sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

VERBA DESVIADA DA SAÚDE

ZERO HORA 28 de dezembro de 2012 | N° 17296

PREJUÍZO PÚBLICO. Onze servidores municipais de Miraguaí são suspeitos de lesar em R$ 500 mil os cofres da cidade

VANESSA KANNENBERG

Uma operação do Ministério Público (MP) realizada ontem em Miraguaí, no noroeste do Estado, prendeu 11 pessoas por envolvimento no esquema de desvio de recursos públicos. O MP estima que uma quadrilha formada por servidores municipais tenha desviado pelo menos R$ 500 mil com a compra de medicamentos para favorecer empresas de amigos e familiares.

O Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organização (Gaeco) cumpriu sete mandados de prisão e nove de busca e apreensão. A investigação teve início em maio e, em julho, foi deflagrada a primeira Operação Dose Dupla. Naquela etapa, o foco era fraude em concurso público, mas foram encontrados indícios que levaram à segunda operação.

Entre os 11 presos, estavam quatro funcionários públicos detidos em flagrante tentando queimar documentos públicos. Até então, eles não era suspeitos. Os outros sete servidores municipais foram presos preventivamente. Eles foram denunciados pelo MP por formação de quadrilha, peculato, adulteração de sistema de informações, fraude em procedimento licitatório e advocacia administrativa na compra de medicamentos pela prefeitura para atender os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). As prisões foram pedidas para evitar que testemunhas sejam coagidas.

Segundo o promotor Heitor Stolf Júnior, um dos coordenadores da Operação Dose Dupla II, os suspeitos teriam fraudado licitações com quantidade elevada de medicamentos que não eram entregues à população:

– Alguns medicamentos tinham estoque para 15 anos, sendo que alguns venciam no início de 2013 e outros até já estavam fora do prazo de validade.


Gasto com remédios cresceu mais de 700%

A título de comparação, o promotor Heitor Stolf Júnior explica que, em 2010, a prefeitura gastou R$ 70 mil com medicamentos para os moradores. Neste ano, uma licitação reservou R$ 500 mil para o mesmo fim, o que significa um aumento de mais de 700%. Para ele, o valor não corresponde ao que os 4,8 mil habitantes necessitam.

Segundo o MP, os remédios eram comprados para favorecer empresas e farmácias de amigos e familiares dos servidores e ficavam estocados no posto de saúde. Para escapar da fiscalização, eles fraudavam o sistema usando nomes e dados de moradores que não precisavam de medicação.

– Uma senhora nos procurou para dizer que no histórico dela constava que ela havia retirado seis medicamentos, sendo que ela nunca foi ao posto de saúde para isso – afirma o promotor.

Além disso, alguns desses remédios comprados com licitação fraudulenta eram repassados para pessoas que, legalmente, não teriam direito, porque não são carentes. Entre elas estavam servidores municipais e familiares.

Os nomes dos presos não foram divulgados, porque, segundo o Ministério Público, a investigação corre em sigilo. Os documentos apreendidos vão ser analisados com objetivo de fornecer provas sobre outros possíveis crimes, que podem levar a novas denúncias.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FRAUDE NA SAÚDE NUM PEQUENO MUNICÍPIO DO RS

Castelo em Crissiumal, RS
ZERO HORA 21 de dezembro de 2012 | N° 17290

CRISSIUMAL. Investigada suspeita de fraude na saúde

Operação prendeu 13 pessoas, entre elas o vice-prefeito e três secretários



A partir de suspeitas de fraudes na área da saúde, uma investigação da Polícia Civil encontrou indícios de que uma suposta organização criminosa atuaria em setores da prefeitura de Crissiumal, município de 14 mil habitantes no noroeste do Estado. O esquema envolveria direcionamento na contratação de empresas, declarações falsas de prestação de serviços e desvio de materiais de construção.

Ao desencadear a Operação Patriota, na manhã de ontem, a polícia cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e prendeu 13 pessoas, entre elas, o vice-prefeito Carlos Grun (PT) e três secretários municipais. Grun, candidato a prefeito derrotado em outubro, teve prisão preventiva decretada pela Justiça.

O atual prefeito, Sergio Drumm (PDT), que não está entre os investigados, desconhecia detalhes da apuração.

– Posso falar quando tiver conhecimento. Sabíamos de uma investigação eleitoral, mas não desse teor – disse Drumm.

Segundo a apuração, teriam sido desviados cerca de R$ 4 milhões desde 2011. Uma testemunha contou à polícia que verbas do Consórcio Intermunicipal de Saúde (Cisa) estavam sendo desviadas. O esquema permitiria que um laboratório recebesse pagamentos por exames não-realizados. Uma médica participaria da fraude assinando requisições falsas de exames, que depois seriam cobradas do município pelo laboratório.

Justiça decreta bloqueio de bens

Também foi apurado o suposto direcionamento da contratação de empresa para a realização de obras públicas.

Os investigados que tiveram prisão preventiva decretada foram levados ao presídio de Três Passos. Segundo o delegado de Crissiumal, William Garcez, os investigados que estavam com prisão temporária decretada seriam ouvidos e liberados. Foi decretada pela Justiça, a pedido da polícia, a indisponibilidade de bens dos suspeitos.


Contraponto

O que diz a prefeitura de Crissiumal - Informou que a procuradoria do município seria responsável por falar em nome dos integrantes do Executivo presos. Até o final da tarde de ontem, porém, a procuradoria dizia que não havia tido acesso ao inquérito e que, por isso, não poderia se manifestar.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CRISE COM OS HOSPITAIS

ZERO HORA 14 de dezembro de 2012 | N° 17283

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA

Um alerta feito pela direção do Instituto de Previdência do Estado (IPE) à Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de que os pagamentos previstos para os dias 19 e 26 deste mês poderão ficar para o início de janeiro causou pânico entre os dirigentes das instituições. O representante da federação no grupo que negocia com o IPE, Roberto Plentz, adverte que essas instituições, principalmente as de pequeno porte, não terão como pagar o 13º e o salário de dezembro se não receberem os cerca de R$ 100 milhões previstos para este mês.

A federação advertiu que, se o pagamento não for feito, os 245 hospitais filantrópicos poderão suspender o atendimento aos segurados.

O chefe de gabinete do IPE, César Bento, diz que o problema não é financeiro, mas orçamentário. O IPE tem dinheiro em caixa, no Fundo de Assistência Social, mas precisa restringir os pagamentos em dezembro porque estourou o orçamento e depende de suplementação.

O aviso aos hospitais chamou a atenção para um problema de desequilíbrio nas contas do IPE. O fundo, que já teve R$ 350 milhões de saldo, está com R$ 110 milhões. Isso significa que o instituto está gastando mais do que arrecada e terá de adotar medidas urgentes para não comprometer a saúde financeira que havia sido recuperada no governo de Germano Rigotto com a separação do IPE Saúde e do IPE Previdência.

O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, garante que são infundadas as suspeitas levantadas por dirigentes de hospitais de que o governo está usando o dinheiro do IPE para pagar outras contas, como o 13º salário dos servidores:

– Isso não é verdade. O IPE tem dinheiro em caixa. A Fazenda não mandou falar com os hospitais e não deu qualquer orientação. Estão fazendo terrorismo. Ainda estamos tentando viabilizar o pagamento.

O secretário reconhece que, na administração do caixa, o Estado eventualmente atrasa o repasse da contribuição patronal para o IPE Saúde, mas diz que essa é “uma questão interna”.

– Todos os meses fazemos repasses ao IPE. O problema é que a demanda por serviços aumentou e por isso eles estão operando com déficit orçamentário.


ALIÁS

Para reequilibrar as contas, o IPE vai adotar medidas que aumentem a receita e reduzam as despesas. Isso passa por uma revisão dos contratos com as prefeituras que têm convênio com o instituto.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

REMÉDIO AMARGO


FOLHA.COM 13/12/2012 - 03h30

Editorial


Não para de crescer a conta do que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a iniciativa de pacientes de acionar o poder público para obter tratamentos que não fazem parte do rol do SUS.

De janeiro a outubro deste ano, o governo federal gastou R$ 339,7 milhões em remédios, equipamentos e insumos para cumprir essas decisões judiciais. Esse valor daria para construir pelo menos dois hospitais de 80 leitos cada um e equivale a 7,5% de tudo que a cidade de São Paulo aplicou em saúde no ano de 2011 (R$ 4,5 bilhões).

Isso representa 28% mais do que o total despendido com as ações na Justiça em todo o ano de 2011. E essa é só a parte da União.

O montante aumentaria significativamente se fossem computados também os valores desembolsados por Estados e municípios. A situação é tão caótica que o valor total não é sequer conhecido.

Não se discute o direito de cidadãos recorrerem à Justiça sempre que acharem necessário. O problema é que o acúmulo de liminares --70% das decisões são desfavoráveis ao governo-- acaba retirando do administrador público a capacidade de definir prioridades e decidir a melhor alocação para um volume limitado de recursos.

O pecado original, aqui, nasce com o artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado. Em vez de interpretar a passagem --justificativa de todas as ações-- como mero princípio programático, magistrados lhe têm dado força de norma a cumprir, custe o que custar.

É uma visão míope. Orçamentos públicos são finitos, sabem todos, mas as possibilidades de gastar mais com a saúde não conhecem limites: sempre é possível importar uma droga experimental, ou testar uma nova terapia, a preços muitas vezes exorbitantes.

Vale observar que há uma importante assimetria na repartição de tais recursos. Com a judicialização da saúde, tendem a ser beneficiados pacientes que tipicamente necessitam de drogas caras e têm acesso a informação qualificada e a advogados particulares. Perdem, em contrapartida, os doentes pobres que dependem unicamente do SUS.

Por outro lado, não é aconselhável pender para o extremo oposto e confiar exclusivamente às autoridades sanitárias a tarefa de decidir quais tratamentos serão cobertos e quais ficarão de fora. Burocracias são, por natureza, lentas e preferem resolver seus problemas de caixa evitando novos custos.

É preciso criar formas rápidas, de preferência na esfera administrativa, e não na judicial, com controle externo da classe médica, para garantir que novas terapias sejam incorporadas ao SUS tão logo se revelem eficazes e economicamente razoáveis. Embora certa leitura da Constituição insinue o contrário, não existe tratamento grátis.

SEM PERÍCIA

ZERO HORA 13 de dezembro de 2012 | N° 17282

EDITORIAIS

É parcial a vitória obtida pelos que aguardam o desfecho das perícias do INSS, que agora receberão compulsoriamente o benefício se o instituto não se manifestar até 45 dias depois do requerimento. A determinação do Tribunal Regional Federal leva em conta o drama enfrentado por milhares de gaúchos que esperam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez por períodos que podem chegar a três meses. É compreensível que, ao julgar ação encaminhada pela Defensoria Pública, a Justiça tenha optado pela proteção aos segurados. A decisão não tem, no entanto, o poder de alterar uma estrutura deficiente, mas apenas de atenuar momentaneamente as falhas de um sistema de gestão comprovadamente superado.

