quarta-feira, 29 de maio de 2013

QUANTO QUEREMOS INVESTIR EM SAÚDE?

ZERO HORA 29 de maio de 2013 | N° 17447

ARTIGOS

Stephen Stefani*



Tive a oportunidade de coordenar uma mesa de debates sobre incorporação de tecnologias em saúde no Brasil, durante o congresso da Sociedade Internacional de Farmacoeconomia e Estudos de Desfechos (Ispor), realizado em Nova Orleans, nos Estados Unidos. Plateia cheia e interessada. Há pouco mais de meia década, sequer se sabia o significado do Brasil. Atualmente, o país é pautado em todo debate que descreve sistemas de saúde. Afinal, somos quase 200 milhões de habitantes que, teoricamente, têm acesso universal a atendimento médico. Temos, ainda, aproximadamente 45 milhões que também têm plano privado um mercado que brilha nos olhos de investidores de novas tecnologias.

A pergunta-chave é: quanto estamos dispostos a gastar com saúde? O debate sobre a metodologia de análise científica utilizada pelo Ministério da Saúde é sempre muito rico e qualificado. Mais recentemente com a criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) está comprometida com mais agilidade no processo. Alguns modelos citados são motivo de orgulho, como o de vacinação e atendimento ao paciente com HIV. Essas medidas, entretanto, são paliativos gerenciais em um modelo doente. Os méritos não podem obnubilar a percepção de sérios problemas de subfinanciamento e infraestrutura.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou dados que nos obrigam a uma reflexão e planejamento de estratégias mais enérgicas. Mesmo que tenhamos aumentado nosso gasto com saúde de US$ 107 per capita para US$ 466 na última década, ainda estamos longe dos US$ 549 da média mundial. Não seria tão assustador se não houvesse, ainda, problema de distribuição nessa estatística. Os gastos com os 20% da população que tem planos de saúde contabilizam metade do que se gasta em saúde no país. Na América Latina, estamos atrás de Argentina, US$ 869, e Chile, US$ 607. A diferença com os países ricos é ululante: o gasto per capita nos EUA é US$ 3,7 mil, Holanda US$ 4,8 mil e Noruega US$ 6,8 mil.

Chama atenção, também, a estatística sobre número de médicos. Temos 17,6 médicos para cada 10 mil habitantes, acima da média mundial, que é 14. O problema, portanto, não é numérico, mas de distribuição e infraestrutura. Somente aumentar o número de médicos, independentemente de qualificação, não soluciona os problemas.

Precisamos, então, ampliar o debate sobre orçamento da saúde, endereçar esforços para avaliações críticas de incorporações – e desincorporações de tecnologias inadequadas – e planejar modernização, qualificação e adequação de nossa planta assistencial. Sem contar, é claro, em rigorosa monitoração dos recursos para evitar desvios criminosos. Medidas paliativas que temos adotado são muito caras para um país que tem pouco dinheiro. É o popular “barato” que sai caro.

*MÉDICO ONCOLOGISTA

sábado, 25 de maio de 2013

VOCÊ SABE O QUE COME?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2271 | 25.Mai.13 - 15:08

Leite adulterado, carne sem origem, suco estragado: o crescimento de problemas de saúde relacionados à ingestão de alimentos contaminados coloca em xeque a eficiência da fiscalização e mina a credibilidade da indústria de alimentos

Laura Daudén




Ainda surgiam notícias sobre o andamento da Operação Leite Compensado, que identificou no Rio Grande do Sul um esquema de adulteração de leite cru com ureia, quando uma nova denúncia desabou sobre o setor. Em Goiás, foi descoberta uma quadrilha que furtava cooperativas e adicionava uma mistura de água, sal e açúcar ao leite – que era vendido, na última etapa do esquema, a laticínios ilegais. No caso gaúcho, 12 pessoas foram indiciadas pelo Ministério Público, mais de 300 mil litros de leite foram apreendidos e três marcas (Italaq, Líder e Mumu) tiveram de tirar seus produtos do mercado por conterem formaldeído, uma substância cancerígena presente na ureia. Em Goiás, sete pessoas foram presas. Os crimes são distantes e diferentes em tamanho e método, mas expõem uma realidade única em todo o Brasil: as brechas do sistema de fiscalização de alimentos. “As pessoas estão desacreditadas não só com a cadeia do leite, mas também com o setor de alimentos do País. Passamos por uma crise de credibilidade”, afirma Paulo Fernando Machado, coordenador da Clínica do Leite da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP). “Se eu fosse um tomador de leite na França e visse uma notícia como essa, não beberia mais leite do Brasil.” Esse, e outros casos que surgiram nas últimas semanas, mostrando os perigos a que os consumidores brasileiros estão expostos quando se sentam à mesa, remetem à pergunta: afinal, os alimentos consumidos no País são seguros?



Na família da fotógrafa mineira Adriana Gonçalves, 42 anos, a pergunta ainda deixa um gosto amargo. No início de maio, eles compraram um suco da marca Del Valle sabor goiaba e o consumiram no dia seguinte, dentro do prazo de validade. Foram salvos de uma experiência mais traumática pelo hábito de nunca tomar nada direto da embalagem. “Quando meu marido serviu a bebida para os meus filhos, saiu uma coisa branca. Se as crianças estivessem sozinhas, com certeza teriam ingerido.” Adriana coou o conteúdo da caixa e entrou imediatamente em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor da Coca-Cola Brasil, dona da Leão Alimentos, que produziu o lote do suco. “Os problemas acontecem, mas a empresa tem a obrigação de informar o consumidor sobre os riscos e assumir a responsabilidade pelas falhas”, diz Adriana. Por meio de nota, a fabricante informou que o caso é “pontual e isolado” e aparenta ser fruto da “formação de bolor causada por perda de vedação da embalagem, provavelmente por impacto durante o transporte ou armazenamento”. Em sua busca de mais respostas e, sobretudo, de uma mudança de conduta por parte da marca, Adriana postou uma foto do suco contaminado no Facebook. Até o fechamento desta edição, a denúncia já havia sido compartilhada mais de 300 mil vezes.



“A distribuição global de alimentos e a complexidade da cadeia produtiva propiciaram um aumento na ocorrência de eventos e emergências relacionados à inocuidade de alimentos”, afirmou à ISTOÉ, em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A participação dos consumidores por meio de denúncias e reclamações também vem crescendo.” O problema apontado pela agência se verifica em diversas cadeias produtivas. No caso dos produtos de origem animal, por exemplo, há uma evidente falta de pessoal para dar conta do trabalho de fiscalização. Segundo Wilson Roberto de Sá, presidente do Sindicato dos Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA), são apenas 3.307 profissionais para todo o País. “O sistema está fragilizado e, sem dúvida, estamos correndo riscos porque o produto que chega à mesa pode não ter passado pelos processos de fiscalização”, afirma. Outras organizações vão além e denunciam a falibilidade da estrutura de inspeção. “No caso do alimento, a pior coisa que pode acontecer é segmentar, porque ninguém carrega responsabilidade de nada”, diz Roberto Smeraldi, presidente da ONG Amigos da Terra, que vem denunciando falhas graves na cadeia produtiva da carne. “O que você tem de fazer é exatamente o contrário: rastrear e unificar o receituário em todas as fases da cadeia, de maneira que aquele boi tenha nome, sobrenome e apelido.” Smeraldi dirige sua crítica à divisão das inspeções de produtos de origem animal entre as esferas federal, estadual e municipal, o que permite que um produto recusado por estabelecimentos de uma rede seja aceito em outras por conta da diferença de critérios e, também, do rigor na fiscalização. “O Ministério da Agricultura nem sequer olha para um terço da carne que chega à mesa dos brasileiros”, diz. Segundo o relatório “Radiografia da Carne no Brasil”, publicado pela organização no início de 2013, 80% dos abatedouros que não estão sob controle do ministério apresentam irregularidades.



O sistema tripartido foi criado em 1989 pela Lei 7889, mas há um decreto de 2006 regulamentando a aplicação da legislação e instituindo o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa). O projeto, no entanto, apenas começa a ser implantado pelo Ministério da Agricultura – a quem compete a fiscalização de todos os produtos de origem animal e vegetal vendidos in natura, além das bebidas alcoólicas e não alcoólicas. No caso dos produtos de origem animal, essa central unificada foi chamada de Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi), mas apenas cinco Estados já fazem parte do programa. Outros 16 estão em processo de cadastramento.

A fragmentação também acontece na divisão de responsabilidades entre o Ministério da Agricultura e a Anvisa. Para Carlos Thadeu Oliveira, gerente técnico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), “não parece haver simbiose entre os órgãos de vigilância. A Anvisa e as vigilâncias sanitárias locais não conversam com a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério e menos ainda com os serviços estaduais de inspeção”. Essa falta de centralidade nos processos relacionados à segurança dos alimentos produz casos como o da autorização, por parte do Mapa, de um agrotóxico vetado por técnicos da agência em 2007 – a decisão foi reiterada pelo comitê de assessoramento técnico criado para avaliar a infestação de lagartas em lavouras de algodão e soja na Bahia, em março deste ano. O benzoato de emamectina é considerado tóxico para o sistema neurológico. Segundo a Anvisa, o uso de agrotóxicos não autorizados é responsável pela maior parte das irregularidades encontradas nos alimentos de origem vegetal consumidos no Brasil. De acordo com o último relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da agência, 30% dos produtos estão fora dos parâmetros.



Essa situação não afeta apenas os consumidores, mas também os produtores e a indústria, que se vê cada vez mais pressionada a aprimorar seus mecanismos de autocontrole – o que exige mais investimentos e compromissos do setor privado. “A indústria é quem coloca a marca no produto e, portanto, é responsável”, diz Paulo Fernando Machado. “Agora, para detectar essa fraude de adição de ureia no leite, como aconteceu no Rio Grande do Sul, ela precisaria ter capacidade de fazer uma análise específica. O procedimento é fácil e rápido, desde que você tenha o equipamento necessário, mas ele é caro.” Nilson Muniz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV), afirma que “a indústria aplica todas as análises previstas na legislação e é a maior interessada em receber a melhor matéria-prima”. Ele também ressalta que o teste para detectar o fomaldeído não fazia parte do conjunto de medidas obrigatórias, já que esse tipo de adulteração não era registrado há mais de 20 anos (a análise voltou a ser exigida em fevereiro de 2013, justamente por causa do crime).



