quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A SAÚDE QUE QUEREMOS



JORNAL DO COMERCIO 28/08/2014


Stephen Stefani




Em uma coisa todos os candidatos à presidência concordam: a saúde que temos está longe do ideal. Enquanto mundialmente se tenta acompanhar o movimento de construção científica alinhada com efetividade, segurança e qualidade, nosso modelo é construído para sobreviver com o menor recurso possível. Um exemplo é a necessidade de pregão pelo menor preço em compras públicas de medicamentos – que tem todo sentido para segurança financeira, mas pagamos o preço de reduzir a qualidade. A lentidão é, da mesma forma, outro dilema. Uma forma de tentar contornar o problema é a inclusão de pacientes em protocolos de investigação científica, com financiamento internacional. Neste cenário, o paciente recebe, no mínimo, o tratamento considerado padrão ideal, sem custo. Aí se esbarra na burocracia que dificulta a participação do País na agenda científica mundial. O acesso à informação, por outro lado, é ágil e fácil. Pacientes e/ou familiares sabem das limitações do sistema coletivo e buscam legitimamente seu direito individual, nem que tenham que lutar por isso.

O Rio Grande do Sul é líder nacional em judicialização de saúde, com quase 2 mil casos novos todo mês, com mais de 60% dos gastos de medicamentos da Secretaria de Saúde para cumprir decisões judiciais. Muitas são demandas tecnicamente pertinentes – resultado da ineficiência pelos meios convencionais – outras carecem de amparo técnico crítico. A tentativa de explicar a deficiência de todo sistema pelo número de profissionais – e adotar o programa Mais Médicos como solução - tem graves erros, com um debate quase irracional. Com acusações de corporativismo, demagogia, esperteza política, financiamento de ditaduras e modelo facilmente passível de corrupção e caixa-dois, o paciente segue desassistido, principalmente quando existe um mínimo de complexidade. São todos sintomas que o sistema está doente e clama por tratamento. E a receita é antiga: efetividade, segurança e qualidade.

Médico

TROTES PARA A SAMU PREJUDICAM ATENDIMENTO

ZH 27/08/2014 | 18h28

Samu identifica homem de 39 anos que passou três mil trotes em 2014, O Serviço de Urgência registrou, só neste ano, quase 33 mil ocorrências falsas e brincadeiras, que correspondem a 21% das ligações atendidas



Serviço do Samu recebeu quase 33 mil trotes no primeiro semestreFoto: Jean Schwarz / Agência RBS


O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Porto Alegre identificou o homem responsável pelo maior número de trotes ao serviço neste ano. Foram mais de três mil ligações de três celulares diferentes apenas no primeiro semestre.

Segundo a Coordenadora Geral do Samu Municipal, Miriá Patines, o homem tem 39 anos e fazia as ligações na tentativa de seduzir as atendentes com frases de cunho sexual.

— Os pais desconheciam que ele ligava de três celulares diferentes da família e explicaram que ele tem problemas, dificuldade de aprendizado. Ele é inclusive acompanhado pelo Serviço de Saúde. Ficaram muito sensibilizados com a conversa que tivemos — explicou.

Após o caso ser descoberto, no final de julho, os trotes cessaram. Mas o Samu informou que a família pode ser responsabilizada criminalmente se as ligações voltarem a acontecer.

— Mesmo que ele mude o número do telefone, já sabemos quem é. Conhecemos a voz dele — avisou Miriá.

Foram quase 33 mil trotes ao Samu em 2014, que correspondem a 21% do total de ligações atendidas pelo Serviço.

— Não é um dos piores índices do Brasil, algumas cidades enfrentam 40% de trotes. Mas é considerável. A ligação dura um, dois minutos, até que possamos identificar que é brincadeira. São muitas horas perdidas — lamentou ela. — E é difícil identificar, ir atrás. Muitas vezes ligamos de volta e as pessoas não atendem.

Duas crianças, que faziam chamadas de um celular e de um telefone público, também foram identificadas.

— As crianças menores brincam e querem conversar. Os pré-adolescentes são mais teatrais, o que é ainda mais complicado. Muitas vezes temos dificuldade de saber se a denúncia é verdadeira ou falsa. A ambulância chega a se deslocar com equipe e equipamento. Dependendo da brincadeira, podemos deslocar até uma UTI, com médicos, enfermeiros. Podemos deixar de atender algum caso grave para ir atrás de uma brincadeira — comentou a Coordenadora.

O Samu Municipal atua com apenas seis atendentes mesmo no horário de pico, entre 10h e 22h, quando a população flutuante, que mora nas cidades vizinhas, está na capital a trabalho.

— Nesse momento, em que Porto Alegre chega a ter mais de dois milhões de habitantes, nossas seis atendentes podem estar ocupadas. A sétima chamada vai ter que aguardar. Se uma das seis for um trote, algum caso grave vai ficar esperando por causa de uma brincadeira ou de um mau-caratismo.

Mais de 800 câmeras do EPTC e da Guarda Municipal fazem parte da operação e ajudam no controle das ocorrências, muitas vezes monitorando o atendimento em tempo real. Mas é importante que os pais fiquem atentos para que casos como esses não se repitam.

— Queremos trabalhar a educação das pessoas, para que entendam que esse é um problema que pode atingir qualquer um de nós — concluiu Miriá.



terça-feira, 26 de agosto de 2014

EMERGÊNCIAS LOTADAS

CORREIO DO POVO 26/08/2014 15:09

Marco Aurélio Ruas / Correio do Povo

Emergências dos hospitais de Porto Alegre estão lotadas. Orientação é que pacientes com casos que não sejam graves procurem as unidades de saúde



Alguns hospitais de Porto Alegre apresentam lotação das emergências
Crédito: Samuel Maciel


Praticamente todas as emergências dos hospitais de Porto Alegre estão lotadas nesta terça-feira. Algumas chegaram a operar com mais do que o dobro da capacidade.

No Hospital Conceição (GHC), o setor, que dispõe de 64 leitos para o Sistema Único de Saúde (SUS), estava recebendo 128 pacientes no final da manhã. Segundo o médico emergencista do Núcleo Interno de Regulação de Leitos do Conceição, Celso Alves, as doenças respiratórias, cardiovasculares, além das decorrentes de patologia oncológica, são as mais diagnosticadas em pessoas que procuram a emergência da instituição. “Outros casos, de baixa complexidade, podem ser atendidos pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS)”, revelou.

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) está atendendo apenas casos de urgência, pois 110 pessoas recebiam atendimento nos 41 leitos da instituição. No Complexo Santa Casa de Misericórdia também foi registrada a superlotação do setor de atendimento a adultos pelo SUS. É o caso do Hospital Santa Clara, onde 40 pacientes ocupavam os 26 leitos disponíveis. Já no Hospital Dom Vicente Scherer, que atende conveniados, a situação estava mais normalizada, com 15 adultos sendo atendidos nos 14 leitos da instituição.

Atendendo apenas a convênios, o Hospital Ernesto Dornelles operava com restrição, já que têm 14 leitos, e atendia a 18 pacientes. Outros casos foram encaminhados a instituições que recebessem os mesmos convênios. Recebendo apenas casos graves, o Hospital São Lucas operava com a proporção mais grave, atendendo 42 pacientes tendo apenas 13 leitos disponíveis. As emergências pediátricas das instituições funcionam normalmente.



A SAÚDE NA FILA


ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903


EDITORIAL


O sistema caro e precário de marcação de consultas é uma prova de como a gestão ineficiente conspira contra os serviços e a imagem do SUS.


A saúde pública gaúcha está diante de mais uma evidência de que suas deficiências devem muito à incompetência administrativa. O caso do precário sistema de marcação de consultas, contratado pelo Estado e pela prefeitura de Porto Alegre, junta-se a outras provas como bem mais do que um exemplo de desperdício de recursos. O sistema que não funcionava representa um descaso com os usuários do SUS, já maltratados pela falta de médicos especializados, pelas emergências lotadas e pelas filas de quem espera por uma cirurgia. O sistema inoperante, contratado por altas somas, foi denunciado por ação do Ministério Público, no ano passado, mas continuou sendo usado. E somente veio a público agora com a divulgação de um relatório do Tribunal de Contas do Estado, com o alerta de que é preciso interromper um contrato lesivo para todos.

A lista de falhas é grande e deve ser investigada a fundo, para que se esclareça se vão ao limite da ineficiência ou se caracterizam delitos. As consequências são conhecidas. O sistema não foi suficiente para reduzir as filas de quem precisa de atendimento. Não há como justificar que alguém que precise de consulta com pneumologista, em Porto Alegre, fique quatro anos na fila, ou que a espera por um psiquiatra dure até três anos. O TCE apurou que 164 mil pessoas do Interior aguardavam, em agosto de 2013, por um especialista em Porto Alegre, num aumento de 41,7% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Um mecanismo que deveria facilitar a vida de quem depende unicamente da estrutura do SUS acaba por conspirar contra outros esforços de servidores dos governos estadual e municipal para que os serviços sejam melhorados.

Cada um dos que estão nas filas tem uma história particular de fracasso diante de uma demanda que, por obrigação, deveria ser atendida pelo setor público. Esse é o dano visível, incontestável. Agora, deve-se esclarecer quais são os prejuízos para o Estado e para a prefeitura, com a identificação dos seus responsáveis. Em primeiro lugar, é preciso que se diga por que os governos adquiriram, sem licitação, um software considerado caro, se um sistema gratuito estava disponível. Não podem ficar encobertos os tentáculos de um esquema que favorecia uma vasta rede de contratos, cujas despesas, incluindo-se todas as prefeituras, chegaram a R$ 30 milhões.

