quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SAMU: ATRASOS E SEM MÉDICO NA UTI MÓVEL

ZERO HORA 27/09/2012 | 05h33

Socorro médico - Auditoria apontou atrasos do Samu. Investigação ainda descobriu que UTIs móveis se deslocavam sem médico

Humberto Trezzi

O caso de Carlos Alberto Link, que quase morreu no início deste mês ao não ser atendido pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) em Porto Alegre – o atendente não localizou o endereço onde o paciente estava –, não é um episódio isolado.

Entre abril e maio de 2009 o Denasus realizou auditoria no serviço prestado na capital gaúcha. A investigação surgiu a partir de denúncia de um cidadão sobre atrasos nas ambulâncias, que teriam contribuído para a morte de uma pessoa com ataque cardíaco e de uma gestante e seu bebê.

A auditoria constatou que, em pelo menos 12 ocasiões, UTIs móveis (ambulâncias sofisticadas) do Samu se deslocaram sem presença de médico. Isso é irregular, porque está prevista a participação de um especialista deste tipo na equipe de cada veículo UTI – ou não seria UTI. A ausência se deu, em todos os casos, por atraso das equipes nas trocas de turno.

No caso da morte da gestante, a auditoria verificou que o deslocamento dela até o hospital levou 40 minutos, quando o prazo recomendado é de no máximo 12. Os auditores ressaltam ainda que tiveram muita dificuldade de verificar os prazos de deslocamento das ambulâncias, já que os arquivos de voz que registram as comunicações do Samu estavam inaudíveis, "em praticamente 100% dos casos", de modo que não foi possível ouvir as conversas entre equipes que estão na rua e operador de rádio. O sistema tampouco informava o nome do profissional médico que foi a campo, conclui a auditoria.

A Secretaria Municipal de Saúde informa que os problemas apontados pela auditoria foram corrigidos, mas outros incidentes mostram que ainda ocorrem confusões com o Samu. É o caso do atendimento de Carlos Link, no último dia 6 (relatado na edição de quarta-feira de Zero Hora). Com intensa hemorragia, à beira do desmaio, a vítima não conseguia se expressar e pediu à filha que pedisse ajuda via telefone. Mas o atendente do Samu não entendeu onde ficava o local (o Colégio Rosário) e a ambulância não foi enviada. Link só sobreviveu porque conseguiu dirigir até o Hospital Moinhos de Vento, onde o sangramento – fruto de uma ruptura arterial no abdômen – foi estancado, após perda de mais de dois litros de sangue.

Márcia Del Corona, doutora em linguística aplicada, realizou doutorado justamente sobre atendimento de serviços de emergência. No caso, o 190 da Brigada Militar. Ela acredita que confusões como a que vitimou Link ocorrem porque o pacote tecnológico do sistema operacional dos serviços de emergência exige, para gerar a ocorrência (e a liberação do veículo), informações precisas sobre o local do fato.

A coordenadora do Samu na Capital, Rosane Ciconet, admite que os atendentes trabalham com nome e número do endereço onde está a vítima, mas diz que, se for dado o nome de um colégio, o telefonista está orientado a buscar num mapa o local. O que não teria ocorrido, no caso de Link.

Outros problemas

A auditoria de 2009 constatou que a Central de Regulação funcionou, em algumas ocasiões, somente com dois médicos reguladores nos turnos do dia. E com apenas um médico regulador das 7h às 9h, quando deveriam ser três reguladores durante o dia. O regulador é o médico que decide a gravidade da situação, em cada chamado recebido.

As comunicações das equipes com a mesa reguladora e com o operador de rádio estavam inaudíveis em praticamente 100% dos casos verificados.

Contraponto

O que diz o secretário municipal da Saúde de Porto Alegre, Marcelo Bósio: "Ocorriam, anos atrás, atrasos de médicos na troca de plantão. Agora temos ponto eletrônico, que resulta em controle rígido de horário. Todas as UTIs têm saído com médico. Fizemos contratos para melhoria de ambulâncias e estabelecemos controle de qualidade nas gravações dos telefonemas. Atrasos viram sindicância, além de caso de estudo e qualificação de equipe. Atrasos ainda acontecem, mas são pontuais. Importante ressaltar que os médicos descartam, em alguns casos, envio de ambulância, quando a situação não configura urgência, embora possa aparentar isso, para um leigo".

