sábado, 27 de setembro de 2014

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TRANSPLANTES



ZH 27 de setembro de 2014 | N° 17935


ROBERTO CERATTI MANFRO




Em 28 de setembro, comemoramos o Dia Nacional de Doação de Órgãos. Nesse dia, ações são realizadas para esclarecer a população sobre a importância da doação. Os transplantes tornaram-se procedimentos eficazes, salvando ou melhorando as vidas de centenas de milhares de pessoas. Atualmente, transplantes de órgãos e tecidos são rotineiros em todos os países minimamente desenvolvidos. Pessoas cujos rins, fígados, corações, pulmões e pâncreas deixam de funcionar são salvas pelos transplantes. Várias doenças graves são tratadas por transplantes de medula óssea, e milhares de indivíduos voltam a ver o mundo graças às córneas doadas. Todos esses transplantes só são possíveis devido às doações, autorizadas por familiares, após a morte de uma pessoa querida.

O Brasil detém o segundo maior programa de transplantes do mundo. No entanto, corrigindo para o tamanho da população, nossas taxas de doação e de transplantes ainda têm muito espaço para crescer. No ano de 2013, o Brasil registrou 13,2 doadores por milhão de habitantes, e embora essa taxa tenha dobrado nos últimos seis anos, ela ainda está muito aquém do que se precisa para atender, com eficiência, às necessidades da população. Pode-se comparar esses números com os apresentados por países líderes em doação, com taxas na ordem de 25 a 35 doadores por milhão de habitantes. Por outro lado, o Estado do Rio Grande do Sul, um dos líderes nacionais em transplantes, apresenta taxas de captação de órgãos em crescimento inferior ao observado nos outros Estados brasileiros líderes.

Dessa forma, especialmente no dia dedicado à causa das doações, devemos reconhecer e manifestar o nosso profundo respeito e admiração aos doadores e a seus familiares, que, no momento de grande dor, consentem a doação dos órgãos e tecidos, permitindo a celebração da vida por pessoas desconhecidas. Lembramos que a doação é um ato altruísta, esclarecido e cidadão, e, por fim, chamamos a atenção para o fato de que as políticas de saúde devem contemplar enfaticamente as doações, pois, sem elas, não há transplantes, e sem transplantes, para muitos, não há mais nada.

Médico, vice-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DESCASO COM O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DO SUS



JORNAL DO COMÉRCIO 22/09/2014


João Ladislau Rosa



O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, em 16 de setembro, duas importantes resoluções no Diário Oficial. Ambas trazem à tona um problema cada vez mais preocupante e que requer resolução imediata: a situação caótica da urgência e emergência no Sistema Único de Saúde (SUS). Com tal iniciativa, busca-se diminuir o sofrimento dos brasileiros que precisam desses serviços. Para tanto, novas normativas do CFM estabelecem que o tempo de espera do paciente para atendimento em uma unidade de pronto-socorro não pode ser superior a duas horas.

Essa mudança vem ao encontro de antigo pleito do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Ao longo dos anos, temos fiscalizado e acompanhado o declínio dos prontos-socorros de nosso estado. Assim como no restante do Brasil, o quadro é de fato alarmante. In loco, atestamos o que o usuário já sabe: as unidades possuem péssimas instalações, tanto em termos de infraestrutura quanto de equipamentos em geral; faltam profissionais da saúde; e o volume de demandas é muito superior à capacidade de atendimento.

Diariamente, os médicos e pacientes sofrem com a fragilidade do SUS. Os médicos, por estarem de “mãos atadas”, sem os recursos básicos para fornecer a assistência adequada, trabalhando em péssimas condições e com salários baixíssimos. E os pacientes, por terem de enfrentar horas de espera e complicações na transferência para especialidades, caso o diagnóstico indique internação, cirurgia ou acompanhamento específico. Na prática, infelizmente, o que acaba acontecendo é que muitos pacientes ficam represados em pronto-socorro, agravando ainda mais a superlotação. Aliás, vale ressaltar que a internação na unidade de emergência, fato recorrente no País, é proibida por determinações do CFM e do Ministério da Saúde. O motivo para tanta precariedade é um só: o descaso das autoridades. Desde a sua instalação, em 1988, o SUS evoluiu muito, mas, de todos os setores, o serviço de urgência e emergência é o que permanece mais estagnado.

Nos últimos 13 anos, a União deixou de gastar R$ 112 bilhões disponíveis para a saúde. Para agravar, em um movimento contrário à necessidade popular, o número de leitos sofreu absurda redução: entre 2010 e 2013, foram fechados cerca de 13 mil em todo o País. Isso que significa, segundo dados do Ministério da Saúde, menos 340 vagas para a área de cirurgia; 3.431 para obstetrícia; 5.992 para pediatria; 7.449 para psiquiatria; e 7.150 para as demais especialidades. Com as resoluções, o CFM tenta chamar a atenção dos nossos governantes para a saúde dos brasileiros, que já é, há tanto tempo, menosprezada e ignorada. São medidas construídas no sentido de organizar melhor os serviços de saúde e subsidiar o SUS para viabilizar uma atenção mais ágil. Sabemos que as novas resoluções não transformarão a realidade da noite para o dia, mas são um norte para melhorias futuras do sistema.

Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A SAÚDE DESAFIADA



ZH 19 de setembro de 2014 | N° 17927


EDITORIAL




Ao estabelecer condições para o atendimento de urgência, o Conselho de Medicina pode contribuir, apesar dos conflitos, para a solução dos problemas da saúde.

As carências da saúde no Brasil não serão resolvidas apenas pela boa intenção dos que tentam melhorar serviços públicos e privados pela força de normas e decretos. Mas é preciso reconhecer o mérito da resolução do Conselho Federal de Medicina sobre atendimentos de urgência e emergência, com o objetivo de melhor administrar pes- soas e recursos e esclarecer responsabilidades. Diz a resolução que pacientes em situação de risco devem ser atendidos em no máximo duas horas em hospitais, postos de saúde e unidades de pronto atendimento. Numa análise apressada e superficial, pode- se enquadrar a resolução entre os atos que, apesar dos objetivos nobres, apenas formalizam uma exigência de difícil cumprimento.

De fato, pode acontecer, na maioria dos casos, que a medida não surtirá os efeitos esperados, considerando-se que a solução das deficiências depende de atitudes que vão além das formalidades legais. As estruturas de saúde pública foram precarizadas pelos mais variados motivos, e a gestão certamente está entre os principais. Faltam profissionais, equipamentos, instalações e recursos, por ausência de racionalidade em muitos dos atendimentos que não conseguem dar conta da demanda diária. Este é um dos maiores desafios às autoridades, conforme evidência da realidade e resultados de pesquisas sobre as principais queixas da população. O brasileiro já não suporta as filas de espera nas emergências ou para consultas especializadas, cirurgias, tratamentos oncológicos e internações.

Uma das consequências disso é a saturação também da estrutura privada, com a tentativa de expressiva parcela da população de buscar proteção em planos de saúde. Multiplicam-se os casos que repetem, em serviços particulares, do simples atendimento ambulatorial à cirurgia mais complexa, os mesmos transtornos da rede pública. Este é o contexto que a resolução do Conselho procura enfrentar, por abranger tanto os serviços do SUS quanto os prestados via planos e convênios.

A determinação que trata do prazo de atendimento é complementada com uma orientação: profissionais que prestam os serviços devem se dirigir aos gestores, quando de situações que envolvem superlotação, falta de condições e deficiência de quadros nas equipes especializadas. A resolução tem o poder de confrontar a saúde com suas limitações crônicas, que punem especialmente as populações dependentes do SUS. Os próprios conflitos criados pela medida podem inspirar a reação em favor de uma saúde menos seletiva.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

PROTESTO POR CENTRO DE SAÚDE

DIÁRIO GAÚCHO 18/09/2014 | 12h28

Jeniffer Gularte


Moradores protestam por posto de saúde no Centro de Porto Alegre. Manifestação bloqueou o cruzamento da Rua Câncio Gomes com Avenida Voluntários da Pátria



Fios de luz e lixo foram queimados durante a manifestação na manhã de hoje Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS


Moradores do Loteamento Santa Terezinha, antiga Vila dos Papeleiros, protestaram na manhã de hoje, na Avenida Voluntários da Pátria, no Centro de Porto Alegre, para reivindicar a construção de um posto de saúde na comunidade.

- Nos prometeram posto de saúde antes de virmos para cá e até agora nada - afirma a dona de casa, Maquieli Regina Silveira Hernandes Gaston, 23 anos.

Durante a manifestação o cruzamento da Rua Câncio Gomes com a Avenida Voluntários da Pátria ficou bloqueado. Fios de luz e lixo foram queimados para impedir a passagem de veículos. O desvio foi feito pela Avenidas Castelo Branco ou Farrapos. Hoje, às 18 horas, deve haver uma nova manifestação no local.

PRAZO PARA EMERGÊNCIAS

 

ZERO HORA 18 de setembro de 2014 | N° 17926


SAÚDE. AS DUAS HORAS DA DISCÓRDIA



RESOLUÇÃO QUE ESTABELECE tempo máximo de espera de 120 minutos para atendimento médico divide gestores e entidades médicas. Duas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) reacendem o debate sobre o atendimento de urgência e emergência no Brasil. O ponto dos textos que causa mais controvérsia entre gestores e entidades médicas é a definição de duas horas como tempo máximo de espera para o paciente ser avaliado por um médico – em casos de menor urgência.

ZH esteve nas principais emergências hospitalares, postos de saúde e na única unidade de pronto atendimento de Porto Alegre. A reportagem constatou que o tempo médio de espera ultrapassa, na maior parte dos casos, os 120 minutos estabelecidos pelas novas resoluções (veja levantamento à direita).

– É completamente utópica (a resolução). Não é algo que se faça do dia para a noite. Tem de criar estruturas que tenham condições de dar atendimento – criticou o secretário da Saúde da Capital, Carlos Henrique Casartelli.