O que não pode persistir é o jogo de empurra de responsabilidades, como ficou claro nas alegações divulgadas ontem. O SUS é um modelo consagrado de saúde pública, com reconhecimento internacional, mas com sérias limitações, provocadas muito mais por gestões ineficientes – muitas vezes combinadas com atos de corrupção – do que por falta de recursos. São esses gestores, envolvidos em casos como o do sistema de consultas que não funciona, os maiores conspiradores contra a imagem da saúde pública e de seus servidores.

SERVIÇO CARO, FILA PERSISTENTE

ZH 26 de agosto de 2014 | N° 17903

SAÚDE . MPF coloca sob suspeita sistema para marcar consultas em Canoas Entulhos do Estado vão hoje a leilão

CARO E INEFICIENTE, programa comprado pelo Estado e pela Capital para facilitar atendimento médico também foi adquirido por prefeitura sem licitação, sob alegação de não haver concorrente


A contratação da mesma empresa que implantou o sistema de marcação de consultas no Estado e na Capital será alvo de ação de improbidade administrativa em Canoas. O motivo é que a prefeitura contratou a GSH – Gestão e Tecnologia em Saúde em 2011 sem licitação, pelo prazo três anos e custo de R$ 18 milhões, para implantar e adaptar o software Aghos ao teleagendamento de consultas. Conforme o procurador da República Pedro Antônio Roso, que irá ajuizar a ação nesta semana, não há justificativas para o Executivo municipal ter declarado inexigibilidade do processo licitatório, que é admitida em caso de não existir possibilidade de concorrência.

Ontem, reportagem de ZH mostrou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta irregularidades na contratação da GSH pela Procempa em 2011 e pela Secretaria Estadual da Saúde em 2009, além de falhas no software Aghos. Apesar de o sistema ter o objetivo de reduzir filas, em agosto do ano passado, quase 164 mil pacientes do Interior aguardavam 15,8 meses, em média, para atendimento com especialistas na Capital – aumento de 41,7% no tamanho da fila comparado com 2012.

SECRETARIA SUSPENDE RESTANTE DO PAGAMENTO

De acordo com Roso, o Ministério Público Federal (MPF) fez consulta ao Sindicato das Empresas de Informática do Rio Grande do Sul (Seprorgs) que informou haver pelo menos 12 empresas no Estado habilitadas para operar o sistema implantado em Canoas. Além disso, segundo o procurador, o proprietário da GSH, Rudinei Dias Moreira, também aparece como sócio ou integrante de outras três empresas com atuação no ramo. Moreira nega.

O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, diz que não foi feita licitação na época porque não havia “precedentes”, tendo em vista que o teleagendamento era um “sistema inédito”. No entanto, com o vencimento do contrato com a GSH, em novembro, o serviço será licitado, pois agora, no entendimento do prefeito, existem empresas habilitadas. Questionado sobre o custo do contrato, que equivale ao dobro do desembolso do Estado (pouco mais de R$ 9 milhões), o prefeito afirma que se deve ao número de funcionários contratados pela GSH, que chega a 150.

Jairo Jorge diz que houve avanços com o sistema porque o número de consultas diárias, desde a implantação do mecanismo em 2012, saltou de 900 para 2 mil.

A Secretaria Estadual da Saúde informa que, até o momento, desembolsou R$ 6,75 milhões para a empresa e que o restante do pagamento foi suspenso devido à sindicância interna para apurar irregularidades.


HISTÓRICO DE DÚVIDAS

-Em 2008, a prefeitura de Pelotas contrata empresa para o fornecimento do software Aghos, para controle de agendamento médico.

-A Secretaria Estadual da Saúde (SES) e a prefeitura Pelotas firmam termo, em outubro de 2009, com o objetivo de implantar o Aghos.

-Dois meses depois, a SES contratou a GSH para adotar o sistema.

-A SES firmou termos de cooperação com Porto Alegre, em 2010, com Canoas, em 2011. Os acordos tinham o objetivo de ceder as licenças de uso do Aghos.

-Em 2013, a promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público determinou que a Capital e as secretarias municipal e estadual não contratassem mais o Aghos. A orientação era que o software fosse substituído por sistema gratuito do Ministério da Saúde.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A SAÚDE QUE BUSCAMOS


ZH 25 de agosto de 2014 | N° 17902

ARTIGO


STEPHEN STEFANI*




Em 1937, o controle sobre os medicamentos era praticamente inexistente no mundo. Bastava alegar que havia resultados favoráveis que o produto passava a ser comercialmente disponível. Na época, um elixir para tosse, especificamente o seu aditivo para dar o sabor, pôs em relevo um risco não avaliado. Mais de 100 crianças morreram. Desde então, a medicina tem tentado ser mais crítica com suas incorporações. Passamos por momentos de mais rigor, pós-talidomida, e de mais flexibilidade, com a aids. A atual epidemia africana de ebola – um agente infeccioso de patogenicidade elevada – fomenta uma discussão que nos é íntima: um sistema de saúde longe do ideal. Enquanto mundialmente se tenta acompanhar o movimento de construção científica alinhada com efetividade, segurança e qualidade, nosso modelo é construído para sobreviver com o menor recurso possível. Um exemplo é a necessidade de pregão pelo menor preço em compras públicas de medicamentos – que tem todo sentido para a segurança financeira, mas pagamos o preço de reduzir a qualidade.

A lentidão é, da mesma forma, outro dilema. Uma forma de tentar contornar o problema é a inclusão de pacientes em protocolos de investigação científica, com financiamento internacional. Neste cenário, o paciente recebe, no mínimo, o tratamento considerado padrão ideal, sem custo. Aí se esbarra na burocracia que dificulta a participação do país na agenda científica mundial. O acesso à informação, por outro lado, é ágil e fácil. Pacientes e/ou familiares sabem das limitações do sistema coletivo e buscam legitimamente seu direito individual, nem que tenham de lutar por isso. O RS é líder nacional em judicialização de saúde, com quase 2 mil casos novos todo mês, e mais de 60% dos gastos em medicamentos da Secretaria de Saúde para cumprir decisões judiciais. Muitas são demandas tecnicamente pertinentes – resultado da ineficiência pelos meios convencionais –, outras carecem de amparo técnico crítico. São todos sintomas de que o sistema está doente e clama por tratamento. E a receita é antiga: efetividade, segurança e qualidade.


*Médico. STEPHEN STEFANI

CARO E INEFICIENTE

(Agencia RBS/Lauro Alves)
Terezinha Perin espera por cirurgia bariátrica há três anos



ZERO HORA 25/08/2014 | 05h01

Sistema para acelerar atendimento médico na rede pública fez fila aumentar em 41,7%. Relatório do TCE aponta ineficácia de software, que custou R$ 10 milhões ao Estado e quase R$ 4 milhões à prefeitura da Capital

por Cleidi Pereira*



O sistema de agendamento de consultas na rede pública implantado pelo Estado e pela prefeitura de Porto Alegre com o objetivo de reduzir filas e classificar prioridades e urgências se mostrou ineficiente.

Dados dos relatórios do Tribunal de Contas do Estado (TCE), obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que, em agosto do ano passado, quase 164 mil pacientes do Interior aguardavam 15,8 meses, em média, para atendimento com especialistas na Capital — aumento de 41,7% no tamanho da fila, em relação ao mesmo período de 2012. Atualmente, conforme a Secretaria Estadual da Saúde, chegou a 180 mil, três vezes mais do que o registrado no fim de 2011.

A implantação do software Aghos, feita pela GSH — Gestão e Tecnologia em Saúde, custou cerca de R$ 10 milhões ao Estado e quase R$ 4 milhões à prefeitura da Capital. Os contratos com a empresa foram assinados pela secretaria estadual em 2009 e pela empresa municipal Procempa em 2011, com vigência de 12 meses, mas se estenderam por quatro e dois anos, respectivamente.

Devido às deficiências e falhas técnicas, a ferramenta de gerenciamento, que também organiza a demanda por leitos, deverá ser substituída. Com isso, segundo o TCE, todo o investimento será perdido. "A conduta adotada pelo gestor que originalmente firmou o negócio, bem como pelos demais responsáveis que garantiram a continuidade do compromisso, foi danosa ao interesse público, sob os pontos de vista da legalidade, da eficiência e da economicidade", diz trecho do relatório ainda não julgado.

Apesar de o Ministério da Saúde oferecer um software gratuito, o governo gaúcho optou pelo Aghos, desenvolvido pela empresa privada GSH, com unidades em Fortaleza e Porto Alegre. O motivo é que o sistema foi inicialmente implantado pela prefeitura de Pelotas, que cedeu as licenças de uso ao Estado, o que geraria uma economia aos cofres públicos. Na prática, segundo o TCE, esse racionamento de recursos não se concretizou, porque a implantação acabou custando cinco vezes mais do que o previsto.


Os dois relatórios do TCE analisados resultam de uma inspeção especial no executivo municipal e de uma inspeção extraordinária na Secretaria Estadual da Saúde. A finalidade das duas auditorias é avaliar o sistema de regulação de consultas adotado pela prefeitura e pelo Estado. As análises ainda destacam os poucos recursos financeiros destinados à saúde e a falta de recursos humanos, mas sem entrar em detalhes.

Na inspeção extraordinária na Secretaria Estadual da Saúde, que analisou os exercícios de 2009 a 2013, o TCE aponta irregularidades na contratação da empresa. Entre as quais, indevida inexigibilidade de licitação, ausência de adequada justificativa de preço, contrato reajustado acima do teto legal e aditivo contratual firmado com empresa impedida de contratar com o poder público. Além disso, erros no Aghos resultaram em perdas de consultas e de dados de pacientes em 2012.