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

FAMÍLIA QUER JUSTIÇA

ZERO HORA 26 de setembro de 2012 | N° 17204

CONFUSÃO NO SOCORRO

Família de estudante morta em 2011 cogita processar município


Os tribunais podem ser o caminho escolhido pela família da jovem Gabriela Franciscatto para exigir justiça no caso da morte dela, ocorrida em 12 de outubro de 2011. Os familiares dizem que a prefeitura de Porto Alegre foi omissa no atendimento prestado pelo Samu à garota.

Bonita, estudiosa, inteligente. Atributos que faziam de Gabriela, 22 anos, uma das mais prestigiadas alunas do curso de Enfermagem do Centro Universitário Metodista (IPA), em Porto Alegre. E que deixam até hoje a família inconsolável com sua morte precoce.

Gabriela morava sozinha num apartamento da Cidade Baixa e sentiu-se mal. Por volta das 11h do dia 10 de outubro, ligou quatro vezes em sequência para a colega Lorena da Silva, pedindo ajuda. Estava com dor de cabeça e não sentia um lado do corpo. Apavorada, Lorena ligou para o Samu, relatando o mal-estar da amiga. O atendente disse que nada poderia ser feito, porque o chamado deveria partir da própria vítima ou de alguém que estivesse ao lado dela – e Lorena não estava na Capital.

Nervosa, Lorena ligou para Gabriela e pediu à garota que arranjasse ajuda de um vizinho. Gabriela acabou levada por amigos ao Hospital de Pronto Socorro, por volta das 15h. Tarde demais. Ela tinha sofrido um Acidente Vascular Cerebral, que provocou sua morte. Como era do seu desejo, os pais da jovem autorizaram a doação de seus órgãos. Gabriela foi sepultada na sua cidade natal, Frederico Westphalen. Após a morte, colegas de curso realizaram um protesto em frente ao HPS, denunciando a deficiência do serviço.

Marcos, tio de Gabriela e o homem que criou a garota, diz que a mãe da jovem, Maricéria, está deprimida, assim como o irmão mais novo, Bernardo Henrique. Por tudo isso, Marcos acredita que a família vai processar a prefeitura da Capital:

– O Samu usa dinheiro público e deve ser eficiente. Que identifiquem os trotes, mas que jamais deixem, por burocracia, de atender alguém.

Rosane Ciconet, coordenadora do Samu, diz que a morte de Gabriela levou a uma mudança: em caso de dúvida ou se a ligação demonstra urgência, mesmo que não haja alguém ao lado do paciente, a orientação é ligar de volta e conferir.


O SAMU EM NÚMEROS
A cada dia o serviço da Capital recebe cerca de 1,5 mil ligações.
Dessas, cerca de 200 se configuram pedidos de socorro. As demais se dividem em pedidos de informação, enganos ou trotes.
Dos 200 pedidos diários de urgência, cerca de 60% resultam em encaminha- mento de ambulância. Os demais são atendidos por telefone, com orientação de médicos ou enfermeiros.
Com exceção dos telefonistas, todos os funcionários do Samu são do quadro de carreira da prefeitura. O Samu tem 15 ambulâncias, três delas UTIs móveis. O número respeita proporção recomendada pelo Ministério da Saúde, em relação ao número de habitantes de Porto Alegre.
O Samu é prejudicado por mais de 30% de trotes nas chamadas. Isso leva os operadores de telefonia a desconfiarem dos chamados e a solicitarem vários dados para confirmação.

O "NÃO" QUE QUASE MATOU O MÉDICO

ZERO HORA 26 de setembro de 2012 | N° 17204

CONFUSÃO NO SOCORRO. Ao chamar o Samu para acudir o pai, com grave hemorragia, adolescente não foi atendida por desconhecer endereço completo

HUMBERTO TREZZI E RONALDO BERNARDI

A quase morte do médico porto-alegrense Carlos Alberto Link ocorreu, dias atrás, em decorrência de uma confusão no socorro que deveria ter sido prestado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). Com intensa hemorragia, à beira do desmaio, o médico não conseguia se expressar e pediu à filha que pedisse ajuda via telefone. Mas o atendente do Samu não entendeu onde ficava o local e a ambulância acabou não sendo enviada. Link só sobreviveu porque conseguiu dirigir até o Hospital Moinhos de Vento, onde o sangramento foi estancado, após perda de mais de dois litros de sangue.

