerá a partir do próximo ano, deixando em aberto até lá as possibilidades de cobrança indevidas. Por mais que instituições da área de saúde tenham suas razões quanto aos valores defasados pagos pelo poder público por procedimentos habituais, é óbvio que as adulterações são inadmissíveis e muitas delas, se comprovadas, constituem crimes cujos autores devem ser investigados para possível punição e ressarcimento dos valores desviados.

Como demonstrou a reportagem, apresentada no último domingo, há milhares de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) sob suspeita de irregularidades com potencial para implicar alguns milhões de reais em perdas para o SUS. Os erros, de tão grosseiros, incluem desde homens que teriam dado à luz ou fizeram histerectomia – a retirada do útero – até uma paciente do sexo feminino que teria extraído a próstata, um órgão masculino. Além disso, pacientes que haviam morrido ou tido alta voltavam a constar de contas hospitalares dias depois, com problemas sem qualquer relação com os que haviam motivado a baixa.

Alvo de críticas intermináveis como a insuficiência de verbas orçamentárias e de polêmicas como as relacionadas ao programa Mais Médicos, a saúde pública no Brasil precisa ter suas rotinas acompanhadas mais de perto pelos organismos de fiscalização. É óbvio que, assim como os pacientes têm direito a um atendimento de qualidade, as instituições de saúde precisam ser remuneradas adequadamente pelos serviços prestados. Mas é inadmissível que, em meio à dor de tantos enfermos desamparados, alguns hospitais procurem obter vantagem financeira falsificando procedimentos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A CRISE DA SAÚDE PÚBLICA

O Estado de S.Paulo 09 de setembro de 2013 | 2h 17

OPINIÃO


Além da polêmica que continua a provocar, o programa Mais Médicos tem pelo menos um mérito, se se pode dizer assim: o de avivar a discussão sobre o sistema público de saúde, os graves problemas que o afligem e a necessidade urgente de encontrar solução para eles.

Nessa linha, merecem atenção as conclusões de debate sobre o programa, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), que reuniu renomados especialistas na questão.

Debates como esse servem para expor alguns dos principais males que corroem o Sistema Único de Saúde (SUS) - entre eles a opção por ações emergenciais, em detrimento de medidas estruturantes, subfinanciamento e adoção de políticas inspiradas em interesses eleitorais. Busca-se só alívio dos sintomas, em vez de atacar a sua causa. Um exemplo disso seria o Mais Médicos.

O professor Paulo Hilário Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, chama a atenção para um outro aspecto do problema, até agora pouco discutido - o que define como privatização branca do SUS: "A mesma (privatização)que ocorre na segurança quando você decide instalar uma guarita na rua porque tem medo da violência; escola ruim, você paga uma particular; transporte ruim, o melhor é comprar um carro. Na saúde tem os planos de saúde. Esse processo de privatização branca vem desmontando o SUS".

Ele também considera a contratação de médicos brasileiros e estrangeiros, dentro daquele programa, sem direitos trabalhistas e avaliação de sua competência, como mais uma forma de enfraquecer o SUS.

Independentemente de suas motivações políticas - das quais as ações do governo federal nesse terreno também não estão isentas, ao contrário -, o governador Geraldo Alckmin está coberto de razão ao afirmar que "mais médico é bom, agora esse não é o problema da saúde brasileira hoje. O problema é o financiamento". Seu diagnóstico do SUS coincide com o de especialistas alheios à política: "O SUS entrou em colapso, em crise, porque prestadores de serviço não têm mais como prestá-lo. A tabela (de procedimentos) precisa ser corrigida".

O governo investe no Sistema Único de Saúde muito menos do que deveria. Prova disso é que aquela tabela cobre apenas 60% dos custos. Os 40% restantes têm de ser cobertos pelos hospitais privados - Santas Casas e hospitais filantrópicos - que prestam serviços ao SUS. Isso também não deixa de ser uma forma de privatização perversa do SUS.

Afinal, embora o governo não se canse de exaltar o atendimento universal prestado pelo SUS, são entidades privadas que pagam 40% de suas despesas. Recorde-se que elas respondem por 45% das internações do SUS e por 34% dos leitos hospitalares do País.

Como, evidentemente, essa conta não fecha, as Santas Casas e os hospitais filantrópicos acumulam dívidas enormes. Em maio, segundo a Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados, elas ultrapassavam R$ 11 bilhões. Também nesse caso, está-se se tentando apenas remediar em vez de atacar a causa do problema. Na verdade, a "solução" em vista no Congresso piora as coisas.

Está pronto para ser votado na Câmara projeto de lei que concede anistia tributária às Santas Casas, dentro de um programa de fortalecimento das entidades filantrópicas que atuam na área da saúde (Prosus). Apresentado assim, ele parece capaz de pelo menos aliviar as dificuldades dessas entidades.

Mas uma emenda ao projeto original o transformou num verdadeiro desastre. Diz seu artigo 5.º que um dos requisitos para aderir ao programa é a "oferta de serviços de saúde ambulatoriais e de internação ao Sistema Único de Saúde (SUS) em caráter adicional aos já realizados, a partir de rol de procedimentos definido pelo Ministério da Saúde, desde que haja capacidade instalada e demanda".

Trocado em miúdos, isso significa que para receber o benefício da anistia tributária as Santas Casas terão de oferecer mais serviços além daqueles que já prestam e as levaram a se endividar por serem sub-remunerados. Um presente de grego que vai agravar ainda mais a crise da saúde.

FRAUDE NO SUS

G1 FANTÁSTICO - 09/09/2013 10h30

SUS cobrou por parto em homem e operação de próstata em mulher. O Fantástico teve acesso a informações de mais de 20 mil internações hospitalares com suspeita de fraudes, feitas de 2008 a 2013.



O Fantástico mostra como hospitais em todo Brasil estão operando milagres na hora de cobrar do SUS por internações e atendimentos médicos.