A pressão exercida pelo Judiciário é parcial, mas pode ter o mérito de mudar a postura do INSS, que vem ignorando o quadro caótico das perícias no Rio Grande do Sul. As filas de espera foram denunciadas por este jornal, em sucessivas reportagens, a partir de julho. A demora em emitir laudos vem punindo os trabalhadores num momento crucial da vida de cada um deles, quando do afastamento das atividades profissionais por doença ou invalidez. Ao retardar a perícia, o instituto atrasa também, por consequência, o pagamento dos benefícios. Quem deveria receber tratamento diferenciado, pelas circunstâncias enfrentadas, acaba sendo humilhado e penalizado financeiramente.

Argumenta o INSS que a liminar pode estimular os desonestos a recorrer à Previdência, já que, mesmo não comprovada a necessidade, ao final da perícia, o segurado não será obrigado a devolver o que recebeu. É bem possível. Porém, o dano social dos atrasos supera em muito, como decidiu o Tribunal, o risco de fraudes. O que o instituto deve fazer, para que não reaja apenas quando submetido às ordens da Justiça, é reconhecer as deficiências, em respeito a quem sustenta um serviço essencial e merece tratamento digno.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

SUS TEM DESPESA RECORDE COM AÇÕES JUDICIAIS

FOLHA.COM, 12/12/2012

JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

A conta da chamada judicialização da saúde alcançou novo recorde: R$ 339,7 milhões gastos pelo governo federal de janeiro a outubro.

O valor engloba as compras diretas de remédios, equipamentos e insumos pelo Ministério da Saúde, e o repasse a Estados, a municípios e a pacientes para o cumprimento de decisões judiciais.

O balanço preliminar de 2012 supera em quase 28% o que foi gasto em todo o ano de 2011 --que, por sua vez, registrou um aumento de 90% em relação ao gasto de 2010.

Entre 2007 e 2011, o crescimento dessas despesas da União chega a 1.237% --esses cálculos não incluem as ações contra Estados e municípios.

Como comparação, os R$ 339,7 milhões são 2,6 vezes o investimento anual do ministério na incorporação, no SUS, do medicamento trastuzumabe -- utilizado contra o câncer de mama.

A escalada dessas ações --12.811 novas em 2011, com 70% de decisões desfavoráveis à União-- está registrada num relatório da consultoria jurídica do ministério obtido pela Folha.

A pasta pretende lançar em 2013 uma plataforma que permita reunir dados das ações contra a União, os Estados e os municípios, um valor hoje desconhecido pelo governo.

O consultor jurídico da pasta, Jean Uema, fala em possível arrefecimento da curva da judicialização.


Editoria de arte/Folhapress



"O valor não deve dobrar, pode ser um indicativo de que nossas ações têm dado resultado." Segundo Uema, são duas as frentes de atuação da pasta: incorporar ao SUS novos medicamentos e dar a juízes informações sobre os remédios demandados e tratamentos similares disponíveis.

MAIS EXIGÊNCIAS

Para Tiago Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia (que apoia pessoas com câncer), decisões recentes indicam que a Justiça está mais exigente antes de determinar a entrega de um remédio.

"Hoje os juízes pedem não só um relatório, mas toda uma justificativa sobre a escolha desse remédio e não outro da lista do SUS. Na grande maioria das vezes, o paciente não tem como pedir ao médico um relatório com essa precisão, principalmente no SUS."

Para o advogado especializado em saúde Julius Conforti, é preciso olhar para a origem do problema, que passaria pela lentidão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em registrar produtos. "Trata-se a judicialização como um fenômeno surgido a partir do nada e sempre com um ar bastante pejorativo, como se fosse uma maldição", diz.

Matos concorda: "A judicialização é uma forma de a sociedade cobrar. Se as pessoas entram com ação e ganham é porque têm direito, não dá para ignorar. O governo têm que olhar os dados e buscar uma forma de garantir esse acesso que não seja por meio de ação judicial."



Análise: É preciso aprimorar a assistência à saúde, mas judicializar o debate é questionável

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

A escalada de ações judiciais para a obtenção de medicamentos representa hoje um dos grandes dilemas para as três instâncias de governo.

A Constituição prevê que saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Usando esse argumento e o fato de que as terapias disponíveis no SUS são, em geral, insuficientes e desatualizadas, pacientes recorrem à Justiça.

Os juízes, por sua vez, entendem que a "saúde prevalece sobre o orçamento" e, na maioria das vezes, obrigam a oferta da droga via liminares.

Já os gestores de saúde insistem que a destinação dos recursos escassos da saúde é questão técnica, na qual o Judiciário não deve interferir.

A questão é que não é possível o Estado oferecer tudo para todos. As novas drogas, especialmente as oncológicas, são impagáveis até em países desenvolvidos.

Não é à toa que Inglaterra, Alemanha e Itália adotaram sistemas experimentais baseados na resposta de alguns remédios contra o câncer. Só pagam se eles funcionarem.

Economistas da saúde defendem que a decisão sobre quais remédios e tratamentos oferecer deveria ser técnica e fundamentada nas melhores evidências científicas, mas reconhecendo a limitação de recursos existentes.

Todos concordam com a necessidade de a assistência farmacêutica do SUS ser aprimorada, para o bem do paciente, mas judicializar esse debate é bastante questionável.

Alguns estudos já apontam para o risco de a judicialização aumentar as desigualdades sociais na saúde.

Artigo publicado na revista da Harvard School of Public Health (EUA) diz, por exemplo, que as ações judiciais para a obtenção de remédios no Brasil estão concentradas nas áreas ricas,
focam excessivamente tratamentos de alto custo e via de regra não favorecem as pessoas com as piores condições socioeconômicas.

Para o autor do artigo, Octávio Luiz Motta Ferraz, professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido), a solução exige o reconhecimento de que a escassez de recursos implica uma questão de ordem eminentemente ética: como distribuir de forma justa os recursos da saúde?

Ele defende que a questão seja enfrentada pela sociedade como um todo, incluindo juízes e técnicos da saúde, num debate aberto e democrático.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

DECISÕES QUE AFETAM A VIDA

ZERO HORA 11 de dezembro de 2012 | N° 17280. ARTIGOS

 Luiz Carlos Corrêa da Silva*



Nos dias de hoje, graças ao desenvolvimento da tecnologia e do método científico, sabe-se de muitas coisas que há poucas décadas eram inimagináveis. Evoluímos muito com o rádio, a televisão, o telefone celular, a internet e seus múltiplos desdobramentos. A comunicação tornou-se ampla, veloz e obrigatória. O que acontece em qualquer canto da Terra logo se divulga em cadeia mundial. E quem fica à margem dessas ferramentas pode correr muitos riscos, um dos quais é deixar de se beneficiar com os avanços oferecidos para melhorar a saúde e a vida.

Este enorme desenvolvimento está atrelado a empresas ou corporações que o produzem ou adquirem o direito do seu uso, usufruindo fartos lucros pela posse da sua marca ou da sua distribuição. O capital sempre está presente e faz parte do circuito.

Mas nem tudo o que rende grandes lucros é bom e saudável para o ser humano. Diz o bom senso que tudo o que é prejudicial deveria ser banido ou, pelo menos, controlado ao máximo. Mas, quando um setor que aufere grandes lucros percebe ameaças para seus ganhos, ele busca de todas as maneiras manter o seu negócio, custe o que custar. Mesmo que signifique prejuízo letal para a sociedade, esta posição mercantilista pode permanecer imutável e, por vezes, até tornar-se ameaçadora para a soberania das nações.

O que estamos assistindo no setor do tabaco e do álcool demonstra claramente que a ambição, quando não tem limites, pode ser muito danosa ao conjunto social. Há um ano, em 14 de dezembro de 2011, a presidenta Dilma sancionou a lei federal de número 12.546, cujo texto contém diversos itens da máxima importância para o controle do tabaco (o produto) e do tabagismo (a doença). No entanto, um ano depois, ainda não houve sua regulamentação, isto é, a sequência de processos operacionais que garantem sua aplicabilidade.

Quem ganha com esse retardamento? Certamente, não é o já sacrificado povo brasileiro que aprova a lei na sua maioria. Quem “ganha” com isso é a doença e suas consequências terríveis que a maioria das famílias conhece muito bem. Quem não tem ou teve entre os seus alguém com problemas pulmonares, cardíacos ou câncer? Quem ganha com isso é uma indústria que já demonstrou historicamente não ter escrúpulos e usar de variadas e travestidas estratégias para chegar a seus objetivos: lucro a qualquer custo! Numa sociedade moderna, esclarecida e justa, como explicar a posição da defesa de um produto que só causa danos e letalidade?

Chegou o momento de todos se unirem em torno das mesmas ideias, dos mesmos objetivos, e deflagrar-se uma bandeira única pela saúde e por uma vida melhor. Liderados pelo Ministério da Saúde, todos os setores de governo envolvidos com o controle do tabaco e do tabagismo precisam mostrar aos brasileiros que são capazes de promover uma grande ação em prol da saúde, através da regulamentação da Lei 12.546, antes do final de 2012. Assim, poderemos iniciar um 2013 com mais dignidade.

Os danos causados, silenciosamente, pelo tabagismo são incomparavelmente maiores que os gerados pela gripe A e demais doenças infecciosas, e pelas causas externas, particularmente acidentes de trânsito e violência em geral.


*COMISSÃO DE TABAGISMO DA SBPT – SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A FILA DA DESCONSIDERAÇÃO

ZERO HORA 05 de dezembro de 2012 | N° 17274

EDITORIAIS


O aglomerado formado por uma multidão de pacientes nos primeiros dias de marcação de consultas para 2013 no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na zona portuária do Rio de Janeiro, atesta de forma inquestionável o descaso de sucessivas administrações com a saúde pública no país. Centenas de pessoas, muitas das quais com dificuldade de locomoção, esperaram longas horas na fila da desconsideração, sem conseguir sequer a senha para consulta ou cirurgia. A demanda, que de alguma forma se multiplica por todo o país, nessa e em outras especialidades, é um indicativo de que o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais precisam revisar suas estratégias com urgência.

O que vem ocorrendo agora no Rio chama a atenção pelas dimensões e pela tensão registrada entre pacientes, muitos dos quais às voltas há mais de dois anos com as dores e sequelas de problemas em sua maior parte localizados no joelho, quadril e coluna. O episódio provoca revolta também porque nem mesmo o fato de a instituição ter passado a operar em novas instalações – inauguradas com atraso de dois anos e sob a suspeita de terem recebido valores pagos com sobrepreço – contribui para melhorar o atendimento.