O tribunal também indicou que havia risco de monopólio no fornecimento do software. Como o Estado contratou a empresa GSH por inexigibilidade de licitação, sob a alegação de ser a única fornecedora capacitada, induziu outros municípios (como Canoas e Porto Alegre) a fazerem o mesmo, cedendo as licenças repassadas por Pelotas. "Ao proceder assim, o Estado acabou por induzir a contratação dirigida da GHS, sem comprovação de que o sistema por ela ofertado é o único que atende às necessidades de regulação assistencial em saúde. E assim procedeu, mesmo tendo conhecimento das deficiências na qualidade dos produtos e serviços prestados por essa empresa", descreve o documento.

Desde o primeiro contrato, com Pelotas, em 2008, a empresa faturou quase R$ 30 milhões no Rio Grande do Sul.

CONTRAPONTOS

Secretaria Estadual da Saúde:

Em nota, informou que abriu um "processo interno de apuração", com o objetivo de averiguar possíveis irregularidades na execução do contrato, e que os pagamentos à GSH foram suspensos. A pasta afirma ainda que, desde 2011, o volume de serviços contratados da empresa vinha sendo reduzido. Segundo a nota, o sistema Aghos continua sendo utilizado em paralelo à implantação do Sisreg, o sistema gratuito do governo federal. Como a oferta de primeiras consultas disponíveis em Porto Alegre só pode ser acessada pelos municípios via Aghos, a desativação do sistema depende de uma decisão conjunta entre a prefeitura da Capital e o Estado.

Secretaria Municipal da Saúde:

Segundo o secretário de Saúde de Porto Alegre, Carlos Casartelli, a implantação do Aghos ajudou a diminuir o tempo de espera para consultas na Capital, que chegava a 11 anos em 2011. Na época, lembra o secretário, uma consulta com cardiologista demorava até oito anos, e hoje não passaria de 30 dias (em 2013, esse prazo era de três meses, conforme o Tribunal de Contas do Estado). Casartelli afirma que o sitema Aghos atende às necessidades, mas ressalta que a responsabilidade de avaliar a qualidade do software é da Procempa. Segundo ele, "quem deu o aval para que a Saúde utilizasse esse sistema e contratou a empresa foi a Procempa".

Procempa:

Conforme o presidente da Procempa, Mario Luís Teza, o Aghos está em um "processo de descontinuidade", e alguns dos módulos do sistema já foram substituídos pelo e-SUS, do governo federal. Teza diz que a mudança não tem relação com possíveis falhas do software, mas, com o "tempo de vida". Segundo o presidente da estatal, o sistema "não foi contratado para resolver todos os problemas da Saúde". Questionado sobre as conclusões do TCE - como contratação indevida por inexibilidade de licitação e ausência de fiscalização do contrato -, Teza afirmou desconhecer o relatório. Mas assegurou que o sistema ajudou a reduzir o tempo de espera por consultas especializadas na Capital.

GSH:

O diretor da GSH - Gestão e Tecnologia em Saúde, Rudinei Dias Moreira, afirma que a redução da fila prometida pelo Aghos depende da oferta de médicos. Moreira diz que o sistema "não funciona no Estado e em Porto Alegre porque desistiram de implantar". O diretor assegura que nenhum dos apontamentos do TCE procede, e que o software — também utilizado em Canoas, Pelotas e Carlos Barbosa — funciona "muito bem". Apesar de a implantação ter custado cinco vezes mais do que o previsto, Moreira alega que houve economia para o poder público. Conforme ele, a tecnologia custa cerca de R$ 60 milhões, e o Estado e a prefeitura arcaram apenas com customização e treinamentos.

Três anos de espera por atendimento

Nas consultas destinadas a moradores de Porto Alegre, a inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE) revelou que 20 subespecialidades tinham, em agosto do ano passado, tempo de espera variando de um ano a três anos e meio.

Com 6,2 mil pacientes, a fila mais extensa, concluiu o estudo, era por neurologista, e o maior prazo para atendimento, estimado em 42 meses, estava em pneumologista (em razão de abandono do tabagismo).

Esse quadro, conforme o relatório que analisou os exercícios de 2010 a 2013, representa uma "sonegação de direito do acesso à saúde pública". Na avaliação do TCE, o sistema de regulação das consultas implantado na Capital, o Aghos, demonstrou "ineficiência comprometedora" à gestão da saúde, colaborando com a situação já agravada pela insuficiência de recursos.

Outras capitais adotaram o e-SUS

A implantação do software, que deveria auxiliar no gerenciamento das filas, custou cerca de R$ 4 milhões à prefeitura e levou o dobro do tempo previsto inicialmente, mas não foi 100% concluída. O contrato foi encerrado em julho de 2013, após os questionamentos do TCE. A Procempa, que contratou a GSH, acabou por assumir a manutenção do sistema.

Entre as possíveis irregularidades apontadas pelo tribunal, estão falhas na segurança do sistema, com exposição do banco de dados e pagamentos realizados acima do valor contratado, além dos apontamentos também feitos no Estado.

O Ministério Público Estadual também instaurou inquérito civil para apurar o caso. No ano passado, a promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público recomendou a substituição do Aghos por um sistema de software livre, sem pagamento de licença e manutenção, chamado Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), ou por uma versão ainda mais moderna, o e-SUS, em adoção em capitais como Belo Horizonte, Salvador, Brasília e Cuiabá.

Uma lista com mil pacientes

Há 15 anos, Terezinha Perin convive com o preconceito pelo excesso de peso. Há quatro anos, com a apneia que a impede de ter um sono tranquilo. Há três anos, com a espera pela cirurgia bariátrica que pode acabar com os dois incômodos. Aos 62 anos e pesando 123 quilos, a vendedora de roupas — que precisou parar de exercer a profissão por causa dos problemas de saúde — foi encaminhada para a cirurgia por uma médica clínica geral do Centro de Saúde Modelo, em Porto Alegre, em 2011.

Nesta subespecialidade — cirurgia de obesidade mórbida — o tempo médio de espera é de 23 meses. Só na Capital, mais de mil pessoas estão na lista. No ano passado, 30 meses após o encaminhamento, Terezinha começou o processo de passar pelas avaliações de diferentes especialistas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, passo essencial para chegar à cirurgia. Ela já se sente pronta, mas está consciente de que há muitos na fila e estima que o sonho (que virou necessidade) se concretize apenas daqui a dois anos.

Com dificuldades para respirar, ganhou o direito de receber da prefeitura um aparelho, semelhante a um compressor de ar. Só com a máscara é que consegue descansar.

— Nem penso em dormir sem isso. Tenho medo. A obesidade é uma doença, está me matando — diz Terezinha.

Enquanto aguarda, faz caminhadas diárias e frequenta academia. Da janela do apartamento onde mora com o marido pode ver o Clínicas. As consultas marcadas no hospital têm amenizado a espera pela cirurgia sem data marcada.

Segundo o secretário de Saúde de Porto Alegre, Carlos Casartelli, o sistema estabeleceu diminuição das filas no início da implantação, em 2011, porque a forma de agendamento era "medieval". Conforme o registro no Centro de Saúde Modelo, o pedido pela operação de Terezinha entrou no sistema somente em agosto de 2012.

Ainda segundo Casartelli, a demora na cirurgia de obesidade mórbida está relacionada com a baixa oferta porque há apenas seis centros no Estado habilitados para fazer esse procedimento pelo SUS.

*Colaborou Letícia Costa

http://infogr.am/fila-aumenta-7802?src=web

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A SAÚDE REPROVADA


ZERO HORA 21 de agosto de 2014 | N° 17898


EDITORIAL




Os brasileiros têm direito a mais eficiência na área de saúde, o que vai exigir não apenas maior volume de recursos mas também melhor gestão, tanto no setor público quanto no privado.


Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff ter reconhecido que a situação da saúde pública no Brasil não pode ser definida como minimamente razoável, ganhou destaque pesquisa Datafolha confirmando uma impressão generalizada: a maioria da população brasileira reprova o atendimento no país. O aspecto curioso é que a má avaliação atinge tanto o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quanto o dos planos particulares. É mais um indicador de que essa só se transformou numa preocupação central porque a maioria se sente desamparada. Essa é uma área que não pode esperar, pois envolve sofrimento físico e mental, além de a demora implicar risco de agravamento da saúde dos pacientes.

Encomendado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Paulista de Medicina (CFM), o estudo chegou ao diagnóstico depois de ouvir maiores de 16 anos entre 3 e 10 de junho último, em todos os Estados brasileiros. Seis em cada 10 entrevistados deram nota inferior a 5 para o atendimento em saúde, de forma geral, incluindo a pública e a privada. O dado, mais uma vez, reforça a necessidade de ser conferida atenção prioritária e emergencial a essa área, que no caso do SUS tem gestão compartilhada entre as instâncias federal, estadual e municipal, mas depende sobretudo de recursos da União.

As razões apontadas para a desaprovação – que poupa apenas alguns serviços, como cirurgias e fornecimento de remédios gratuitos – são as mesmas encontradas por pacientes em busca de atendimento. A saúde no país está associada a longas filas e a intermináveis períodos de espera, que se constituem em problemas adicionais para quem está enfermo. Dos que dependem do SUS, 29% disseram esperar algum tipo de atendimento há mais de seis meses, tempo excessivo, em qualquer caso. Infelizmente, as entidades corporativas não se interessaram em avaliar, por exemplo, se o programa Mais Médicos tem contribuído, de alguma forma, para atenuar ou não o sofrimento dos enfermos. É essa uma das principais apostas do Planalto no âmbito do SUS, que precisa ser constantemente aperfeiçoada. No mínimo, pelo fato de o Sistema estar voltado para toda a população, enquanto os planos privados atendem apenas 25%.