Os repórteres Paulo Renato Soares e Mohamed Saigg tiveram acesso com exclusividade a mais de 20 mil fichas hospitalares suspeitas de fraudes e erros grosseiros.

Na Bahia, o homem que deu à luz! Em Rio Bonito, o irmão de Ana morreu duas vezes. Em Maricá, a mulher que tirou a próstata. E, em São Paulo, encontramos o rapaz que já morreu.

Acredite: esses casos são a prova de que hospitais em todo o Brasil operam milagres na hora de cobrar por atendimentos pelo SUS - o Sistema Único de Saúde.

Fraudes que tiram milhões de reais da saúde brasileira. E erros que revelam a fragilidade de um sistema criado justamente para melhorar o controle sobre as internações.

Ednilton mora na periferia de Salvador, é casado e tem três filhos. Ele procurou o hospital geral Roberto Santos, em 2011, para fazer uma pequena cirurgia. A instituição apresentou a fatura e recebeu do SUS pelo serviço.

Ednilton Silva: Eu entrei pela parte da tarde e sai no outro dia pela manhã.
Fantástico: Não deu nem 24 horas?
Ednilton Silva: Não.

Mas o que ninguém sabia até agora é que o hospital apresentou uma outra conta sobre a passagem do paciente naquela época. A fatura tem um período de internação maior, valores mais altos. E um procedimento no mínimo surpreendente para um homem. Segundo o registro, Ednilton passou por uma cesariana, teria feito um parto. E o SUS pagou por isso.

Ednilton: Em contrapartida, ainda querem inverter minha posição, né?
Mulher: Querem fazer você de mulher, né?

O documento usado pelas instituições de saúde - públicas ou particulares - para cobrar os gastos com um paciente internado pelo SUS é a AIH - Autorização de Internação Hospitalar.

Se um paciente precisa ser internado, uma AIH é aberta em seu nome. Ali devem constar dados pessoais e todos os procedimentos médicos pelos quais passou. Assim que a pessoa recebe alta, a AIH é encaminhada para o SUS.

O Sistema Único de Saúde libera o pagamento composto por verbas federais, estaduais e municipais para os hospitais. A AIH do parto de Ednilton mostra que ele teria ficado seis dias internado. Custo: mais de R$ 1 mil.

Ednilton: Uma falha muito grande, né?
Fantástico: E aqui tá dizendo que o motivo de saída é que você teve alta e o recém-nascido também.

No ano passado, o SUS gastou mais de R$ 11 bilhões com o pagamento de autorizações de internações hospitalares. Mas, segundo auditores do Datasus - o banco de dados do SUS , há irregularidades em, no mínimo, 30% das AIHs.

“Essas denúncias são muito graves porque elas fazem parte de um universo de um milhão de internações que são realizadas pelo SUS todo mês”, afirma o professor de medicina da USP, Mário Scheffer.

O Fantástico teve acesso a informações de mais de 20 mil autorizações de internações hospitalares com suspeita de fraudes, feitas de 2008 até agora. E percorreu o Brasil para saber se as histórias no papel eram as mesmas contadas pelos pacientes.

Morto duas vezes
Em Rio Bonito, no interior do estado do Rio, a morte do aposentado Sinésio da Costa Pereira, há quase cinco anos, foi muito difícil para a família. Ele ficou internado por quase três semanas com várias complicações. Foi sepultado em 21 de dezembro de 2008.

Sinésio morreu na clínica Santa Helena, em Cabo Frio, também no estado do Rio. Mas, pelos registros do hospital, a história dele não termina aí. Ele teria voltado à clínica em março de 2009, pelo que consta numa segunda AIH aberta em nome dele. E depois de 21 dias de internação teria morrido pela segunda vez.

Fantástico: Março de 2009...
Ana: Não, já tinha quatro meses de falecido.
Fantástico: A senhora tem ideia por que fizeram uma nova internação pra ele?
Ana: Nem imagino...

A clínica usou os dados de Sinésio para cobrar outra vez do SUS. Mas, repare que, em vez de repetir os valores da AIH verdadeira R$ 4,2 mil, a instituição pediu mais de R$ 11 mil.

“Não tem lógica isso aí. Se a pessoa morreu, foi sepultada, como que ele faleceu de novo?”, questiona Ana Cavalcanti, irmã de Sinésio.

As fraudes nas AIHs permitem outros absurdos, como uma mulher que passou por uma operação da próstata, um órgão masculino.

Crenilda foi até à casa de saúde Santa Maria, em São Gonçalo, para operar a vesícula. Passou dois dias no hospital. A instituição criou uma segunda AIH com os dados da paciente. Mudou apenas o sexo no registro. E cobrou do SUS o procedimento que só pode ser feito em homens.

Crenilda: Ué. Eles fizeram isso?
Fantástico: Cobraram por esse serviço em você. A retirada da sua próstata.
Crenilda: Que isso, que absurdo.
Fantástico: O que parece isso para você?
Crenilda: Que usaram isso para ganhar dinheiro mesmo.

“É preciso esclarecer porque os serviços de regulação, controle e auditoria falharam e deixaram que fossem feitos pagamentos mesmo diante de irregularidades”, diz Mário Scheffer.

Não é só a possibilidade de desvio de recursos. A falta de um controle rigoroso sobre o sistema de cobranças de AIHS também permite erros e falhas de informações.

O sistema não detectou o que aconteceu com o Júlio Cesar.

Julio Cesar: Óbito?

Ele sofre de anemia falciforme e frequentemente precisa ser internado. Mas em uma passagem pelo hospital Vereador José Storopolli, em São Paulo, em 2008, ele foi declarado morto.

Fantástico: Aqui ó, diz que papai morreu em 2008.
Julio: Papai não está mais vivo.
Julia: Não, mas ele não morreu não.
Fantástico:Não morreu? Tem certeza?
Julia: É, ué. Ele tá vivo!