No caso do Into, as metas de atendimento simplesmente não são alcançadas porque faltam médicos especialistas. E, diante dos tumultos registrados pelos segurados, a instituição decidiu que as consultas passarão a ser marcadas apenas por telefone – cujo número, obviamente, ninguém consegue acessar.

A imposição de um atendimento degradante a segurados precisa ser analisada com atenção por parte de gestores de saúde em todo o país para evitar que esse tipo de situação continue se repetindo. Esse é um desafio particularmente para os novos prefeitos, que não podem aguardar a posse em janeiro para, só então, começar a pensar no que fazer para reduzir o sofrimento dos enfermos.


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

MÉDICO DO SUS COBRAVA POR CIRURGIA

ZERO HORA 30 de novembro de 2012 | N° 17269

FRAUDE NO SUS
Médico é flagrado ao cobrar por cirurgia. Cirurgião ainda contou à família como burlaria fila de espera em São Leopoldo

MAURÍCIO GONÇALVES | RBS TV

Um médico que trabalha no Hospital Centenário foi flagrado cobrando para realizar uma cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Leopoldo, no Vale do Sinos. O caso não seria o único na instituição. Gravações mostram João Buhler exigindo R$ 2,5 mil para burlar a fila de espera.

Areclamação partiu da família de um paciente. O homem, que preferiu não se identificar por questões de segurança, conta que o sogro dele procurou o Hospital Centenário com problemas na vesícula.

O diagnóstico foi de que o paciente precisava de uma cirurgia com urgência. Mas ele ouviu do médico que o sogro poderia morrer se esperasse para realizar o procedimento cirúrgico por meio do SUS.

– Pelo SUS, só para o ano que vem, pois eles não teriam tempo nem vaga para fazer. Ele disse que não acreditava que iria sair a cirurgia no próximo ano – conta o genro.

Diante do impasse, Buhler teria sugerido que o procedimento fosse feito de forma particular. A família aceitou, mas disse ter se surpreendido quando o médico informou que precisavam levar o cartão do SUS do paciente e que o cirurgião não poderia dar recibo. Outra exigência era que o pagamento fosse feito à vista, em dinheiro, antes da cirurgia. O custo total seria de R$ 4 mil.

Paciente fez pagamento no consultório do médico

Em uma consulta no hospital, Buhler detalhou como teria que ser feito o acerto. Na conversa, que foi gravada, o médico informa que R$ 2,5 mil deveriam ser pagos diretamente a ele para custear a cirurgia e o trabalho do anestesista. Diz, ainda, que haveria uma despesa posterior de R$ 1,4 mil que deveria ser paga diretamente ao hospital.

A família fez o pagamento no consultório particular do médico. Durante a conversa, que também foi gravada, o cirurgião chegou a oferecer uma espécie de desconto. Disse que tem como internar o paciente pelo SUS para evitar supostas despesas com o hospital, que teria reajustado os preços cobrados recentemente.

– Aí tu gasta só os R$ 2,5 mil da cirurgia, e não gasta em hospital, porque R$ 2 mil em hospital é um absurdo – disse o cirurgião.

O vídeo mostra, ainda, o médico contando, uma a uma, as notas de R$ 50 que acabara de receber do paciente. Depois, ele ainda explicou à família como burlaria a fila de espera do SUS. A internação seria feita por orientação do próprio médico, que informaria, na hora do atendimento, que o caso se trataria de uma emergência. Buhler ainda fez um alerta:

– Só não pode “piar”. Diz “pro” “véio” que ele vai fazer pelo SUS e não vai gastar nada.

Documentos atestam que tanto a internação quanto o atendimento ao paciente foram feitos pelo SUS.


Cremers e Ministério Público vão abrir investigação sobre queixa

Após ser informado sobre o episódio, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) disse que pretende abrir uma sindicância para apurar o fato.

– Se for provado que existe culpa, ele (João Buhler) receberá punição que pode ir desde advertência até suspensão do exercício profissional – ressalta Fernando Weber Matos, vice-presidente do Cremers.

Essa não é a única queixa de cobrança ilegal por cirurgias no Hospital Centenário. Outros dois profissionais foram indiciados pela Polícia Civil pela mesma prática. O caso foi encaminhado ao Ministério Público, que, no início deste mês, solicitou novas investigações. A Promotoria também garantiu que vai apurar a nova reclamação de cobrança ilegal por cirurgia.

– Nós vamos fazer a requisição de um inquérito para Polícia Civil e, assim que esse inquérito for concluído, com a coleta das provas necessárias, virá para o Ministério Público para que seja feita uma análise do caso – explica a promotora Ana Paula Bernardes.


Contrapontos

O que diz João Buhler: O cirurgião combinou de receber a reportagem da RBS TV no consultório dele, mas não compareceu. Procurado por telefone, ele não atendeu nem retornou as ligações.

O que diz Maria do Carmo Prompt, vice-presidente do Hospital Centenário: O hospital avalia que não pode haver cobrança via SUS. Assim que receber oficialmente as denúncias, será aberto um processo administrativo investigatório para que não ocorra mais esse tipo de situação na nossa instituição.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ALÉM DA LEI

 
ZERO HORA 26 de novembro de 2012 | N° 17265



EDITORIAIS



A presidente Dilma Rousseff sancionou na última sexta-feira lei que fixa prazo de até 60 dias para que pacientes com câncer recebam tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Em casos mais graves, o prazo deve ser menor. Eis aí mais um caso em que a intenção só pode ser considerada das melhores, até mesmo pelo fato de que nos planos de saúde o prazo legal já ser de no máximo três semanas, mas se choca com a realidade brasileira. Em vez de tentar resolver tudo com novas leis, as autoridades tinham que se preocupar mais em melhorar os serviços, para que as pessoas não precisassem mais se valer até de decisões judiciais quando pretendem assegurar o direito a um tratamento digno, no tempo oportuno.

Especialistas e diferentes estudos sobre o tema são unânimes em afirmar que, quanto menos tempo demorar entre o diagnóstico e o início efetivo do tratamento, maior tende a ser a expectativa de cura do paciente. Ainda assim, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que, em 2010, o tempo médio entre a data da confirmação da doença e o início do tratamento de quimioterapia foi de mais de 76 dias. Nos casos de radioterapia, o período ultrapassou 113 dias. Nessas proporções, o período de espera se transforma numa eternidade para o paciente, familiares e amigos. Além disso, reduz consideravelmente as chances de cura e impõe um sofrimento indesculpável – físico e psicológico – para quem está às voltas com a doença.

A fixação em lei de prazo máximo para o início de tratamento de câncer pelo SUS, por mais humanitária que seja a intenção, confirma, acima de tudo, a dificuldade de o país se guiar apenas pelo bom senso, nesse e em outros casos. Um indício de que as dificuldades persistirão, mesmo depois da sanção do texto, é que só agora foi reforçada a preocupação do poder público de adequar o sistema médico-hospitalar às novas exigências. Numa área já carente de alternativas, será preciso investir maciçamente na rede de atendimento e na aquisição de equipamentos para propiciar maior agilidade, sem prejuízo da qualidade dos serviços. A cada ano, são registrados 500 mil novos casos de todos os tipos da doença no país, o que dá uma ideia do desafio a ser enfrentado daqui para a frente.

Um aspecto preocupante, de qualquer forma, é que, se o país não está adequadamente preparado para atender a tempo e de forma eficaz nem mesmo pacientes diagnosticados com câncer – enfermidade que exige pressa no início do tratamento –, a situação não é muito diferente no caso de portadores de outras doenças em geral. Seja qual for a situação, as tentativas de solução não podem ser buscadas apenas a partir de exigências legais, mas, acima de tudo, pela conscientização para o fato de que um atendimento de qualidade e no devido tempo é o mínimo a que todos os brasileiros têm direito.

sábado, 17 de novembro de 2012

ENGANO FATAL

zero hora 17 de novembro de 2012 | N° 17256


Polícia investiga morte de idoso em hospital


A polícia de Osório investiga a morte do agricultor José Antônio da Silva, 91 anos. Internado no Hospital São Vicente de Paulo por complicações respiratórias, o morador de Maquiné teria recebido alimento na veia, no lugar de soro, na quarta-feira.

Segundo o delegado João Henrique Gomes de Almeida, em depoimento, a técnica em enfermagem Isabel Borges Bressane admitiu a responsabilidade pelo fato.

– Ela admitiu ter trocado a sonda – afirmou Almeida.

Na certidão de óbito do idoso, a causa da morte constou como “parada cardiorrespiratória, hemorragia digestiva”. O prazo inicial para a investigação é de 30 dias, mas ele pode ser ampliado.

Serão ouvidos pela polícia os familiares da vítima e outros profissionais envolvidos com o caso. O delegado revela, ainda, que a polícia pediu autorização para exumar o corpo, sepultado ontem à tarde, em Maquiné.

Diretor do Hospital São Vicente de Paulo, Francisco Luis Moro admitiu a falha do hospital e determinou a abertura de processo administrativo para identificar os responsáveis.

Conforme o diretor, a técnica trabalhava no hospital há cerca de seis meses e havia sido liberada do serviço no dia do ocorrido, “por não ter condições emocionais de trabalhar”. Na sexta-feira, ela não foi trabalhar.

Em nota, o Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul atribui o erro a um conjunto de situações que devem ser combatidas, como a falta de qualidade do ensino de enfermagem, a excessiva carga horária e os baixos salários.

Há pouco mais de um mês, fato semelhante ocorreu no Rio de Janeiro, levando à morte uma mulher de 88 anos. Uma técnica de enfermagem de um hospital fluminense teria colocado sopa na veia da paciente, em vez de soro.

LARA ELY


Os efeitos no corpo humano
Diretor técnico de Hemodinâmica do Instituto de Cardiologia, Rogério Sarmento Leite explica o que pode ter acontecido:
- Deve ter entrado comida por onde deveria entrar sangue ou soro. As veias levam e trazem sangue e servem como porta de entrada para o soro, para administrar medicação.
- Se por alguma razão é colocado alimento na veia, haverá problema, pois ele deveria entrar na sonda que vai para o estômago.
- Essa substância geralmente é uma espécie de sopa feita de alimentos ricos em lipídios filtrados e triturados.
- Se de forma equivocada o alimento vai parar a veia, causa embolia pulmonar, hipoxemia (baixa quantidade de oxigênio no sangue) e falência do coração. Em um pequeno volume, o problema é menor. Em grande,a consequência pode ser fatal.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

FALTA DE MÉDICOS NA UPA

JORNAL DO COMERCIO 25/10/2012

Ministério da Saúde recebe denúncia de falta de médicos na UPA

Cláudia Rodrigues Barbosa


MARCO QUINTANA/JC

Apesar da carência clínica, folheto da UPA Zona Norte faz propaganda de quadro com 42 médicos

Representantes do Ministério da Saúde (MS) receberam ontem a denúncia da contínua falta de médicos na recém-inaugurada Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Zona Norte, na Capital. Médica do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Maria Rita de Assis Brasil, participou ontem de uma reunião no hospital e detalhou os problemas que a unidade vem enfrentando.