Em outra ponta, o presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Fernando Weber Matos, avalia que as resoluções refletem a necessidade de aumento na qualidade e na velocidade nos atendimentos. O Cremers vai seguir as determinações, fazendo relatórios, discutindo com gestores, ajudando a levantar soluções e cobrando – se não forem realizadas adequações, o Ministério Público Federal (MPF) será acionado. Na mesma linha vai a presidente em exercício do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).

– Se a pessoa não tiver o atendimento rápido e seguro, pode perder a vida. E é nesse espírito que trabalha a resolução – afirma Maria Rita de Assis Brasil, que participou da confecção da norma.

Procurado, o Ministério da Saúde disse estar analisando a resolução e que só se manifestará após o trabalho ser concluído.

Não é a primeira vez que decisões sobre a saúde pública dividem opiniões de entidades médicas e gestores. Ano passado, a criação do Mais Médicos também provocou discórdia. O programa do governo federal levou profissionais brasileiros e estrangeiros (principalmente cubanos) a municípios de todo o país, mas sofreu duras críticas – uma delas por não exigir o Revalida, prova obrigatória para liberar o exercício da profissão aos formados no Exterior.


QUESTIONAMENTO AO TEXTO DA RESOLUÇÃO

Neste mês, a polêmica foi a liberação do Ministério da Educação para a criação de quatro novos cursos de Medicina no interior do Estado, em Erechim, Ijuí, Novo Hamburgo e São Leopoldo, contestada pelos representantes dos médicos.

– Vamos buscar recursos ou soluções para a que a população chegue na emergência e tenha atendimento imediato – explica Cláudio Balduíno Souto Franzen, representante do Estado no CFM.

Presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS), Luís Carlos Bolzan questiona a legitimidade do CFM para propor regulamentações sobre o tema:

– Determinar a quantidade de horas e fluxo não são atribuições de um conselho de fiscalização profissional. Seria substituir a gestão que foi eleita pela população.

O texto das normas também é alvo de questionamentos.

– A resolução não deixa claro o que é um paciente de atendimento de emergência. Se definir que todo mundo tem de ir a uma emergência, está descontruindo o sistema de saúde que o Brasil construiu – aponta o vice presidente do Sindicato dos Hospitais da Capital, Fernando Torelly.

Participaram desta reportagem Eduardo Rosa, Jaqueline Sordi e Lara Ely


terça-feira, 16 de setembro de 2014

FRAUDE AMEAÇA A SAÚDE


ZH 16 de setembro de 2014 | N° 17924


AMEAÇA À SAÚDE - Hospital teria sofrido fraude

SUSPEITA DE DESVIO de dinheiro envolveria funcionários e estaria ocorrendo desde 2006



A Polícia Civil vai investigar uma suposta fraude cometida contra o Hospital São Vicente de Paulo, em Osório, Litoral Norte. A suspeita é de que pessoas ligadas à contabilidade do estabelecimento tenham desviado mais de R$ 1 milhão nos últimos anos. Um funcionário da tesouraria foi afastado em decorrência da averiguação, que é feita por policiais e pela direção da instituição.

Uma equipe da 1ª Delegacia de Polícia Civil de Osório, comandada pelo delegado Gustavo Brentano, apreendeu um computador usado pelo setor de contabilidade, que será periciado. A fraude consistiria em destinação de remuneração a mais que o devido para alguns funcionários do hospital, que tem 300 servidores, entre eles 55 médicos.

O presidente do São Vicente de Paulo, Francisco Moro, que é advogado, suspeita que a fraude venha ocorrendo desde julho de 2006. Ele diz que um funcionário da contabilidade organizava duas folhas de pagamento: uma, verdadeira, e outra, com valores falseados, uma espécie de caixa 2. Esse servidor tinha uma conta no mesmo banco onde os funcionários recebem.

– Na falsa folha de pagamento, ele colocaria valores a mais para alguns médicos, os que ganham menos. Esses médicos não sabiam disso. Depois, ele transferia esses valores a mais para sua própria conta – resume Moro.

PERÍCIA APONTARÁ DATA DE INÍCIO DO DESFALQUE

Os valores desviados eram pequenos, mês a mês, constatou a polícia. Agora será realizada perícia para verificar desde quando estariam ocorrendo os desvios.

A Polícia Civil vai investigar também se o incêndio ocorrido em 17 de maio deste ano no São Vicente de Paulo tem alguma relação com os supostos desvios. Na ocasião, a sobrecarga de um transformador teria causado um curto-circuito no prédio. As chamas atingiram sobretudo o setor de hemodiálise e o de contabilidade, que está agora sob investigação.

– Vamos checar se existe alguma relação ou se é apenas coincidência – diz o delegado Gustavo Brentano.

O setor de hemodiálise foi reaberto em maio. Já os setores de emergência e urgência continuam fechados e devem ser abertos somente em dezembro. A rede elétrica foi recuperada, mas faltam pinturas, móveis e aprovação de um Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI).