Segundo Ênio Marques, da SDA, fazer com que as empresas assumam a tarefa de garantir a qualidade de seu próprio produto é uma tendência dentro do Ministério da Agricultura. Ari Crispin, coordenador de Programas Especiais do Mapa, afirma que isso não significa o afastamento do poder público. “Trata-se de um aprimoramento do sistema. Nós estabelecemos os limites e avaliamos o comprometimento do empresário com essas metas”, afirma. Outra figura que precisará entrar na receita do ministério é o produtor, que muitas vezes representa a ponta fraca do sistema. Carlos Thadeu de Oliveira, do Idec, ilustra a situação. “Por ocasião de um teste que fizemos com 25 marcas de queijo minas frescal, recebemos vários produtores pequenos. O que vimos é que eles não são orientados corretamente sobre como fazer o controle, são ameaçados, tratados como cachorros pelos fiscais”, diz. Das 25 amostras coletadas, cinco estavam contaminadas com coliformes fecais – todas faziam parte do Sistema de Inspeção Federal.



Esse emaranhado de agentes e responsabilidades já passa fatura ao setor exportador, cada vez mais cercado por barreiras sanitárias – ainda que a origem de muitas delas esteja ligada a interesses políticos e econômicos de parceiros comerciais do Brasil. Em 2011, o País recebeu 95 notificações do sistema de vigilância sanitária da União Europeia, o Rapid Alert System, o que o coloca na 12ª posição na lista de países mais notificados pelo bloco. Em 2009, foram 84 alertas e, em 2010, 110. Atualmente, nove países seguem com embargos à carne brasileira, por conta de um episódio de encefalopatia espongiforme bovina (doença conhecida como “Vaca Louca”), no Paraná.



Do ponto de vista da saúde, não faltam motivos para cultivar a prevenção. Entre 2008 e 2012, houve um aumento de 226% nos casos de intoxicações provocadas por alimentos (leia quadro), conforme dados do Ministério da Saúde. Nutricionista e técnica da associação de consumidores Proteste, Manuela Dias diz que “os problemas ocasionados por alimentos contaminados por bactérias podem variar de uma dor de barriga leve até a morte”. Ela também ressalta que o período de incubação da doença dura de horas até dias – o que dificulta a identificação do produto contaminado. “No Brasil, o problema é completamente subnotificado. Só acontece quando é um surto e acomete muitas pessoas.” Apenas um recall de produto alimentício foi feito no Brasil em 2012. Nos Estados Unidos, no mesmo período, foram 80.



Um dos afetados pelo problema foi o aposentado José Barbosa da Silva, 63 anos. Ele foi parar no hospital com uma infecção estomacal depois de consumir uma bebida de soja da marca AdeS em março deste ano, na mesma época em que a empresa anunciou a contaminação de um lote do produto por soda cáustica. “Ele tem o estômago sensível e, por isso, temos muito cuidado com tudo o que toma”, diz Luciano Barbosa da Silva, filho de José. “Naquela noite, ele comeu algo muito leve e isso fez com que a gente descartasse, em um primeiro momento, a possibilidade de intoxicação alimentar.” Justamente por isso, a família não guardou a caixa e o registro do lote do produto consumido pelo aposentado, o que dificultou a busca por reparação. “Nós chegamos a acionar dois advogados, mas nenhum quis levar o caso adiante, por se tratar de um embate com uma empresa muito grande.”



Judi Nóbrega, diretora do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Mapa, explica que é muito importante que a informação sobre esses casos chegue aos canais formais de denúncia – Vigilância Sanitária e Ministério da Agricultura –, com dados que permitam às autoridades identificar a empresa implicada e o lote do produto. “A partir daí, podemos fazer uma fiscalização para verificar a procedência da denúncia e as condições dos estabelecimentos. Além disso, a ouvidoria do ministério gera relatórios que possibilitam programar inspeções direcionadas.” Mesmo recorrendo aos canais disponíveis e recebendo as compensações devidas – como a troca do produto ou a devolução do dinheiro –, os consumidores se sentem cada vez mais distantes da produção do alimento e, assim, bastante vulneráveis. “Você fica traumatizado porque poderia ter acontecido o pior”, diz Luciano Silva. “A gente está falando de uma grande indústria, mas imagine as pequenas. O governo precisa nos proteger.”

Foto: Bernardo Salce / Agencia i7
Foto: Orestes Locatel
Foto: Felipe Rosa / AGP
*Fontes: Sinan, Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde
*Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura

LEITE ADULTERADO: UM VEREADOR ENTRE OS SUSPEITOS

ZERO HORA - 25 de maio de 2013 | N° 17443

Político de Horizontina preso como um dos supostos envolvidos na fraude criou associação que pagava mais aos produtores

CARLOS WAGNER | HORIZONTINA

O orgulho dos moradores de Horizontina por serem conterrâneos da top model Gisele Bündchen foi contrastado, nesta semana, pelo constrangimento de ter um de seus líderes políticos, o vereador Larri Lauri Jappe (PDT), 54 anos, envolvido no escândalo do leite adulterado no Estado. Jappe foi preso na operação Leite Compen$ado como suspeito de adicionar água e ureia com formol ao produto.

Homem de personalidade forte e político populista, Jappe ganhou fama por ser o mentor de projetos que aumentaram a renda dos agricultores, como a suinocultura e o leite. Nascido em Palmitos, oeste catarinense, chegou a Horizontina pela primeira vez no final da década de 1980 para trabalhar em um banco, mas não ficou por muito tempo.

No início dos anos 1990, voltou para Palmitos, onde foi eleito duas vezes vereador pelo extinto PDS (atual PP), mas se afastou antes de completar o último mandato. Foi então que voltou para Horizontina.

– O pai pediu para sair, em 1995, porque ganhou uma pequena herança aqui. E viemos administrar nossos bens – diz Michelle Cris Jappe, uma das filhas do vereador.

A herança foi um prédio de madeira em Cascata do Buricá, distrito de Horizontina, em uma esquina que virou uma movimentada bodega.

Em 2007, como secretário da Agricultura do município, Jappe gastou R$ 12,8 mil no conserto de um Fusca 1983 e R$ 8,4 mil em um Gol – os dois veículos estava sucateados e seriam leiloados pela prefeitura. O episódio ficou conhecido como Caso do Fusca e virou um inquérito no Ministério Público Estadual (MPE). Em março de 2012, a 2ª Promotoria de Justiça arquivou o caso por não ter encontrado má-fé na despesa. O Gol continua na ativa. O Fusca foi desativado no início deste ano.

Do episódio ficou a fama: Jappe passou a ser conhecido como Vereador do Fusca. A popularidade acrescentou 40% aos votos, calcula um de seus amigos. Tanto que está no seu quarto mandato. Todos afirmam, inclusive adversários, que é dono de rara inteligência, além de ser um orador de “mão cheia”. Embora tenha concluído apenas o Ensino Médio, Jappe é descrito como alguém capaz de falar sobre vários assuntos.

Promotor afirma que as provas do caso são sólidas

Esse é um dos lados do vereador. Há outro, descrito pelos fiscais do Ministério da Agricultura e do MPE. Ele teria usado seu poder econômico e político para convencer agricultores a lhe emprestar o bloco do produtor (a nota fiscal) para justificar a diferença entre a quantidade de leite recolhido e a entregue. Os promotores o descrevem como uma espécie de barão do leite adulterado. O advogado de Jappe, Kácio Leandro Gelain, contesta o envolvimento do cliente.

Entre os moradores da cidade, o suposto envolvimento do vereador na adulteração de leite é descrito como “barbaridade”. A discussão mais quente é entre os colegas de Câmara. Foi aberta até uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). Henrique José da Silva, da direção do PDT na cidade, definiu assim a situação:

– Ninguém terá ganho político com o episódio. Creio que todos os 18 mil moradores da cidade perdem.

Mas há quem avalie que Jappe se sairá bem da situação. Mauro Rockenbach, promotor responsável pelo caso, acredita num final diferente:

– As provas contra ele são sólidas.




O bodegão que receberia R$ 1,1 milhão

Em pouco mais de dois anos, o vereador Larri Lauri Jappe (PDT) montou um sistema entre os produtores de leite do distrito Cascata do Buricá, de Horizontina, apontado como exemplo de negócio bem-sucedido nas cidades da região. Até mesmo pelos inimigos políticos.

Dono de um bodegão – como são conhecidas as casas comerciais no interior –, Jappe fornecia todos os insumos para os criadores de gado leiteiro e usava sua frota de seis caminhões para transportar o leite. O produto era pago a preços acima do mercado. A relação com os colonos era por meio da Associação Agrícola e Pecuária dos Pequenos Produtores, que funciona em uma sala no mesmo prédio do bodegão. O vereador é secretário da entidade, que hoje soma mais de 300 membros.

Os associados vendem para Jappe em torno de 700 mil litros de leite por mês. No ano passado, o vereador foi o mentor da ideia de que a associação deveria instalar um posto de resfriamento de leite. A unidade permitiria que produção leiteira subisse para 1,5 milhão de litros mensais.

A proposta ganhou apoio político até dos adversários do parlamentar, recorda Nildo Hickmann, atual prefeito de Horizontina pelo PT. No final de 2012, Jappe conseguiu que o Ministério da Agricultura se dispusesse a financiar R$ 700 mil para construção do posto de resfriamento. O restante, em torno de R$ 400 mil, ficaria por conta da prefeitura.

Embora simpático à ideia do posto de resfriamento, o prefeito relutava em fazer o investimento. Hickmann alegava que não estava bem explicado o modelo econômico montado pelo vereador. Jappe rebatia que o lucro extra vinha do fato de que, por ter um grande volume de leite para vender, seria possível obter melhores preços das indústrias, e isso possibilitava pagar melhor o produtor.

Em março, não era mais o vereador quem pressionava a prefeitura, mas os colonos da associação. O surgimento do nome de Jappe na operação Leite Compen$ado esfriou os ânimos. Agora, todos esperam que a investigação revele a fórmula por meio da qual Jappe conseguiu pagar preços acima do mercado para os produtores.

– Não temos interesse de nos pronunciarmos sobre o assunto neste momento – informou Michelle Cris Jappe, filha do vereador e responsável pelo escritório da associação.


Ação agressiva em busca de produto barato

ERIK FARINA

Apontada pelo fraudador confesso Antenor Pedro Signor, preso na operação Leite Compen$ado, como incentivadora de adulteração de leite no Rio Grande do Sul, a Confepar, uma união de cooperativas paranaenses, teria desembarcado no Estado em busca de produto barato e abundante. A estratégia comercial agressiva para atrair produtores gaúchos, oferecendo mais dinheiro por litro, chegou a causar reação de indústrias locais.

Os primeiros passos da Confepar no Estado ocorreram há dois anos, mas se aceleraram em outubro de 2012, período de entressafra no país. A Confepar alugou um posto de resfriamento da Marasca, em Selbach, e passou a pagar mais aos produtores de leite. Conforme o Ministério Público Estadual (MPE), o objetivo seria comprar o máximo de leite para tornar o frete até Londrina (PR) mais rentável.