O encontro era para tratar da reforma na emergência do hospital. “A direção não gostou muito do que eu disse ao revelar que havia coisas embaixo do tapete que precisavam ser ditas. Ainda há falta de médicos na UPA, principalmente de clínicos”, afirma Maria Rita. Ela garante que dois colegas receberam proposta para trabalhar na UPA por seis meses como clínico-geral para depois serem “promovidos” a cirurgião, cargo para o qual foram admitidos em concurso público. “Quem tiver colocação melhor no concurso do que esses casos que citei como exemplo, pode recorrer judicialmente para obter a sua vaga de clínico-geral”, explica.

A assessoria da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) confirma que a gerência dos recursos humanos da UPA Zona Norte é responsabilidade do GHC. No entanto, a prefeitura justifica que assumiu o compromisso de suprir a carência de médicos nos finais de semana na unidade por ser parceira da mesma. Além disso, para que a UPA não deixe de funcionar, a prefeitura paga os profissionais por meio de um sistema de jornadas de 12 horas-extras, e não por plantões de mesma carga horária. “Os colegas dizem que a oferta é de pagamento de horas em dobro para quem aceita a empreitada”, complementa Maria Rita. Para a assessoria da SMS, as 12 horas-extras explicam a diferença entre o salário de um plantonista e de um médico que aceite trabalhar na UPA nessas condições.

No início de outubro, o secretário municipal de Saúde, Carlos Henrique Casartelli, em reunião com o superintendente do GHC, Carlos Eduardo Nery Paes, comprometeu-se a contratar dois médicos para o déficit de atendimento de 48 horas semanais, conforme análise do grupo. Maria Rita avalia que “esse gerúndio que não chega é um problema. Esse ‘estamos contratando’ e não contratar, não podemos aceitar”.

A assessoria da SMS lembra que no dia 16 de outubro, o secretário falou: “a Secretaria Municipal de Saúde entende a dificuldade na contratação de profissionais e já manifestou à direção do GHC o interesse em auxiliar na resolução das dificuldades enfrentadas pela instituição. Parceiros devem dialogar e decidir juntos”. Na ocasião ele acrescentou ainda que a data de inauguração da UPA, 28 de setembro, foi decidida em consenso entre a prefeitura de Porto Alegre, o GHC, o Ministério da Saúde e o governo do Estado.

Um dia depois, em 17 de outubro, a vice-presidente do Simers denunciou que a UPA foi aberta às pressas, sob pressão da prefeitura por conta das eleições. Robinson Amaral, gerente de pacientes externos do GHC, confirmou a declaração, contextualizando que a decisão do Executivo municipal contrariava o planejamento da instituição responsável pelos recursos humanos da unidade. E, por isso, os médicos que faltam no quadro ainda não tinham sido chamados. Maria Rita enfatiza que o GHC também não teve tempo hábil para treinar os profissionais para lidar com o sistema informatizado disponível na UPA.

Na terceira semana de outubro, matéria da SMS apresentava a UPA da seguinte forma: “A UPA dispõe de 32 médicos para assistência clínica”. No folheto de divulgação distribuído na unidade, a propaganda é de que 42 médicos formam o quadro clínico do pronto-atendimento. O coordenador da UPA não quis dar entrevista. A assessoria do GHC disse que não há falta de médicos.

DEMORA SEM FIM



ZERO HORA, 25 de outubro de 2012 | N° 17233

EDITORIAIS


O caso de uma usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) da Capital que há 15 meses aguarda a realização de uma biópsia solicitada com urgência para averiguar nódulos na tireoide é emblemático dos problemas da saúde pública, que banalizam a desumanidade e expõem o excesso de falhas no setor. Como esse tipo de situação não ocorre de forma isolada, a divulgação do fato precisa servir para que sejam corrigidas de vez as deformações, evitando tanta crueldade com os pacientes e o risco de mais descrédito ainda para o SUS.

O aspecto mais impressionante nesse e em outros episódios semelhantes é que, em princípio, a situação poderia ser resolvida mais facilmente apenas com um pouco mais de boa vontade, de eficiência e de respeito ao ser humano. De julho do ano passado até agora, a usuária do SUS, de 65 anos, foi encaminhada erroneamente para dois profissionais que não realizam o procedimento necessário para definir se o problema é ou não maligno e o que precisa ser feito do ponto de vista médico. A paciente precisou acordar cedo, gastar com condução e enfrentar fila, inutilmente. Na impossibilidade de ser atendida com a urgência recomendada inicialmente, vive até hoje a angústia de não saber o que tem e de não poder dar início ao tratamento.

É importante reconhecer que em muitos casos nos quais exames complexos e dispendiosos são rejeitados por convênios particulares, o SUS acaba bancando-os gratuitamente. Ainda assim, isso não autoriza o sistema a agir de forma burocrática em momentos de grande aflição para os pacientes, muito menos a fazê-los perder tempo numa fila ao final da qual a resposta será de que não é naquela, mas em outra, ainda mais longa.

Entre quem depende do SUS, de nada adiantam as reiteradas manifestações de autoridades das três instâncias da federação de que faltam recursos financeiros para melhorar a qualidade na saúde pública. Em casos como o da usuária submetida a uma longa espera, o que interessa é ser atendida no devido tempo e é isso, simplesmente, que o poder público precisa providenciar.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

HOSPITAL EM ESTADO DE EMERGÊNCIA

 
ZERO HORA 16 de outubro de 2012 | N° 17224

SUPERLOTAÇÃO NO CLÍNICAS. Na ala para adultos, 160 pessoas estavam internadas no começo da noite de ontem em um espaço destinado para 49 leitos

LETÍCIA COSTA


O espaço entre as macas é mínimo, até mesmo inexistente. Essa situação se repetiu na volta do feriadão na emergência do Hospital de Cínicas em Porto Alegre (HCPA), onde o número de pacientes é superior ao triplo da capacidade de atendimento.

Oproblema não é novo, mas se agravou ontem durante todo dia. Sem nenhuma doença típica que tenha tomado conta dos gaúchos, a única explicação plausível para o médico Gerson Martins Pereira, que ontem trabalhava na unidade, é o costume das pessoas adiarem a busca por atendimento e por uma solução, acumulando enfermos em plena segunda-feira pós-feriado.

Ontem, aproximadamente às 19h, o caos estava por toda parte, desde a entrada no setor de emergência, onde os pacientes ficam em cadeiras, até a parte mais crítica, área em que está montada uma espécie de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Na ala adulta, 160 pessoas estavam internadas em um espaço destinado para 49 leitos. Na emergência pediátrica, os nove leitos eram ocupados por 13 crianças. Fora isso, havia cerca de 50 pessoas que ainda aguardavam atendimento médico.

– Os casos não graves chegam a esperar 12 horas, ou até mais. Todos pacientes são avaliados e atendidos conforme o risco, que é quantificado pela triagem. Por isso, alguns precisam esperar muito – explica Pereira.

Com oito médicos para atender todo esse contingente com as mais variadas doenças, acaba que os pacientes sofrem não só com a dor e a espera para o primeiro atendimento, mas também com a demora no tratamento. A supervisora de enfermagem do Hospital de Clínicas, Claudia Beatriz Nery, admite que muitas pessoas não recebem o conforto adequado em decorrência da superlotação.

A procura de quem vem de outros municípios

Moacir Diogo, 40 anos, é o reflexo da desordem causada pela grande quantidade de pessoas em busca de uma solução para o problema. Depois de ficar três dias internados em um hospital de Canoas, na Região Metropolitana, ele procurou o HCPA crente de que iria ter um atendimento melhor.

Aposentado aos 33 anos, Diogo acumula um histórico de cinco infartos e ontem tinha o diagnóstico de água no pulmão. Desde sábado em uma cadeira de rodas, ele teve o “conforto” retirado e foi colocado em uma cadeira de plástico, com um cobertor.

– Peguei minhas coisas e disse que queria ir embora, mas não me deixaram ir. Faço aniversário em 23 de dezembro, se sair daqui de dentro até lá estou feliz – diz.

A vinda de pacientes de municípios do Interior e da Região Metropolitana agrava a situação.

– A população chega aqui em um estágio de esgotamento, pois já foi em outros lugares e não conseguiu o atendimento – comenta o médico Gerson Martins Pereira.


Escassez de leitos agrava os problemas da unidade

Além do tradicional problema de que muitas pessoas que buscam as emergências não se encaixam em casos adequados de atendimento, há também a escassez de leitos para que os pacientes graves sejam transferidos das emergências.

– Todo hospital está lotado. Na medida em que liberam os leitos, as pessoas vão subindo para os quartos – afirma a supervisora de enfermagem.

As condições das emergências, normalmente superlotadas, estão em debate no Fórum Nacional de Urgência e Emergência, realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) este ano em Porto Alegre. Entre ontem e hoje, a sede do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) é palco para discussões sobre a causa e a possível solução do problema.

Para o presidente do Cremers, Rogério Wolf de Aguiar, o sistema de saúde público encontra-se em estado crítico.

– O que aparece é a superlotação das emergências, mas elas são reflexo de um congestionamento de pacientes que não tiveram atendimento suficiente em pronto atendimentos e não conseguem sair porque faltam leitos de internação – avalia.

 Cartilha aos pacientes

O QUE A EMERGÊNCIA ATENDE - Dor no peito/infarto, derrame cerebral, dor abdominal com febre, hemorragia digestiva, falta de ar aguda, neoplasias (pacientes com câncer atendidos no HCPA que sofrem intercorrências), perda de consciência, alteração de sinais vitais (pressão excessivamente alta ou baixa, batimentos cardíacos alterados).

 O QUE A EMERGÊNCIA NÃO ATENDE

- Oftalmologia (problemas nos olhos), otorrinolaringologia (dor de ouvido, dor de garganta), psiquiatria (transtornos mentais, sofrimento psíquico, depressão, risco de suicídio, surtos), traumato-ortopedia (tiros e facadas, fraturas e entorses, acidentes de trânsito...), intoxicações (alcoolismo, drogadição, ingestão excessiva de medicamentos, consumo de produtos de limpeza), picadas de animais peçonhentos, acidentes em geral, constipação, dor de dente, dores musculares, dores crônicas (aquela que a pessoa tem há mais de seis meses), gripes e resfriados sem complicações.