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

CADU E O TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO



FOLHA.COM 12/09/2014 02h00


Antônio Geraldo da Silva



A recente prisão do jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, assassino confesso do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em 2010, suscita um debate que vai muito além de atribuir ou não culpa ao jovem. Diagnosticado como esquizofrênico quando do assassinato do cartunista e de seu filho, Cadu, como é conhecido, agora é apontado como um assassino frio, que não padece de doenças mentais. Carlos Eduardo será indiciado sob suspeita de crimes cometidos em Goiânia, entre eles, latrocínio.

O tratamento psiquiátrico recebido por Carlos Eduardo nos últimos quatro anos foi posto em xeque. Afinal, o jovem teria ou não condições de responder por seu crime em liberdade, por ser inimputável? Sua periculosidade teria cessado? Quem deu o laudo foi um psiquiatra forense? A juíza responsável pelo caso afirma que se ateve tão somente em cumprir a lei.

O caso é oportuno para pontuarmos alguns aspectos acerca do atendimento psiquiátrico prestado atualmente no Brasil. Reinserir os doentes mentais na sociedade é fundamental. A forma adotada pelo Ministério da Saúde, no entanto, é bastante questionável.

Desde 2002, o governo federal optou por uma política equivocada: fechar hospitais psiquiátricos e reduzir vagas em hospitais de custódia em todo o Brasil. Essa estratégia é nociva, não somente aos pacientes, mas também às suas famílias e à sociedade brasileira, como ocorre agora com essa tragédia em Goiânia.

A aposta do governo é nos CAPs (Centros de Atenção Psicossociais), uma tentativa de integração do doente mental sem internação. A questão é que, muitas vezes, os CAPs não contam nem mesmo com o serviço de psiquiatras. A população carece de um projeto terapêutico eficiente e de acordo com as necessidades dos doentes, seja de forma ambulatorial, preferencialmente, ou com internação, em casos de transtorno mais graves.

Periculosidade não pode ser confundida com doença mental: a reincidência no crime de um doente psiquiátrico é de apenas 5% a 7%, enquanto entre os demais criminosos é de 70%. A maioria dos casos de pessoas que cometeram crimes (95%) não são doentes mentais.

É preciso considerar que o paciente psiquiátrico acusado de crime tem peculiaridades e especificidades na análise de risco além da doença mental em si, como uso de drogas e álcool, transtornos de personalidade e psicopatia, dificuldade em aderir ao tratamento, falta de suporte social e antecedentes criminais. A realidade é que a avaliação desses outros fatores é feita de forma superficial hoje no Brasil. O intensivo acompanhamento do paciente após a alta da internação também está longe de ser praticado no país.

Doente mental tratado e bem assistido não é perigoso à sociedade. Reiteradas vezes, a Associação Brasileira de Psiquiatria se colocou à disposição do Ministério da Saúde para auxiliar na construção de uma estratégia mais efetiva de assistência e tratamento aos doentes mentais. O governo federal, no entanto, insiste na política que já se mostrou ineficiente.

A melhoria da assistência passa, fundamentalmente, pela formação de uma rede assistencial integral, do atendimento básico ao hospitalar especializado. Também não podem ser ignoradas a reforma e ampliação dos hospitais de custódia e tratamento (HCTPs, os antigos "manicômios judiciários").

A realidade é que, sem isso, as autoridades perdem tempo enxugando gelo e a sociedade continua à mercê de tragédias como a que ocorreu em Goiânia.



ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, 51, é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria

HOSPITAIS PODEM PARAR DE ATENDER PELO IPE

JORNAL DO COMÉRCIO 12/09/2014

Hospitais podem parar de atender pelo IPE a partir desta sexta-feira

Suzy Scarton


FREDY VIEIRA/JC

Matos diz que os hospitais podem suspender atendimento ao IPE


Uma vez que os esforços para travar uma relação harmônica entre a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos e o Instituto de Previdência do Estado (IPE) não têm dado resultado, os hospitais resolveram dar um basta. Nesta sexta-feira, uma reunião na sede da federação deve deliberar, inclusive, sobre a paralisação aos atendimentos eletivos do convênio.

O presidente da Federação das Santas Casas do Rio Grande do Sul, Julio Dornelles de Matos, garantiu que caminhos diversos foram trabalhados para alcançar um acordo. “Notificamos sobre essas questões no ano passado e, após o descumprimento dos prazos estabelecidos pelo próprio IPE, emitimos novo alerta em agosto”, relatou. Para Matos, o instituto segue protelando a questão, sem dar sinais de que irá resolvê-la. O novo prazo terminou na quinta-feira.

Conforme Matos, o IPE não reajusta as tabelas de valores desde 2011, acumulando pendências com os hospitais. Nem mesmo a inflação do período foi reposta. “Existe uma defasagem muito grande entre custo e receita”, explicou.

Uma diária de quarto privativo, por exemplo, custa ao hospital R$ 334,00. O IPE paga apenas R$ 134,00. A diária em um semiprivativo custa R$ 296,00, e o convênio devolve ao hospital R$ 71,00. Já a internação na UTI custa R$ 1.277,00 e o IPE repassa R$ 381,00.
Além disso, há uma insatisfação da federação com a apresentação das glosas, uma vez que, mensalmente, os hospitais devem expor os faturamentos com o IPE para que os procedimentos possam ser aplicados. Entretanto, desde 2010, o instituto não possibilita que os hospitais apresentem as glosas calculadas. “O total de glosas de 2010 até hoje já passa dos R$ 123 milhões. Pedimos a abertura imediata do sistema”, afirmou Matos.