Mesmo após a suposta morte, todas as outras internações de Júlio Cesar foram autorizadas e pagas, sem que ninguém percebesse o erro. Hoje, Julio Cesar está aposentado por invalidez. Quando soube que era considerado morto, ficou com medo de perder o benefício do INSS.

Fantástico: Se essa informação tivesse ido adiante, tivesse passado para outros órgãos do governo, isso te prejudicaria muito.
Julio Cesar: Muito. Documento, você não ia conseguir tirar. Esse benefício meu eu ia perder, muita coisa.

Julio Cesar foi dado como morto e está vivo. Em Barra Mansa, no interior do Rio, aconteceu o contrário. Valmir teria saído do hospital vivo, mas está morto. A sobrinha e a irmã dele confirmam a data da morte: 16 de outubro de 2009.

Fantástico: 16 de outubro é quando o hospital disse que ele saiu de alta.
Ruana: Então cadê o homem, gente? Está debaixo da terra uma hora dessas.

E tem mais: pelo que está nas autorizações de internação, Valmir teria morrido duas vezes antes de sair vivo do hospital. A primeira morte foi em 14 de setembro de 2009, a segunda, duas semanas depois. E, quando ele realmente morreu,16 de outubro o papel mostra alta.

Irmã de Valmir: Engraçado, morre duas vezes? Eu queria morrer duas vezes! Ia lá do outro lado ver o que tinha e voltava.

As fraudes e os erros do sistema de pagamento das AIHS já foram alvo de questionamento do Tribunal de Contas da União.

“Sempre que há algum erro, há perda de dinheiro público. O erro nunca é inocente.
O Tribunal de Contas, a partir dessas denúncias, deve fazer uma nova investigação”, afirma o ministro do TCU Jose Jorge.

Nossa equipe foi até os hospitais e as clínicas que atenderam às pessoas mostradas nesta reportagem.

Na clínica Santa Helena, em Cabo Frio, que recebeu por duas mortes de Sinésio, a direção não quis gravar entrevista. Mas reconheceu que a cobrança dupla aconteceu. Uma auditoria realizada em setembro de 2012 pela Secretaria Estadual de Saúde e pelo SUS apontou o problema. E, em janeiro deste ano, quase quatro anos depois da AIH ter sido paga, a clínica foi condenada a devolver o dinheiro.

Na Santa Casa de Barra Mansa, que declarou a morte dupla de um paciente, Valmir, uma apuração interna será aberta. “A gente vai solicitar que faça algumas correções para que isso não avance”, garante Emerson Silva, gerente de faturamento da Santa Casa de Barra Mansa.

O Fantástico foi até a casa de saúde e maternidade Santa Maria em São Gonçalo, que cobrou por uma operação de próstata em Crenilda. Mas a instituição não está mais funcionando no local. Os responsáveis pela clínica não foram encontrados pela reportagem.

Em São Paulo, o hospital municipal Vereador José Storopolli, que declarou que Julio Cesar estava morto, admitiu o erro. Uma investigação foi aberta. “A gente vai investigar até o final como que isso pode ter acontecido dessa forma, chegar a essa falha administrativa”, afirma Luis Fernando Paes Leme, diretor-técnico do hospital.

Em Salvador, o hospital geral Roberto Santos, que cobrou pelo parto em Ednilton, questionou inicialmente os dados apresentados pelo Fantástico. "Não há nenhum registro com o nome de seu Ednilton para a cobrança de parto. A série numérica da qual vocês apresentam é de fato de uma pessoa do sexo feminino", diz Lerley Ladeia, diretor-administrativo do hospital Geral Roberto Santos.

As informações oficiais do SUS comprovam que a AIH do parto tem os dados de Ednilton. Mas o sexo do paciente foi preenchido pelo hospital como feminino. Depois da entrevista, a secretaria estadual de saúde, responsável pelo hospital, admitiu o erro e afirmou que irá apurar o caso.

O Ministério da Saúde confirmou que todas as autorizações de internações hospitalares mostradas por esta reportagem contêm irregularidades.

“Não é o ideal, nós sabemos disso. Por isso, nosso esforço de estar produzindo novas versões do sistema. Mas ele é um sistema confiável. De um total de cerca de 12 milhões de internações no ano, nós tivemos mais de 10% delas rejeitadas por inconsistência, por críticas que o sistema conseguiu fazer. Ainda insuficiente, como a própria matéria de vocês está demonstrando”, explica o diretor de controle Fausto Pereira dos Santos.

“Esse é um sistema furado no sentido de que quanto mais dinheiro se for colocar nele, mais difícil vai ser de gastar ele bem”, destaca José Jorge, ministro do TCU.

Para pessoas que tiveram os próprios nomes ou o de parentes usados nas fraudes, o sentimento que fica é o da indignação.

Ruana : Acho uma vergonha.

Julio Cesar: Pelo menos ligar, você está vivo aí? Porque se você não chegasse lá em casa com esse papel eu não saberia disso aí nunca.

Ednilton :Tantos impostos que nós pagamos. Era pra ter uma coisa de qualidade.

Armélia: Hoje, a saúde, quando os pobres precisam de saúde hoje, tem que está na mão de Deus.

Mulher do Ednilton: Quem vai olhar isso? Tem algum governante olhando pra isso?

Atualização do Ministério da Saúde
Na quarta-feira (4), quando esta reportagem já estava pronta, o Ministério da Saúde procurou o Fantástico para anunciar que vai fazer mudanças no controle das internações hospitalares.

O Diário Oficial da União vai publicar nesta segunda-feira (9) mudanças no sistema de pagamento das AIHS, as autorizações de internações hospitalares.

“O sistema traz um conjunto de novas críticas que vão impedir que essas principais distorções de acontecerem no sistema de saúde brasileiro”, afirma Fausto Pereira dos Santos.

