sexta-feira, 10 de maio de 2013

ENTRE A PUNIÇÃO E A SAÚDE

ZERO HORA 10 de maio de 2013 | N° 17428

LEITE ADULTERADO


Ao identificar a fraude no leite, a Superintendência do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul e o Ministério Público Estadual (MP) precisavam decidir: alertar imediatamente a população ou aprofundar investigações para garantir a punição dos responsáveis.

Escolheram a segunda opção, que tardou meses, cientes do risco à saúde pública. Há contradições quanto à época de constatação das fraudes. Na versão do MP, a superintendência teria verificado a presença de formol em uma amostra de leite em abril de 2012. O superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, diz que os problemas foram detectados entre outubro e fevereiro, quando o Ministério Público foi acionado.

– Em tese, o que se deve salvaguardar é a saúde pública. Depois de estancado o dano, a investigação poderia continuar para identificar a autoria do crime – destacou Fernando Soares, titular da Delegacia de Proteção ao Consumidor (Decon).

Soares cita o artigo 267 do Código Penal, que salienta a obrigação de alertar a população em caso de risco à saúde. Responsável pelo caso, o promotor Mauro Rockenbach reconhece que a sociedade poderia ter sido avisada antes, mas ressalta as consequências:

– O crime persistiria, e os responsáveis ficariam impunes.

Signor garante que os produtos foram apreendidos e inutilizados ou, quando já estavam nos mercados, passaram por recall. O superintendente julga ser “ínfima” a quantidade de leite adulterado consumido.

– Alertar a população não adiantaria nada. Só atrapalharia – diz.

Na tomada de decisão, não foram feitos estudos para avaliar se o leite adulterado representava risco grave à saúde pública.

– Nos informaram que, ao receber uma carga de mil litros de leite com formol, a indústria junta num tanque de 200 ou 300 mil litros de leite bom. Acaba diluindo. Procuramos destruir o produto adulterado na origem e fazer recall – afirma Rockenbach.

CARLOS ROLLSING


Música sertaneja no rádio orienta fraude


Além de adulterar o leite adicionando água e ureia, como aponta o Ministério Público, os investigados na fraude de leite se comunicavam de uma forma peculiar: no núcleo de Ibirubá, o contato entre o grupo era feito por meio do rádio. Como tinham dificuldade no sinal de telefone celular, muitas vezes a comunicação era feita por código.

Um deles era o pedido de músicas nas rádios locais, revela o promotor Mauro Rochembach, responsável pela operação Leite Compen$ado.

– Eles pediam música para a rádio. Mais ou menos assim: “eu ofereço a música tal do Chitãozinho e Xororó para o meu amigo fulano”. Quem estava ouvindo sabia que tinha de ir para um determinado lugar – conta.

Segundo o agente de Polícia Civil Paulo Renato Kleinick, responsável pelas interceptações telefônicas da operação, geralmente o pedido era de música sertaneja.

– Dessa forma, eles também avisavam os motoristas dos caminhões que não era para chegar no entreposto e evitar descarregar o produto quando havia fiscalização – afirma.

Durante cerca de dois meses, o Ministério Público investigou o esquema de adulteração de leite no Rio Grande do Sul.

– Eu tinha uma necessidade de deflagrar essa operação o mais breve possível, para que a população soubesse da gravidade e do risco que estavam correndo, o de consumir leite com essa substância cancerígena (formol) – diz o promotor Rochembach.

Na próxima semana, a investigação prossegue em Guaporé, na Serra, onde foi preso o empresário Leandro Vicenzi, apontado como dono de uma transportadora com mais de 30 caminhões de leite.

– Na segunda-feira, deveremos estar lá, onde será oferecida denúncia. Depois sigo para Horizontina, onde tenho mais tempo para trabalhar, já que não houve prisão – afirma Rochembach.

Em Horizontina, no noroeste do Estado, um vereador é investigado por adulteração do leite. Nesta sexta-feira, Rochembach vai ouvir seis pessoas do núcleo de Ibirubá, investigadas na operação Leite Compen$ado: João Cristiano Pranke Marx, Angélica Caponi Marx, João Irio Marx, Alexandre Caponi, Daniel Riet Villanova e Paulo Cesar Chiesa.

E ainda hoje o promotor pretende apresentar denúncia à Justiça desse núcleo por formação de quadrilha (pena mínima de um ano, de acordo com o artigo 288 do Código Penal) e pelo crime hediondo de corrupção de produtos alimentícios, que prevê pena mínima de quatro anos de reclusão, segundo o artigo 272 do Código Penal.

Ontem à tarde, o promotor entregou à Justiça documentos, anotações, fórmulas e outros materiais apreendidos durante a operação.

FERNANDO GOETTEMS | IBIRUBÁ

A ORIGEM DO FORMOL Como se identificou a substância

- Foi o formol que levou os investigadores a descobrir que, além da água, o leite era adulterado com ureia, detalha Jerônimo de Menezes Friedrich, engenheiro químico da Promotoria Especializada de Justiça do Consumidor.

- Quando testes para formol deram positivo, os investigadores passaram a procurar substâncias com esse ingrediente na composição, como a ureia. O formol não era adicionado, estava na ureia.

- A ureia, explica Friedrich, é usada para mascarar a adição de água ao leite. Tem dupla função: repor a perda das características originais do produto, e driblar testes de congelamento capazes de apontar a presença de água.

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