Há, também, reclamações quanto à forma de remuneração pelo uso de medicamentos de uso restrito aos hospitais e à adoção de uma tabela nacional de honorários médicos CBHPM (Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos). “A tabela está desatualizada e não acompanha os avanços da medicina. Alguns procedimentos novos não são oferecidos aos pacientes porque não estão presentes na tabela”, alertou. A promessa de atualização da tabela ficou para dezembro. “Não confiamos. Eles nos respondem com evasivas que mostram a intenção de empurrar o problema.”

UM ANO DO PROGRAMA MAIS MÉDICO


JORNAL DO COMERCIO 11/09/2014


Stephen Stefani e Antonio Carlos Westphalen



Após um ano, cabe uma reflexão sobre o programa Mais Médicos. Conforme as pesquisas, mais de 70% da população avalia a gestão da saúde como ruim ou péssima. Gastamos menos do que 5% do PIB em saúde pública, média menor do que o continente africano e maioria dos países da América Latina. Somos assolados com fraudes e desperdícios. Até aí é consenso. Justificar a ineficiência do sistema pela insuficiência de médicos é que gerou o debate. O Brasil tem 17,6 médicos para cada 10 mil habitantes, acima da média mundial, que é 14. São mais de 400 mil no País. Difícil imaginar que incluir mais 5 mil mudasse o cenário significativamente. O problema não é numérico, mas de distribuição, infraestrutura e gestão. 

Quando o programa foi oferecido aos médicos brasileiros, a adesão foi insignificante pelas condições de remuneração - sem férias, 13º salário e fundo de garantia – e pela falta de estrutura que desse segurança ao médico e paciente. A “importação” de profissionais levou a novas discussões. Os médicos estrangeiros não precisaram validar o diploma, gerando questões sobre a qualidade do atendimento que seria oferecido. Este ponto específico – a necessidade de critérios internacionais de qualificação de profissional – foi ampliado em artigo que escrevemos para a revista Value in Health. 

De um lado, muitos julgavam que “qualquer coisa é melhor do que nada”, enquanto o argumento da outra parte foi de que a população merece, e paga através de uma carga tributária elevada, mais do que “qualquer coisa”. O debate – que deveria ser técnico – tem sido político e partidário. 

Evidentemente que levar médicos para locais onde o atendimento é carente é um problema que demanda medidas efetivas, mas o programa Mais Médicos não pode prometer isso e não mudará o cenário da saúde se os recursos pertinentes e a vontade de mudá-la não for a prioridade. Já diz o ditado que nesta briga entre o mar e o rochedo, quem se dá mal é o marisco. E o paciente é o marisco.

Médico oncologista em Porto Alegre e médico radiologista nos EUA

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

SUICÍDIO, PRECISAMOS FALAR SOBRE ISTO


ZH 10 de setembro de 2014 | N° 17918


RICARDO NOGUEIRA*



O suicídio é usualmente resultante da ação recíproca de fatores biológicos, psicológicos, culturais, sociais, entre outros, que causa grande sofrimento àqueles que se relacionam com a vítima. É difícil explicar por que uma pessoa deseja acabar com sua vida, enquanto outras, em situações similares, não o fazem. Percebe-se que os atos autodestrutivos estão associados com a incapacidade do indivíduo de encontrar alternativas para seus problemas.

As taxas de suicídio são três vezes maiores nos homens porque usam métodos mais violentos. Já as mulheres tentam se matar usando métodos menos letais. A incidência de suicídio aumenta com a idade, entretanto, nos últimos 45 anos observa-se uma elevação significativa dos índices em crianças, adolescentes e adultos jovens.

No Brasil, há em média 32,3 suicídios/dia, em torno de 11.220 mortes/ano, um aumento de mais de 43% nos últimos 25 anos. O país está entre os 10 com maior número absoluto de casos. O RS está entre os Estados com as taxas mais elevadas e dos 20 municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes e que têm maiores coeficientes de suicídio, 10 são gaúchos.

Apesar dos dados, pouco se fala sobre o assunto. De 2000 a 2012, o número de suicídios no RS sempre ficou acima dos mil casos/ano, porém em 2009 e 2010 houve redução de 12% com um trabalho de sensibilização, capacitação e treinamento de equipes de saúde. Cada suicídio afeta de cinco a 10 pessoas, os chamados sobreviventes, e o seu luto é diferente por causa de sentimentos de culpa e impotência. Daí a importância dos grupos oferecendo apoio mútuo.

Estudos revelam que o fato de um indivíduo haver tentado uma vez suicídio aumenta muito a chance de nova tentativa, por isso, essas pessoas devem ser o foco das ações de vigilância e prevenção da área da saúde. Para cada suicídio, ocorrem no mínimo 10 tentativas. A situação clama por intervenções multissetoriais na construção de políticas de prevenção e promoção da qualidade de vida de forma integral.