O objetivo é aumentar a segurança e evitar fraudes. “O sistema vai estar botando um ponto final na incompatibilidade dos procedimentos com sexo, ou seja, procedimentos típicos de mulheres não poderão ser realizados definitivamente em homens e vice e versa. Pacientes que foram a óbito, não poderão ser emitidas AIHs”, completa.

A alteração será realizada aos poucos e, a partir de fevereiro de 2014, todos os hospitais do Brasil deverão usar o novo sistema.

domingo, 8 de setembro de 2013

OS OUTROS CUBANOS

ZERO HORA 08 de setembro de 2013 | N° 17547

ARTIGOS

 Marcos Rolim*



A polêmica sobre o programa Mais Médicos, do governo federal, envolve temas complexos e exige conhecimentos específicos em gestão pública de saúde. O tom em que o debate está sendo proposto é, no todo, improdutivo e só irá alimentar posições sectárias, sem compromisso com o interesse público. A situa-ção seria melhor se alguns veículos influentes da mídia brasileira fizessem sua obrigação: informar.

Em sua edição nº 1.620, de 20 de outubro de 1999, a revista Veja publicou uma matéria cujo título era: “Doutores Cubanos: doentes do interior são atendidos por médicos cubanos por falta de brasileiros”. Os leitores foram então informados de que o hospital de Arraias, um pequeno município no interior de Tocantins, permaneceu fechado por quatro anos. O motivo, diz a revista, era “bizarro”: em que pese os bons salários oferecidos, nenhum médico queria “se aventurar por aquele fim de mundo”. Então, o hospital foi aberto e o “milagre”, diz a matéria, veio de Cuba. O município de Arraias conseguiu importar cinco médicos cubanos. O caso não era isolado e, segundo a revista, havia “muitos municípios que nem aparecem no mapa”, onde serviços de saúde só passaram a funcionar “após o desembarque das tropas vestidas de branco de Cuba”. A matéria informa que, naquele ano, 166 médicos cubanos trabalhavam em regiões muito pobres em Roraima, Pernambuco e Acre e termina com a seguinte observação: “Os cubanos são bem-vindos, mas existe um problema. A contratação destes médicos é irregular perante as leis do Brasil. Eles precisam da revalidação do diploma numa universidade brasileira para atuar no país. Com base nessa desculpa burocrática, o Conselho Federal de Medicina denunciou as contratações ao Ministério Público pedindo o cancelamento dos convênios. ‘Não somos xenófobos, mas não há motivos para trazer médicos de fora e tirar o emprego dos profissionais daqui’, diz Edson de Oliveira Andrade, presidente da entidade. O doutor Andrade e seu douto conselho deveriam explicar então por que faltavam médicos nas cidades miseráveis que agora estão sendo atendidas pelos cubanos”.

Recentemente, matéria da revista Veja sobre o programa Mais Médicos do governo federal, assinada por Nathalia Wat, trouxe o seguinte título: “Por que a importação de médicos cubanos vai inundar o Brasil com espiões comunistas”. O texto inacreditável e que parece ter saído da caderneta de um membro do Comando de Caça aos Comunistas da década de 60, afirma que de cada cinco médicos cubanos exportados, um é espião do regime. “Deixar o Partido dos Trabalhadores comandar a política externa dá nisso”, conclui a revista (?). A ausência de médicos brasileiros em pequenas cidades deixou de ser um problema para a revista e os médicos cubanos não são mais bem-vindos, mas uma ameaça.

Na época em que a vinda de médicos cubanos era saudada como um “milagre” por Veja, o ministro da Saúde chamava-se José Serra e o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, ambos do PSDB. Naquela época, os cubanos eram outros, claro.*JORNALISTA

INIMIGOS MÉDICOS

ZERO HORA 08 de setembro de 2013 | N° 17547

ARTIGOS
Percival Puggina*



Quando viu o povo na rua, cobrando atenção à saúde pública, Dilma adotou prática tão antiga quanto namorar no portão. Escolheu um inimigo e o apontou à sociedade: os médicos brasileiros. A partir daí, jogou contra eles os raios e trovões que conseguiu recolher em seu repertório.

A saúde pública tem problemas. Falta atendimento, dinheiro, leitos. São longas as filas. Esperam-se meses por um exame e anos por uma cirurgia. De quem é a culpa? Segundo a presidente, a culpa é dos médicos. Sua Excelência cuidou de passar à sociedade a impressão de que eles preferem viver nos grandes centros não porque ali estejam os melhores hospitais, laboratórios e equipamentos, mas porque ali estão os melhores restaurantes, clubes e cinemas. Foi para a tevê tecer ironias com o fato de que os primeiros a fazerem opções no programa Mais Médicos preferiram localidades litorâneas. A compreensão dessa mensagem pelos sem discernimento (estamos falando de dezenas de milhões) fica assim: os doutores gostam, mesmo, é de praia.

Através dessas paquidérmicas sutilezas, o governo tenta convencer a sociedade de que os médicos não vão para as pequenas comunidades porque se lixam para as carências com que ele, governo, se preocupa. Opa! Preocupa-se agora, preocupa-se depois das vaias, preocupa-se depois das passeatas. E esquece que, pelos mesmos motivos, milhões de outros profissionais também preferem trabalhar em centros urbanos mais dinâmicos. Identificado o inimigo, a presidente partiu para o ataque. Criou um 2º ciclo de formação médica, obrigatório, a serviço do SUS, com duração de dois anos, a ser prestado onde houver necessidade. Fez com que os médicos perdessem a exclusividade de diversas atribuições relativas a diagnósticos e prescrição de tratamentos. Jogou na lixeira a insistente e lúcida recomendação no sentido de que seja criada na área médica uma carreira de Estado, semelhante à que existe para as carreiras jurídicas. Explico isso melhor: espontaneamente, nenhum juiz ou promotor vai solicitar lotação em Paranguatiba do Morro Alto. No entanto, como etapa de uma carreira atraente e segundo regras bem definidas, sim. É desse modo que se resolvem as coisas numa sociedade de homens livres.