Se os recursos para a rede pública mais do que triplicaram nos últimos 11 anos, como alega o Planalto, mas isso não foi suficiente para resolver o problema, é porque precisa ser feito mais, e logo. Os brasileiros têm direito a mais eficiência na área de saúde, o que vai exigir não apenas maior volume de recursos mas também melhor gestão, tanto no setor público quanto no privado.

MÉDICOS EDUCAM, OU NÃO



ZERO HORA 21 de agosto de 2014 | N° 17898



FLAVIO JOSÉ KANTER*



Li um texto do Rabino Sacks sobre a liderança que Moisés exercia junto ao seu povo no deserto, no rumo da Terra Prometida. Diz que o bom líder fornece os meios para os liderados se educarem. Compreendendo o que deve ser feito, incorporam as metas e somam esforços. Fiz analogia com o trabalho do médico junto aos pacientes. Não se trata apenas de mandar fazer exames ou tomar remédios, nem de atender ao que pedem, se não lhe parece que é o melhor. Há pessoas que chegam dizendo “quero que me peça todos os exames”, ou “que prescreva o remédio que um conhecido usou”. Cabe ao médico, à luz do conhecimento científico vigente, fornecer as informações para o indivíduo buscar o melhor para si mesmo.

Campanhas de esclarecimento público são comuns. O que eu abordo aqui é a necessidade de adesão das pessoas a recomendações e tratamentos individuais. Ao conhecer sua condição e as respectivas possibilidades, cada um pode se envolver adotando as melhores práticas para a sua saúde. Conto um exemplo. Vejo gente que recebeu prescrição de cálcio, vitamina D e substâncias fixadoras de cálcio aos ossos, a fim de prevenir ou tratar osteoporose. Quando pergunto se ingerem alimentos que contêm cálcio, tomam sol para estimular a produção de sua própria vitamina D, praticam exercícios que ajudam a fixar cálcio aos ossos, muitas vezes respondem não para alguns dos três itens. Se, ao invés de só receitarmos remédios, proporcionarmos às pessoas o entendimento dos quês e porquês, poderemos chegar a resultados melhores.

Isso se aplica a mudança de hábitos, medidas para melhorar a saúde, a qualidade e o tempo de vida, remédios com efeitos benéficos e colaterais, investigações com exames, custos e riscos, irradiações, resultados imprecisos, práticas com prós e contras.

Bons médicos, como os bons líderes, dedicam tempo e energia ensinando o que sabem, para que o melhor caminho fique claro. É dessa forma que as metas podem ser compartilhadas. Assim, a gente faz o que é necessário porque quer, por envolvimento consciente, não porque foi imposto.

Médico

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

14 MIL NA FILA DO SUS


JORNAL DO COMÉRCIO 19/08/2014 - 18h28min

Into esclarece que fila de 14 mil pacientes pertence a toda a rede do SUS

Agência Brasil



O vice-diretor do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into), Naasson Cavanellas, esclareceu hoje (19), em resposta à ação ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro, que a fila de 14 mil pacientes que aguardam por cirurgias não é exclusiva do instituto, mas se refere a todo o Sistema Único de Saúde (SUS), que engloba hospitais federais, estaduais e municipais.

À Agência Brasil, Cavanellas disse que o Into ainda não tomou conhecimento oficialmente dos prazos estabelecidos pela Defensoria Pública da União para por fim à fila no órgão. Ele deixou claro, entretanto, que a resolução do assunto é competência do Ministério da Saúde e do SUS. "Não é o Into que vai resolver. Acho que deveria envolver todos os hospitais da rede".

O vice-diretor informou que há uma proposta de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público para tentar melhorar a gestão da fila e atender melhor aos pacientes. "A Defensoria Pública poderia ter vindo aqui para tratar esse assunto com a gente também". Ele salientou que o Into atende a doentes de todo o país e ponderou que se os demais hospitais ortopédicos fizessem cirurgias de baixa complexidade, isso aliviaria a demanda do Into.

Outro problema, segundo Cavanellas, é a falta de profissionais treinados. O concurso público que a Defensoria Pública definiu que deve ser aberto no prazo de 60 dias vai contratar somente médicos novos, cuja preparação para os procedimentos de alta complexidade no Into demandará tempo. "Só vai entrar médico novo. Esse médico vai demorar cinco anos para efetuar uma cirurgia de coluna. Ele terá que ser preparado". Ele destacou, ainda, que os médicos do Into têm as mesmas condições salariais que os demais hospitais federais.

Entre outras medidas, a Ação Civil Pública (ACP) da DPU no Rio de Janeiro requer que a União apresente, no prazo de 160 dias, um plano concreto de ações para cirurgias e procedimentos médicos em 14.077 pessoas que estão, no momento, na fila de espera e pede que a Justiça estipule prazo máximo de dois anos, a contar da intimação da decisão liminar, para que essas operações e demais procedimentos médicos necessários sejam efetuados.

Cavanellas lembrou que, desde o ano passado, que foi um ano de mudança de direção do órgão do Ministério da Saúde, o Into vem sendo fiscalizado por auditores do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público, em função do problema da fila.

"Fila hoje é um fardo pesado para a gente, porque a nossa demanda é muito maior do que a nossa produção". Desde 2013, o Into vem efetuando uma série de ações, envolvendo mutirões para cirurgias de diversas especialidades ortopédicas com o objetivo de reduzir a fila de espera. "Tanto que ela diminuiu de 21 mil para 14 mil", disse Cavanellas.

Em 2013, foram feitos 15 mutirões cirúrgicos nos quais mil pacientes foram operados de problemas ortopédicos de alta complexidade. "Fizemos uma revisão de filas, recadastramento das filas maiores, que são prótese de joelho e de quadril. Temos tomado diversas medidas para agilizar a fila ou tornar essa fila mais coerente, mais humana, mais rápida". O vice-diretor admitiu, por outro lado, a possibilidade de que algum paciente mais velho não tenha sido recadastrado. No ano passado, Naasson Cavanellas informou que o número (de cirurgias) do Into foi 42% maior do que em 2012, somando quase 10 mil cirurgias.

O ideal, segundo Cavanellas, é que a rede pudesse fazer a gestão de todas as filas, porque há muitos pacientes no Into que poderiam estar em outras filas também. Ele disse que, muitas vezes, os pacientes convocados pelo Into não respondem ao chamado. Muitos são operados em outros hospitais e permanecem na fila do instituto.

Cavanellas insistiu que todos os cuidados são tomados no Into para que a fila seja transparente, ao contrário de notícias veiculadas na imprensa. "A fila é absolutamente transparente, todo mundo vê onde está. Só que a coisa é complexa. Há filas aqui que têm 3 mil doentes", disse. Ele esclareceu ainda que o Into "não é uma fábrica de cirurgia".

O hospital é reconhecido internacionalmente, investe em ensino e pesquisa. "Tem outros braços aqui que ninguém enxerga. Só enxerga o Into como uma fila, uma fábrica de operar pacientes", criticou. "O Into é um hospital referenciado. É por isso que todo mundo quer operar aqui, porque tem um atendimento de qualidade".

VERDADES SOBRE A REFORMA DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA



ZERO HORA 20 de agosto de 2014 | N° 17896

CÉSAR AUGUSTO TRINTA WEBER



A OMS estima que as doenças mentais afetem mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, cerca de 23 milhões de pessoas podem necessitar de assistência psiquiátrica.

Dados do Ministério da Saúde revelam que entre 2001 e 2013 foram fechados 21.435 leitos psiquiátricos no país. Nos hospitais gerais, existiam, em 2011, 3.910 leitos psiquiátricos, quantitativo insuficiente, sem contar que em muitos desses hospitais o número de leitos varia de um a três, o que os torna tecnicamente e financeiramente inviáveis.

O crescimento populacional e a epidemia do crack trazem a constatação diária de que as emergências psiquiátricas estão lotadas e que não há leitos psiquiátricos ou serviços substitutivos em saúde mental suficientes. Prova cabal é que atualmente, em todo o Brasil, existem somente 28 Caps/AD tipo III (que funcionam 24 horas) para o enfrentamento do abuso e da dependência de drogas.

Os indicadores mais otimistas revelam que entre 75% e 85% das pessoas portadoras de transtornos mentais não têm acesso a assistência de qualidade no país.

Apesar da realidade de abandono e desrespeito ao doente mental, a Lei Estadual 9.716/92 – que prevê a sua reavaliação quanto aos seus rumos e o ritmo de implantação, em cinco anos da sua publicação – é ignorada na contramão dos acontecimentos.

A experiência norte-americana de desospitalização e desinstitucionalização pode ser bem ilustrada pelo questionamento do juiz Steven Leifman, da 11ª Vara de Justiça de Miami (Flórida, Estados Unidos): “Se fosse perguntado à maioria das pessoas onde estão os doentes mentais em nossa sociedade, elas responderiam que estão nos hospitais psiquiátricos do Estado”. Segundo o magistrado, elas estão equivocadas. “Eles estão em nossas prisões.”

Por aqui, esse fenômeno de transinstitucionalização se materializa na população de moradores de rua, entre os quais muitos são reconhecidos como egressos dos hospitais psiquiátricos.

Enquanto isso, para a OMS, a falta de um tratamento adequado à saúde mental faz com que os transtornos psiquiátricos ocupem posições de destaque no ranking das doenças que mais atingem a população mundial.