*Psiquiatra, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de DeusRICARDO NOGUEIRA

domingo, 7 de setembro de 2014

BRASIL É O OITAVO PAÍS COM MAIS SUICÍDIOS


07 de setembro de 2014 | N° 17915


DADOS DA OMS



Mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo – ou uma a cada 40 segundos –, segundo o primeiro relatório global sobre prevenção de suicídio da OMS (Organização Mundial da Saúde). Na lista, o Brasil é o 8º país com mais suicídios por ano, com 11.821 casos em 2012. Na frente estão Índia, China, EUA, Rússia, Japão, Coreia do Sul e Paquistão.

Segundo o documento, cerca de 75% dos suicídios acontecem entre pessoas de países pobres ou nível socioeconômico médio. No mundo todo, as taxas são maiores entre pessoas com mais de 70 anos, mas, em alguns países, os maiores índices foram entre jovens. Na faixa dos 15 aos 29 anos, o suicídio é a segunda maior causa de morte. Diante do quadro, a OMS convocou os governos a colocarem em prática planos de prevenção, estratégia existente em apenas 28 países, como restrição do acesso aos métodos mais comuns, como armas.


Brasil é oitavo em ranking de suicídio inédito da OMS; veja os países com os maiores índices

Brasil Post |  04/09/2014 15:55 




Uma pessoa morre a cada 40 segundos no mundo por suicídio. A informação vem do primeiro relatório global da Organização Mundial da Saúde sobre a prevenção da causa de morte.

A questão é ainda mais grave entre jovens de 15 a 29 anos. Nessa faixa de idade, o suicídio é a segunda maior causa de morte global.

Os números impressionam: ao menos 800.000 pessoas dão fim à própria vida por ano no mundo. Mas existe uma grande subnotificação de casos, diz a OMS. Por causa do tabu, muitos países não coletam dados de forma sistemática.

O problema é que o estigma é um grande inimigo do combate à epidemia do suicídio. "O tabu em torno do suicídio persiste, e muitas vezes as pessoas se sentem sozinhas e deixam de procurar ajuda", afirmou a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, no relatório.

Como ressaltou o jornal Guardian, a Índia, onde o suicídio é ilegal, é o país campeão em números absolutos dessa causa de morte. Por ano, a média é de 258 mil casos. A taxa de incidência proporcional à população é o dobro da média mundial, de cerca de 11 a cada 100 mil pessoas.


Por causa de uma série de fatores culturais, sociais, religiosos e econômicos, as taxas variam muito de país para país. Onde a situação é mais crítica, as taxas de suicídio chegam a ser 40 vezes maiores do que nas áreas menos afetadas.

Hoje, cerca de 75% dos casos estão concentrados em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Segundo a OMS, isso se deve à pressão e o estresse causados pelos problemas socioeconômicos, além de conflitos de guerra da proximidade com a violência, que causam traumas psicológicos difíceis de superar.

Ainda de acordo com a organização, grupos vulneráveis como refugiados, imigrantes, índios, gays, lésbicas e transgêneros também apresentam índices muito superiores à média.

No Brasil

Em termos absolutos, somos o oitavo país com o maior número de suicidas (quase 12 mil casos em 2012).

Mas levando-se em conta o tamanho da nossa população, nossa taxa corresponde àmetade da média mundial.

O país com o maior índice de suicídios em termos proporcionais é a Guiana. Ali, 44 pessoas a cada 100 mil dão fim à própria vida. Em segundo lugar, vem a Coreia do Norte, com 38,5 casos.

A tabulação dessas informações é importante para que se organizem estratégias deprevenção . O objetivo da OMS no Plano de Ação para a Saúde Metal 2013-2020, é reduzir em 10% a taxa de suicídios até 2020.

Entre as medidas sugeridas, estão a restrição de acesso aos meios mais comuns de suicídio, como pesticidas, armas de fogo e medicamentos, e serviços de saúde orientados para a prevenção e a identificação do problema o quanto antes.



sábado, 6 de setembro de 2014

MÁ VONTADE COM A SAÚDE?







Se há eficiência no Imposto de Renda e no passaporte, como explicar a morosidade das consultas no SUS?

WALCYR CARRASCO
REVISTA ÉPOCA 05/09/2014 21h38




Faz pouco, tive de renovar meu passaporte. Fiquei encantado com a eficiência da Polícia Federal. Agendei minha ida pela internet, ao aeroporto de Viracopos. Fui atendido por moças simpáticas, 15 minutos antes do horário previsto. O prazo de entrega era de sete dias. No dia marcado, rapidamente recebi meu novo passaporte. Alguém pode imaginar que tudo caminhou tão bem porque sou um escritor conhecido. Coisa nenhuma. Todas as pessoas foram atendidas de forma igual. Lembrei com um arrepio na espinha quando tirei meu primeiro passaporte. Eu tinha 20 anos (faz tempo!). Tive de recorrer a um despachante, fiquei horas de pé numa fila. Atualmente, a eficiência da Polícia Federal eliminou até o despachante, um intermediário suspeito, para agilizar. Quando tirei nova carteira de identidade, o Poupatempo facilitou tudo. Sem filas imensas, fui atendido rapidamente, e o documento saiu no prazo. Ah, nem preciso comentar a eficiência do Imposto de Renda. Se meu dentista tentar ocultar o que lhe paguei, um sistema de cruzamentos eletrônicos descobrirá. Hoje há até nota fiscal eletrônica, que facilita tudo!