– O leite no Rio Grande do Sul é mais barato do que no Paraná. A Confepar estaria oferecendo um pouco a mais ao produtor, e os caminhões eram completados com água e ureia com formol. O negócio era ganhar em volume, uma concorrência desleal à indústria gaúcha – diz Mauro Rockenbach, promotor responsável pela investigação.

Empresário do ramo de transporte que confessou ter participado do esquema, Antenor disse em depoimento ao MPE que era orientado por um funcionário da Confepar a adulterar o produto. Essa informação foi reiterada por Odirlei Fogalli, motorista de Antenor, em depoimento prestado ontem.

A caça dos paranaenses aos fornecedores gaúchos começou a causar desconforto. Em reuniões setoriais, fabricantes de leite do Estado passaram a reclamar que a Confepar estava tomando seus fornecedores ao pagar um preço com o qual não podiam competir. A estranheza aumentava porque não é comum empresas de outros Estados buscarem leite cru no Rio Grande do Sul, exceto fabricantes de Santa Catarina, para onde a diferença de valor com frete é menor.

– A concorrência é livre, isso pode ocorrer. Desde a entressafra do ano passado, muitas indústrias passaram a reclamar da perda de fornecedores para essa empresa (Confepar) – explica Darlan Palharini, secretário-executivo do Sindicato da Indústria do Leite no Estado (Sindilat-RS).

Conforme as investigações do MPE, a Confepar estaria ampliando ainda mais sua atuação no Estado. A empresa já teria locado entrepostos nos municípios de São Valentim e Eugênio de Castro, no noroeste do Estado. Conforme a Confepar, “as acusações são infundadas e, a nosso ver, trata-se de uma estratégia da quadrilha responsável pela adulteração do leite no Rio Grande do Sul”.


Terceira fase em preparação

Em duas semanas, deverá ser desencadeada a terceira fase da operação, disse Mauro Rockenbach, promotor responsável pela investigação. Transportadores presos na quarta-feira serão denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPE) na próxima semana. Ontem, após acertarem o benefício da delação premiada com o MPE, três foram soltos. O transportador Antenor Signor e o motorista Odirlei Fogalli detalharam o esquema em depoimento. O MPE também solicitou a libertação de Adelar Signor, irmão de Antenor. Oito pessoas continuam presas. No total, 13 já tiveram denúncia aceita pela Justiça.








sexta-feira, 24 de maio de 2013

LEITE CONTAMINADO: TRANSPORTADOR CONFESSA FRAUDE


ZERO HORA 24 de maio de 2013 | N° 17442

ENTREVISTA: ANTENOR PEDRO SIGNOR TRANSPORTADOR

Cooperativa no Paraná seria destino de produto com água e ureia, diz Antenor Pedro Signor, que aceitou delação premiada



Um dos presos na segunda fase da operação Leite Compen$ado, o transportador Antenor Pedro Signor aceitou delação premiada proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE) e confessou ontem participação na fraude do leite. Antenor deu detalhes de como funcionaria o esquema.

Afirmou que a Confepar, união de cooperativas no Paraná que receberia o leite adulterado, incentivava o esquema. Em depoimento aos promotores Mauro Rockenbach e Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, Antenor disse que aceitou proposta de Daniel Riet Villanova, que teria se apresentado como técnico da Confepar (veja detalhes abaixo). Acrescentou que seu irmão, Adelar Signor, também preso, não participava da adulteração. Apenas Odirlei Fogalli, outro detido, participaria da fraude.

Pelo acordo, o MPE vai pedir a libertação imediata de Antenor e recomendar redução de metade da pena que venha a ser aplicada pela Justiça.

Em entrevista ao Jornal de Londrina, o presidente da Confepar, Renato Beleze, negou as acusações. Afirmou que as denúncias de Signor são uma estratégia da quadrilha que adulterava leite.

– Estão querendo jogar a culpa nas empresas, mas nem nós, nem as outras que apareceram nas investigações temos culpa – disse

Beleze disse que pretende ser ouvido pelo MP gaúcho. O Ministério Público de Londrina acompanha o caso. O promotor Miguel Sogaiar, de Defesa do Consumidor, considerou graves as acusações contra a Confepar. Contudo, ressaltou que não poderia emitir qualquer análise sem o conhecimento completo das investigações. O promotor de Defesa da Saúde Pública em Londrina, Paulo Tavares, abriu processo administrativo para investigar a cooperativa.

Ontem, mais um suspeito de envolvimento na fraude foi preso. O transportador Paulo Rogério Schultz se apresentou na delegacia de Três de Maio.


VERSÃO DO FRAUDADOR CONFESSO 

A história relatada por Antenor Pedro Signor para o MPE

- Até dezembro de 2012, Antenor transportava leite para a indústria Latvida. Problemas nessa relação teriam ocasionado um prejuízo considerável para sua transportadora. Por isso, teria passado a negociar com uma concorrente.

- Nesse meio tempo, Daniel Riet Villanova, responsável pelo posto de resfriamento em Selbach e preso na primeira fase da operação, teria se apresentado como técnico da Confepar e manifestado interesse em ficar com suas rotas de produtores, propondo pagar mais do que a concorrência.

- Aceita a proposta, Antenor começou a transportar leite para o posto de resfriamento de Selbach em 20 de janeiro deste ano.

- Dez dias depois, começou a utilizar uma fórmula de adulteração repassada por um conhecido. Mais tarde, o próprio Daniel Villanova teria apresentado a mesma fórmula e sugerido sua utilização, dizendo que nenhuma análise detectaria a adição de água. A receita era adicionar 70 litros de água e 300 gramas de ureia ao leite.

- Antenor disse que, em cada 30 cargas de leite mensais, adulterava 20. Em média eram mandados para Selbach 600 mil litros do produto a cada 30 dias.

- Todo leite entregue no posto de resfriamento de Selbach era da Confepar, tanto de seus caminhões quanto de outros transportadores. Segundo Antenor, a mistura de água e ureia era adicionada ao leite depois da coleta nas propriedades rurais e colocada em todos os tanques, sem separar leite de boa qualidade do adulterado. Quando havia fiscalização do Ministério da Agricultura, era avisado para desviar a rota.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

IMPORTAR MÉDICOS É BOM PARA A SAÚDE?



ZERO HORA 20 de maio de 2013 | N° 17438

IMPORTAÇÃO DE MÉDICOS

Remédio de fora para um impasse na saúde

Associações e sindicatos médicos travam um embate com governo federal e prefeitos que planejam buscar no Exterior profissionais para atuarem nas unidades básicas de saúde e no Programa de Saúde da Família (PSF). Entre as principais críticas da categoria ao projeto está a possibilidade de os estrangeiros não precisarem prestar exames para garantir o direito de exercer a Medicina em território brasileiro

O plano de importar médicos estrangeiros para atuar em postos de saúde do Brasil levou para a UTI a relação entre prefeitos e associações médicas. Proposta pelos municípios como saída para preencher vagas que os médicos locais não querem, a ideia vem sendo torpedeada por entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB).

O presidente da AMB, Florentino Cardoso, chegou a dizer, na Câmara dos Deputados, que “o Brasil quer trazer a escória”. Em resposta, os prefeitos afirmam que não há médicos suficientes no Brasil e acusam os profissionais locais de quererem garantir uma reserva de mercado. O plano de importar 6 mil médicos foi anunciado pelo governo federal a partir da pressão dos prefeitos que não conseguem mão de obra nacional.

A prefeitura de Porto Xavier, na fronteira com a Argentina, propôs aos médicos brasileiros R$ 9 mil pelo trabalho no Programa de Saúde da Família (PSF), R$ 350 por noite de sobreaviso e mais R$ 56 para cada chamado atendido, totalizando um salário entre R$ 17 mil e R$ 18 mil. Não há interessados. Em outro extremo do Estado, a prefeitura de Santa Vitória do Palmar consegue driblar a dificuldade porque tem permissão para contratar médicos uruguaios. A cidade se beneficia de um acordo firmado entre os governos que vale apenas para áreas urbanas fronteiriças.

A proposta em elaboração pelos ministérios da Educação e da Saúde prevê que os médicos de fora atuariam só na atenção básica e no PSF. Viriam de países como Argentina, Cuba, Portugal e Espanha – que têm proporções de médicos superiores à do Brasil – para atuar em municípios pequenos e médios e na periferia das metrópoles.

A grande objeção feita pelos conselhos de Medicina e sindicatos médicos é a possibilidade de os estrangeiros serem liberados de exames para revalidação de diploma. O CFM promete ir à Justiça se a proposta for adiante.

– Se a intenção fosse séria, o governo traria médicos preparados para fazer cirurgias. Não há médicos pela metade – atacou o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila.

Déficit levaria ao desinteresse

O governo federal e os prefeitos afirmam que o Brasil tem déficit de médicos, o que leva a um desinteresse dos profissionais em trabalhar nos postos menos glamourosos. Segundo o Ministério da Saúde, na última década foram abertos 50 mil postos de trabalho além do número de diplomados.

– Não pode ser um tabu atrair de outros países. Diante da falta de médicos, não vamos ficar assistindo – disse o ministro Alexandre Padilha.

ITAMAR MELO


Cubanos no foco das críticas

Para o CFM, a ideia é um absurdo, não há falta de médicos e a intenção do governo seria trazer cubanos por motivos ideológicos.

– Portugueses e espanhóis não viriam de jeito nenhum. Falam neles para justificar os cubanos. Os brasileiros não querem ir (para certos lugares) por falta de condições de trabalho – garante Claudio Franzen, conselheiro do CFM pelo Rio Grande do Sul.

Para Franzen, uma prova de que estrangeiros não estariam qualificados é o baixo índice de aprovação no exame que revalida os diplomas no Brasil. Dos 884 inscritos em 2012, somente 77 conquistaram o direito de exercer a Medicina no país. O presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), Ary Vanazzi, diz que os exames são para reprovar.

– São feitos pelo CFM. As entidades médicas estão fazendo seu papel, de defender categoria – diz Vanazzi, resaltando que o déficit nas prefeituras do Estado está entre 500 e mil médicos.


ENTREVISTA - “Há mais vagas do que médicos”

José Fortunati/Presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)


Zero Hora – Por que os prefeitos apoiam o plano de trazer médicos do Exterior?

José Fortunati – É uma campanha da Frente Nacional de Prefeitos, que avança por causa da falta de médicos. Em janeiro, fizemos um documento com a assinatura de 2,5 mil prefeitos. Mostramos que era impossível dar sustentação ao SUS se não conseguirmos médicos nas unidades básicas de saúde e no PSF. Entregamos o abaixo-assinado à presidente Dilma, e ela pediu aos ministérios da Saúde e da Educação para tratar do assunto.

ZH – As entidades médicas afirmam que não faltam profissionais.