Nada revela melhor a vocação totalitária do partido que nos governa do que esse episódio. É uma vocação que dispensa palavras, que atropela leis e se expressa nas grandes afeições. Cubanas, por exemplo. A vinda dos médicos arrematados em Castro & Castro Cia. Ltda. permite compor um catálogo de transgressões aos princípios da liberdade individual, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da equidade, da proporcionalidade, do valor do trabalho. Repugna toda consciência bem formada a ideia de que um país possa alugar seus cidadãos a outro, enviá-los aos magotes como cachos de banana, beneficiar-se financeiramente dessa operação em proporções escandalosas e ainda fazer reféns as respectivas famílias por garantia da plena execução do mandado. E há quem afirme que toda oposição a uma monstruosidade dessas é “preconceito ideológico”! Pois eu digo diferente: acolher como louvável semelhante anomalia política é coisa que só se explica por desvio do juízo moral.

Dilma e os seus gostariam de dispor dos brasileiros como coisas suas, assim como os Castro dispõem dos cubanos. Sendo impossível, buscam-nos lá, do mesmo modo como, antigamente, eram trazidos escravos das feitorias portuguesas no litoral africano.

*ESCRITOR

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

MAIS MÉDICOS COM ALTOS E BAIXOS

ZERO HORA 05 de setembro de 2013 | N° 17544

FERNANDA DA COSTA, JULIA OTERO E KAMILA ALMEIDA


MAIS MÉDICOS. Altos e baixos no primeiro dia


Zero Hora percorreu postos de saúde de Porto Alegre e do interior do Estado para ver como foi a recepção dos 57 profissionais que atuarão no programa Mais Médicos em 26 municípios. Na Capital, dos 13 esperados nesta primeira fase, apenas oito apresentaram seus documentos. Eles têm até o dia 12 de setembro para assumir seus postos. Caso não compareçam, serão desligados. Os relatos mostram as dificuldades que os médicos enfrentaram em alguns locais e também o alívio dos pacientes ao receberem atendimento qualificado.

Mais Médicos mesmo

Depois de dois meses de vida, Gustavo verá um médico pela primeira vez hoje, quando a agenda de consultas do novo profissional será aberta. A mãe, Joice dos Santos, 30 anos, não consegue conter a ansiedade. Ela mora no bairro Agronomia, em Porto Alegre, e frequenta o posto Esmeralda, desde que engravidou, em 2012. Fez todo o pré-natal apenas com as enfermeiras. Conheceu o obstetra na hora do parto.

Em Jaguarão, no sul do Estado, como a nova médica contratada está na semana de adaptação, muitos pacientes ainda não sabem da sua chegada. É o caso do aposentado Antônio José Lessa Coelho, 72 anos.

– Não sei se vai fazer diferença – diz Coelho, que vai ao posto mensalmente para renovar receitas médicas.

Mas, conforme expectativa da direção do posto, com a nova médica, o serviço será ampliado, passando de um dia de atendimento por semana para quatro.


Bons postos existem

Em meio ao caos, alguns postos são exemplos de bom funcionamento e disponibilidade de materiais, como o Esmeralda, no bairro Agronomia, na Capital. Israel Batista, 67 anos, diz que sempre é muito bem recebido, garante que o atendimento é rápido e que consegue fazer os exames de que precisa.

– O posto é ótimo, só não tem médico – graceja, sem saber da chegada de um médico pelo programa.

Em Bento Gonçalves, na Serra, desde a manhã de terça-feira a unidade de Estratégia da Saúde da Família do bairro Zatt conta com mais uma médica.

Um casal de pedreiros recorreu a Caroline Bozzetto Ambrosi, 29 anos, queixando-se de dores musculares. Jurema Monteiro, 39 anos, também reclamou de ansiedade e recebeu medicamento.

– O atendimento aqui no posto é muito bom, só faltava mesmo um médico – comenta Jurema.


Sobram pacientes

Quando o posto de saúde do bairro Kennedy, em Jaguarão, se transformou em postão para Estratégia da Saúde da Família, em 2012, foram delimitadas as áreas de atuação. O recomendado, segundo o Ministério da Saúde, é que cada equipe responda por 3 mil habitantes. O posto, porém, já está ultrapassando 4 mil, o máximo possível. Por isso, uma médica foi encaminhada para o local.

Para garantir uma consulta, a dona de casa Luciane Dias Souza foi para a frente do posto às 5h de sexta-feira:

– Tem que chegar cedo, senão não consegue ficha.

Por dia, diz a enfermeira Bruna Gomes, são distribuídas 40 fichas:

– É o que conseguimos fazer. Infelizmente, algumas vezes há gente que não consegue atendimento. Então, dizemos para irem ao hospital.


Não há médicos

O posto Quinta Unidade da Restinga, em Porto Alegre, estava há oito meses sem médico. Só na próxima segunda-feira a nova profissional contratada pelo Mais Médicos – que morava em outro Estado – deve assumir a agenda. Durante esse tempo todo, dois enfermeiros realizaram os atendimentos, sem o poder de prescrever medicamentos, encaminhando os casos mais graves para emergências hospitalares.

Quem precisasse de uma consulta especializada tinha de aguardar um médico volante da prefeitura, que atende conforme a demanda. A carência, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), está vinculada à falta de estímulo à permanência em regiões desassistidas e não à escassez de médicos, já que o Estado tem 25 mil profissionais – 2,31 por mil habitantes –, e o Brasil é o quinto país do mundo em número absoluto de médicos.


Faltam aparelhos

A médica Daniele Sampaio Colvara, que atende em Jaguarão, leva aparelhos próprios para as consultas porque alguns não são disponibilizados pelo posto. Outros são obsoletos ou de baixa qualidade.

