domingo, 12 de maio de 2013

SOBRAM REGRAS, FALTA FISCAL


ZERO HORA 12 de maio de 2013 | N° 17430

LEITE ADULTERADO

A legislação brasileira do setor é considerada de nível internacional, mas há pouco efetivo para fiscalizar e fazer os testes necessários a fim de detectar algum tipo de problema no produto


CADU CALDAS E ERIK FARINA

Com uma legislação considerada por especialistas como de padrão internacional e tecnologia de ponta para aplicação de testes, a falta de fiscalização é apontada como a grande chaga do setor do leite no país. Os testes do Ministério da Agricultura e da Secretaria da Agricultura do Estado costumam ser feitos diretamente no produtor ou em postos de refrigeração, mas são mais frágeis quando precisam averiguar a qualidade do produto durante o transporte e na indústria. Os fabricantes, por sua vez, muitas vezes acabam falhando no controle em razão do elevado volume de produtos que recebem.

– Os testes são feitos no leite cru, pois se espera que a indústria controle seu produto. O problema é que, como há muitos fornecedores e um movimento constante na fábrica, pode ocorrer de nem todo o leite ser submetido aos testes, e possíveis fraudes não sejam detectadas – diz Jorge Schulz, coordenador do Centro de Pesquisa em Alimentação da Universidade de Passo Fundo.

De acordo com especialistas, a falta de fiscalização pode ter facilitado a ocorrência de fraudes no Rio Grande do Sul, apresentadas pela operação Leite Compen$ado, do Ministério Público no Estado, que na quarta-feira revelou um esquema no qual transportadores adicionavam ureia, formol e água ao leite para aumentar o rendimento.

Com apenas sete fiscais e 18 agentes de inspeção, o Ministério da Agricultura é responsável por vistoriar quase todas as indústrias gaúchas de leite, já que a maioria vende o produto para outros Estados. Três das quatro unidades que receberam leite adulterado eram fiscalizadas pela esfera federal.

– Não é um problema exclusivo do Rio Grande do Sul. Em Goiás, por exemplo, ocorre o mesmo problema. Se dobrar o número de fiscais, ainda é pouco – afirma o coordenador do Laboratório de Qualidade do Leite da Universidade Federal de Goiás, Rodrigo Balduino.

Apenas uma marca investigada pelo Ministério Público, a Latvida, estava sob responsabilidade estadual. Ainda que monitore apenas duas indústrias de leite UHT no Rio Grande do Sul, a coordenadoria de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Secretaria da Agricultura (Cispoa) só descobriu que a VRS, fabricante da Latvida, continuava em operação 22 dias após ser proibida de envasar leite – e porque o Ministério Público alertou da irregularidade.

Dessa forma, produto sob suspeita e fabricado em um ambiente inadequado continuou sendo vendido para cerca de 40 estabelecimentos comerciais em todo o Rio Grande do Sul. A Cispoa tem cerca de 300 inspetores e fiscais de agroindústrias de produtos de origem animal, como fábricas e entrepostos.

O órgão não informa, no entanto, quantos são responsáveis por acompanhar a produção de leite.

testes são confiáveis, mas precisam ser aplicados

Embora seja comum em todo o país, a falta de fiscais não é regra para todos os setores agropecuários. A pesquisadora Darlene Venturini Moro, coordenadora do Programa de Análise de Rebanhos Leiteiros do Paraná, compara as cadeias de carne e de leite para mostrar a carência de fiscais:

– Há sempre agentes presentes na indústria de carne, mas não existe a mesma facilidade para encontrar um fiscal em postos de resfriamento. Como boa parte da carne do país é exportada, os critérios de controle são muito mais rigorosos – avalia.

Existem ainda problemas no método dos testes, que estão em constante alteração e cujos resultados podem mudar conforme a situação do gado. De acordo com a coordenadora do Laboratório de Análise da Qualidade do Leite da Universidade Federal de Minas Gerais (LabUFMG), Mônica Pinho Cerqueira, os testes rápidos aplicados nos centros de resfriamento e depois na indústria deveriam detectar a quantidade excessiva de ureia no produto. Mas como a variação de ureia no leite muda de acordo com a raça da vaca e com a alimentação do animal, quantidades excessivas podem ter passado despercebidas.

– A cadeia do leite é muito frágil. Fraude é questão de polícia. Os testes são muito confiáveis, mas precisam ser aplicados para ter efetividade – afirma Mônica.

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