Fortunati – A proporção de médicos no Brasil é inferior à de países similares. O problema aparece especialmente nas pequenas e médias cidades e na periferia das grandes cidades. Se eu chamar um profissional para o HPS, para o Clínicas, tem médico de sobra. Mas se for para a Lomba do Pinheiro, não consigo. Quando há concurso, as vagas são preenchidas. Mas quando sai a nomeação para a periferia, eles desistem.

ZH – Isso ocorre por que há mais vagas do que profissionais?

Fortunati – Há mais vagas do que médicos, pelo menos médicos que queiram trabalhar na saúde pública.

ZH – As entidades afirmam que os profissionais não vão para certos lugares por falta de estrutura.

Fortunati – Segundo o SUS, Porto Alegre é a quinta cidade com melhor estrutura. Aqui, não tem essa desculpa. Existe um comportamento corporativista das entidades. Elas defendem o médico, enquanto o meu interesse, como gestor, é defender a população.

ZH – Os 6 mil que o governo quer trazer resolveriam a carência?

Fortunati – É o que precisamos neste primeiro momento.

ZH – Segundo entidades médicas, os cubanos têm formação deficiente e não passam na validação do diploma no Brasil.

Fortunati – Quem faz o exame é o CFM, que tem interesses corporativos. Esse teste tem nível de exigência 10 vezes maior do que é cobrado dos médicos brasileiros. Concentraram a discussão nos cubanos para ideologizar o debate. A campanha é para contratar médicos ibero-americanos.

ZH – Críticos dizem que a intenção é trazer cubanos.

Fortunati – Vão se surpreender com o número de médicos de Portugal e Espanha que querem vir.


ENTREVISTA - “Os salários não são bons” 

Maria Rita de Assis Brasil/Presidente em exercício do Sindicato Médico do RS


Zero Hora – Por que o sindicato é contra o plano?

Maria Rita de Assis Brasil – Porque a falta de médicos é a ponta do iceberg do financiamento da saúde. Temos 400 mil em atividade no país. São quase dois médicos por mil habitantes, quando o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é um médico para cada mil habitantes.

ZH – Mas esses 6 mil médicos iriam para onde prefeitos não conseguem profissionais brasileiros.

Maria Rita – Com salário de R$ 2 mil, R$ 3 mil, a regra nas pequenas cidades, não se prende um profissional.

ZH – Na Capital, não se consegue médicos para a periferia.

Maria Rita – Porque ela não paga. Os salários não são bons.

ZH – Os defensores da proposta dizem que os exames de revalidação de diploma têm um grau de exigência maior do que o imposto aos médicos brasileiros.

Maria Rita – Contemplam nossa epidemiologia. Para trabalhar no Maranhão, o médico tem de saber que doenças aparecem lá. Se não souber, não passa na revalidação.

ZH – Não é melhor ter um médico não especializado do que não ter nenhum?

Maria Rita – A questão é o sistema de saúde. Dizem que colocarão médicos no Interior. Mas se eles atenderem uma parada cardiorrespiratória, não terão o que fazer. Não tem equipamento.

ZH – Mesmo nessas dificuldades, não é melhor ter um médico lá?

Maria Rita – Mas ele não é resolutivo como o senso comum e talvez até a imprensa estejam pensando.

ZH – Nessas condições, faz diferença se o médico é ou não brasileiro?

Maria Rita – Se ele sabe ser médico, não. Mas tu gostarias que, para os jornalistas se tornarem mais baratos, viessem jornalistas do Uruguai?

ZH – Aí, entra a crítica aos brasileiros, de que são corporativistas.

Maria Rita – Não faz diferença 400 mil médicos ou 406 mil médicos.

ZH – Qual é o valor mínimo que o sindicato recomenda de salário?

Maria Rita – O piso nacional, definido pela lei do médico de 1961, é de três salários mínimos da época. Isso, corrigido, dá hoje ao redor de R$ 10,5 mil brutos. Esse seria o piso do médico para quatro horas de trabalho.




domingo, 19 de maio de 2013

MÉDICOS DO INTERIOR


ZERO HORA 19 de maio de 2013 | N° 17437


Pequenas cidades, grandes salários

Municípios do RS fazem uma verdadeira ginástica legal para garantir médicos em suas regiões, pagando até mais do que recebem os prefeitos


Uma espécie de leilão por médicos é o resultado da árdua tarefa de contratar profissionais para atender à população do Interior. Ganham os municípios que oferecerem a remuneração superior à dos vizinhos. A dificuldade em garantir profissionais ficou ainda mais exposta depois que o governo federal anunciou a intenção de trazer médicos estrangeiros para atuar na atenção básica e no Programa Saúde da Família.

Hoje, os médicos das cidades pequenas recebem quase o triplo do que os de grandes centros. E até o dobro do que os próprios prefeitos, o que exige uma verdadeira ginástica legal na hora da contratação – a Constituição Federal determina a remuneração dos prefeitos como o teto para pagamento dos servidores municipais.

Em Joia, município de 8,3 mil habitantes, a dificuldade em manter os altos salários afastou três dos quatro médicos, há cerca de um mês. Em janeiro, cada um deles recebeu R$ 27 mil. A remuneração é 170% superior ao salário dos clínicos-gerais contratados por Passo Fundo, com 184,8 mil moradores, para 40 horas.

– Tentamos negociar para diminuir os salários, mas eles optaram por outras cidades – relata a secretária de Saúde, Cleonice Mara Poletto da Silva.

Se mantivesse os três profissionais, a prefeitura desembolsaria em um único mês 27% do orçamento do município. Mesmo assim, o salário da única médica que continua na cidade é 26% superior aos R$ 11 mil pagos ao prefeito. A clínica-geral Andrea Sione Ferreira Serafini, 47 anos, adotou Joia há 24 anos.

Em abril, ela recebeu 65% acima do salário líquido da presidente Dilma Rousseff, que é de R$ 19,8 mil. Como é a única médica da cidade, viu a folha de pagamento saltar dos R$ 13,9 mil para R$ 32,8 mil, por conta de 21 plantões. O prefeito José Roberto Zucolotto Moura ainda oferece R$ 18 mil para médicos interessados em atuar na cidade. O contrato é realizado por credenciamento de empresas pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Cisa).

Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Fernando Weber Matos não interpreta as remunerações do Interior como supersalários. Ele argumenta que os profissionais têm dedicação exclusiva. Segundo ele, nos grandes centros, as remunerações adicionais de plantões e consultas particulares garantem renda melhor. Auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Paulo Luiz Squeff Conceição admite que é comum ter pequenas cidades escolhendo entre deixar a população sem atendimento médico ou passar por cima da legislação. Ele explica que muitos prefeitos ganham em torno de R$ 5 mil e fica quase impossível contratar médicos por essa remuneração.

O assessor técnico da área da Saúde da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Leonildo José Mariani, reforça que o teto municipal dificulta a contratação por concurso:

– É por essa razão que vemos tantos concursos sem candidatos no Interior.

Por isso, os prefeitos têm de apelar para outras formas de contratação, como a terceirização. Na modalidade, os médicos não são servidores municipais, mas da empresa. O TCE, no entanto, só admite a medida para atendimentos de média e alta complexidades, e não de saúde básica. Com a terceirização, os prefeitos assumem o risco de terem irregularidade apontada pelo TCE.

l O RS é o 4º Estado com mais médicos do país. São 2,37 para cada mil habitantes, 18,5% acima da média nacional.

l A média gaúcha é 137% superior à sugerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

l No RS, são 25.541 médicos registrados, 12.335 deles em Porto Alegre (48%).

l A média da Capital, de 8,73 médicos para cada mil habitantes, é 268% maior do que a média estadual.

l Porto Alegre é a segunda capital com mais médicos por habitantes, atrás de Vitória (ES).

l A média de médicos que atendem pelo SUS no RS – 1,40 para cada mil habitantes – é 26% superior à nacional.

l Na comparação das capitais, Porto Alegre é líder nacional na média de médicos que atendem pela rede pública – 2,94 médicos para cada mil habitantes.

FERNANDA DA COSTA E FERNANDO GOETTEMS


Remuneração motivou mudança para Centenário


Elaine Fernandes Soares, 49 anos, desistiu de um contrato de 20 horas em Áurea, no Norte, por conta do salário. Ela optou por trocar a vaga como concursada por um contrato terceirizado em Centenário.

– Não é fácil arrumar um profissional para vir trabalhar aqui, pois nem acesso asfáltico temos. Ou você paga bem ou não tem ninguém para atender aos moradores – desabafa Wilson Carlos Lukaszewski, prefeito do município de 2,9 mil habitantes.

Por isso, ele decidiu valorizar Elaine. A médica atuava como concursada por 20 horas e recebeu um contrato adicional de mais 30 horas, feito por meio de uma empresa terceirizada.

– Eu não quero fazer a coisa errada. Também não posso deixar o povo sem uma alternativa – acrescenta o prefeito.

Conforme a secretária de Saúde de Centenário, Simone Pereira Serafini, a contratação adicional foi a única forma para ampliar o horário de atendimento do posto de saúde, que passou a funcionar das 8h às 19h, sem fechar ao meio-dia. Antes, atendia até as 17h.

– Amo clínica geral e, no Interior, recebi a valorização que esperava. Se eu trabalhasse em um grande centro, não ganharia o que recebo aqui – avalia Elaine, que conhece pelo nome a maioria dos pacientes.

Aos R$ 12 mil que ela recebe pelo trabalho terceirizado, juntam-se R$ 6 mil pelo contrato como concursada. O total é o dobro do que o prefeito recebe.




ENTREVISTA 

PAULO LUIZ SQUEFF, Auditor do TCE - “Um drama permanente dos prefeitos”


Auditor do TCE, Paulo Luiz Squeff Conceição explica que o tribunal conhece a dificuldade de contratação de médicos no Interior. Confira trechos da entrevista:

Zero Hora – Como o TCE trata o teto do servidor municipal e a dificuldade na contratação de médicos no Interior?

Paulo Luiz Squeff Conceição – Esse problema do teto salarial para os médicos tem sido um drama permanente dos prefeitos. Há limitadores salariais que são invencíveis. Quando eles têm médicos, os profissionais estão ameaçando ir embora. A quantidade de prefeitos que nos procuram aqui, num tom de desespero, é muito grande. O tribunal tem sido sensível, porque se trata da área médica e as pessoas não podem ficar sem atendimento.

ZH – A terceirização é a alternativa?

Conceição – Seria uma solução, mas enfrenta problemas, como a resistência de órgãos de controle. O Tribunal de Contas evoluiu no entendimento sobre o assunto e admite terceirizações para atendimentos de média e alta complexidade, feitas de acordo com a Lei de Licitações e a Constituição Federal. Mas isso não resolve o problema dos pequenos municípios, que precisam de médicos para saúde básica.