O incidente aconteceu em 6 de setembro. Link, 49 anos, buscava de carro a filha Rafaela, 14 anos, no Colégio Rosário, situado na área central de Porto Alegre. Na fila de automóveis que se formava próximo à escola, ele começou a se sentir mal e a vomitar sangue. Pediu à filha que ligasse para o Samu. Desesperada, a garota discou 192 e informou da urgência:

– Me ajuda, meu pai tá sangrando, acho que vai morrer.

O atendente perguntou onde ela estava e ela disse: em frente ao Colégio Rosário. O telefonista do Samu perguntou qual o endereço. Atrapalhada, a garota não sabia dizer o nome da rua (era a Praça Dom Sebastião). O atendente disse que não sabia onde era. Aí caiu a ligação.

A ambulância nunca chegou. Rafaela então orientou o pai a ir pela contramão, Avenida Independência acima, desviando de ônibus até chegarem ao Hospital Moinhos de Vento. Link vomitava sangue e estava quase desfalecendo quando foi retirado do carro por atendentes. Exames constataram rompimento de uma artéria intestinal. A pressão estava em 6/4, os batimentos cardíacos em 40 por minuto.

– Mais um pouco e eu não estaria aqui agora para contar a história – relatou ele, quarta-feira passada.

Médico ginecologista, Link acha que o atendente do Samu errou. Deveria ter tentado identificar o local da chamada, perguntando para algum colega, se fosse o caso. Falhas no Samu, aliás, foram confirmadas por uma auditoria três anos atrás. Queixas de atraso são frequentes.

A atual coordenadora-geral do Samu, Rosane Ciconet, concorda que o atendente deveria ter tentado identificar o Colégio Rosário, local que o telefonista realmente desconhecia. Ela explica que pedir o endereço é regra, nos atendimentos, e não sinal de má vontade:

– É que, muitas vezes, mencionar apenas um ponto de referência, como um colégio, não é suficiente. Atuamos com uma Central Metropolitana e existem locais homônimos.

Trotes somam quase 30% das ligações ao serviço

Outro problema é o excesso de trotes. Quase 30% das ligações são informações falsas. Rosane assegura, porém, que não foi por temor de trote que Link não foi atendido. A coordenadora do Samu ressalta que todos os casos de demora ou atendimento questionado são estudados, para aprimorar o serviço. É o que ocorreu após a morte de uma estudante de Enfermagem, em 2011.

– Temos treinado os atendentes a identificar, além dos locais, sinais de que a pessoa está mesmo falando a verdade e sendo precisa na sua descrição. É importante, para não deslocar a ambulância em vão – observa Rosane.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

SERVIÇOS DE SAÚDE NO PAÍS SÃO PRECÁRIOS


CORREIO DO POVO, 25/09/2012

EDITORIAL

O corte de verbas na saúde, a exemplo do que ocorreu no orçamento de 2012, quando foram retirados R$ 5,4 bilhões previstos, contribui decisivamente para a baixa qualidade de vida dos brasileiros, aponta o Conselho Federal de Medicina. Para o órgão, isso explica por que o Brasil, mesmo estando entre as dez maiores economias do mundo, ocupa a 84 posição entre os 187 países classificados pelo ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Essa posição, segundo o primeiro-vice-presidente do CFM, Carlos Vital, não condiz com a força econômica do país.

A nota do Conselho tem como base levantamentos de vários organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses estudos indicam baixa destinação de verbas para atividades de cuidados, prevenção e promoção da saúde. A situação é tão grave que o país figura em último lugar entre as nações que adotaram o modelo público de acesso universal à saúde.

Um dos problemas constatados está na má distribuição dos profissionais da saúde, com destaque para os médicos. O dirigente do CFM ressalta que os 373 mil médicos em atividade no Brasil seriam suficientes para atender a toda a população caso houvesse uma política de incentivo a uma melhor distribuição, com ênfase na fixação em municípios menores, com prioridade para o Nordeste e região amazônica. Isso poderia ajudar a enfrentar problemas crônicos, que levam a uma menor expectativa de vida e a altas taxas de mortalidade neonatal. Falta aos governantes, segundo ele, uma visão mais estruturante da saúde, com melhor gestão.