*Médico

LEITE COM ÁGUA E SODA CÁUSTICA


ZERO HORA 20 de agosto de 2014 | N° 17896

FRAUDE NO LEITE. Vinte pessoas presas por adulterações em SC e RS

ÁGUA OXIGENADA E SODA CÁUSTICA estariam entre as substâncias adicionadas para mascarar o fim da validade dos produtos vendidos



Uma ação conjunta do Ministério Público de Santa Catarina, Polícia Civil, Militar e Ministério de Agricultura levou à prisão de 20 pessoas nas cidades de Lajeado Grande, Ponte Serrada e Mondaí, no oeste Catarinense, e em Vista Alegre, no Rio Grande do Sul. O grupo é acusado de adulteração do leite nas empresas Latícínios Mondaí e a Laticínios Lajeado Grande.

Entre os presos estão empresários, técnicos de laboratórios e funcionários. Em Mondaí, um dos detidos é um dos sócios da empresa local, o ex-prefeito da cidade, Irineu Bornholdt. Durante a investigação o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) conseguiu imagens de funcionários das empresas adicionando produtos químicos em caminhões. Uma funcionária até reclama que queimou o dedo. Há imagens de funcionários lavando o braço no leite e até do produto borbulhando após a adição dos químicos.

De acordo com o Gaeco, os produtos adicionados seriam formol, soda cáustica e água oxigenada. O objetivo seria recuperar leite deteriorado. Também há suspeita de adição de água para aumentar o volume do produto. Em um ano, as empresas teriam comprado cerca de 1,5 mil quilos de soda e 8 toneladas água oxigenada. A estimativa é que dois caminhões com cerca de 70 mil litros de leite cru eram enviadas diariamente a São Paulo. O restante era vendido nos Estados do Sul. De acordo com o promotor Mauro Rochemback, coordenador das operação Leite Compen$ado no Rio Grande do Sul, o alimento era comercializado sobretudo em locais mais distantes.

– Um pouco de queijo Mondaí pode ter vindo para o norte gaúcho e região metropolitana, mas a quantidade seria pequena – avalia Rochemback.



CONTRAPONTO. Em contatos por telefone, nenhum dos responsáveis pela Lajeado Grande e Mondaí atendeu às ligações. Na casa de Irineu Borholdt, nenhum familiar informou os contatos do advogado do empresário ou quis falar do assunto.

MORTE DE ATOR LEVANTA DISCUSSÃO SOBRE DEPRESSÃO NO HUMOR

GLOBO TV, FANTÁSTICO, Edição do dia 17/08/2014


Morte de Robin Williams levanta discussão sobre depressão no humor. Estudo reúne comediantes e conclui que metade têm potencial depressivo. Irmão de Fausto Fanti, artistas e psiquiatras falam sobre as dificuldades.




No começo da semana, a notícia da morte do ator Robin Williams, aos 63 anos, pegou todo mundo de surpresa. E muita gente se perguntou: como um mestre da comédia, que chegou a ser considerado o homem mais engraçado do planeta, foi capaz de tirar a própria vida? A resposta pode estar em um estudo feito na Inglaterra.

Por que um ator que durante toda a carreira fez as pessoas rirem chegou ao ponto de se matar? Robin Williams foi encontrado morto em casa. Ele vivia um inferno particular há vários anos. Segundo a esposa, o ator havia voltado de uma temporada em uma clínica para tratamento do alcoolismo e, recentemente, tinha sido diagnosticado com o Mal de Parkinson.

“O Robin Williams tinha acho que quatro fatores de risco para suicídio: a depressão, o alcoolismo, o Parkinson e o uso de drogas. Se ele estava deprimido, se é uma pessoa predisposta à depressão, o álcool ele é um depressor do sistema nervoso central. Ele afunda mais ainda a pessoa na depressão”, diz a psiquiatra Analice Gigliotti,.

Entre 20% e 25% da população mundial têm depressão. Mas entre os comediantes e artistas, o problema é mais grave. Fazer rir, fazer chorar. O bom ator é aquele que mexe com todas essas emoções do público. No palco, ele é quem está no comando. Mas é quando a plateia vai embora que muitas vezes ele não consegue lidar com as próprias angústias.

Um estudo da Universidade Oxford publicado em janeiro com 523 comediantes mostrou que eles são mais depressivos e podem desenvolver quadros psicóticos com mais frequência do que a média da população. Metade deles mostrou ter potencial depressivo, além de tendência para a bipolaridade e mania de perseguição.

A pesquisa também mostrou que, embora os humoristas pareçam ser felizes e extrovertidos, na vida real, têm uma tendência maior a serem retraídos. É o caso de Fausto Fanti, que também se matou no mês passado.

“A gente faz essa relação, mas é uma relação meio sem nexo. Ele mesmo era um cara supertímido, super-reservado. Às vezes, era abordado na rua e ficava superconstrangido. Conheci vários outros que também são assim. Só porque o cara faz os outros rirem, não quer dizer que ele vai fazer piada para você o tempo todo, porque não é a verdade.”, conta Franco Fanti, irmão de Fausto Fanti.

“Quando você é comediante, é natural que esperem de você uma graça sempre. Eu vejo isso. Às vezes, são certas emoções assim, picos de emoções que a gente sente, mas eu acho que, ao longo da profissão, a tendência é realmente saber dividir isso.”, conta a atriz Heloísa Périssé.

“Esse momento de criação, eu estava falando com o meu terapeuta, eu comecei a fazer terapia há pouco tempo, e eu estava falando assim: ‘essa angústia me incomoda demais, é um lugar que eu não fico tranquilo, é um lugar que é inquieto’. Porque você não pode fechar a porta e falar: ‘ok, agora acabou’. Não. Porque está aqui. É fechar a sua cabeça que isso é impossível e isso é muito enlouquecedor.”, diz o humorista Rodrigo Sant'anna.

“Eu tenho depressão, eu faço terapia, eu tenho déficit de atenção. São coisas que estão aí e que a gente não precisa ficar derrubado, nem com vergonha, nem guardar dentro da nossa cabeça dramaticamente. A gente tem que enfrentar mesmo. A depressão, às vezes, o que atrapalha, ela te imobiliza, paralisa. Deixa você estagnado.”, revela o ator Otávio Müller.

Em janeiro, o Fantástico mostrou um depoimento inédito de Chico Anysio.
Nele, o ator que morreu em 2012, conta sobre a luta que travou contra a depressão.

“Se não fossem os remédios que a psiquiatria dá, se não fosse isso, eu não teria conseguido fazer 20% do que eu fiz.”, contou o humorista à época.

“A pessoa precisa de tratamento com médico especialista nisso. Isso precisa ser feito, precisa ser divulgado. Quebrar esse preconceito com depressão. Terapia, não é coisa para maluco”, defende Franco Fanti.

Em Los Angeles, um clube organiza, toda semana, uma sessão de terapia para todos os artistas que se apresentam na casa. O dono diz que resolveu fazer isso depois de três comediantes cometerem suicídio.

“Tem a figura clássica do palhaço triste, que é o homem que faz os outros rirem e, quando tira a maquiagem, ele está chorando, na verdade, ele não é feliz assim. Isso tem estudos mostrando que é verdade, que o perfil dos comediantes tem uma maior tendência a ter mais introversão, angustiados, ansiosos. E a comédia, às vezes, é até uma maneira de lidar com isso. O comediante, que é o sujeito que nos traz alegria, mas quando ele tá sozinho, ele tem aquele sofrimento, aquela angústia. E ele usa o humor até para lidar com isso”, avalia o psiquiatra Daniel Martins de Barros.

domingo, 17 de agosto de 2014

MORTE POR DEPRESSÃO CRESCEM 705%


O ESTADO DE S.PAULO 17 Agosto 2014 | 02h 04


FABIANA CAMBRICOLI


Em 16 anos, número de casos no Brasil passou de 58 para 467, incluindo suicídios e óbitos decorrentes de problemas de saúde

SÃO PAULO - Em 16 anos, o número de mortes relacionadas com depressão cresceu 705% no País, mostra levantamento inédito feito pelo Estado com base nos dados do sistema de mortalidade do Datasus. Estão incluídos na estatística casos de suicídio e outras mortes motivadas por problemas de saúde decorrentes de episódios depressivos.

Foi a depressão, somada à dependência química, o que provavelmente levou o ator americano Robin William, de 63 anos, a se matar, na segunda-feira.

Os dados mostram que, em 1996, 58 pessoas morreram por uma causa associada à depressão. Em 2012, último dado disponível, foram 467. O número total de suicídios também teve aumento significativo no Brasil. Passou de 6.743 para 10.321 no mesmo período, uma média de 28 mortes por dia. As taxas de suicídio são muito superiores às mortes associadas à depressão porque, na maioria dos casos, o atestado de óbito não traz a doença como causa associada.

No Brasil, a faixa etária correspondente à terceira idade é a que reúne as estatísticas mais preocupantes. No caso de mortes relacionadas à depressão, os maiores índices estão concentrados em pessoas com mais de 60 anos, com o ápice depois dos 80 anos (mais informações nesta página).

No caso dos suicídios, embora os números absolutos não sejam maiores entre os idosos, a maior taxa de crescimento no período analisado ocorreu entre pessoas com mais de 80 anos. Entre 1996 e 2012, o suicídio cresceu 154% nesta faixa etária.

