quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O "NÃO" QUE QUASE MATOU O MÉDICO

ZERO HORA 26 de setembro de 2012 | N° 17204

CONFUSÃO NO SOCORRO. Ao chamar o Samu para acudir o pai, com grave hemorragia, adolescente não foi atendida por desconhecer endereço completo

HUMBERTO TREZZI E RONALDO BERNARDI

A quase morte do médico porto-alegrense Carlos Alberto Link ocorreu, dias atrás, em decorrência de uma confusão no socorro que deveria ter sido prestado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). Com intensa hemorragia, à beira do desmaio, o médico não conseguia se expressar e pediu à filha que pedisse ajuda via telefone. Mas o atendente do Samu não entendeu onde ficava o local e a ambulância acabou não sendo enviada. Link só sobreviveu porque conseguiu dirigir até o Hospital Moinhos de Vento, onde o sangramento foi estancado, após perda de mais de dois litros de sangue.

O incidente aconteceu em 6 de setembro. Link, 49 anos, buscava de carro a filha Rafaela, 14 anos, no Colégio Rosário, situado na área central de Porto Alegre. Na fila de automóveis que se formava próximo à escola, ele começou a se sentir mal e a vomitar sangue. Pediu à filha que ligasse para o Samu. Desesperada, a garota discou 192 e informou da urgência:

– Me ajuda, meu pai tá sangrando, acho que vai morrer.

O atendente perguntou onde ela estava e ela disse: em frente ao Colégio Rosário. O telefonista do Samu perguntou qual o endereço. Atrapalhada, a garota não sabia dizer o nome da rua (era a Praça Dom Sebastião). O atendente disse que não sabia onde era. Aí caiu a ligação.

A ambulância nunca chegou. Rafaela então orientou o pai a ir pela contramão, Avenida Independência acima, desviando de ônibus até chegarem ao Hospital Moinhos de Vento. Link vomitava sangue e estava quase desfalecendo quando foi retirado do carro por atendentes. Exames constataram rompimento de uma artéria intestinal. A pressão estava em 6/4, os batimentos cardíacos em 40 por minuto.

– Mais um pouco e eu não estaria aqui agora para contar a história – relatou ele, quarta-feira passada.

Médico ginecologista, Link acha que o atendente do Samu errou. Deveria ter tentado identificar o local da chamada, perguntando para algum colega, se fosse o caso. Falhas no Samu, aliás, foram confirmadas por uma auditoria três anos atrás. Queixas de atraso são frequentes.

A atual coordenadora-geral do Samu, Rosane Ciconet, concorda que o atendente deveria ter tentado identificar o Colégio Rosário, local que o telefonista realmente desconhecia. Ela explica que pedir o endereço é regra, nos atendimentos, e não sinal de má vontade:

– É que, muitas vezes, mencionar apenas um ponto de referência, como um colégio, não é suficiente. Atuamos com uma Central Metropolitana e existem locais homônimos.

Trotes somam quase 30% das ligações ao serviço

Outro problema é o excesso de trotes. Quase 30% das ligações são informações falsas. Rosane assegura, porém, que não foi por temor de trote que Link não foi atendido. A coordenadora do Samu ressalta que todos os casos de demora ou atendimento questionado são estudados, para aprimorar o serviço. É o que ocorreu após a morte de uma estudante de Enfermagem, em 2011.

– Temos treinado os atendentes a identificar, além dos locais, sinais de que a pessoa está mesmo falando a verdade e sendo precisa na sua descrição. É importante, para não deslocar a ambulância em vão – observa Rosane.


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