Já faz tempo que a saúde brasileira não dá conta da demanda, como se viu no caso recente das mortes por gripe A, que no Rio Grande do Sul se contaram às dezenas. Filas, falta de profissionais, equipamentos defasados, hospitais e postos sucateados são alguns dos problemas que se encontram sem solução. Carrear mais recursos para o setor não parece ser a prioridade do Ministério da Saúde, o que indica que a população vai continuar recebendo um atendimento precário e ultrajante.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O título do Editorial do Correio do Povo avaliza o nome e os objetivos de luta do nosso blog .

domingo, 23 de setembro de 2012

PARAFUSOS A MENOS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

 

CASA DOS ESCÂNDALOS


Uma auditoria do Denasus realizada em 2008 examinou 49 cirurgias de artrodese de coluna realizadas no hospital Associação de Caridade Santa Casa de Rio Grande, no sul do Estado. É um tipo de operação que fixa vértebras vizinhas com uma ponte de osso, mantendo-as alinhadas, estáveis e fortes. É técnica usada em casos de hérnia ou traumas dos pacientes, entre outros problemas.

A investigação apontou que, em 14 cirurgias, foi verificada ausência de componentes metálicos que fixam os ossos, como o sistema de fixação transversal ou de parafusos e ganchos associáveis às hastes. A constatação foi feita com base nos exames de raios X, apresentados com os prontuários médicos. É como se a cirurgia não tivesse sido feita, embora tenha sido cobrada do SUS.

Curiosamente, a mesma auditoria apontou irregularidade no sentido contrário: implantação de hastes e parafusos que não foram cobrados, em nota fiscal, do SUS. Ou seja, a cirurgia foi feita, mas acabou não sendo cobrada do governo.

O hospital garante que houve “desatenção no registro do procedimento”. A auditoria recomendou que a Santa Casa de Rio Grande ressarcisse o SUS em R$ 22,1 mil. O valor acabou sendo devolvido pelo hospital.
CONTRAPONTO
O que diz o diretor-administrativo da Associação de Caridade Santa Casa de Rio Grande, Rodolfo Gehlen de Britto:
“Num universo de 300 internações checadas pelo Ministério da Saúde, aprofundaram investigação em 48. E acabaram achando supostas irregularidades em apenas 14 cirurgias. É um número insignificante, convenhamos. Cobraram R$ 22 mil de ressarcimento. Ora, temos internações que custam R$ 14 mil... Não é muito dinheiro. Apoiamos auditorias, elas nos fortalecem. No caso específico, deve ter ocorrido desatenção no registro de implante de parafusos na coluna dos pacientes. As equipes cirúrgicas envolvem muita gente e muito tempo. É preciso ressaltar que, em alguns casos, ocorreu o contrário: colocamos o parafuso e não cobramos do SUS, talvez por desatenção, também. Optamos por devolver os R$ 22 mil cobrados. Foram erros, não fraudes.”

LENTES TROCADAS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

CASA DOS ESCÂNDALOS

Lentes trocadas geraram descredenciamento

Desde 29 de novembro de 2010, o Hospital Petrópolis, referência em cirurgias oftalmológicas no Rio Grande do Sul, não atende mais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foram dois os motivos que pesaram para o descredenciamento. Primeiro, uma inspeção do serviço de vigilância sanitária, que apontou irregularidades como seringas sem identificação, medicamentos vencidos, falhas na central de esterilização e ausência de kits de higienização das mãos.

Parte das irregularidades já havia sido constatada em uma vistoria realizada em 2009. O hospital sanou a maior parte dos problemas, mas outro fator contribuiu, meses depois, para descredenciar o estabelecimento: auditorias realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Ministério da Saúde.

Foram examinados os documentos de 1,1 mil cirurgias de catarata realizadas pelo hospital. Além de prontuários médicos incompletos, a auditoria do Ministério da Saúde constatou cobrança de facoemulsificação nas cataratas, sem que fosse encontrado registro de uso do aparelho facoemulsificador em 20% dos casos. A facoemulsificação é a remoção da catarata por meio de ultrassom.

O hospital assegura que fez as cirurgias e que algum erro ocorreu no preenchimento dos documentos referentes ao uso do aparelho. Mas aí surgiu outra auditoria, da Secretaria Municipal de Saúde.

– O Hospital Petrópolis cobrou do SUS por várias cirurgias pela colocação de lentes intra-oculares dobráveis (flexíveis), quando na verdade usava lentes rígidas, que custam metade do preço – diz o secretário da Saúde municipal, Marcelo Bósio.