ELETROCARDIOGRAMA DO CIFRÃO - Compare as remunerações médias de médicos no Interior com o que é pago para cargos públicos

R$ 18 MIL Salário oferecido para médico em Joia
R$ 11 MIL Salário do prefeito de Joia

R$ 18 MIL Salário oferecido para médico em Centenário 
R$ 9,4 MIL Salário do prefeito de Centenário

R$ 19,8 MIL Salário líquido da presidente Dilma
R$ 13,8 MIL Salário médio dos médicos em Caxias


MÉDIA GAÚCHA ACIMA DA NACIONAL

Dados sobre a distribuição dos profissionais no Rio Grande do Sul – e a comparação com o país

- O RS é o 4º Estado com mais médicos do país. São 2,37 para cada mil habitantes, 18,5% acima da média nacional.
- A  média gaúcha é 137% superior à sugerida pela OMS
- No RS, são 25.541 médicos registrados, 12.335 em Porto Alegre (48%)
- A média  da Capital, de 8,73 médicos por mil habitantes, é 268% maior que a média nacional
- Porto Alegre é a segunda capital com mais médicos por habitantes, atrás de Vitória (ES)
- A média de médicos que atendem pelo SUS no RS - 1,40 para cada mil habitantes é 26% superior à nacional
- Na comparação das capitais, Porto Alegre é líder nacional na média de médicos que atendem  pela rede pública - 2,94 médicos por cada mil habitantes.

sábado, 18 de maio de 2013

ESTADOS COM DEFICIÊNCIA CRÍTICA DE MÉDICOS


Em três estados há deficiência crítica de médicos, segundo OMS. Maranhão, Pará e Amapá têm menos de um médico por mil pacientes

IGOR RICARDO 
O GLOBO
Atualizado:18/05/13 - 8h00


RIO - Em três dos 27 estados brasileiros, a média de médicos por habitantes está abaixo do mínimo exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Maranhão, Pará e Amapá têm, cada, menos de um profissional por mil habitantes, o que seria o piso para garantir atendimento pelo menos razoável à população. O levantamento toma como base tabela divulgada em fevereiro pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratada como oficial pelo Ministério da Saúde.

Para que tivessem a razão de ao menos um médico para mil habitantes, os três estados do Norte/Nordeste deveriam atrair novos 3.200 médicos. Na sexta-feira, O GLOBO mostrou a resistência de profissionais para aderir ao programa federal que incentiva o deslocamento de especialistas para cidades do interior, o Provab. Menos de 30% das vagas abertas pelo programa foram preenchidas em dois meses de recrutamento.

Em Brasília, médicos de sobra

A pior relação médico/paciente ocorre no Maranhão. Hoje, o estado dispõe de 4.750 profissionais para atender uma população total de 6,7 milhões de pessoas, uma razão de 0,71 médico por grupo de habitantes. Para cumprir a exigência da OMS, só o Maranhão precisaria contratar 1.964 médicos. O Pará tem a segunda pior concentração do país. Conta com 6.565 médicos em atividade para uma população de 7,8 milhões. Se a média da OMS for perseguida, os paraenses deveriam ter mais 1.227 profissionais. No Amapá, a razão é de 0,95 por mil habitantes. O estado tem 667 médicos e uma população de 698.602.

Os números confirmam a grande disparidade entre regiões do país. A média nacional é de quase dois médicos para cada mil habitantes. Se Maranhão, Pará e Amapá quisessem alcançar esse patamar, teriam de contratar novos 18.400 médicos. Em contrapartida, no Sudeste, a razão de médicos por mil habitantes chega a 2,67; no Sul, 2,09; e ,no Centro-Oeste, a 2,05. Quando se leva em conta os números de cada estado, a desigualdade se acentua. O Distrito Federal lidera o ranking, com 4,09 médicos por mil habitantes; seguido pelo Rio de Janeiro, com 3,62; e São Paulo, com 2,64.

— Falta uma carreira de Estado para os médicos. As condições de trabalho também não são as melhores. O mesmo posso dizer do salário — disse o presidente do Conselho Regional de Medicina do Maranhão (CRM-MA), Abdon Murad.

O estudo do CFM também mostra que mais de 40% dos médicos estrangeiros e brasileiros que cursaram Medicina fora do Brasil estão no Sudeste, principalmente em São Paulo, justamente na região com maior presença desses profissionais. No país, do total de 388.015 médicos, 7.284 deles se graduaram no exterior, quase 2% do total. O número de brasileiros que saíram para estudar fora e retornaram é de 4.423, ou 65%. Quase 30% dos médicos estrangeiros que atuam no Brasil são da América Latina.

OS MÉDICOS CUBANOS

ZERO HORA 18 de maio de 2013 | N° 17436

PAULO SANT’ANA


Caí no centro do furacão da polêmica sobre a importação de 6 mil médicos cubanos, ibero-americanos e espanhóis para o Brasil.

Atingiu-me a polêmica é uma força de expressão. Na verdade, eu incentivei muito esta polêmica quando declarei solenemente nesta coluna: “Entonces, que vengan los cubanos”.

Tanto que fui anteontem até a sede do Cremers e me reuni lá com a diretoria do órgão, os médicos Rogério Aguiar, Levy, Franzen, Matos e Xavier.

Foram três horas de reunião estafante e agradável. Os cinco médicos tentando me convencer de que é um erro monumental importar os médicos cubanos, eu por minha parte tentando convencê-los de que é um acerto trazer os cubanos para ajudar a Saúde brasileira.

-

Eles não me convenceram. Nem eu os convenci. Quando a gente vai a uma reunião para tentar mudar a opinião dos que pensam contrariamente a nós, acontece o que aconteceu: saímos do encontro inamovíveis, exatamente como nele entramos.

No entanto, foi muito proveitosa a reunião: porque eles me forneceram dados que me balançaram. Talvez eu os tenha balançado também em suas convicções.

O fato é que nos debruçamos demoradamente sobre a questão e com isso ficamos meio que senhores da situação em matéria de conhecimento da problemática.

-

Há um dado que enfraquece muito a posição dos que não querem por nada deste mundo que os cubanos venham: mais de 4 mil prefeitos de todos os Estados brasileiros se reuniram e pediram ao governo federal que trouxesse os médicos estrangeiros. Os prefeitos sofrem na carne a falta de médicos em seus municípios e foram pedir socorro ao governo. E o impressionante é que, além dessa maciça adesão dos prefeitos em geral à tese de que a vinda dos estrangeiros solucionaria grande parte dos problemas de saúde pública no Brasil, o governo, desde os ministros até todos os canais inferiores, aderiram também a essa posição.

E o único dado que enfraqueceu meu argumento foi o trazido pelo Dr. Matos, que esteve na Venezuela de Chávez, que importou 3 mil médicos cubanos e, poucos anos depois, 2 mil deles tinham ido embora e os mil restantes deixaram as localidades distantes onde eram necessários e estavam clinicando e operando em Caracas, onde não faltam médicos.

-

Mas contou-me a Rosane de Oliveira que em sua cidade natal, Campos Borges, não havia médico e a prefeitura contratou uma médica, que um mês depois de trabalhar lá abandonou a cidade por um singelo motivo: não havia por lá pet shop para cuidar de sua cadelinha poodle.

Vejam só: cidade que não tem quem cuide de cães fica também privada de quem cuide da saúde das pessoas...

-

Conversávamos ontem na Redação, eu e o Tulio Milman, quando eu disse a ele que a grande questão é que os médicos brasileiros não queriam trabalhar no Tocantins.

E o Tulio me perguntou: “Tu irias para o Tocantins, Sant’Ana?”.

E eu respondi: “Se fosse cubano, eu iria”.

ESQUEMA PARA FRAUDAR LEITE EM IBIRUBÁ

ZERO HORA 17/05/2013 | 21h35

Como funcionaria a operação para fraudar leite em Ibirubá, segundo o MP. Com nova denúncia do Ministério Público Estadual, já são 14 pessoas acusadas por adulteração de leite com presença de água, ureia e formol

Erik Farina





Com a segunda denúncia contra suspeitos de participar de esquema para adicionar água e ureia com formol ao leite cru, em busca de maior lucro, já chega a 14 o número de acusados na Operação Leite Compen$ado. E não são apenas transportadores que comporiam a quadrilha, como suspeitava-se: produtores rurais, funcionários de postos de refrigeração e até um veterinário de uma cooperativa paranaense estariam envolvidos.

Nesta sexta-feira, o Ministério Público Estadual (MP) entregou à Justiça de Ibirubá denúncia contra 12 pessoas pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e adulteração de produtos alimentícios. Seis dos denunciados já estão presos preventivamente. Na quarta-feira passada, duas pessoas haviam sido denunciadas em Guaporé.

– A denúncia tem 110 páginas que mostram como o grupo teria adulterado e vendido leite inadequado de dezembro de 2012 a maio deste ano – explicou Mauro Rockenbach, promotor responsável pelo caso.

Conforme o MP, o esquema em Ibirubá funcionaria de forma autônoma: todos os elos da fraude operariam na mesma cidade, sem conexão direta com outros núcleos. Produtores receberiam o pagamento da indústria por uma quantidade acima do que realmente haviam vendido e dividiriam o lucro com transportadores que faziam a mistura e técnicos de postos de refrigeração. O leite seria vendido para as indústrias Mu-mu e Confepar, no Paraná, que desconheceriam a fraude.

A reportagem tentou contato com os denunciados. Apenas o advogado de Daniel Riet Villanova, Paulo Cesar Garcia Rosado, foi encontrado. Rosado disse que tomará conhecimento da denúncia antes de se pronunciar, mas inicialmente a acusação não condiz com o que afirma seu cliente.

Na próxima semana, novas denúncias poderão ser apresentadas em Horizontina e novamente em Ibirubá. Grupos em outras cidades estão sendo investigados, já que a fórmula da adulteração teria sido vendida para diversos transportadores gaúchos.

Além disso, nesta sexta-feira, o Ministério da Agricultura descartou a suspeita sobre resíduos de antibiótico em amostras de leite cru retidos na empresa Laticínio Vale do Taquari, no dia 10 de maio. Como o lote estava dentro dos padrões regulamentares, será liberado para a comercialização, informou o ministério.

Esquema organizado

Como funcionaria a operação do núcleo de Ibirubá, segundo o Ministério Público Estadual

Os produtores
- Egon Bender: entregaria notas falsas a pedido dos transportadores, simulando ter vendido mais leite. Receberia o pagamento da indústria e repartiria com o grupo. 

- Senald Wachter: entregaria leite já adulterado aos transportadores sem o conhecimento do grupo. Com o risco de alterar a fórmula, teria sido excluído do esquema.

Os transportadores 

- João Cristiano Pranke Marx: seria um dos líderes do esquema e dono da Crisma Transportes, receberia o leite cru e preencheria a nota fiscal com uma quantidade maior. A diferença seria coberta com água e ureia. Seria quem recolhia o dinheiro dos produtores e dividiria com a quadrilha.