 - Na Emergência também não são aplicadas vacinas, não são fornecidos atestados ou receitas, não são marcadas consultas com especialistas a partir de encaminhamentos de postos de saúde, não é atendido o paciente que faltou a uma consulta no ambulatório do HCPA e quer suprir esta falta.







sexta-feira, 12 de outubro de 2012

SUPERLOTAÇÃO E FALTA DE MÉDICOS REVOLTAM PACIENTES

ZERO HORA ONLINE 12/10/2012 | 17h55

Superlotação deixa pacientes indignados em unidade de saúde da Capital. Espera na UPA Moacyr Scliar, na zona norte da Capital, variava de cinco a seis horas para casos menos graves


Às 16h20min, mais de 60 pessoas aguardavam atendimento, algumas desde a manhã Foto: Andréa Graiz / upa,saúde,médico,falta de médico,atendimento,unidade de pronto atendimento


A recém-inaugurada Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar, na zona norte de Porto Alegre, foi palco de protestos de pacientes devido à superlotação nesta sexta-feira. Às 16h20min, mais de 60 pacientes aguardavam atendimento, alguns deles desde a manhã. A média de espera para os casos menos graves era de cinco a seis horas.

— Tem cachorro sendo melhor tratado do que nós — reclamou o aposentado Carlos Henrique Ferreira, 73 anos, morador do bairro Jardim Itu-Sabará.

Representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) foram ao local verificar o que ocorria. A situação alarmou a diretora do Simers, Clarissa Bassin.

— Estou muito preocupada. Temo que isso vire um caldeirão — afirmou.

O problema é a falta de médicos. Naquele momento, o posto tinha três médicos prestando atendimento, quando deveriam ser pelo menos oito, conforme Clarissa. A assessoria jurídica do Simers estuda medidas legais a tomar.

A UPA da Zona Norte é gerida pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC). De acordo com o gerente de Pacientes Externos do Conceição, Robinson Menezes do Amaral, um problema no esgoto da sala de observação do hospital agravou a situação. O local, com capacidade para cem pacientes, teve de ser esvaziado. Os casos mais graves ficaram no Conceição, e os demais foram orientados a procurar os postos de saúde. A maioria acabou indo até a UPA.

A falta de médicos também é citada por Amaral como um problema. Ele disse que na tarde desta sexta-feira havia quatro médicos. Um novo concurso servirá para a contratação de mais profissionais até o final do ano.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

PUNIÇÃO PARA 301 PLANOS DE SAÚDE


ZERO HORA 03 de outubro de 2012 | N° 17211

FALTA DE ATENDIMENTO
 

ANS pune 301 planos de saúde. Operadoras não poderão comercializar produtos até cumprir resolução que fixa prazo máximo para consulta, exame e cirurgia

CAIO CIGANA

Subiu para 301 o número de planos de saúde com comercialização suspensa no país. A proibição válida por três meses a partir de sexta-feira não implica perda de atendimento dos atuais beneficiários.

Após determinar em julho a restrição a 268 planos por descumprirem resolução que fixa prazos máximos para consultas, exames e cirurgias, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) voltou a avaliar os procedimentos e, com base em dados de reclamações entre 19 de junho e 18 de setembro, outros 80 foram suspensos. Dos 268 iniciais, 45 tiveram a permissão para retomar a comercialização por readequarem o atendimento, 221 permanecem com vendas congeladas e dois operam por liminar. No total, são 38 operadoras atingidas.

No Rio Grande do Sul, a ação da ANS em julho atingiu três empresas. A Social Saúde teve quatro planos com captação de novos clientes paralisada. A sanção foi mantida e ampliada para um quinto produto. A Porto Alegre Clínicas permaneceu com quatro planos punidos. Só o Centro Clínico Gaúcho, com 10 produtos, conseguiu reversão. Entre os atingidos ontem, nenhuma empresa tem atuação no Estado.

O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo no Rio Grande do Sul (Abramge-RS) Francisco Santa Helena, contesta os critérios da ANS. Segundo Santa Helena, muitas empresas foram prejudicadas apenas por não preencherem de forma correta as Notificações de Investigação Preliminares (NIPs) enviadas pela ANS:

– A metodologia deveria ser relacionada à qualidade do atendimento.

Alexandre Diamante, diretor da Porto Alegre Clínicas, também questiona o critério, mas afirma que a operadora revisará os procedimentos internos. Para Diamante, a ANS deveria considerar o número de reclamações em relação ao volume de consultas, e não de beneficiários dos planos:

– Nos últimos três meses, tivemos 30 mil consultas e só quatro queixas.

Mesmo sem saber informar os números, o diretor da Social Saúde, Carlos Alfredo Radanovitsck, afirma que as reclamações diminuíram.

– Fomos novamente pegos de surpresa – diz Radanovitsck, ressaltando que o quinto plano suspenso já não era comercializado.

Também presidente do conselho do Centro Clínico Gaúcho, Santa Helena sustenta que, para ter a suspensão revogada, a operadora passou só a responder de forma adequada às NIPs.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

FRAUDADORES DA SAÚDE

ZERO HORA 02 de outubro de 2012 | N° 17210
 

EDITORIAIS


Mais um episódio comprova que é inesgotável a capacidade de quem se dedica a lesar o patrimônio e os serviços públicos, mesmo que estes sejam da área da saúde. Desta vez, o Ministério Público identificou os autores de cobranças duplas, lançamentos de consultas que não foram realizadas e uso indevido de senhas de servidores, entre outras fraudes utilizadas por médicos para extorquir o Instituto de Previdência do Estado. Repete-se, na previdência estadual, o conjunto de falcatruas que costumeiramente atingem o SUS e o INSS.

Malfeitores que fazem parte do funcionalismo público ou prestam serviços a instituições mantidas pelo Estado se multiplicam e incorporam suas práticas às suas rotinas em consultórios e hospitais. Quanto a isso, não há, portanto, nenhuma novidade. Também é constrangedor, mas sem que provoque surpresa, o fato de que os criminosos não são apenas dos quadros da área administrativa, que têm mais acesso a procedimentos que podem facilitar a manipulação de cifras. Como ocorreu no IPE e ocorre no SUS, muitas vezes os denunciados são médicos e outros profissionais da saúde, exatamente os que deveriam zelar pela lisura de suas atividades, pela racionalização e pela qualidade do atendimento que prestam a segurados e pela reputação de suas categorias.

Como os delitos se banalizaram, inclusive em setores essenciais, está claro que há omissão ou deficiência dos órgãos de controle. Se os fraudadores agem cada vez mais e sem qualquer preocupação com princípios éticos, é óbvio que a fiscalização deve ser aperfeiçoada. A evidência de que o monitoramento é frouxo está nas provas juntadas pelo Ministério Público, que fez um simples cruzamento de informações do instituto de previdência com prontuários de pacientes, para detectar as fraudes. Se o MP conseguiu apontar delitos que as auditorias internas ignoraram, está na hora de revisar os mecanismos de vigilância. Cabe também ao próprio IPE e aos órgãos fiscalizadores do exercício de profissões punir os fraudadores, independentemente de futuras decisões da Justiça.

COBRANÇA ILEGAL

 
ZERO HORA 01 de outubro de 2012 | N° 17209



MP investiga suspeita de fraudes contra o IPE. Pacientes denunciam pagamentos irregulares e consultas não realizadas, mas lançadas no sistema
 

GIOVANI GRIZOTTI

Fraudes comuns no Sistema Único de Saúde (SUS) agora lesam também o Instituto de Previdência do Estado (IPE) e seus segurados. Uma reportagem exibida ontem pelo Teledomingo, na RBS TV, revelou cobranças irregulares e até lançamento de consultas fantasmas, que jamais foram realizadas.

Em Porto Alegre, a Promotoria Especializada Criminal descobriu que um médico lançou no sistema do IPE cerca de mil atendimentos que nunca existiram. Para isso, ele usava senhas fornecidas por pacientes.

– A pessoa fornecia a senha espontaneamente, porque estava junto ao cartão, ou muitas vezes a secretária do médico informava o paciente de que o sistema não estava funcionando, pedindo, então, a senha para lançar depois aquela consulta – afirma o promotor Flávio Duarte.

A suspeita partiu de um servidor público, ao verificar seu histórico de consultas na página do IPE na internet.

– Havia consulta em nome das minhas duas filhas e da minha esposa, que nunca estiveram no consultório – afirma o servidor, que pediu para não ser identificado.

Cruzamento de informações confirmaria irregularidades

O Ministério Público confirmou a fraude ao cruzar informações do IPE com prontuários de pacientes e arquivos apreendidos no consultório do médico.

Em troca de um desconto de 3,1% do salário no contracheque, o IPE garante assistência médica a servidores públicos ativos e inativos. São 997 mil usuários no Rio Grande do Sul. Mas isso nem sempre garante atendimento gratuito. Para realizar um parto, uma obstetra pediu R$ 1,5 mil a uma dependente de um servidor público.

– Eu tinha confiança total naquela pessoa, e me senti sem saída. Ou eu pagava, ou teria de procurar outro médico – afirma a gestante, que não aceitou a proposta.

Outro caso denunciado à Ouvidoria do instituto revela uma situação ainda mais grave: com glaucoma e catarata nos dois olhos, uma pensionista procurou uma clínica para se tratar. Mas o médico só aceitou fazer a cirurgia pelo IPE se ela pagasse por lentes importadas, não fornecidas pelo instituto. O custo: R$ 3,6 mil. Ela aceitou a proposta.

– Eu tenho seis filhos, ajudo meus filhos, meus netos, faz falta para mim – lamenta a pensionista.

A mulher mostrou à reportagem a nota fiscal da cobrança pelo material importado. Mas os registros do IPE comprovam: mesmo cobrando pelas lentes vindas do Exterior, o médico também recebeu do IPE por duas lentes nacionais, que custariam R$ 1 mil.

– Eu pagando, e o IPE pagando. Então ele recebeu de dois lados, foi isso que aconteceu – conclui a pensionista.

O presidente do instituto, Valter Morigi, diz que estuda medidas para aperfeiçoar o sistema de lançamento de consultas e, assim, evitar fraudes.

Segundo Morigi, os casos que envolvem a prática de crimes são encaminhados ao Conselho Regional de Medicina e ao Ministério Público, e os médicos envolvidos, descredenciados.

– Alguns casos como esses depõem negativamente contra toda uma classe. Mas não queremos julgar a classe por uma parte. Precisamos, sim, tratar dessa parte – observa Morigi.