Ele assegura que a informação está embasada em depoimentos dos fornecedores das lentes e nos prontuários das cirurgias.

O resultado foi a interdição para procedimentos do SUS. Os pacientes com cirurgias agendadas foram remanejados para outros hospitais. O Petrópolis ainda continuou fazendo atendimentos de emergência, que teriam resultado em despesa de mais de R$ 700 mil. Esses pagamentos foram protelados pelo SUS e agora são cobrados pelo hospital.
CONTRAPONTO
O que diz o oftalmologista Carlos Del Arroyo, diretor-geral do Hospital Petrópolis:
“Na auditoria do Ministério da Saúde investigaram por três meses os procedimentos do hospital, de forma profissional. O resultado aponta discordância no preenchimento das Notas de Sala Cirúrgicas – talvez os médicos tenham preenchido genericamente a expressão ‘cirurgia de catarata’, sem anotar o uso do aparelho facoemulsificador. Mas não há dúvida que as cirurgias foram feitas. Eles nos cobram R$ 44,1 mil, mas estamos recorrendo contra esse valor. Com relação à suposta auditoria da Secretaria Municipal de Saúde, não tivemos acesso aos resultados. Eles levaram os prontuários médicos, sem permissão. Eram sigilosos. Prestamos queixa disso junto ao Cremers. Até hoje não nos devolveram os prontuários. Com relação ao uso de lentes rígidas, em alguns casos elas foram usadas, sim, porque as gelatinosas eram de difícil inserção no paciente. Mas não colocamos lentes indevidas. A Secretaria Municipal de Saúde é que nos deve, R$ 714 mil, por atendimentos de urgência que continuamos a realizar após eles suspenderem nossas cirurgias eletivas. Nunca nos pagaram.”

CASA DOS ESCÂNDALOS

ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201


“A maior parte devolve o recurso antes da cobrança judicial”

 

Adalberto Fulgêncio - diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus)

Funcionário de carreira do Ministério da Saúde, Adalberto Fulgêncio é formado em Direito e mestre em Gestão Pública. Até por essas qualificações, foi alçado à direção do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus). É o local que tem a missão de evitar que as verbas da saúde escorram pelo ralo sem fundo das fraudes e da incompetência – que, muitas vezes, estão associadas. Confira trechos da entrevista na qual ele detalha o bilionário universo com que trabalha.

Zero Hora – São mais de mil auditorias feitas pelo Ministério da Saúde, a cada ano. Isso é suficiente? Quantos auditores há para fazer tudo isso?

Adalberto Fulgêncio –
O quadro do Denasus é de 748 funcionários. Se imaginarmos o universo com que o SUS trabalha, não é muito grande (o SUS repassa recursos para 86 mil estabelecimentos e centenas de milhares de profissionais). Trabalhamos com um cronograma de inspeções programadas e com denúncias que chegam da população. Auditamos os serviços que consomem mais recursos e que, por isso, são prioridade. Oncologia, por exemplo. Procedimentos de média e alta complexidade são mais vistoriados, pelo mesmo motivo. O Ministério da Saúde tem orçamento de cerca de R$ 80 bilhões. Isso indica que entre 10% e 30% dos recursos são auditados, em média, a cada ano. Há também o trabalho de auditoria dos 27 Estados e de alguns dos maiores dentre os 5.564 municípios brasileiros. Mas temos nosso próprio cronograma de ação, que não é pequeno.

ZH – Em três anos, o Ministério da Saúde pediu a devolução de R$ 753 milhões por parte de prestadores de serviço. A maioria vai para a Justiça ou opta por devolver os valores antes da fase judicial?

Fulgêncio –
Primeiro, a análise... É uma quantia razoável. A maior parte opta por devolver antes que o assunto vire caso de Justiça. A gente pede ressarcimento e, até para continuar sendo nosso cliente, o sujeito opta por devolver o que foi questionado. Mas isso não significa que o assunto pare aí. Se houver suspeita de dolo, de crime, encaminhamos ao Ministério Público e a Justiça, depois, aprecia o caso. Muitas vezes descredenciamos o prestador de serviço antes de qualquer fase judicial. Existe de tudo nesses pedidos de ressarcimento: valores cobrados de forma errada por equívoco na execução orçamentária e, claro, fraudes.