- Angelica Caponi Marx: sócia de João Cristiano na Crisma Transportes, ajudaria na articulação da fraude.
Alexandre Caponi (irmão de Angelica), Arcídio Cavalli e Cleomar Canal: sócios da empresa Três C Transportes. Além da distribuição de leite adulterado, teriam adicionado a mistura nos tanques dos caminhões. 

- Paulo Cesar Chiesa: sócio da Transportadora Irmãos Chiesa. Seria um dos líderes do esquema, dando ordens para a operação e compra e venda de ureia, e prepararia a mistura nos caminhões.

No posto de resfriamento

- Rosilei Geller: funcionária de um posto no município de Selbach, avisaria os caminhoneiros da presença de fiscais.

- Natalia Junges: funcionária de uma cooperativa paranaense, falsificaria notas fiscais, aumentando a quantidade de leite recebida.

- Daniel Riet Villanova: seria um dos líderes do esquema, era técnico de uma cooperativa paranaense no Rio Grande do Sul e deixaria de fazer a análise do leite que chegava adulterado. Receberia pagamento de até R$ 3,5 mil por mês para facilitar o esquema.

Na propriedade

- João Irio Marx: armazenaria a ureia com formol e a água nos fundos da sua casa, em Ibirubá, onde seria feita a mistura. É pai de João Cristiano.

Na indústria

O leite chegaria com documentos falsificados e as indústrias não fariam os testes que a lei determina. A partir de outubro de 2012, o leite adulterado passou a ser enviado para uma cooperativa paranaense, que vendia somente naquele Estado, não no Rio Grande do Sul. Antes dessa data, o leite adulterado era entregue à indústria Mu-mu.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

É BOA SOLUÇÃO IMPORTAR MÉDICOS


Com apenas 1,8 médico/mil habitantes, o Brasil tem falta de profissionais. Há 3 mil cidades desassistidas. O corporativismo não pode impedir uma solução


EDITORIAL

O GLOBO
Atualizado:17/05/13 - 0h00



Num país de corporações e grupos organizados em torno de interesses setoriais, e cuja atuação costuma passar a léguas de distância das efetivas carências nacionais, não é apenas a evidente necessidade de se modernizar os portos que atrai crítica e oposição de alianças criadas para defender privilégios e vantagens.

Mesmo a atração de médicos estrangeiros para suprir a carência de profissionais em cidades menores e junto a faixas menos atendidas da população causa furor. Quando nada tem de inédito no mundo o incentivo à imigração de profissionais de que um país necessite. São conhecidos, e imitados, programas de atração de profissionais de elevada especialização, geralmente para áreas de ciências exatas, existentes em nações desenvolvidas.

Na primeira menção de autoridades federais à possibilidade de o Brasil atrair médicos para trabalhar em regiões desassistidas do país — concentradas no Norte e Nordeste —, logo surgiu uma barreira de críticas de entidades corporativas, zelosas na defesa de respectivos mercados de trabalho.

Entre os argumentos contrários à vinda de profissionais, um dos mais citados é que tudo se deve a salários supostamente irrisórios pagos na rede pública. A distribuição geográfica da mão de obra, qualquer que seja ela, depende, é fato, de condições objetivas, entre elas a remuneração.

E os centros urbanos maiores costumam ser bem mais atraentes. Mas as estatísticas disponíveis demonstram haver uma oferta de médicos inferior à demanda por eles. Independentemente da maior ou menor concentração deles em certas regiões.

Aos dados: há no Brasil uma proporção de 1,8 médico por grupos de mil habitantes, enquanto esta taxa é de 2,4 nos Estados Unidos, 3,6 na Alemanha, 4 na Espanha, 3,9 em Portugal etc. É indiscutível que há a escassez desses profissionais no Brasil.

Diante disso, o governo deseja aproveitar a crise europeia, caracterizada por elevadas taxas de desemprego, e atrair médicos de lá, e com eles assinar contratos temporários de trabalho, para dar tempo aos estudantes que estão agora nas faculdades de medicina de se formarem.

Não pode haver dúvida que todos precisam cumprir os trâmites normais para a validação de diplomas, sem que haja qualquer tratamento especial. Sequer para médicos cubanos, os quais, por simpatia ideológica existente no governo, poderiam ter a imigração facilitada. Seria inaceitável, pois está em jogo a saúde da população.

Diante da constatação de que das 5.500 cidades brasileiras não há médicos em 3 mil, não pode haver barreira corporativista à vinda de profissionais estrangeiros. Mas tudo precisa ser feito dentro da seriedade que o assunto requer.

MÉDICOS LONGE DO INTERIOR DO BRASIL



Programa para levar médicos ao interior atende a menos de 30% dos pedidos de prefeituras. Provab do Ministério da Saúde não consegue cumprir seu objetivo e equilibrar distribuição de profissionais
MADALENA ROMEO
O GLOBO
Atualizado:17/05/13 - 8h42


Pacientes aguardam atendimento médico em unidade mista de saúde no Piauí O Globo / Efrém Ribeiro


RIO E TERESINA - Em meio à polêmica sobre a contratação de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento em cidades do interior, o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), do Ministério da Saúde, não consegue cumprir seu objetivo e equilibrar a distribuição desses profissionais pelo país. Na 2ª edição do programa, cuja contratação ocorreu em março, menos da metade (1.301) de 2.856 cidades que requisitaram profissionais foi atendida. Ao todo, as prefeituras pediram apoio federal para contratar 13.196 médicos. Porém, apenas 3.800 (28,79%) apareceram para preencher essas vagas.

O Pará só perde para o Maranhão no déficit de médicos no Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina. Porém, dez entre os 50 municípios do estado que se inscreveram no programa não receberam médicos. A diretora de Gestão de Trabalho da Secretaria de Saúde do Pará, Sônia Bahia, admite que nem mesmo com o incentivo houve interesse pelas regiões mais remotas e rurais, localidades com menos de um médico por mil habitantes. Curiosamente, três municípios da Região Metropolitana de Belém — com 3,4 médicos para cada mil habitantes — receberam quase 30% dos profissionais que ganham bolsa de R$ 8 mil e bônus de 10% na pontuação para residência médica.

— Os profissionais se inscreveram para trabalhar na Região Metropolitana ou em cidades do interior com melhor infraestrutura ou ao redor delas. Ainda temos alguns desafios pela frente — observa Sônia, que aposta no remanejamento de vagas do Provab para receber reforço.

Em Angical do Piauí (PI), a 123 quilômetros de Teresina, dos três médicos do Provab, dois se mantêm no cargo. Um foi para a residência em Fortaleza. Ontem, pela manhã, nem os outros dois estavam na cidade, pois faziam plantão em outros dois municípios.

As desistências ocorrem em todo o país e não são raras. Ao todo, de 4.392 médicos que começaram a trabalhar em março, 592 (13%) desistiram.

No começo de 2012, reportagem do GLOBO revelou que 480 cidades não tinham qualquer médico residente, especialmente em áreas remotas das regiões Norte e Nordeste. Hoje, os números oficiais mostram que apenas 37 delas foram beneficiadas pelo Provab, recebendo ao todo 42 profissionais. Essa conta exclui eventuais desistências.

Ainda assim, foram os municípios com até 0,5 médico por mil habitantes — metade do mínimo exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — que receberam o maior número de médicos graças ao Provab (1.514). Na primeira fase do programa, em 2012, 1.460 médicos se inscreveram, mas apenas 460 começaram a trabalhar, e 381 ficaram até o final, em jornada de 32 horas semanais e oito horas de atividades acadêmicas.

Para ministro, números confirmam problema

Defensor do programa, o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família, Nulvio Lermen Junior, acredita que, além da bolsa e da pontuação, o programa deveria oferecer benefício adicional, como um plano de carreira.

— O grande nó é que leva o médico, mas não o fixa. Acreditamos que o ideal é ter um plano no qual sejam estimulados a ficar mais tempo no interior para depois serem promovidos.

A doutora em Saúde Pública Ligia Bahia ressalta que o Provab não tem força, sozinho, para resolver as grandes disparidades regionais.

— Finalmente colocamos de pé uma iniciativa correta, que faz sentido. Mas isoladamente, sem outras medidas, não funciona — avalia Ligia.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reconheceu que é difícil a missão de fixar médicos no interior do Brasil e usa a falta de preenchimento das vagas do programa para justificar a contratação de médicos formados em outros países, como Espanha, Portugal e Cuba. Ele ressalta que o Provab é apenas uma das iniciativas do governo para levar médicos às periferias das grandes cidades e a municípios do interior do país.

— Essa demanda (não preenchida) só reforça o fato de que o país precisa de mais profissionais. O Brasil tem 1,8 médico por mil habitantes. A Argentina tem 3,2. O Provab é o maior programa de interiorização de médicos já feito no país. Mas ele sozinho não supre a demanda — admite Padilha. (Colaborou Efrém Ribeiro)

FRAUDE NO LEITE: MAIS 12 DENUNCIADOS

CORREIO DO POVO 17/05/2013 12:00

MP denuncia 12 pessoas por participação na fraude do leite. Grupo pertence ao núcleo de Ibirubá


O Ministério Público (MP) denunciou à Justiça mais 12 pessoas nesta sexta-feira por participação na fraude de adulteração do leite no Rio Grande do Sul. O esquema foi descoberto na última semana durante a Operação Leite Compen$ado.

De acordo com o MP, os denunciados pertencem ao núcleo de Ibirubá e, individualmente, estão sendo acusados por adulteração de produto destinado a consumo, tornando-o nocivo à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo ou por lavagem de dinheiro. São empresários do setor de transporte, produtores e intermediários que atuavam da entrega do leite.

Segundo a denúncia assinada pelo promotor de Justiça Mauro Rockenbach, entre dezembro de 2012 e maio deste ano, o grupo se associou para adulterar o leite in natura, adicionando água e ureia ao produto - que contém formol em sua composição.

Na última quarta-feira, dois sócios de uma transportadora em Guaporé, na Encosta do Nordeste do Estado, foram denunciados por adulteração de produto alimentício destinado ao consumo.



CONTAMINADO E CARO

ZERO HORA 17 de maio de 2013 | N° 17435

EDITORIAIS


Depois da adulteração criminosa do leite, tudo o que o consumidor gaúcho esperava era a normalização no abastecimento, com aumento da fiscalização e a garantia de que o produto terá, finalmente, um rigoroso controle de qualidade. Ainda em meio ao impacto da fraude, a população teve outra surpresa desagradável. O aumento exagerado no preço do leite longa vida, como constatado por levantamento realizado por este jornal, traz indícios de que há um lamentável movimento especulativo. Indústria e supermercados terão de se entender para identificar onde, afinal, estão as causas de um reajuste de mais de 4% em apenas uma semana. As restrições impostas pelas investigações a algumas marcas, com a retirada temporária do mercado, e a tão propalada entressafra não são suficientes para explicar o que vem ocorrendo.