Presidente do Cremers repudia atitude

Rogério Wolf de Aguiar, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), diz que a cobrança ilegal pode levar a punições do conselho e na Justiça:

– Isso é vedado completamente pelo código de ética médica. É passível de ser caracterizada como falta ética e de punição pelo Conselho de Medicina. Além disso, há outras punições que a própria Justiça prevê.

Para denunciar
- A Ouvidoria do IPE conta com uma equipe só para receber queixas e reclamações dos usuários. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 0800 517797 ou pelo site ipe.rs.gov.br

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SAMU: ATRASOS E SEM MÉDICO NA UTI MÓVEL

ZERO HORA 27/09/2012 | 05h33

Socorro médico - Auditoria apontou atrasos do Samu. Investigação ainda descobriu que UTIs móveis se deslocavam sem médico

Humberto Trezzi

O caso de Carlos Alberto Link, que quase morreu no início deste mês ao não ser atendido pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) em Porto Alegre – o atendente não localizou o endereço onde o paciente estava –, não é um episódio isolado.

Entre abril e maio de 2009 o Denasus realizou auditoria no serviço prestado na capital gaúcha. A investigação surgiu a partir de denúncia de um cidadão sobre atrasos nas ambulâncias, que teriam contribuído para a morte de uma pessoa com ataque cardíaco e de uma gestante e seu bebê.

A auditoria constatou que, em pelo menos 12 ocasiões, UTIs móveis (ambulâncias sofisticadas) do Samu se deslocaram sem presença de médico. Isso é irregular, porque está prevista a participação de um especialista deste tipo na equipe de cada veículo UTI – ou não seria UTI. A ausência se deu, em todos os casos, por atraso das equipes nas trocas de turno.

No caso da morte da gestante, a auditoria verificou que o deslocamento dela até o hospital levou 40 minutos, quando o prazo recomendado é de no máximo 12. Os auditores ressaltam ainda que tiveram muita dificuldade de verificar os prazos de deslocamento das ambulâncias, já que os arquivos de voz que registram as comunicações do Samu estavam inaudíveis, "em praticamente 100% dos casos", de modo que não foi possível ouvir as conversas entre equipes que estão na rua e operador de rádio. O sistema tampouco informava o nome do profissional médico que foi a campo, conclui a auditoria.

A Secretaria Municipal de Saúde informa que os problemas apontados pela auditoria foram corrigidos, mas outros incidentes mostram que ainda ocorrem confusões com o Samu. É o caso do atendimento de Carlos Link, no último dia 6 (relatado na edição de quarta-feira de Zero Hora). Com intensa hemorragia, à beira do desmaio, a vítima não conseguia se expressar e pediu à filha que pedisse ajuda via telefone. Mas o atendente do Samu não entendeu onde ficava o local (o Colégio Rosário) e a ambulância não foi enviada. Link só sobreviveu porque conseguiu dirigir até o Hospital Moinhos de Vento, onde o sangramento – fruto de uma ruptura arterial no abdômen – foi estancado, após perda de mais de dois litros de sangue.

Márcia Del Corona, doutora em linguística aplicada, realizou doutorado justamente sobre atendimento de serviços de emergência. No caso, o 190 da Brigada Militar. Ela acredita que confusões como a que vitimou Link ocorrem porque o pacote tecnológico do sistema operacional dos serviços de emergência exige, para gerar a ocorrência (e a liberação do veículo), informações precisas sobre o local do fato.

A coordenadora do Samu na Capital, Rosane Ciconet, admite que os atendentes trabalham com nome e número do endereço onde está a vítima, mas diz que, se for dado o nome de um colégio, o telefonista está orientado a buscar num mapa o local. O que não teria ocorrido, no caso de Link.

Outros problemas

A auditoria de 2009 constatou que a Central de Regulação funcionou, em algumas ocasiões, somente com dois médicos reguladores nos turnos do dia. E com apenas um médico regulador das 7h às 9h, quando deveriam ser três reguladores durante o dia. O regulador é o médico que decide a gravidade da situação, em cada chamado recebido.

As comunicações das equipes com a mesa reguladora e com o operador de rádio estavam inaudíveis em praticamente 100% dos casos verificados.

Contraponto

O que diz o secretário municipal da Saúde de Porto Alegre, Marcelo Bósio: "Ocorriam, anos atrás, atrasos de médicos na troca de plantão. Agora temos ponto eletrônico, que resulta em controle rígido de horário. Todas as UTIs têm saído com médico. Fizemos contratos para melhoria de ambulâncias e estabelecemos controle de qualidade nas gravações dos telefonemas. Atrasos viram sindicância, além de caso de estudo e qualificação de equipe. Atrasos ainda acontecem, mas são pontuais. Importante ressaltar que os médicos descartam, em alguns casos, envio de ambulância, quando a situação não configura urgência, embora possa aparentar isso, para um leigo".

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

FAMÍLIA QUER JUSTIÇA

ZERO HORA 26 de setembro de 2012 | N° 17204

CONFUSÃO NO SOCORRO

Família de estudante morta em 2011 cogita processar município


Os tribunais podem ser o caminho escolhido pela família da jovem Gabriela Franciscatto para exigir justiça no caso da morte dela, ocorrida em 12 de outubro de 2011. Os familiares dizem que a prefeitura de Porto Alegre foi omissa no atendimento prestado pelo Samu à garota.

Bonita, estudiosa, inteligente. Atributos que faziam de Gabriela, 22 anos, uma das mais prestigiadas alunas do curso de Enfermagem do Centro Universitário Metodista (IPA), em Porto Alegre. E que deixam até hoje a família inconsolável com sua morte precoce.

Gabriela morava sozinha num apartamento da Cidade Baixa e sentiu-se mal. Por volta das 11h do dia 10 de outubro, ligou quatro vezes em sequência para a colega Lorena da Silva, pedindo ajuda. Estava com dor de cabeça e não sentia um lado do corpo. Apavorada, Lorena ligou para o Samu, relatando o mal-estar da amiga. O atendente disse que nada poderia ser feito, porque o chamado deveria partir da própria vítima ou de alguém que estivesse ao lado dela – e Lorena não estava na Capital.

Nervosa, Lorena ligou para Gabriela e pediu à garota que arranjasse ajuda de um vizinho. Gabriela acabou levada por amigos ao Hospital de Pronto Socorro, por volta das 15h. Tarde demais. Ela tinha sofrido um Acidente Vascular Cerebral, que provocou sua morte. Como era do seu desejo, os pais da jovem autorizaram a doação de seus órgãos. Gabriela foi sepultada na sua cidade natal, Frederico Westphalen. Após a morte, colegas de curso realizaram um protesto em frente ao HPS, denunciando a deficiência do serviço.

Marcos, tio de Gabriela e o homem que criou a garota, diz que a mãe da jovem, Maricéria, está deprimida, assim como o irmão mais novo, Bernardo Henrique. Por tudo isso, Marcos acredita que a família vai processar a prefeitura da Capital:

– O Samu usa dinheiro público e deve ser eficiente. Que identifiquem os trotes, mas que jamais deixem, por burocracia, de atender alguém.

Rosane Ciconet, coordenadora do Samu, diz que a morte de Gabriela levou a uma mudança: em caso de dúvida ou se a ligação demonstra urgência, mesmo que não haja alguém ao lado do paciente, a orientação é ligar de volta e conferir.


O SAMU EM NÚMEROS
A cada dia o serviço da Capital recebe cerca de 1,5 mil ligações.
Dessas, cerca de 200 se configuram pedidos de socorro. As demais se dividem em pedidos de informação, enganos ou trotes.
Dos 200 pedidos diários de urgência, cerca de 60% resultam em encaminha- mento de ambulância. Os demais são atendidos por telefone, com orientação de médicos ou enfermeiros.
Com exceção dos telefonistas, todos os funcionários do Samu são do quadro de carreira da prefeitura. O Samu tem 15 ambulâncias, três delas UTIs móveis. O número respeita proporção recomendada pelo Ministério da Saúde, em relação ao número de habitantes de Porto Alegre.
O Samu é prejudicado por mais de 30% de trotes nas chamadas. Isso leva os operadores de telefonia a desconfiarem dos chamados e a solicitarem vários dados para confirmação.

O "NÃO" QUE QUASE MATOU O MÉDICO

ZERO HORA 26 de setembro de 2012 | N° 17204

CONFUSÃO NO SOCORRO. Ao chamar o Samu para acudir o pai, com grave hemorragia, adolescente não foi atendida por desconhecer endereço completo

HUMBERTO TREZZI E RONALDO BERNARDI

A quase morte do médico porto-alegrense Carlos Alberto Link ocorreu, dias atrás, em decorrência de uma confusão no socorro que deveria ter sido prestado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). Com intensa hemorragia, à beira do desmaio, o médico não conseguia se expressar e pediu à filha que pedisse ajuda via telefone. Mas o atendente do Samu não entendeu onde ficava o local e a ambulância acabou não sendo enviada. Link só sobreviveu porque conseguiu dirigir até o Hospital Moinhos de Vento, onde o sangramento foi estancado, após perda de mais de dois litros de sangue.

O incidente aconteceu em 6 de setembro. Link, 49 anos, buscava de carro a filha Rafaela, 14 anos, no Colégio Rosário, situado na área central de Porto Alegre. Na fila de automóveis que se formava próximo à escola, ele começou a se sentir mal e a vomitar sangue. Pediu à filha que ligasse para o Samu. Desesperada, a garota discou 192 e informou da urgência:

– Me ajuda, meu pai tá sangrando, acho que vai morrer.

O atendente perguntou onde ela estava e ela disse: em frente ao Colégio Rosário. O telefonista do Samu perguntou qual o endereço. Atrapalhada, a garota não sabia dizer o nome da rua (era a Praça Dom Sebastião). O atendente disse que não sabia onde era. Aí caiu a ligação.

A ambulância nunca chegou. Rafaela então orientou o pai a ir pela contramão, Avenida Independência acima, desviando de ônibus até chegarem ao Hospital Moinhos de Vento. Link vomitava sangue e estava quase desfalecendo quando foi retirado do carro por atendentes. Exames constataram rompimento de uma artéria intestinal. A pressão estava em 6/4, os batimentos cardíacos em 40 por minuto.

– Mais um pouco e eu não estaria aqui agora para contar a história – relatou ele, quarta-feira passada.

Médico ginecologista, Link acha que o atendente do Samu errou. Deveria ter tentado identificar o local da chamada, perguntando para algum colega, se fosse o caso. Falhas no Samu, aliás, foram confirmadas por uma auditoria três anos atrás. Queixas de atraso são frequentes.