Causas. Segundo especialistas, o aumento de suicídios e de mortes associadas à depressão está relacionado com dois principais fatores: o aumento das notificações e o crescimento de casos do transtorno. "Como o assunto é mais discutido hoje, há maior procura por atendimento médico e mais diagnósticos. Mas também está provado, por estudos epidemiológicos, que a incidência da depressão tem aumentado nos últimos anos, principalmente nos grandes centros", diz Miguel Jorge, professor associado de psiquiatria da Unifesp.

Ele explica que, além do componente genético, que pode predispor algumas pessoas à doença, fatores externos da vida atual, como o estresse e a grande competitividade profissional, podem favorecer o aparecimento da doença.

No caso dos idosos, a chegada de doenças crônicas incuráveis, o luto pela perda cada vez mais comum de pessoas próximas e a frustração por não poder mais realizar algumas atividades os tornam mais vulneráveis à depressão e ao suicídio. "Um estilo de vida estressante, o uso de drogas e álcool e insatisfação em diversas áreas são fatores de risco para a doença. Fazer escolhas pessoais e profissionais que ajudem a controlar esses fatores é uma forma de prevenir a depressão", diz o especialista.

SOBRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA


ZERO HORA 17 de agosto de 2014 | N° 17893


MARCOS ROLIM*




A edição de Zero Hora do dia 13 trouxe opinião contra a Lei da Reforma Psiquiátrica do RS. No texto, o autor afirma que a Lei Estadual 9.716/92 “expulsa o doente mental das instituições consideradas retrógradas”, o que teria promovido o abandono dos pacientes nas ruas. Mais adiante, o autor – presidente da Associação de Psiquiatria do RS – diz que “nada respalda a determinação absurda de fechar leitos psiquiátricos ao invés de qualificá-los”.

Lendo isso, me dei conta de que, passados 20 anos da promulgação da primeira Lei de Reforma Psiquiátrica do Brasil, já haveria tempo para que o autor do artigo pudesse lê-la. Sim, porque, para dizer o que disse, é imprescindível que nunca a tenha lido. Há outras hipóteses, claro, mas todas piores, razão pela qual as desconsidero. A Lei 9.716/92 não determinou “fechar leitos” (sic). O absurdo só existe na imaginação dos seus críticos. A lei tampouco expulsou alguém de um hospital. A lei, pelo contrário, manda abrir leitos psiquiátricos, mas em hospitais gerais. Primeiro, pessoas acometidas de doença mental internadas em hospitais gerais não serão tão expostas ao estigma social como as internadas em manicômios. Segundo, hospitais gerais possuem estrutura complexa e profissionais de diversas especialidades, o que assegura melhor atenção, notadamente quando consideramos as comorbidades.

Um pequeno esforço de pesquisa mostraria que a demanda por internações de doentes mentais vem caindo, ano a ano no RS, exatamente porque, desde a Lei da Reforma, se organizou uma rede de atenção em saúde mental, com os Caps e outros recursos comunitários, que é muito mais resolutiva e que tem atuado com especial incidência na prevenção ao surto psiquiátrico. Esta dinâmica contraria os interesses dos donos das clínicas e hospitais psiquiátricos, para quem o aumento das internações, em número e duração, sempre foi – por coincidência, claro – funcional ao seu faturamento no SUS.

Mas, então, por que faltam leitos psiquiátricos? O motivo é sabido, embora dele não se dê notícia. O que ocorre é que não dispomos de rede pública capaz de atender à demanda em alcoolismo e drogadição, o que produz enorme distorção de demanda. Não temos, tampouco, política pública minimamente eficiente para a prevenção do consumo de drogas. Sem ter para onde encaminhar os dependentes químicos, as famílias buscam o Judiciário, que determina a internação em hospitais psiquiátricos. Já é hora de o Parlamento gaúcho se debruçar sobre este tema, mas não para retroceder na reforma, como desejam os proponentes da indústria da loucura.

*JORNALISTA

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A SAÚDE BRASILEIRA NO PRONTO-SOCORRO


O ESTADO DE S.PAULO, 14/08/2014


Francisco Balestrin


A saúde é uma das atividades econômicas mais importantes no mundo, representando no Brasil mais de 9% do produto interno bruto (PIB), segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). O setor também é responsável por gerar um grande volume de empregos diretos - mais de 4,3 milhões, de acordo com informações do IBGE. Mas, apesar de sua representatividade econômica, o modelo de financiamento do setor não atende às necessidades do País em vários aspectos.

Em 2011, por exemplo, o Brasil apresentou um dos menores gastos públicos (federal, estadual e municipal) com a saúde em relação ao porcentual do PIB (4,1%), quando comparado aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com 12,6%. A despesa per capita pública também segue a mesma lógica - nos países da OCDE é de US$ 2.789,67, enquanto no Brasil, apenas US$ 465,67.

O financiamento do sistema público de saúde é fragmentado e os recursos que cada esfera de governo investe não são proporcionais aos orçamentos. Com a Emenda Constitucional 29, por exemplo, ficou estabelecido piso mínimo de 15% da arrecadação para os municípios e de 12% para os Estados. Não há, entretanto, um porcentual mínimo de recursos aplicados pela União em saúde.

Entre as dez maiores economias do mundo, com exceção dos Estados Unidos, o Brasil é um dos poucos países onde o financiamento privado (53% do total) é maior que o público (47%). Esse é um fato inusitado para um país que põe a saúde em sua Constituição como um direito fundamental e universal e dever do Estado. Tal realidade configura exatamente uma inversão do que ocorre em todos os países da OCDE, onde a média é de 70% de investimento público e de 30% de investimento privado.

Para o setor privado o cenário também não é favorável. Há tempos que os modelos de remuneração mais utilizados nos sistemas de saúde no mundo privilegiam a quantidade, e não a qualidade dos serviços prestados. No entanto, o modelo de remuneração constitui o centro das relações entre os financiadores e os provedores do sistema de saúde e deve ser considerado um elemento-chave para se alcançarem os resultados desejados. Diante desse contexto, precisamos estabelecer políticas de remuneração de serviços de saúde que reflitam os seus custos reais e os vinculem à qualidade e ao desempenho assistencial, desestimulando desperdícios.

Hoje há poucas alternativas para o financiamento dos prestadores de serviços de saúde, dificultando a ampliação e a modernização de suas infraestruturas. Nesse sentido, é fundamental ampliar as oportunidades de investimentos no setor, criando linhas de financiamento para a construção, ampliação e modernização dos hospitais privados brasileiros; estimular o investimento dessas instituições por meio de incentivos fiscais; criar debêntures de infraestrutura em saúde para a expansão física de prestadores de serviços dessa área; permitir a participação de empresas de capital estrangeiro na saúde; e também criar um fundo de previdência específica para gastos com saúde, com isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos.

Para melhorar o acesso da população aos serviços de saúde, além de mais recursos financeiros, sejam eles públicos ou privados, é importante incentivar o aumento da oferta de serviços e uma distribuição mais equilibrada da infraestrutura entre os setores público e privado. Os incentivos fiscais e o crédito, por exemplo, podem ser importantes mecanismos indutores de investimento.

Há ainda outros dados importantes que demonstram a necessidade de olharmos para a saúde brasileira com preocupação: de 2005 a 2012, os leitos direcionados ao Sistema Único de Saúde (SUS) diminuíram 12%, enquanto os leitos privados aumentaram 3,3%. Em 2010 as taxas de internação nos países da OCDE foram de 16,6 para cada mil. Na medicina suplementar essa taxa foi de 13,7 para cada mil e, na medicina pública, de 5,2 para cada mil.

Quando analisamos o número médio de consultas, é possível observar a dificuldade de acesso ao setor público, que apresenta 2,7 visitas ao médico por ano, enquanto no setor suplementar são 5,5 - o dobro. Nos países da OCDE a média de consultas ao médico por ano é de 5,8.

Hoje vivemos a tentativa da realização do sonho dos que idealizaram a nossa Constituição e o SUS, mas a realidade está muito aquém e vem tomada por uma ideologia que pouco contribui para solucionar os problemas da saúde brasileira. O SUS tem de ser revisto e reformulado, mas isso só se faz com competência e honestidade, e as duas estão em falta.

O SUS é bem concebido, mas faltam recursos, investimentos e gestão profissional. Já o sistema privado possui recursos e investimentos, tem gestão, mas falta um bom modelo assistencial. Os setores público e privado, para serem bem-sucedidos, devem trabalhar de forma articulada, seja do ponto de vista do modelo, da estrutura, da organização e também do financiamento.

O esforço conjunto é absolutamente necessário. É preciso que todos, genuinamente interessados na saúde, se envolvam num amplo debate com o objetivo de unir forças entre o sistema público e o privado para encontrar soluções viáveis para a saúde brasileira. Hoje não existe uma política nacional de saúde que integre, efetivamente, esses dois setores. O Estado precisa urgentemente repensar o tratamento dispensado à saúde, planejando o seu desenvolvimento dentro das possibilidades de atendimento.

Em ano eleitoral, os nossos futuros governantes devem agir para mudar a trajetória de descaso com o sistema de saúde brasileiro. É preciso mais coragem para organizar o mercado, a fim de que todos ganhem, em vez de brigarmos enquanto todos perdem e a saúde continua no pronto-socorro.



Francisco Balestrin é presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP).

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

MANICÔMIO PROTÁSIO ALVES

ZERO HORA 13 de agosto de 2014 | N° 17889


CARLOS SALGADO


Encontrar velhos conhecidos pelas ruas de Porto Alegre costuma ser agradável. Cruzar com desafortunados é triste e desafia nossa capacidade solidária. A Lei Estadual nº 9.716, de 1992, travestida de respeito à liberdade cidadã, expulsa o doente mental de instituições consideradas retrógradas, os manicômios. Da internação psiquiátrica ao abandono nas ruas, foram poucos passos.