– Esse estetoscópio do posto de saúde não me permite escutar ruídos mais delicados, o que dificulta o diagnóstico – comenta.

Mas o maior problema está na falta de aparelhos de ouvido, como otoscópio:

– Quando outros (médicos) precisam usar, pedem emprestado para mim.

Um cartaz evidencia outro problema: não são distribuídas senhas para dentista porque o equipamento de esterilização estragou.

Já no município de Redentora, no Noroeste, João Carlos Pereira – contratado pelo programa Mais Médicos – resume a falta de itens essenciais para trabalhar:

– Tenho apenas caneta, blocos para receitar medicamentos e um estetoscópio.


Remédios acabam

A aposentada Elsa Brant Del Roio, 66 anos, saiu da farmácia da Unidade Básica de Saúde, em Redentora, sem um dos três medicamentos que o médico receitou na tarde de ontem.

– A moça me falou que não tinha mais o Diazepam e que eu vou ter de voltar amanhã – lamenta Elsa.

Segundo ela, o problema não é exceção no município. A aposentada garante que é comum o marido e os amigos também esbarrarem na falta de medicamentos.


Sobra improviso

O posto de saúde do bairro Kennedy, em Jaguarão, já contava com uma médica. A nova profissional, advinda do Mais Médicos, teve de ser alojada na sala emprestada da enfermagem. Já a enfermeira coordenadora mudou-se para uma sala que ainda está em obras.

A zeladora do posto de saúde e moradora dos arredores, Ana Celi Echevenguá, lembra bem da fundação do local em 1989:

– Era um salão de festas da comunidade.

Com 96 metros quadrados, o salão único, com chão de pedra, foi adaptado. Divisórias de cortiça foram erguidas para delimitar consultórios. Mas isso não impediu que o ruído transpusesse as paredes improvisadas:

– Às vezes, estou atendendo um paciente e, do outro lado, escutamos a conversa de outro paciente com o médico. Quando o assunto começa a ficar muito pessoal, faço barulho, bato pé. Fica chato para o paciente que pode ser vizinho saber das intimidades do outro – explica a dentista Rita de Cássia Rodrigues.


Desconfiança no ar

O teste feito por Zero Hora mostra que os profissionais contratados pelo Mais Médicos enfrentarão as mais variadas dificuldades estruturais, deparando com um quadro ao qual os médicos já em atividade não se cansam de criticar: faltam equipamentos e aparelhos básicos, não há remédios, muitos prédios não têm estruturas físicas adequadas e, sobretudo, há pacientes demais para médicos de menos.

No bairro, Lami, zona sul da Capital, o clima ontem era de alegria. O novo médico já havia assumido o posto e começado a atender de leve. Não foram mais que 10 pacientes.

– De manhã, já exibimos a nossa aquisição por aqui – brincou uma funcionária do posto.

Mas para alguns nem a boa-nova da ampliação do quadro de médicos em algumas regiões se desenha animadora. Maria de Lourdes Krieger, 66 anos, passou esbravejando em frente ao posto Castelo, na Estrada João Antonio da Silveira, no bairro Restinga:

– O médico tira férias a cada três meses.

Ao saber que um profissional do Mais Médicos chegaria ao local nos próximos dias, Lourdes esbanjou desconfiança:

– Claro que seria bom se ele viesse. Mas eu não acredito que este programa dê certo.

Pelo visto, além das dificuldades inerentes à atividade, os médicos terão de superar o ambiente de desconfiança que cerca o programa.


E a burocracia impera

Valquíria Nunes da Silva, 43 anos, mora a 150 metros da Unidade Castelo, no bairro Restinga, em Porto Alegre. Por não pertencer à área delimitada pelo posto para atendimento, precisa caminhar quase 1,5 quilômetro para chegar a outro posto, o Macedônia, que não tem ginecologista. Dessa forma, faz quatro anos que a mulher e as três filhas adolescentes não consultam com um especialista. Postos enfrentam carência de outras áreas, como ortopedistas, por exemplo. Somente em Porto Alegre, no ano passado, 75 mil pacientes aguardavam na fila por uma consulta com especialistas.

– Depois a gente faz escândalo e é chamada de louca, mas não dá para viver assim. Me dá uma raiva. Por causa desta política nojenta, somos destratados. Não sei mais a quem recorrer – afirma Valquíria.



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

UMA BOA IDEIA APLICADA DE MANEIRA ERRADA



Flávio Roberto


Cumprir o projeto político para o qual foi eleito, de maneira efetiva e consistente, é o sonho de qualquer governante. Tal legado permitirá não só que deixe o poder de cabeça erguida, mas também que se torne um exemplo a ser seguido pelos sucessores. No oposto temos o governante incapaz de deixar alguma marca pessoal relevante, e, por isso, fadado ao esquecimento. Não é difícil situar o governo da presidente Dilma nesse contexto, já que até o momento pode ser definido como uma gestão sem nenhum projeto próprio marcante, e, portanto, sem legado particular. Entretanto, parece que algo está mudando neste aspecto. Embora um pouco tarde, tendo em vista que o seu mandato se encerra no final de 2014, ela resolveu implantar o programa “Mais Médicos”, como uma espécie de vitrine de governo. Temos que reconhecer que o projeto de levar médicos até os rincões mais remotos do país é algo importante e merece elogios. Entretanto, a forma escolhida para implantar o programa é totalmente irregular.