O aumento seria exagerado em quaisquer circunstâncias, pois acumula em sete dias o equivalente à evolução de alguns índices de inflação em 10 meses. É, no mínimo, desconfortável para os fornecedores de um produto básico que a fraude se preste a ajustes injustificáveis no preço. A população já estava abalada pela notícia da adulteração, quando fica sabendo agora que, além de formol, o leite havia sido contaminado por coliformes fecais da água colhida em poços artesianos. Como se não bastasse tanta informação negativa, depara com os reajustes, quando havia até mesmo a expectativa de que ocorreria o contrário, ou seja, uma queda nos preços, por conta de uma previsível redução no consumo.

Órgãos de defesa do consumidor precisam agir com urgência. A coincidência entre a fraude e os aumentos deve ser bem explicada, para que a população não se sinta lesada mais uma vez. É grande a diferença entre os índices dos valores pagos pela indústria ao produtor, em decorrência de correções sazonais nos preços, e o que o comércio passou a cobrar na ponta final. Produtor, indústria e varejo têm a missão de, ao lado dos órgãos de fiscalização, restabelecer a imagem de uma área em que o Estado tem tradição, com marcas reconhecidas nacionalmente. A alta nos preços certamente atrapalha este esforço.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O MÉDICO NÃO É UMA ILHA



ZERO HORA 16 de maio de 2013 | N° 17434

ARTIGOS


Rogério Wolf de Aguiar*



Já há alguns anos, o governo federal insiste em facilitar o ingresso no país de médicos formados em Cuba, sob o pretexto de que os médicos brasileiros rejeitam trabalhar nos lugares mais distantes do nosso imenso território. Agora, o governo anuncia que irá contratar 6 mil médicos cubanos.

O Cremers e todas as entidades médicas brasileiras são frontalmente contrários a essa iniciativa, que antes de tudo contraria a legislação e, o que é intrigante, ignora um programa do próprio governo, o Revalida, criado para avaliar a capacidade do médico formado no Exterior – e não apenas em Cuba – que deseja exercer a medicina no Brasil.

É preciso deixar muito claro que não há falta de médicos no país. O censo que o Conselho Federal de Medicina divulgou recentemente mostra que o Brasil tem, em média, mais que o dobro do preconizado pela Organização Mundial da Saúde. Entretanto, há uma enorme irregularidade na distribuição dos médicos, que se concentram nos grandes centros urbanos.

Antes de importar médicos, independentemente da nacionalidade, o governo deveria, isto sim, criar um programa de interiorização, que começaria pela criação de uma carreira de Estado para os médicos e demais profissionais da saúde.

É conveniente para a União dizer que os médicos brasileiros não querem trabalhar nos lugares mais remotos. É uma forma de isentar-se da responsabilidade que tem pelo subfinanciamento do Sistema Único de Saúde e pela ausência de uma política de saúde que regionalize o atendimento. Quantos hospitais regionais foram construídos ou equipados no Rio Grande do Sul, para que os pacientes tivessem atendimento próximo de suas residências, sem necessidade de deslocamento para a Capital? Nenhum.

Faltam médicos no SUS – como podem confirmar todos aqueles que esperam meses até conseguir atendimento médico – e sobra desfaçatez para remunerar os médicos em R$ 2,00 por consulta ambulatorial e cerca de R$ 10,00 por consulta especializada.

Os prefeitos se queixam de que faltam médicos. Sim, e as razões para isso são muitas, entre elas: empregos sem estabilidade; nenhuma garantia de que irão permanecer ao final do mandato do prefeito; falta de equipamentos, materiais e dificuldades de acesso a exames laboratoriais. Some-se a isso, ainda, a inexistência de um sistema regulador eficiente de leitos.

Nesse contexto, teremos mais um médico perdido num local distante, com um paciente grave na sua frente, pendurado horas num telefone, tentando conseguir transferência do enfermo. Isto acontece diariamente em nosso Estado, não apenas na Amazônia. O médico não é uma ilha, não trabalha isolado, sem apoio, sem suporte.

O outro ponto crítico é a intenção de revalidação automática de diploma, passando por cima dos jovens que se submetem ao vestibular, cursam uma faculdade inteira e fazem residência médica. É uma temeridade e uma irresponsabilidade permitir que pessoas com diploma médico obtido no Exterior exerçam a medicina sem passar por qualquer processo de avaliação. É um risco à população.

Continuamos com o nosso lema: não se faz saúde sem médicos. Mas médicos que cumpram as leis brasileiras, que sejam devidamente fiscalizados, e que tenham comprovada sua qualificação. Médicos que possam encontrar nos locais de trabalho um mínimo de condições para exercer a profissão com dignidade.


*PRESIDENTE DO CREMERS




A PRIORIDADE É O PACIENTE

ZERO HORA 16 de maio de 2013 | N° 17434


EDITORIAIS


Pressionado pela Federação Nacional dos Prefeitos a encontrar uma solução para a falta de médicos em localidades de difícil acesso no interior do país e nas periferias das grandes cidades, o governo federal decidiu importar médicos de Cuba, da Espanha e de Portugal para atender a população nos municípios desassistidos. O anúncio do acordo com o governo cubano provocou imediata reação dos conselhos e associações de medicina, que classificam a medida como irresponsável, temerária e movida por interesses político-ideológicos. As entidades brasileiras argumentam que o país tem médicos suficientes, o que falta é um programa de interiorização, com plano de carreira de Estado e oferta de condições melhores de trabalho para que os profissionais possam se fixar com suas famílias nas localidades carentes.

Esse é um daqueles litígios em que todas as partes têm as suas razões, mas parece que a principal está sendo esquecida: as pessoas que clamam por atendimento, seja ele precário ou sofisticado. É em nome dos cidadãos que não têm a quem recorrer quando ficam doentes, que precisam viajar muitos quilômetros em busca de socorro em cidades vizinhas, que são transportados com frequência para os grandes centros urbanos – é por esta gente que governos e associações de classe deveriam chegar a um acordo rápido para solucionar o problema.

Ninguém pode defender que os médicos estrangeiros, cuja formação não se conhece, comecem a trabalhar sem passar pelos filtros legais e pelo exame de revalidação de diploma que testa a formação profissional. De outra parte, em tempos de globalização, não se pode simplesmente apelar para uma reserva de mercado para impedir que profissionais formados em outros países trabalhem no Brasil, especialmente se considerarmos que muitos estudantes brasileiros – inclusive de Medicina – estão buscando formação no Exterior. O que cabe, isto sim, é obrigar prefeituras e instituições de saúde do Brasil profundo a oferecer prioritariamente as vagas disponíveis a profissionais brasileiros, com prazo para a aceitação das condições oferecidas. Se no período combinado ninguém se dispuser a trabalhar pelos salários que as prefeituras podem pagar, seja pela falta de estabilidade ou de infraestrutura adequada, então estas vagas devem ser preenchidas pelos estrangeiros habilitados. O que não pode, por ser insensato e desumano, é deixar a população sem atendimento médico enquanto se discute indefinidamente a inexistência de centros de saúde modernos nessas periferias.

Assim como não se faz saúde sem médico, também não se cria uma rede hospitalar equipada e moderna do dia para a noite. O Brasil negligenciado e doente precisa com urgência de atendimento. Depois se discute um sistema ideal.



DO LEITOR ZERO HORA

Médicos cubanos

Creio que o colunista Paulo Sant’Ana (ZH do dia 11) precisa se informar melhor. De onde ele tirou que a categoria médica é contra a importação de médicos? A contrariedade se dá nos moldes que se anuncia tal medida, ou seja, sem revalidação ou prova de capacidade dos médicos.

Em 2012, 89,4% dos postulantes à revalidação não conseguiram passar na prova, em que qualquer estudante brasileiro de nossas faculdades é aprovado. É o mesmo que importar pilotos de Boeing sem revalidar o brevê.

Ricardo A. Zordan, Médico – Porto Alegre

Trazer médicos de Cuba é um erro estratégico absurdo. Precisamos de um plano de carreira para médicos, dentro do sistema público, que seja atrativo, à semelhança do que acontece no Ministério Público e na Justiça.

Tempo longo de formação, especialização, atualização constante e a complexidade das ações desenvolvidas não são remuneradas de acordo, logo há desinteresse no atendimento. Se os usuários do SUS soubessem como é o real financiamento da saúde, dariam razão aos médicos e aos hospitais.

João Pedro Cunha Calçada, Médico – Cruz Alta

CADÊ O MÉDICO

ZERO HORA 16 de maio de 2013 | N° 17434

PAULO SANT’ANA



Recebi do prefeito desta capital um interessantíssimo e-mail sobre a hipótese da importação de 6 mil médicos cubanos para atender a população desassistida. É uma visão do outro lado, o das prefeituras. Ei-la:

“Uma das coisas que mais angustiam os prefeitos de todas as cidades é não conseguir atender com presteza e qualidade as demandas da área da saúde. Os municípios investem muito acima do preceito constitucional nessa área, mas o retorno sempre é inferior ao esperado. Busca-se uma boa estrutura nas Unidades Básicas de Saúde, mas esse esforço cai por terra pela falta de médico para o atendimento da população de baixa renda.

E esse é um problema que tem se agravado no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, só no Programa Saúde da Família (PSF) faltam mais de 6 mil médicos para completar as equipes. Para cada concurso público realizado, aparece apenas meio médico por vaga, enquanto em outras áreas, como a do magistério, dezenas são os candidatos por vaga.

Mesmo que o número de médicos no Brasil seja expressivo, eles não estão dispostos a trabalhar nas pequenas e médias cidades, nem nos bairros periféricos das grandes cidades. Em Porto Alegre, centenas de médicos desejam trabalhar no HPS, no Clínicas, no Conceição, no Presidente Vargas. Mas são poucos os que se dispõem a ir para uma unidade da Bom Jesus, Lomba do Pinheiro ou Vila Cruzeiro, exatamente onde está concentrada a população de mais baixa renda.

Diante dos recorrentes e gravíssimos problemas enfrentados pela população brasileira em função da falta de médicos na rede pública de saúde, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) desencadeou a campanha nacional ‘Cadê o médico?’.

Defendemos a contratação de profissionais formados no Exterior em países ibero-americanos, através da adoção de critérios técnicos rigorosos, com a finalidade de suprir a carência de médicos no Programa Saúde da Família, instrumento fundamental para aproximar a saúde do morador de periferia e de baixa renda.

Em apenas três dias, mais de 2,5 mil prefeitos e 4 mil secretários da Saúde assinaram a petição, endossada recentemente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Temos consciência de que os desafios da saúde pública são muitos: mais recursos, qualificação da gestão, melhor infraestrutura e valorização dos profissionais. Enquanto trabalhamos para que isto aconteça, temos que garantir o atendimento médico a toda a população. Por isso, a FNP defende, além de brasileiros, a contratação de médicos ibero-americanos para que toda a população tenha o atendimento adequado a que tem direito.