Passados mais de 20 anos da promulgação da lei, é fácil encontrar, pelas calçadas da Avenida Protásio Alves, velhos conhecidos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, lá da Avenida Bento Gonçalves. A lei pretendia libertar os doentes mentais, mas abriu vagas no pior dos manicômios medievais, que é o leito da avenida.

Penalizado pelos azares da vulnerabilidade mental, o doente psiquiátrico vem sendo despejado através de uma denúncia vazia que o destitui da cidadania que lhe restava e garantia um abrigo. O céu como teto é uma alegoria elegante na poesia. No frio anoitecer do abandono, é apenas desassistência.

Caminho muito pela Avenida Protásio Alves porque uni residência e consultório em uma de suas antigas casas. Recebo pacientes psiquiátricos e, quando lhes indico internação, é frequente que tenham dificuldade em obter a vaga necessária. A Lei Estadual nº 9.716 pretendia aprimorar a atenção ao doente mental, mas provocou o fechamento compulsório de leitos e impede a abertura de novas vagas privadas ou públicas. Ela se conflitua com a Lei Federal n0 10.216, de 2001, que garante a todo doente mental a assistência adequada à gravidade de seu quadro clínico. Nada, no senso comum ou na legislação federal, respalda a determinação absurda de fechar leitos psiquiátricos em lugar de qualificá-los.

O abandono do doente mental só faz crescer. A própria Lei Estadual nº 9.716 previa sua revisão em cinco anos. O atraso de mais de 20 anos vai para a conta do doente mental.

Com a palavra, nossa Assembleia Legislativa gaúcha, casa do povo, com ou sem doença mental, votante ou não.



Psiquiatra, presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

PRIORIZAR NA SAÚDE


ZERO HORA 11 de agosto de 2014 | N° 17887

JOÃO LUIZ COUTO ANZANELLO


Não há mágica possível, atendimento médico pode ser barato como um exame de glicose pago pelo SUS, menos de R$ 2, ou caro como um transplante. A questão é que não há recursos para cobrir todos os gastos possíveis, mesmo que dobrássemos o orçamento.

Priorizar gastos é fazer política de saúde, e priorizar com base em algo racional e defensável cientificamente é uma necessidade em um país com nossas características epidemiológicas e econômicas. Cabe às autoridades constituídas convocar a sociedade para este debate aberto e direto sobre que modelo de assistência médica queremos implantar aqui; caso contrário, vamos continuar eternamente a nos queixar de filas para consultas e longa espera por cirurgias que não têm um apelo maior de mercado convivendo com pacientes e hospitais afortunados que consomem milhões. Não priorizar é fazer de conta que todos estão tendo o melhor possível, mas na realidade é gastar muito sem obter o melhor resultado possível.

Médico

NOVO HOSPITAL E SEM MÉDICOS

ZERO HORA 11/08/2014 | 04h01

Ainda faltam médicos em novo hospital de Porto Alegre. Dos 87 leitos disponíveis, 32 não puderam ser ocupados no primeiro mês porque há dificuldade para contratar profissionais

por José Luís Costa


Para colocar em funcionamento todos os 62 leitos de internação, ainda é preciso contratar médicosFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


O sonho de quatro décadas ainda não está de todo concretizado. Anunciado como uma estrutura completa, o Hospital Restinga e Extremo-Sul (HRES) foi inaugurado com serviços parciais. Nos primeiros 30 dias, o número de internações foi menor do que o previsto. Dos 13 mil atendimentos esperados, foram realizados 8,3 mil. E, dos 87 leitos disponíveis, 32 não puderam ser ocupados por falta de médicos.

A abertura oficial do HRES, que teve até a presença da presidente Dilma Rousseff, levou parte da comunidade a acreditar que a nova instituição – parceria do Hospital Moinhos de Vento com governos federal, estadual e municipal – seria a solução imediata para o atendimento à saúde.

— Houve uma grande confusão. Veio gente de todo canto pensando que iria encontrar um hospital completo. Até uma van de Alvorada, lotada, apareceu aqui — diz o líder comunitário Nelson da Silva, integrante do Conselho Distrital de Saúde e presidente do Comitê Pró-Construção do HRES.

— O hospital foi esperado por muito tempo, e as pessoas achavam que tudo poderia se resolver ali. Mas não abriu a pleno. Imaginei que já poderia ter uma maternidade — acrescenta Djanira Corrêa da Conceição, moradora da Restinga e atual coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre.

Apesar do funcionamento parcial, o HRES é reconhecido por Silva e Djanira como um salto de qualidade para a região onde vivem 110 mil pessoas. Estruturado para atendimento de média complexidade, parte dos serviços prometidos estará disponível em 2015.

Distância é um dos empecilhos

Nesta primeira fase, a prioridade é a ampliação e melhoria do serviço de emergência, que já existia havia 10 anos no antigo posto no Hospital Moinhos de Vento, mas com acréscimo de exames de eletrocardiograma e tomografia — capaz de identificar um acidente vascular cerebral, por exemplo — e leitos de observação e de internação (adulto e pediátrica) para tratamento de enfermidades respiratórias, pneumonia, diabetes e hipertensão, entre outros.

O hospital ainda não tem bloco cirúrgico e centro de tratamento intensivo. Não está apto para acolher casos de maior gravidade, como doenças cardíacas, neurológicas e traumas, embora disponha de uma "sala vermelha", equipada para procedimentos de urgência em pacientes graves, como baleados e esfaqueados. Na atual estrutura, dos 87 leitos, os 25 da emergência tem estado sempre lotados. Dos demais 62 leitos de internação, 32 ficaram vazios no primeiro mês por falta de médicos que não estariam interessados em atender na instituição por conta da distância — 20 quilômetros do centro da Capital.

A direção afirma que a falta de médicos será solucionada nas próximas semanas. Conforme Luiz Antônio Mattia, gerente de operações do HRES, serão contratados cinco profissionais — três médicos hospitalistas para clínica médica e dois pediatras. Assim, de acordo com o gerente, todos os 62 leitos de internação atuais poderão receber pacientes.

— A dificuldade de contratação pode ser explicada porque os profissionais precisam ajustar suas agendas, uma vez que buscamos rotineiros (médicos que trabalham durante o dia em turnos fixos), ocupando quase metade do horário disponível do médico e também por causa da distância do hospital em relação aos demais da Grande Porto Alegre — diz Mattia.

O gerente pondera que o número de atendimentos (8,3 mil no primeiro mês) foi menor do que a expectativa (13 mil) porque incluía serviço de traumatologia, ainda não disponível, e considera positivo o primeiro mês de atendimento:

— Sempre enfatizamos que o hospital abriria com a emergência e leitos de internação. Muitas pessoas que receberam atendimentos nestes primeiros 30 dias precisariam se deslocar aos hospitais do Centro e de outros bairros de Porto Alegre caso o HRES não estivesse em funcionamento.

Nota da Secretaria da Saúde

Em nota, a Secretaria de Saúde da Capital explica a ausência de serviços como maternidade, CTI, bloco cirúrgico, traumatologia e cardiologia, todos previstos para 2015.

"A divulgação mostrou o hospital como um todo, que, de fato é o mais completo em sua concepção, desde a arquitetura, sofisticação dos equipamentos, qualificação das equipes e padrões modernos de atendimento. Desde o início, a divulgação detalhou todas as etapas do empreendimento, explicando as fases de operação conforme as instalações fossem ficando disponíveis, de acordo com o cronograma do projeto. Nunca se disse que o hospital iniciaria suas operações com toda estrutura prevista no projeto concluída."

Sobre o número de atendimentos abaixo do previsto, a secretaria explicou: "Em qualquer projeto, as previsões de capacidade instalada podem não ser plenamente atendidas no primeiro momento em função dos ajustes da largada".

Traumatologia funcionará em 2015

A falta de serviço em traumatologia no Hospital Restinga e Extremo-Sul limita o atendimento de acidentados. Na manhã de 1º de agosto, João Eduardo Araújo, nove anos, seguia de bicicleta por um cruzamento da Rua Padre Pedro Leonardi quando foi atropelado por um ônibus. Uma ambulância foi chamada ao local do acidente, cerca de 200 metros do HRES. Mas o menino foi levado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), distante 20 quilômetros dali. O garoto sofreu lesões leves e, no dia seguinte, recebeu alta. A situação desagradou a família.

— Não temos hospital — disse Jonatas Araújo, pai do menino.

Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, Djanira Corrêa da Conceição conta que chegou a se irritar ao saber que uma mulher com a mão quebrada correu para o Hospital da Restinga, mas teve de ser transferida para o HPS.

— Hospital é como uma máquina, para funcionar bem precisa de ajustes. Depois de algumas reuniões, comecei a entender a rotina do hospital. As coisas vão se ajeitando aos poucos — afirmou.

Simers visitará instalações

De acordo com Luiz Antônio Mattia, gerente de operações do HRES, a instituição tem condições de dar os primeiros socorros, mas não é referência em trauma como o HPS — o serviço de traumatologia estará disponível no próximo ano.

Em relação a atendimentos clínicos, pacientes entrevistados por Zero Hora se dividem em elogios e críticas. Internado por causa de uma acidente vascular cerebral, o servente de obras André Luís da Silva, 42 anos, aprovou o serviço:

— Estou sendo muito bem atendido aqui.

Para o técnico em informática Miguel Campos Filho, 47 anos, que levou o pai de 81 anos para tratamento de uma infecção nos pés, ainda há demora.