A atual coordenadora-geral do Samu, Rosane Ciconet, concorda que o atendente deveria ter tentado identificar o Colégio Rosário, local que o telefonista realmente desconhecia. Ela explica que pedir o endereço é regra, nos atendimentos, e não sinal de má vontade:

– É que, muitas vezes, mencionar apenas um ponto de referência, como um colégio, não é suficiente. Atuamos com uma Central Metropolitana e existem locais homônimos.

Trotes somam quase 30% das ligações ao serviço

Outro problema é o excesso de trotes. Quase 30% das ligações são informações falsas. Rosane assegura, porém, que não foi por temor de trote que Link não foi atendido. A coordenadora do Samu ressalta que todos os casos de demora ou atendimento questionado são estudados, para aprimorar o serviço. É o que ocorreu após a morte de uma estudante de Enfermagem, em 2011.

– Temos treinado os atendentes a identificar, além dos locais, sinais de que a pessoa está mesmo falando a verdade e sendo precisa na sua descrição. É importante, para não deslocar a ambulância em vão – observa Rosane.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

SERVIÇOS DE SAÚDE NO PAÍS SÃO PRECÁRIOS


CORREIO DO POVO, 25/09/2012

EDITORIAL

O corte de verbas na saúde, a exemplo do que ocorreu no orçamento de 2012, quando foram retirados R$ 5,4 bilhões previstos, contribui decisivamente para a baixa qualidade de vida dos brasileiros, aponta o Conselho Federal de Medicina. Para o órgão, isso explica por que o Brasil, mesmo estando entre as dez maiores economias do mundo, ocupa a 84 posição entre os 187 países classificados pelo ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Essa posição, segundo o primeiro-vice-presidente do CFM, Carlos Vital, não condiz com a força econômica do país.

A nota do Conselho tem como base levantamentos de vários organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses estudos indicam baixa destinação de verbas para atividades de cuidados, prevenção e promoção da saúde. A situação é tão grave que o país figura em último lugar entre as nações que adotaram o modelo público de acesso universal à saúde.

Um dos problemas constatados está na má distribuição dos profissionais da saúde, com destaque para os médicos. O dirigente do CFM ressalta que os 373 mil médicos em atividade no Brasil seriam suficientes para atender a toda a população caso houvesse uma política de incentivo a uma melhor distribuição, com ênfase na fixação em municípios menores, com prioridade para o Nordeste e região amazônica. Isso poderia ajudar a enfrentar problemas crônicos, que levam a uma menor expectativa de vida e a altas taxas de mortalidade neonatal. Falta aos governantes, segundo ele, uma visão mais estruturante da saúde, com melhor gestão.

Já faz tempo que a saúde brasileira não dá conta da demanda, como se viu no caso recente das mortes por gripe A, que no Rio Grande do Sul se contaram às dezenas. Filas, falta de profissionais, equipamentos defasados, hospitais e postos sucateados são alguns dos problemas que se encontram sem solução. Carrear mais recursos para o setor não parece ser a prioridade do Ministério da Saúde, o que indica que a população vai continuar recebendo um atendimento precário e ultrajante.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O título do Editorial do Correio do Povo avaliza o nome e os objetivos de luta do nosso blog .

domingo, 23 de setembro de 2012

PARAFUSOS A MENOS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

 

CASA DOS ESCÂNDALOS


Uma auditoria do Denasus realizada em 2008 examinou 49 cirurgias de artrodese de coluna realizadas no hospital Associação de Caridade Santa Casa de Rio Grande, no sul do Estado. É um tipo de operação que fixa vértebras vizinhas com uma ponte de osso, mantendo-as alinhadas, estáveis e fortes. É técnica usada em casos de hérnia ou traumas dos pacientes, entre outros problemas.

A investigação apontou que, em 14 cirurgias, foi verificada ausência de componentes metálicos que fixam os ossos, como o sistema de fixação transversal ou de parafusos e ganchos associáveis às hastes. A constatação foi feita com base nos exames de raios X, apresentados com os prontuários médicos. É como se a cirurgia não tivesse sido feita, embora tenha sido cobrada do SUS.

Curiosamente, a mesma auditoria apontou irregularidade no sentido contrário: implantação de hastes e parafusos que não foram cobrados, em nota fiscal, do SUS. Ou seja, a cirurgia foi feita, mas acabou não sendo cobrada do governo.

O hospital garante que houve “desatenção no registro do procedimento”. A auditoria recomendou que a Santa Casa de Rio Grande ressarcisse o SUS em R$ 22,1 mil. O valor acabou sendo devolvido pelo hospital.
CONTRAPONTO
O que diz o diretor-administrativo da Associação de Caridade Santa Casa de Rio Grande, Rodolfo Gehlen de Britto:
“Num universo de 300 internações checadas pelo Ministério da Saúde, aprofundaram investigação em 48. E acabaram achando supostas irregularidades em apenas 14 cirurgias. É um número insignificante, convenhamos. Cobraram R$ 22 mil de ressarcimento. Ora, temos internações que custam R$ 14 mil... Não é muito dinheiro. Apoiamos auditorias, elas nos fortalecem. No caso específico, deve ter ocorrido desatenção no registro de implante de parafusos na coluna dos pacientes. As equipes cirúrgicas envolvem muita gente e muito tempo. É preciso ressaltar que, em alguns casos, ocorreu o contrário: colocamos o parafuso e não cobramos do SUS, talvez por desatenção, também. Optamos por devolver os R$ 22 mil cobrados. Foram erros, não fraudes.”

LENTES TROCADAS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

CASA DOS ESCÂNDALOS

Lentes trocadas geraram descredenciamento

Desde 29 de novembro de 2010, o Hospital Petrópolis, referência em cirurgias oftalmológicas no Rio Grande do Sul, não atende mais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foram dois os motivos que pesaram para o descredenciamento. Primeiro, uma inspeção do serviço de vigilância sanitária, que apontou irregularidades como seringas sem identificação, medicamentos vencidos, falhas na central de esterilização e ausência de kits de higienização das mãos.

Parte das irregularidades já havia sido constatada em uma vistoria realizada em 2009. O hospital sanou a maior parte dos problemas, mas outro fator contribuiu, meses depois, para descredenciar o estabelecimento: auditorias realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Ministério da Saúde.

Foram examinados os documentos de 1,1 mil cirurgias de catarata realizadas pelo hospital. Além de prontuários médicos incompletos, a auditoria do Ministério da Saúde constatou cobrança de facoemulsificação nas cataratas, sem que fosse encontrado registro de uso do aparelho facoemulsificador em 20% dos casos. A facoemulsificação é a remoção da catarata por meio de ultrassom.

O hospital assegura que fez as cirurgias e que algum erro ocorreu no preenchimento dos documentos referentes ao uso do aparelho. Mas aí surgiu outra auditoria, da Secretaria Municipal de Saúde.

– O Hospital Petrópolis cobrou do SUS por várias cirurgias pela colocação de lentes intra-oculares dobráveis (flexíveis), quando na verdade usava lentes rígidas, que custam metade do preço – diz o secretário da Saúde municipal, Marcelo Bósio.

Ele assegura que a informação está embasada em depoimentos dos fornecedores das lentes e nos prontuários das cirurgias.

O resultado foi a interdição para procedimentos do SUS. Os pacientes com cirurgias agendadas foram remanejados para outros hospitais. O Petrópolis ainda continuou fazendo atendimentos de emergência, que teriam resultado em despesa de mais de R$ 700 mil. Esses pagamentos foram protelados pelo SUS e agora são cobrados pelo hospital.
CONTRAPONTO
O que diz o oftalmologista Carlos Del Arroyo, diretor-geral do Hospital Petrópolis:
“Na auditoria do Ministério da Saúde investigaram por três meses os procedimentos do hospital, de forma profissional. O resultado aponta discordância no preenchimento das Notas de Sala Cirúrgicas – talvez os médicos tenham preenchido genericamente a expressão ‘cirurgia de catarata’, sem anotar o uso do aparelho facoemulsificador. Mas não há dúvida que as cirurgias foram feitas. Eles nos cobram R$ 44,1 mil, mas estamos recorrendo contra esse valor. Com relação à suposta auditoria da Secretaria Municipal de Saúde, não tivemos acesso aos resultados. Eles levaram os prontuários médicos, sem permissão. Eram sigilosos. Prestamos queixa disso junto ao Cremers. Até hoje não nos devolveram os prontuários. Com relação ao uso de lentes rígidas, em alguns casos elas foram usadas, sim, porque as gelatinosas eram de difícil inserção no paciente. Mas não colocamos lentes indevidas. A Secretaria Municipal de Saúde é que nos deve, R$ 714 mil, por atendimentos de urgência que continuamos a realizar após eles suspenderem nossas cirurgias eletivas. Nunca nos pagaram.”

CASA DOS ESCÂNDALOS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201


“A maior parte devolve o recurso antes da cobrança judicial”

 

Adalberto Fulgêncio - diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus)

Funcionário de carreira do Ministério da Saúde, Adalberto Fulgêncio é formado em Direito e mestre em Gestão Pública. Até por essas qualificações, foi alçado à direção do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus). É o local que tem a missão de evitar que as verbas da saúde escorram pelo ralo sem fundo das fraudes e da incompetência – que, muitas vezes, estão associadas. Confira trechos da entrevista na qual ele detalha o bilionário universo com que trabalha.

Zero Hora – São mais de mil auditorias feitas pelo Ministério da Saúde, a cada ano. Isso é suficiente? Quantos auditores há para fazer tudo isso?

Adalberto Fulgêncio –
O quadro do Denasus é de 748 funcionários. Se imaginarmos o universo com que o SUS trabalha, não é muito grande (o SUS repassa recursos para 86 mil estabelecimentos e centenas de milhares de profissionais). Trabalhamos com um cronograma de inspeções programadas e com denúncias que chegam da população. Auditamos os serviços que consomem mais recursos e que, por isso, são prioridade. Oncologia, por exemplo. Procedimentos de média e alta complexidade são mais vistoriados, pelo mesmo motivo. O Ministério da Saúde tem orçamento de cerca de R$ 80 bilhões. Isso indica que entre 10% e 30% dos recursos são auditados, em média, a cada ano. Há também o trabalho de auditoria dos 27 Estados e de alguns dos maiores dentre os 5.564 municípios brasileiros. Mas temos nosso próprio cronograma de ação, que não é pequeno.

ZH – Em três anos, o Ministério da Saúde pediu a devolução de R$ 753 milhões por parte de prestadores de serviço. A maioria vai para a Justiça ou opta por devolver os valores antes da fase judicial?