Se em tantos sistemas existe eficiência, por que não acontece o mesmo com a saúde? Suponha o caso de uma mulher, na periferia, que descobre um nódulo no peito. Em São Paulo, ela tem de ir até a AMA, espécie de posto de saúde, mais próxima. Marca consulta com um clínico geral, pessoalmente ou, com sorte, por telefone. Demora 20 dias, um mês. Mostra o nódulo e é encaminhada a um ginecologista. Mais um mês, por aí. O ginecologista pede exames, que demoram mais dois, três meses. Então ela marca nova consulta, com novo prazo. Se o ginecologista perceber uma alteração, a encaminhará a um oncologista, num hospital. Certas especialidades demoram mais, uns dois meses. O novo médico pede novos exames. Costumam ser realizados com maior rapidez, uns 15 dias. A paciente marca nova consulta. Ai, meu Deus, mais um mês... Só então ela descobre: é câncer.

Uma lei recente determina que, nesses casos, a operação não demore mais de 60 dias. Mas some todos os prazos. Dá cerca de um ano. Se for um câncer, não terá se espalhado pelo corpo? O câncer é uma doença que, em algumas pessoas, se desenvolve rapidamente, em outras não. Existem, não nego, oásis dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Os portadores de HIV são atendidos por uma rede paralela, recebem remédios. Iniciativa do ex-ministro da Saúde José Serra, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que transformou o país em parâmetro mundial no tratamento da aids. Mas não é a regra.

Conheci uma jovem que sentiu dores na perna. Foi de médico em médico, até constatar um câncer. Mesmo sendo atendida num excelente hospital público, em São Paulo, ia com o marido, um sushiman de vida modesta, às 4 da manhã para a fila. Já havia uma multidão. Aí, recebiam uma pré-senha. Sim, uma senha para entrar na recepção do hospital, quando houvesse lugar! Lá, recebiam outra senha, de atendimento. Quando conseguiu o tratamento, teve de amputar a perna. Mas ela voltou a sentir dores. Teve de reviver tudo: marcar consultas, exames etc. Novamente, tarde demais. Morreu aos 28 anos, deixou filho e marido.

Muitas vezes, quando entro no Facebook, vejo a foto de uma linda moça, postada pelo viúvo em noites de saudade. Sempre diz que “há mais uma estrela no céu”. Ele cria, sozinho, o menino de 7 anos, com muito amor. Mas a mãe faz falta, como não faria?

Jamais saberemos, mas é justo suspeitar que o tempo que ela perdeu entre cada consulta, cada exame, pode ter sido um fator decisivo para disseminar o câncer, causar a metástase. Como ela, há inúmeros casos, em várias enfermidades. Reconheço que os grandes hospitais oferecem bons tratamentos. Mas, para chegar lá, é preciso atravessar uma estrutura cruel, chamada SUS. Suponho que, se alguém tiver doença grave, o mais fácil é se atirar em frente a um carro nas proximidades do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Irá para o pronto-socorro e, já internado, conseguirá o tratamento muito mais rapidamente que por meio do sistema demorado do SUS.

Humor negro? Pode ser. Fica a pergunta: se criaram uma estrutura de funcionamento tão hábil para o Imposto de Renda, entre outras atividades, o que impede de fazer o mesmo com a saúde? É só grana ou questão de vontade?

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

FRAUDES ENVOLVENDO MEDICAMENTOS GRATUÍTOS

ZERO HORA 04/09/2014 | 04h01

Fraude na compra de remédios deve resultar em mais de mil indiciamentos. Esquema envolvendo funcionários públicos e de distribuidoras, apurada pela Polícia Federal, pode ter cerca de 200 pessoas responsabilizadas por corrupção, entre outros crimes


por Humberto Trezzi


Documentos da operação ocupam duas salas na Polícia Federal em Passo FundoFoto: Diogo Zanatta / Agencia RBS


Já soma 549 indiciamentos e ainda está longe do fim a maior investigação realizada pela Polícia Federal (PF) no Rio Grande do Sul, sobre fraudes envolvendo medicamentos. A previsão é de que, até o desenlace, o trabalho atinja mais de mil indiciamentos e resulte em 200 pessoas apontadas por crimes como fraude à licitação, organização criminosa, corrupção ativa e passiva e uso de documentos falsos. Até o fim do mês, a PF deve enviar à Justiça mais 53 inquéritos, com centenas de indiciamentos relativos ao caso.