— Em relação ao antigo pronto atendimento, a estrutura melhorou bastante e sei que as pessoas procuram mais, mas o sistema é um pouco lento — comentou.

O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, estranhou o desinteresse de profissionais em atuar no novo hospital. Ele disse que a entidade vai verificar essa situação e pretende visitar a instituição nos próximos dias para conhecer as instalações e avaliar as condições de trabalho.

Os números do primeiro mês

Atendimento ambulatorial: 8,3 mil, sendo 65% adultos e 35% pediátricos. Mais de 1,3 mil exames de imagem entre Raio X e tomografias.

Tempo de espera: casos urgentes, classificação vermelha, têm atendimento imediato. Depois, dependendo da gravidade, a espera varia de 30 minutos a quatro horas.

- Internações: 101 .
- Óbitos: 17 .
- Leitos de emergência: 25.
- Leitos de internação: 62 (32 não ocupados por falta de médicos).
- Custo operacional: o valor previsto é de R$ 4,6 milhões mensais: 50% do Ministério da Saúde, 26% da prefeitura e 24% do Estado.
- Número de médicos: 76 contratados pela CLT, seis cirurgiões como pessoa jurídica (PJ) e mais um grupo de radiologistas. Faltam três médicos para o setor de internação e dois pediatras para atender todos os 62 leitos atuais.
- Número de enfermeiros e técnicos em enfermagem: 33 enfermeiros mais quatro em contratação e 77 técnicos em enfermagem e mais 24 em contratação

Previsão para 2015

- 121 leitos de internação e 48 leitos de passagem
- Centro cirúrgico, centro obstétrico e CTI adulto
- Centro de especialidades em traumatologia, cardiologia, neurologia e odontologia
- Unidade de diagnóstico para realização de exames, atendendo demandas do hospital e de postos de saúde
- Escola de formação e qualificação de servidores

sábado, 9 de agosto de 2014

CERCO AO EBOLA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2333 | 08.Ago.14

A Organização Mundial de Saúde declara a epidemia uma emergência mundial. O Brasil e o mundo se preparam para se proteger do vírus, que já matou quase mil pessoas até agora na África

Cilene Pereira  e Helena Borges



Confira como o hospital Emílio Ribas se prepara para atender a possíveis doentes em SP.

A epidemia de Ebola que castiga os países africanos Serra Leoa, Guiné e Libéria ganhou contornos ainda mais preocupantes na semana passada. Na sexta-feira 8, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a proliferação do vírus uma emergência de saúde internacional. A OMS considera a atual epidemia um evento extraordinário. “É a mais complexa de toda a história da doença”, disse a médica Margaret Chan, diretora-geral da instituição. Na avaliação da entidade, as possíveis consequências da internacionalização da epidemia são sérias, particularmente em vista da agressividade do vírus.



É a terceira vez nos últimos anos que a OMS determina uma emergência mundial. Em 2009, a pandemia de gripe causada pelo H1N1 recebeu a classificação e, em maio, foi a vez da ameaça da volta da poliomielite a países nos quais a doença está erradicada. Em relação ao Ebola, a entidade não determinou a proibição de comércio com as nações atingidas ou de viagens internacionais a esses locais, mas recomendou aos governos que informem os viajantes com esses destinos sobre como minimizar os riscos de contaminação. Além disso, orientou que os países estejam preparados para detectar casos e tratá-los e que tenham planos para repatriação de cidadãos que foram expostos. Nos países afetados, referendou a necessidade de submeter a exames pessoas com sintomas que passem por aeroportos, portos e postos fronteiriços e da aplicação de medidas efetivas de proteção dos profissionais que lidam com os doentes. Os pacientes não devem deixar seus países, salvo se for para receber tratamento médico em outro país.

A OMS quer reunir esforços para conter a epidemia, que até agora não deu sinais de arrefecimento. Até sexta-feira, haviam sido registrados 1.711 casos e 932 mortes. O sinal mais importante de que ela pode se espalhar ainda mais foi a confirmação de nove casos na Nigéria, país de porte muito maior do que as nações atingidas até então e também com relações muito mais intensas com o resto do mundo. Além disso, um homem morreu na Arábia Saudita com sintomas, outras duas pessoas estão sendo monitoradas na Inglaterra e em Benin, na África, e na Tailândia 21 turistas também estão sob observação.


TRATAMENTO
Na quinta-feira 7, o padre espanhol Miguel Pajares chegou a Madri,
na Espanha, levado da Libéria, onde foi infectado

Diante da ameaça, o mundo reagiu. A Nigéria começou a montar centros de atendimento de urgência. Na Libéria, soldados impedem que moradores de áreas atingidas cheguem à capital, Monróvia. Na Espanha, foram adotadas todas as precauções no transporte do padre Miguel Pajares da Libéria a Madri, onde está internado depois de se contaminar. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle de Doenças (CDC), em Atlanta, considerado a maior referência do mundo no combate a doenças infectocontagiosas, elevou o surto para nível 1 de alerta. Postos de quarentena estão montados em portos, aeroportos e postos de fronteira de 20 cidades e aumentou o número de funcionários no Centro de Operações de Emergência, que rastreia casos.

No Brasil, na sexta-feira 8 o ministro da Saúde, Arthur Chioro, anunciou que indivíduos das áreas afetadas que manifestem desejo de vir ao Brasil passarão por triagem médica antes de embarcar. “Reforçaremos a vigilância epidemiológica do viajante”, informou. A OMS, porém, não tem nenhuma recomendação nesse sentido. Além disso, serão colocados nos aeroportos avisos a passageiros que estiverem febris para que procurem postos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Antes, na quarta-feira 13, Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, reuniu-se por videoconferência com os secretários estaduais de saúde para reforçar as medidas a serem adotadas em caso de suspeita de infecção (leia mais no quadro à pág. 70). O trabalho deve ser feito de forma coordenada entre os serviços de vigilância sanitária, especialmente os localizados em portos e aeroportos, e os hospitais de referência no tratamento de doenças infectocontagiosas para onde seriam levados os pacientes. Cada Estado deve ter uma instituição com esse perfil. “É preciso ter leitos isolados. E qualquer instituição de referência em enfermidades transmissíveis tem um”, disse Barbosa. O Ministério também enviou às secretarias uma cartilha com as orientações.



Em São Paulo, profissionais do Instituto de Infectologia Emílio Ribas – uma das principais referências em atendimento de moléstias infecciosas do País – vêm se aprimorando para a eventualidade de receberem um caso. “Estamos treinando novamente todos os que podem entrar em contato com esse tipo de paciente”, disse o infectologista Ralcyon Teixeira, chefe do Pronto-Socorro da instituição. Por lá, o paciente seria recebido no serviço de emergência e depois internado em um leito na UTI (são 17). “Nossos leitos são equipados com um sistema no qual o fluxo de ar que sai do quarto é purificado para evitar que o ambiente seja contaminado”, explica o médico. “E o ar do quarto é filtrado e purificado.” No caso do Ebola, a transmissão não ocorre pelo ar. Por isso, os médicos dizem que, se a demanda por leitos aumentar, é possível colocar os contaminados em quartos comuns. “O essencial é que o doente seja internado em leito sozinho e com acesso limitado de pessoas”, afirma Teixeira.

Entre outras questões repassadas no Emílio Ribas estão coisas como decidir que avental impermeável usar para evitar a contaminação do profissional. Eles têm dois: um verde e um branco. Optaram pelo branco, mais resistente. Eles vestirão ainda macacão e bota impermeável, máscara e proteção para o rosto com viseira e dois pares de luvas. Relembraram ainda a importância de registrar o nome de todo profissional que tiver contato com o doente ou entrar em seu ambiente e bem como o horário da visita. É uma precaução para que essas pessoas sejam monitoradas se surgir algum problema.



Entre autoridades de saúde e estudiosos, no entanto, é consenso que o risco de o Ebola chegar por aqui é baixo. Várias explicações sustentam a previsão. Uma é de ordem científica. “Todos os elementos da cadeia epidemiológica de transmissão do vírus estão na África. Aqui não existem animais que possam carregá-lo”, afirma Crispim Cerutti Junior, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Ele se refere a espécies de morcegos que servem de reservatórios do Ebola. Outra diz respeito ao nível de perícia dos profissionais envolvidos no atendimento a males contagiosos. Desde 2011, por exemplo, há treinamentos de vigilância epidemiológica visando a grandes eventos. “As simulações de incidente biológico incluem o caso Ebola”, diz a infectologista Otília Lupi, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.

Além disso, há uma experiência significativa armazenada no trato de pacientes com doenças infecciosas sérias, como a Aids. “No Brasil, é inadmissível hoje um enfermeiro manusear um paciente sem luvas ou usar agulhas que não sejam descartáveis ou esterelizadas”, diz Otília. Isso é importante porque, no caso do Ebola, a transmissão ocorre pelo contato direto com sangue, excreções ou secreções da pessoa infectada ou com objetos contaminados. Outro aspecto levantado é a existência de grandes diferenças culturais entre o Brasil e os países onde ocorre a epidemia. Na África, muitas famílias mantêm os pacientes em casa, o que facilita o contágio dos outros moradores. E insiste-se no ritual de velório que inclui a lavagem do cadáver à mão e sem luvas.

Há, porém, inquietações. “Nosso temor é a epidemia se expandir em direção a países com maior conexão com o Brasil, como Angola. Aí sim estaríamos em risco de o vírus chegar”, diz Otília. Não se pode esquecer, também, que a conexão do País com a Nigéria, onde já há infectados, também é considerável.

Fotos: Emilio Naranjo/EFE, JOHN SPINK/AP; Kelsen Fermandes/Ag. Istoé