Fulgêncio –
Primeiro, a análise... É uma quantia razoável. A maior parte opta por devolver antes que o assunto vire caso de Justiça. A gente pede ressarcimento e, até para continuar sendo nosso cliente, o sujeito opta por devolver o que foi questionado. Mas isso não significa que o assunto pare aí. Se houver suspeita de dolo, de crime, encaminhamos ao Ministério Público e a Justiça, depois, aprecia o caso. Muitas vezes descredenciamos o prestador de serviço antes de qualquer fase judicial. Existe de tudo nesses pedidos de ressarcimento: valores cobrados de forma errada por equívoco na execução orçamentária e, claro, fraudes.

ZH – Qual dos procedimentos do Denasus é o mais eficaz para evitar irregularidades e fraudes?

Fulgêncio –
Um instrumento complementa o outro. Temos diversos instrumentos de monitoramento, como o Portal da Transparência, a Carta SUS, telefonemas. Antes da auditoria fazemos monitoramento constante, via controle da verba destinada e análise dos cadastros e procedimentos. A Carta SUS, lançada este ano, é extraordinária, porque o paciente informa tudo que foi cobrado e se tem queixas. Mas os instrumentos se intercambiam. O importante é que o prestador tenha noção de que irregularidades são detectadas. Cada vez mais.

DUPLO PAGAMENTO POR CIRURGIA



ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

SAÚDE

Ex-sem terra, assentada na Fazenda Annoni, a agricultora Nersa Batista, 44 anos, sofria frequentes hemorragias no útero. Procurou atendimento médico em Pontão, cidade onde fica o assentamento, 350 quilômetros ao norte de Porto Alegre. Após um ultrassom, o médico recomendou que ela fizesse uma histerectomia (cirurgia de remoção do útero e ovários). Na Secretaria Municipal de Saúde de Pontão ela foi atendida por um dos funcionários, que também é diretor no Hospital dos Trabalhadores de Ronda Alta, onde seria realizada a cirurgia.

– Ele me disse que o cirurgião de Ronda Alta não atendia pelo SUS, mas que eu poderia fazer assim mesmo a operação, desde que pagasse R$ 250, evitando a fila. Do contrário, teria de esperar de dois a três anos por uma cirurgia em Passo Fundo. Aceitei pagar, fui muito bem atendida pelo médico – descreve Nersa.

Houve apenas um desencontro de valores. Após conversa com o médico, a Secretaria Municipal de Saúde teria subido o preço da cirurgia para R$ 850. Depois de renegociar, Nersa conseguiu um abatimento e topou fazer a operação por R$ 350, em três parcelas. Fez a cirurgia em 1º de setembro de 2011.

A surpresa veio em fevereiro, quando Nersa recebeu, no seu sítio da Fazenda Annoni, uma correspondência do Ministério da Saúde. Era a Carta SUS, enviada pelas autoridades para todas as pessoas que se submetem a internações pelo Sistema Único de Saúde. Nela constava a informação: “valor pago pelo SUS no seu atendimento: R$ 722,03”.

– Quase caí para trás. Nunca me disseram que a cirurgia era custeada pelo SUS. Me senti humilhada e lesada.

Nersa prestou queixa ao Ministério Público Estadual, em Passo Fundo. O promotor Paulo Cirne abriu uma investigação e constatou que a cobrança de valores por cirurgias realizadas e já pagas pelo SUS era prática corriqueira em 14 municípios. As prefeituras dessas cidades formaram um consórcio com objetivo de, supostamente, complementar os valores do SUS, considerados baixos por médicos e hospitais:

– Uma irregularidade disseminada. As investigações indicam que os valores foram mesmo usados em atendimentos hospitalares. Mesmo assim, uma ilegalidade flagrante, já que o SUS já tinha pago pelo serviço. Os administradores podem ter cometido improbidade ou até crime.

O caso está sendo investigado em várias frentes, inclusive em auditoria do Ministério da Saúde. Uma auditoria feita pela secretaria estadual de Saúde considerou que “houve duplicidade de cobrança, irregular” e recomendou ressarcimento dos valores por parte da prefeitura de Pontão.

Uma comissão da Câmara de Vereadores de Pontão constatou que a prefeitura local arrecadou, entre 2009 e 2012, R$ 50,8 mil para pagar serviços hospitalares. Mesmo sem comprovação documental dos nomes para quem foram destinados os valores, a prefeitura, em diversos depoimentos, assegurou que o dinheiro foi repassado a prestadores de serviços de saúde contratados.

CONTRAPONTO

O que disse a prefeitura de Pontão, em sindicância feita pelo próprio município: “O Conselho Municipal de Saúde aprovou a contratação de consultas e exames especializados, que não fazem parte da atenção básica do SUS. Foi decidido que parte desses serviços seria custeada pelo município e, parte, pelos usuários do serviço, quando estes tivessem condições de fazê-lo. Era uma espécie de convênio com os prestadores de serviço médico. A partir de setembro de 2009, o sistema passou a vigorar também para internações hospitalares de cirurgias eletivas. Os valores recolhidos pelos usuários junto aos cofres municipais foram integralmente passados aos prestadores de serviço (médicos e hospital). As pessoas não eram coagidas ou obrigadas a fazê-lo.”

Severino Balbinotti, da direção do Hospital dos Trabalhadores de Ronda Alta (Atra) e também servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Pontão, diz que apenas informou o valor estabelecido pelo consórcio em vigor para a cirurgia de Nersa Batista. E que o valor foi repassado integralmente ao médico.

COMO DENUNCIAR

O diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Adalberto Fulgêncio, explica o procedimento que deve ser tomado caso o usuário do SUS sofra algum tipo de cobrança pelo serviço prestado:

– É ilegal. Todo usuário que tenha procurado o SUS e que por ventura sofra alguma cobrança deve procurar a Ouvidoria do SUS, pelo telefone 136, o Conselho de Saúde municipal de sua cidade ou o Ministério Público.

R$ 753 MILHÕES PELO RALO


ZERO HORA 3 de setembro de 2012 | N° 17201

SAÚDE. Auditorias no SUS detectam perdas milionárias em fraudes e procedimentos equivocados nos últimos três anos


HUMBERTO TREZZI


Qual o custo de fraudes e erros na área de saúde, que acabam estourando no bolso de todos os brasileiros? Foram pelo menos R$ 753.728.076,16 nos últimos três anos. Quase R$ 688 mil por dia, gastos de forma duvidosa.

É dinheiro consumido por prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), que o governo federal exige de volta – por equívocos no procedimento utilizado ou por falcatruas detectadas. O valor é a parte visível, já que só entre 10% e 30% dos procedimentos passam por auditorias.

Zero Hora chegou ao tamanho do rombo após encaminhar, em junho, ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde um pedido de acesso a auditorias dos últimos cinco anos feitas no SUS. Tomou como base a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 16 de maio, e que tem o objetivo de garantir aos cidadãos acesso aos dados oficiais do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que não estejam classificadas como sigilosos.

A Secretaria Estadual de Saúde considerou o pedido muito abrangente – o volume médio de Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs), só no Rio Grande do Sul, é de 35 mil por mês – e informou ser, “num primeiro momento”, impossível atender ao pedido. Já o Ministério da Saúde deu acesso às auditorias solicitadas, a maioria já disponível em site.

O resultado é um mar de documentos. Afinal, apenas nos últimos três anos foram realizadas 4.070 auditorias pelo ministério. A perspectiva é que sejam quase 15 mil em uma década. Os R$ 753 milhões de erros, fraudes e perdas detectados até que não somam muito no universo de R$ 49 bilhões de verbas auditadas pelo Departamento Nacional de Auditorias do SUS (Denasus). Significa que foram encontradas irregularidades em 1,7% do total investigado.

Mesmo assim, os R$ 753 milhões seriam suficientes para comprar mais de 5 mil UTIs móveis (ambulâncias sofisticadas) – serviriam para adquirir cinco desses veículos por dia. Ou para erguer três grandes shopping centers.

Maioria opta por ressarcir valores

E quais os erros e fraudes mais comuns, constatados pelos auditores do SUS?

Há de tudo um pouco, no universo das cobranças sob suspeita. ZH checou por amostragem o resultado de auditorias realizadas no Rio Grande do Sul. Uma das constatações frequentes é cobrança por técnicas ou materiais que, na verdade, não foram utilizados pelo prestador de serviço. Um exemplo é exigência de pagamento por um procedimento cirúrgico quando, na verdade, a operação foi outra, de custo menor.

Outro episódio corriqueiro é o de estabelecimentos ou profissionais conveniados que cobram dos pacientes, em dinheiro, por cirurgias que deveriam ser inteiramente custeadas pelo SUS.

Nem todos os estabelecimentos e profissionais auditados aceitam o resultado da auditoria. O cálculo de R$ 753 milhões gastos indevidamente é do governo federal e, muitas vezes, os conveniados do SUS não concordam com os equívocos apontados na investigação oficial. Mas o surpreendente é que a maioria, após prestar as primeiras explicações, opta por ressarcir o Ministério da Saúde.

– A gente pede ressarcimento e, até para continuar recebendo nossas verbas, o sujeito decide devolver o que foi questionado. Importante ressaltar que devolver não significa que ele continuará credenciado ao SUS, tudo depende se houve crime ou não – resume Adalberto Fulgêncio, diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus).

Isso quer dizer que a maior parte das auditorias não é contestada judicialmente pelos autores dos erros ou fraudes. Sinal de que nem eles mesmos acreditam que venceriam uma batalha jurídica.

domingo, 16 de setembro de 2012

A SAÚDE PEDE SOCORRO

CORREIO DO POVO, 16/09/2012


Taline Oppitz


Apontada pela população como a prioridade entre as prioridades nas eleições a cada dois anos, a saúde no país, infelizmente, tem acumulado sucessivas manchetes negativas. 

Os dados mais recentes foram divulgados sexta-feira pelo Conselho Federal de Medicina, que realizou levantamento com base em dados oficiais do Ministério da Saúde.  De acordo com as informações, 42 mil leitos do SUS foram desativados nos últimos sete anos, o que dá uma média de 6 mil leitos extintos por ano em diversas regiões do país. 

Os setores mais afetados são psiquiatria, pediatria, obstetrícia, cirurgia-geral e clínica-geral. O Ministério da Saúde questionou a logística de avaliação dos números, mas, diariamente, quem depende do sistema sente na pele as deficiências dos serviços. 

No Rio Grande do Sul, apesar do esforço do governo e da previsão no orçamento para 2013, não há garantia de que o índice hoje aplicado na saúde, que está em cerca de 6% da receita, seja dobrado para garantir o cumprimento dos 12% que deveriam ser destinados à área segundo a Constituição. 

Paralelamente, os 239 hospitais filantrópicos e santas casas, responsáveis por cerca de 75% dos atendimentos do SUS no Estado, têm déficit anual de mais de R$ 300 milhões e acumulam dívidas que chegam a R$ 600 milhões.