As investigações começaram há mais de três anos. Foi em maio de 2011 que agentes da PF sediados em Passo Fundo desencadearam a Operação Saúde. Eles apontaram que grande parte das compras de fármacos distribuídos gratuitamente pela União era fraudada, em um conluio que envolvia distribuidoras de medicamentos e funcionários públicos. Começaram a analisar, então, 2,3 mil licitações ocorridas Brasil afora, a maioria em municípios gaúchos. Usaram como base auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) e de tribunais de contas estaduais e da União.

Os agentes concluíram que a fraude atingiu mais de 300 municípios em sete Estados, sendo 119 gaúchos. O levantamento motivou a prisão de 58 pessoas, em 2011. Os presos foram todos soltos, mas serão indiciados, segundo os federais. Os maiores responsabilizados devem ser donos de distribuidoras de medicamentos, que combinavam licitações para venda dos remédios (em conluio com funcionários públicos). Em alguns casos, os remédios eram superfaturados. Em outros, não eram entregues. E em um terceiro caso, estavam por perder a validade e assim mesmo eram vendidos.

Devido à quantidade de documentos, a PF reservou duas salas apenas para os arquivos da operação. Para dar uma ideia da magnitude da investigação, em 2013 a PF fez 1.021 indiciamentos no Rio Grande do Sul. Metade do total, 510, foram relativos à Operação Saúde, tocada pela delegacia de Passo Fundo. A média dessa delegacia, por ano, é 200 indiciamentos.

A primeira fase da investigação foi concluída em outubro. Mais de cem pessoas foram indiciadas, por 510 crimes. Essa etapa envolve 70 dos 319 inquéritos que integram a operação. Na próxima semana, a PF planeja encaminhar a segunda remessa de documentos à Justiça Federal, com cerca de 53 inquéritos. Os demais previstos na investigação ainda não têm prazo para conclusão e devem ser encaminhados em uma terceira remessa.

– No total, se a Justiça aceitar, serão mais de 200 réus e até mil indiciamentos. Alguns suspeitos estão indiciados 50 vezes, por crimes variados. Vários já estão denunciados pelo Ministério Público – comenta um dos policiais envolvidos na investigação.

E qual o volume da fraude? A CGU e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) calculam que prefeituras gaúchas gastaram R$ 103,3 milhões na compra de medicamentos da Farmácia Básica, entre 2007 e 2009 – dinheiro bancado pelo governo federal. E as empresas investigadas receberam 55,7% desse valor (R$ 57,6 milhões). Essas quantias estão agora sob suspeita.

Réus têm direito de chamar até 400 testemunhas

A previsão é de que os inquéritos derivados da Operação Saúde sejam concluídos neste ano, mas alguns policiais não escondem uma preocupação: o gigantismo do processo pode fazer o caso patinar na burocracia.

O problema é que, quanto mais réus, maior a demora. Para ficar em um exemplo: cada acusado pode arrolar até oito testemunhas de defesa por acusação, de acordo com o Artigo 401 do Código de Processo Penal. Como alguns réus estão indiciados 50 vezes, em tese podem requisitar 400 testemunhas. Algumas moram em outras cidades ou até Estados. Se 200 réus fizerem isso, o julgamento pode durar tanto que penas previstas podem prescrever.

O prazo conta do momento em que a pessoa vira réu. No caso da formação de quadrilha, por exemplo (que prevê pena de um a três anos de prisão), prescreve em até oito anos. Isso ocorre quando a pena é superior a dois anos e não excede a quatro anos (como é o caso). Pode prescrever em até menos tempo, se o juiz não usar pena máxima. Alguns réus usam também manobras protelatórias: impetram habeas corpus para não depor e driblam intimações para atrasar o processo.

O procurador da República Douglas Fischer alerta que toda investigação ou ação penal com elevado número de réus tende a atrasar o normal andamento dos casos, pois é preciso respeitar as garantias do processo. E isso pode gerar prescrição e impunidade. Ele cita o exemplo da ação penal 470 (o Mensalão, julgado oito anos após as primeiras investigações).

Douglas ressalta que após assumir a coordenação da assessoria criminal do procurador-geral da República no Supremo Tribunal Federal (STF), a determinação foi para acelerar o andamento de todas as ações penais. A PF não quis falar sobre prazos.

Como o esquema foi descoberto

A Controladoria-Geral da União (CGU) fez auditorias e descobriu que as mesmas distribuidoras se alternavam nas licitações em centenas de municípios.

A Polícia Federal (PF) constatou que parte das distribuidoras pertencia a uma mesma família ou a amigos muito próximos. Com autorização judicial, rastreou contas bancárias, quebrou sigilos telefônicos e descobriu que se falavam sempre antes de uma nova licitação. Os policiais interceptaram diálogos (sob segredo de Justiça) que comprovariam a combinação das concorrências.

Em 2011, a PF realizou a Operação Saúde e prendeu 58 pessoas, entre funcionários e proprietários de distribuidoras e servidores de prefeituras. Antes das prisões, foram feitas filmagens de encontros entre algumas dessas pessoas, assim como monitoramento de repasses bancários. Com base em computadores apreendidos, os policiais rastrearam contratos feitos em mais de 300 cidades.

Os envolvidos combinavam licitações, superfaturavam compras, produtos não eram entregues ou então eram comercializados prestes a perder a validade.