Segundo amplamente noticiado, o Ministério da Saúde responsável pelo programa “Mais Médicos” não conseguiu preencher o número de vagas abertas com profissionais brasileiros. Assim, optou por contratar médicos estrangeiros para o preenchimento das vagas remanescentes, tendo inclusive assinado um convênio com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) para trazer quatro mil médicos cubanos para o país. Basicamente todos os profissionais médicos contratados receberão um salário mensal de R$ 10.000,00 além de uma ajuda de custo e moradia. Ocorre que a análise do modelo de gestão do programa traz a lume inúmeras falhas. Em primeiro lugar, ao arrepio das normas legais vigentes, o governo brasileiro dispensou a validação dos diplomas dos profissionais estrangeiros contratados, de maneira que é impossível aferir se realmente possuem capacidade para exercício da medicina no país. Essa é uma questão delicada. Como se sabe, um médico brasileiro, em caso de falha na prestação de seu trabalho, além de responder civil e penalmente, também pode ser julgado pelo tribunal de ética profissional, do Conselho Regional de Medicina no qual está inscrito, podendo até receber pena de cassação do exercício profissional. Ora, os profissionais contratados no programa “Mais Médicos” não estão vinculados a nenhum conselho de medicina, e, portanto, não serão fiscalizados e nem devidamente punidos nos casos de falhas profissionais. Deve-se ressaltar, ainda, que é até provável que os erros dos médicos sem diploma validado sejam encobertos pelas autoridades que permitiram o seu ingresso no país, temerosas de sua própria responsabilização civil e criminal. Infelizmente esta é a natureza humana. Portanto, para segurança da população é preciso restabelecer os mecanismos preconizados em Lei para o exercício da medicina no Brasil. Com a palavra o Ministério Público, que tem obrigação constitucional de exigir esclarecimento e transparência nessa matéria. Em tempo, recentemente o governo brasileiro negou a autorização para abertura de novos cursos de medicina e, inclusive, cancelou a licença de funcionamento dos cursos de algumas faculdades que não estavam qualificando adequadamente os formandos, porém no momento, incoerentemente está aceitando importar profissional estrangeiro sem sequer aferir o seu conhecimento e nem comprovar a sua qualificação técnica. Não tem sentido isso.

Em segundo lugar, temos a questão trabalhista. No caso dos médicos cubanos, o Ministério da Saúde fará o repasse do valor acertado para o governo cubano, o qual será o responsável pelo pagamento dos profissionais que vão trabalhar no Brasil. O detalhe curioso é que segundo amplamente noticiado, o governo cubano embolsará cerca de 70% (setenta porcento) do valor transferido pelo Ministério da Saúde, repassando para os médicos apenas o restante. Ora, como foram contratados para prestar serviço no Brasil, os médicos cubanos estarão sujeitos a lei brasileira, independentemente dos acertos e conchavos na esfera governamental. Nesse particular em muitos aspectos essa forma de contratação afronta as regras estabelecidas pela CLT, especialmente porque será impraticável aferir se a quitação do salário se deu na forma e prazos legais, no valor estipulado, etc. Ademais, como ficará a questão da subordinação dos médicos cubanos? Devem prestar contas a quem os contratou (governo brasileiro) a quem os selecionou (OPAS) ou a quem efetivamente pagará os salários (governo cubano)? Em caso de doença e/ou acidente ocupacional, quem será o responsável? Por outro lado, com relação aos profissionais cubanos existe ainda um agravante. Embora contratados para atendimento através do programa “Mais Médicos” do governo federal, vão receber um salário equivalente a 30% daquele pago aos profissionais de outras nacionalidades. Isso é ilegal, tendo em vista que se o profissional cubano executou o mesmo trabalho que o seu colega espanhol e/ou português, deve receber idêntico salário. Portanto, se o programa “Mais Médicos” paga R$ 10.000,00 pelo serviço de qualquer profissional contratado independentemente da nacionalidade, sendo que o governo de Cuba recebe o dinheiro, porém, repassa para os médicos cubanos apenas R$ 3.000,00 é fato que o Ministério da Saúde terá um grande problema, de vez que após três anos, quando findar o prazo da contratação, o médico cubano que se sentir lesado poderá entrar na Justiça do Trabalho, pleiteando a diferença de salário entre o que deveria ter recebido e o que efetivamente lhe foi pago no mês, que corresponde a R$ 7.000,00. Par se estimar o montante total da dívida, a conta é simples: 3 (número de anos da vigência do programa) multiplicando por 12 (número de meses do ano) multiplicado por R$ 7.000,00 (valor que recebeu a menos em cada mês), porém, o resultado é assustador. Ao findar o convênio, cada médico cubano teria direito de receber do governo brasileiro R$ 252.000,00 valor que seria efetivamente atualizado mês a mês, com juros e correção monetária. Agora imaginemos que não apenas um, mas sim, os quatro mil médicos cubanos resolvam pleitear na Justiça do Trabalho a isonomia de salário que a lei brasileira lhes garante? O prejuízo será bilionário. Difícil de acontecer? De maneira nenhuma. O ministro da saúde deveria saber que no judiciário trabalhista se aplica de maneira inflexível o seguinte adágio popular: “Quem paga mal paga duas vezes”. Será que o nosso governo está ciente desse problema e do risco de condenação na Justiça do Trabalho? Em caso positivo, está tomando alguma providência? As respostas ainda são incógnitas. Entretanto, recente declaração do advogado geral da União pode trazer algum subsídio para esclarecer essas importantes questões. De fato, segundo nota de imprensa (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1331205-medicos-cubanos-nao-terao-direito-a-asilo-politico-diz-advogado-geral-da-uniao.shtml - link acessado dia 25/08/2013) ele foi enfático ao afirmar que após o fim do convênio do programa “Mais Médicos”, os cubanos deverão retornar para Cuba, e, em caso de recusa, serão forçados a isso. Essa proibição de permanência no País e a pressa no retorno para Cuba seria uma forma de dificultar e, até mesmo impedir o acesso dos médicos cubanos ao nosso judiciário trabalhista? Esse é um assunto que o Ministério Público do Trabalho deve esclarecer. Entretanto, se for comprovada essa intenção de impedir o acesso à Justiça, estaremos diante de um crime absurdo, verdadeiro atentado contra as relações de trabalho, e, diga-se, praticado pelo governo federal que deveria primar pelo respeito às nossas leis. Ademais não podemos esquecer outras questões que atingem todos os médicos contratados e não apenas os cubanos, as quais podem representar um agravamento expressivo do passivo trabalhista que será criado no programa “Mais Médicos”, tais como férias, 13º salário, fundo de garantia, horas extras, adicional noturno e outros. São matérias reguladas na Constituição Federal e no ordenamento jurídico infraconstitucional, e, portanto, precisariam de um estudo mais aprofundado. Entretanto o fato concreto é que a Justiça do Trabalho não vai aceitar documentos assinados por empregados abdicando de direitos previstos em lei. Frequentemente cláusulas de acordos e até convenções coletivas são anuladas pela justiça especializada, por incorrerem nesse erro. Ocorre que, se a Justiça do Trabalho aceitar a flexibilização irregular de direitos trabalhistas no caso dos profissionais contratados pelo programa “Mais Médicos”, está aberta a porta para aceitar o mesmo em relação a todos os demais empregadores do país. É um fato. 