Abraços, ass.) José Fortunati, presidente da Frente Nacional de Prefeitos”.

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Vejam que o prefeito Fortunati praticamente elucida o dilema: quem pediu para que fossem trazidos os médicos cubanos foram os prefeitos, eles é que sabem onde lhes apertam os calos.

Entidades médicas reclamam de que o poder público tem de fazer concursos para médicos. Mas, quando os concursos são abertos, não aparecem médicos para inscrever-se. Sabem por quê? Porque os aprovados serão lotados em locais em que os médicos não querem trabalhar.

Ora, os cubanos trabalham em qualquer lugar e até, convém dizer, por salários que os médicos brasileiros não querem aceitar.

Mas tem de haver médicos em todos os locais, até nos indesejados pelos médicos brasileiros.

Entonces, que vengan los cubanos! Porque o que importa é a Saúde.




quarta-feira, 15 de maio de 2013

IMPORTAÇÃO DE MÉDICOS

FOLHA.COM 15/05/2013 - 03h30

Hélio Schwartsman

SÃO PAULO - Os médicos estão revoltados com o governo brasileiro, que pretende importar 6.000 profissionais de saúde cubanos para trabalhar em lugares onde existem vagas e elas não são preenchidas. Para nossos valorosos doutores, a medida ameaça a saúde pública.

Tenho uma visão menos dramática. É verdade que o plano do governo dificilmente funcionará. As prefeituras mais remotas nas quais a falta de médicos é crônica já oferecem há tempos um salário bem acima da média do mercado. Se nem assim conseguem atrair e reter o profissional, é porque o problema não está restrito a vencimentos. O médico não fica porque as condições de trabalho ali são precaríssimas.

Os cubanos até poderão resistir por mais tempo nessa situação, mas, se nada for feito para resolver as dificuldades estruturais, estaremos apenas fingindo que oferecemos um atendimento decente. A substituição da mão de obra local por um exército de reserva, se é lícito utilizar o vocabulário marxista, não passa de um paliativo.

A grita contra os cubanos, contudo, é em larga medida uma reação corporativista. Mesmo que eles não tenham uma formação comparável à dos brasileiros, num raciocínio bem consequencialista, é melhor para o sujeito que procura um serviço de saúde ser atendido por alguém que tenha algum conhecimento do que ficar sem assistência nenhuma.

Cabe ainda perguntar quais seriam os resultados se os médicos brasileiros fossem submetidos à mesma prova que fazem os estrangeiros que tentam validar seu diploma. Os números do último exame do Cremesp não autorizam muito otimismo.

No mais, associações e conselhos médicos insistem na tese de que o Brasil já tem mais profissionais do que precisa sem nunca tê-la demonstrado. É natural que entidades de classe digam isso. O governo deve ouvir seus argumentos, mas não necessariamente atender a seus pleitos.



Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

OS PLANOS DE SAÚDE E O SUS

O Estado de S.Paulo 15 de maio de 2013 | 2h 09

OPINIÃO

A informação de que vem aumentando o número de pacientes que têm plano de saúde e mesmo assim recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) não condiz com as imagens dos sistemas público e privado de saúde. A do primeiro lembra serviços precários e hospitais lotados, com pacientes espalhados pelos corredores, e a do segundo é imediatamente associada a pessoas que podem pagar para escapar desse pesadelo. Mas a verdade é que, de 2005 a 2010, último ano sobre o qual há dados disponíveis, o aumento de internações de clientes dos planos em hospitais do SUS foi de nada menos do que 59,7%, segundo reportagem do jornal O Globo.

As razões que levam um número crescente de pacientes que pagam por planos a optar pelo SUS, em vários casos, apontam para problemas que devem merecer maior atenção das autoridades. Entre elas estão a demora de atendimento, a falta de vagas na rede privada, a recusa de cobertura de determinados procedimentos pelos planos e o encaminhamento obrigatório de pessoas acidentadas para hospitais públicos.

A essas razões se soma o que o diretor de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Bruno Sobral, chama de menor abrangência geográfica dos planos - muitas pacientes procuram unidades públicas de acompanhamento pré-natal, porque estão mais perto de sua casa.

Por isso, isoladamente, o aumento do número de atendimentos em pré-natal, parto e pós-parto foi de 67,3%. Finalmente, alguns hospitais públicos atraem pacientes dos planos por serem centros de excelência no tratamento de determinadas doenças.

O governo vem tomando medidas para resolver os problemas de demora de atendimento e recusa de cobertura pelos planos. Em 2011, a ANS fixou prazos máximos para a marcação de cirurgias, exames de laboratório e consultas. E neste ano a agência determinou que as empresas operadoras dos planos criem ouvidorias para receber reclamações de seus clientes - entre as quais figuram com destaque as recusas de cobertura - e procurar soluções para elas, evitando que os conflitos sejam resolvidos pela Justiça, em processos caros e demorados.

Se essa última medida vai funcionar, só saberemos daqui a um ano, quando as ouvidorias começarem a funcionar. Quanto aos prazos fixados pela ANS, o respeito a eles depende de uma melhor organização do serviços, mas principalmente da capacidade de atendimento das redes de médicos, laboratórios e hospitais do setor, que estão sabidamente operando no seu limite. Esse é o verdadeiro problema. Por isso, em vez de apenas estabelecer prazos e penalidades, o governo deve pensar em formas de possibilitar a ampliação daquelas redes.

Afirma o diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), José Cechin, que o setor de saúde privada, em seis anos, aumentou em 22,1% o número de seus leitos hospitalares, enquanto o do SUS caiu 5,7%. Essa é uma situação que, obviamente, não responde ao crescimento da procura dos serviços, tanto do SUS como dos planos de saúde.

O problema, como se vê, é geral e não se resolve com medidas paliativas. Cobrar dos planos pelo atendimento prestado pelo SUS, como vem sendo feito, não ajuda muito. Além do que, não se pode esquecer que todo cidadão, cliente ou não de planos de saúde, tem direito ao SUS. Esse caso prova que o governo está enganado, se pensa que o fato de os planos terem hoje cerca de 62 milhões de clientes diminui suas responsabilidades de investir na rede de saúde pública.

A solução está na ampliação e modernização dessa rede - o que passa pela atualização da tabela de procedimentos dos SUS, que cobre apenas 60% dos custos, ameaçando a sobrevivência das Santas Casas e hospitais filantrópicos, responsáveis por 45% dos seus atendimentos - e na adoção de medidas para impedir que as empresas de planos de saúde assumam mais obrigações do que podem cumprir.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

COMO 6 MÉDICOS DERRUBAM 6.000..CUBANOS



Dra Juliana Mynssen

Hoje quase bati meu carro. Na curva próximo a entrada do hospital do plantão.

A BandNews anunciava o acordo do governo petista de Dilma, a feia, para a importação de 6.000 médicos para os locais insólitos do País.

Porque falta médico..... Porque falta....

Às 6 horas da noite chegava no hospital. Mas o meu plantão só começa às 8... 

Estava fugindo do engarrafamento mais cedo quando uma amiga mandou uma mensagem: "o plantão está fogo. Estava entrando numa apendicite e chegou um baleado". E lá foi a Ju atrás de sangue. Ok.

Os mais sensíveis não podem mais ler.

"Como se opera um baleado de abdome e perna no SUS?" Lições para ...a vida (?.)

Falta sangue. Hoje não tinha nenhuma bolsa de sangue no hospital. Nenhuma.

Falta ortopedista. O estado passa por uma grande crise de contratação - há médicos - mas falta a burocracia para estabelecer contratos de emprego. E falta dinheiro para concursos públicos com salários dignos. E aí, estão em casa... Esperando resolver.

E aí o chefe da ortopedia veio de casa para operar o paciente.

Faltam fios cirúrgicos. Falta antibiótico. Falta vaga no CTI. E o centro cirúrgico vira pós-operatório, cheio de pacientes aguardando uma vaga no CTI...

E aí, eu estava esperando a circulante de sala voltar com material, cirurgia parada, e reclamei (aahh como reclamo!) que faltavam mais circulantes na sala com um paciente grave!

Eram 2 anestesistas, 2 cirurgiões gerais, 01 cirurgião vascular, 01 cirurgião instrumentando (é, grande parte do SUS não paga por instrumentadoras, então o médico faz esse outro papel), 01 ortopedista no lado de fora e outra equipe de 02 cirurgiões na emergência. 

E aí disse.... "Eu tenho 6 médicos em sala e só uma circulante para fazer tudo??" (6 e 1/2, Ortopedista é café-com-leite, né?). E quando penso em sair... "Nãooo sua louca, lá fora os outros estão pior!"

Só me resta perguntar: importaremos de Cuba também macas? Fios? Antibióticos (hiii a Anvisa...)? 

Enviaremos pacientes para os CTIs de lá? (Já vejo a FAB envolvida..) E sobre regras de transfundir sangue cubano por aqui? Aahh, conheço alguém na "Comissão dos Direitos Humanos" que vai adorar esse tema!

Os Castros vão fornecer o quê mais?

- Falta dignidade.
- Falta salários.
- Falta gente (brasileira) capacitada e bem-formada.

Vamos falar do interior? Dos locais inóspitos?

- Faltam estradas para ambulâncias.
- Falta água e saneamentos para as doenças infecto-contagiosas.
- Falta o povo saber ler a receita médica.

Estive no Pará para treinar médicos com o ATLS. Tinham médicos lá. Mas na cidade, faltou luz e demos aula no gerador.

Revalidar o diploma de médicos estrangeiros não é o problema.

Precisamos revalidar o diploma de quem rege o nosso país.

Mas, como Lula nunca se importou mesmo com Educação, isso não deve ser importante.

Falta muita coisa.... Ah, se não falta. Tadinha de Cuba. Uma ilha tão pequena para resolver a carência de tanta coisa... Quando souber no que se meteu.... Haja charutos!



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Quando não se valoriza a prata da casa, não é o bronze de fora que vai resolver a dívida. A vinda de médicos cubanos vai é incrementar ainda mais as divergências, as distorções e a desvalorização do potencial humano que temos no Brasil e que não é dado a devida importância pelo Estado e pela sociedade organizada. É claro, que há uma máfia branca agindo nas brechas das leis, da negligencia, do descaso e da inoperância do Estado nas questões de saúde pública.

E esta pode ser debelada se o Estado resolver valorizar médicos e agentes de saúde com salários dignos e condições de trabalho; estruturar corpos médicos civis em níveis federal, estadual e municipal; impedir o desvio de recursos da saúde; e focar seus esforços, investimentos, comprometimento e responsabilidade neste direito social garantido pelo constituição brasileira e promotora de dignidade e qualidade de vida para a população.