domingo, 12 de maio de 2013

A FRAUDE QUE ENJOOU OS GAÚCHOS



ZERO HORA 12 de maio de 2013 | N° 17430

LEITE ADULTERADO. Consumidores se surpeenderam ao saber que podem ter bebido 600 mil litros de leite contaminado
CAIO CIGANA

Os gaúchos ainda se estarreciam com o escândalo das licenças ambientais quando a descoberta de uma nova fraude fez o Rio Grande do Sul novamente amanhecer perplexo na quarta-feira passada. Desta vez, o crime tornado público era a adulteração de leite. Sinônimo de saúde, continha ureia e formol substância cancerígena devido à ação de transportadores em busca de lucro fácil.

Depois de um ano do começo de investigações, em abril de 2012, quando os primeiros lotes adulterados foram identificados em análises do Ministério da Agricultura, a operação Leite Compen$ado foi deflagrada em Ibirubá, Guaporé e Horizontina. Com o Ministério Público (MP) à frente da ação, foram presas oito pessoas ainda na quarta-feira e um nono acusado se apresentou à Polícia Civil no dia seguinte.

Após a coleta nas propriedades, os atravessadores faziam a adulteração antes de entregarem o leite nas indústrias. Chegavam a colocar água de poço para ganhar em volume e adicionavam ureia para evitar que a diluição fosse detectada nos testes.

Estima-se que, durante um ano, cerca de 100 milhões de litros foram transportados pelos fraudadores. Como consequência da operação, foram retirados, ainda na quarta-feira, lotes específicos de três marcas: Italac, Líder e Mu-mu. Uma quarta, Latvida, teve produção e venda totalmente proibida por falta de condições adequadas na indústria. Somados os lotes, cerca de 600 mil litros chegaram ao mercado desde junho de 2012.

As interceptações telefônicas do MP mostrariam que os envolvidos tinham ciência do risco à saúde. Em uma das conversas, um transportador orientava a separação de leite ainda não fraudado para seus filhos.

Na quinta-feira, a VRS Indústria de Laticínios, dona da Latvida, foi proibida de envasar outras três marcas: Hollmann, Goolac e Só Milk. A empresa de Estrela foi punida por ignorar determinação da Secretaria da Agricultura de parar a produção. No dia seguinte, foi descoberto que o leite Latvida, mesmo com venda proibida desde 1º de abril por deficiências estruturais da empresa, foi consumido por cerca de 600 crianças e adolescentes em situação de risco abrigados pela Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul.

Para o produtor José Ernesto Ferreira, vice-presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do RS (Gadolando), é importante o consumidor não confundir uma fraude pontual com a credibilidade do setor.


Motorista surge como um dos pivôs

Desafeto de suspeitos presos por fraudar o leite é apontado como um dos delatores do esquema


CARLOS WAGNER E FERNANDO GOETTEMS
O caso de um motorista de caminhão que trabalhava em Ibirubá e Tapera, no recolhimento e na entrega de leite, poderá se tornar uma peça importante na apuração da fraude do produto. Ele alega ter sido vítima de agressão física e ameaça de morte, por dois dos presos na operação Leite Compen$ado.

Procurado por Zero Hora, o motorista disse que havia sido aconselhado por seu advogado a não falar. Mas a sua trajetória é conhecida entre os profissionais que trabalham no recolhimento e na entrega de leite no Vale do Taquari.

A história começa em 2010. Na ocasião, um posto de recebimento de leite em Teutônia, cidade agrícola na região de Lajeado, teria se recusado a aceitar o produto entregue pelos dois suspeitos. A alegação era de que o leite havia sido fraudado. Chegou aos ouvidos da dupla que o responsável pela situação seria o caminhoneiro. Eles teriam contratado então dois homens, que perseguiram o caminhão de entrega de leite em Soledade e agrediram o motorista. Nos dias seguintes, o patrão do caminhoneiro teria sido pressionado a demiti-lo. A partir daí, o motorista passou por diferentes empregos. Ele acusa os dois suspeitos agora presos de pressionar os empregadores a demiti-lo.

Na época, a dupla estaria envolvida em uma fraude no leite com bicarbonato de sódio e gordura de sorvete, ureia, soro de queijo e um conservante. A fórmula da fraude teria sido comprada por eles, por R$ 5 mil. Eles chamava de “leite transgênico”. A farsa foi descoberta porque, passados 10 dias, a embalagem estufava. Então, os dois teriam modificado a fórmula de adulteração.

Em março de 2013, quando o Ministério Público e a fiscalização do Ministério da Agricultura começaram a encurralar os suspeitos e outros envolvidos na operação Leite Compen$ado, o motorista voltou a ser apontado pela dupla como responsável por revelar a fraude às autoridades. Novamente o caminhoneiro foi agredido, só que, dessa vez, supostamente pela dupla. Os dois teriam cercado o caminhoneiro no pátio de entrega em um posto de leite. Ele teria corrido e se refugiado na cabine do caminhão que dirigia. Então, um dos homens teria encostado um revólver no pescoço dele. A agressão não foi adiante, porque outros caminhoneiros teria contido a dupla.

Três núcleos são alvo central da investigação

Antonio Carlos Hochmuller, advogado de um dos suspeitos, disse que não tomou conhecimento dos detalhes do caso para falar a respeito das acusações. Leonardo Bussolotto, advogado de outro suspeito, não retornou a ligação.

No testemunho de amigos do caminhoneiro, sempre que acontecia algum problema com a fiscalização do leite, os fraudadores o culpavam. Embora os envolvidos com a investigação não entrem em detalhes, a história do caminhoneiro poderá ser um dos pontos importantes na apuração das responsabilidades da fraude do leite.

Só que a investigação do MP não se baseou apenas em depoimentos. Ela acompanhou o movimento dos suspeitos por meio de escutas telefônicas. A operação dividiu a apuração em três núcleos: em Ibirubá, considerado um dos mais importante pelo volume da fraude, onde o motorista é uma das peças que podem desvendar o mistério.

Os outros dois núcleos de investigação se concentram em Guaporé, onde o promotor Mauro Rockenbach deverá estar nesta segunda-feira. E o de Horizontina, onde a figura central é um vereador.

Pelas informações até agora apuradas, Rockenbach diz que não encontrou nenhuma ligação entre os três núcleos. A única coisa em comum é o modo como fraudavam o leite.

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