Em terceiro lugar, porque o governo de Cuba vai receber o pagamento destinado aos médicos cubanos que virão trabalhar aqui no Brasil, e com que direito e a que título reterá 70% do valor total disponibilizado pelo governo brasileiro? É importante que o Ministério Público Federal faça uma investigação dos termos desse acordo com Cuba. Afinal, estamos falando de quase trinta milhões de reais por mês. Essa falta de clareza e transparência pode servir para encobrir alguma fraude financeira. Não podemos esquecer que infelizmente o nosso país ultimamente tem sido sacudido por inúmeras notícias de corrupção e desvio de dinheiro público. É uma cautela necessária.

Em resumo, esse “imbróglio” todo na aplicação do programa “Mais Médicos” faz lembrar as ações de uma criança mimada, que bate o pé, grita e chora exigindo alguma coisa, mesmo a despeito dos alertas de adultos. Parece que a presidente Dilma resolveu que a grande ação social que representará o legado de seu governo será o programa “Mais Médicos”, e, portanto, ela decidiu que vai implantá-lo “a ferro e fogo” independentemente de qualquer argumento contrário. Levar os médicos para as regiões mais remotas do país é uma necessidade, porém, que isso se faça respeitando as particularidades técnicas desse tipo de programa, bem como prestigiando o nosso ordenamento jurídico. É o típico caso de uma idéia boa, porém, infelizmente aplicada de maneira errada.







segunda-feira, 2 de setembro de 2013

HISTÓRIA DE UM MÉDICO CUBANO

BLOG DO RICARDO NOBLAT
31.05.2013 |

Sandro Vaia

O Dr. Gilberto Velazco nasceu em 1980 em Havana e recebeu seu diploma de médico em 15 de julho de 2005.

No depoimento que me deu por e-mail e por telefone, disse que a sua graduação foi antecipada em um ano depois de uma “formação crítica e gravemente ruim”, excessivamente teórica, feita através de livros desatualizados, velhos, rasgados, faltando páginas, além de “uma forte doutrinação política”.

No hospital onde fez residência havia apenas dois aparelhos de raio X para atender todas as ocorrências noturnas de Havana e não dispunha sequer de reagentes para exames de glicemia.

Pouco adiantava prescrever remédios para os pacientes porque a maioria deles não estava disponível nas farmácias.

A situação médica no país é tão precária que Cuba está vivendo atualmente uma epidemia inédita de cólera e dengue.

Em 2 de fevereiro de 2006 foi enviado à Bolívia numa Brigada Médica de 140 integrantes -14 grupos de 10 médicos cada - que iria socorrer vítimas de inundações que nunca chegou a ver.







No voo entre Cuba e a Bolívia conversou sobre assuntos médicos com o vizinho de poltrona e descobriu que ele não era médico, mas provavelmente oficial de inteligência cubana. Calcula que em cada 140 médicos 10 eram paramilitares.

Na Bolívia, onde lhe disseram que iria permanecer por 3 meses, ficou sabendo que deveria ficar no mínimo por 2 anos, recebendo 100 dólares de salário por mês e que a família receberia 50 dólares em Cuba - quantia que, segundo ele, nunca foi paga.

Viveu e trabalhou em Santa Cruz de la Sierra e em Porto Suarez, na fronteira com o Brasil.

Todos os componentes da Brigada recebiam um draconiano regulamento disciplinar de 12 páginas, dividido em 11 capítulos, que fixava desde horários e requisitos para permissões de saída até regras para relações amorosas com nativos e punia contatos com eventuais desertores.

Os médicos verdadeiros eram vigiados pelos falsos médicos que, segundo Gilberto, andavam com muito dinheiro e armas. Ainda assim, o Dr. Gilberto, em 29 de março de 2006, conseguiu pedir formalmente asilo político à Polícia Federal em Corumbá e foi enviado a São Paulo, onde ficou 11 meses.

Pediu à Polícia Federal a regularização de sua situação para poder fazer os Testes de Revalidação Médica exigidos pelo Conselho Federal de Medicina, mas o pedido de asilo foi negado.

Como o prazo de refúgio concedido pelo Conare - Comitê Nacional para os Refugiados - terminava em fevereiro de 2007, pediu asilo aos EUA no consulado de São Paulo, e em 2 de janeiro de 2007 viajou para Miami, Flórida, onde vive agora.

A família do Dr. Gilberto foi penalizada por sua deserção com 3 anos de proibição de viagem ao exterior, mas atualmente vive com ele na Flórida.

Ele trabalhou para uma empresa internacional de seguros de saúde, onde chegou a receber 50 mil dólares anuais, e atualmente está estudando para concluir os exames de revalidação de seu diploma médico nos EUA.



Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br