ZH – Qual dos procedimentos do Denasus é o mais eficaz para evitar irregularidades e fraudes?

Fulgêncio –
Um instrumento complementa o outro. Temos diversos instrumentos de monitoramento, como o Portal da Transparência, a Carta SUS, telefonemas. Antes da auditoria fazemos monitoramento constante, via controle da verba destinada e análise dos cadastros e procedimentos. A Carta SUS, lançada este ano, é extraordinária, porque o paciente informa tudo que foi cobrado e se tem queixas. Mas os instrumentos se intercambiam. O importante é que o prestador tenha noção de que irregularidades são detectadas. Cada vez mais.

DUPLO PAGAMENTO POR CIRURGIA



ZERO HORA 23 de setembro de 2012 | N° 17201

SAÚDE

Ex-sem terra, assentada na Fazenda Annoni, a agricultora Nersa Batista, 44 anos, sofria frequentes hemorragias no útero. Procurou atendimento médico em Pontão, cidade onde fica o assentamento, 350 quilômetros ao norte de Porto Alegre. Após um ultrassom, o médico recomendou que ela fizesse uma histerectomia (cirurgia de remoção do útero e ovários). Na Secretaria Municipal de Saúde de Pontão ela foi atendida por um dos funcionários, que também é diretor no Hospital dos Trabalhadores de Ronda Alta, onde seria realizada a cirurgia.

– Ele me disse que o cirurgião de Ronda Alta não atendia pelo SUS, mas que eu poderia fazer assim mesmo a operação, desde que pagasse R$ 250, evitando a fila. Do contrário, teria de esperar de dois a três anos por uma cirurgia em Passo Fundo. Aceitei pagar, fui muito bem atendida pelo médico – descreve Nersa.

Houve apenas um desencontro de valores. Após conversa com o médico, a Secretaria Municipal de Saúde teria subido o preço da cirurgia para R$ 850. Depois de renegociar, Nersa conseguiu um abatimento e topou fazer a operação por R$ 350, em três parcelas. Fez a cirurgia em 1º de setembro de 2011.

A surpresa veio em fevereiro, quando Nersa recebeu, no seu sítio da Fazenda Annoni, uma correspondência do Ministério da Saúde. Era a Carta SUS, enviada pelas autoridades para todas as pessoas que se submetem a internações pelo Sistema Único de Saúde. Nela constava a informação: “valor pago pelo SUS no seu atendimento: R$ 722,03”.

– Quase caí para trás. Nunca me disseram que a cirurgia era custeada pelo SUS. Me senti humilhada e lesada.

Nersa prestou queixa ao Ministério Público Estadual, em Passo Fundo. O promotor Paulo Cirne abriu uma investigação e constatou que a cobrança de valores por cirurgias realizadas e já pagas pelo SUS era prática corriqueira em 14 municípios. As prefeituras dessas cidades formaram um consórcio com objetivo de, supostamente, complementar os valores do SUS, considerados baixos por médicos e hospitais:

– Uma irregularidade disseminada. As investigações indicam que os valores foram mesmo usados em atendimentos hospitalares. Mesmo assim, uma ilegalidade flagrante, já que o SUS já tinha pago pelo serviço. Os administradores podem ter cometido improbidade ou até crime.

O caso está sendo investigado em várias frentes, inclusive em auditoria do Ministério da Saúde. Uma auditoria feita pela secretaria estadual de Saúde considerou que “houve duplicidade de cobrança, irregular” e recomendou ressarcimento dos valores por parte da prefeitura de Pontão.

Uma comissão da Câmara de Vereadores de Pontão constatou que a prefeitura local arrecadou, entre 2009 e 2012, R$ 50,8 mil para pagar serviços hospitalares. Mesmo sem comprovação documental dos nomes para quem foram destinados os valores, a prefeitura, em diversos depoimentos, assegurou que o dinheiro foi repassado a prestadores de serviços de saúde contratados.

CONTRAPONTO

O que disse a prefeitura de Pontão, em sindicância feita pelo próprio município: “O Conselho Municipal de Saúde aprovou a contratação de consultas e exames especializados, que não fazem parte da atenção básica do SUS. Foi decidido que parte desses serviços seria custeada pelo município e, parte, pelos usuários do serviço, quando estes tivessem condições de fazê-lo. Era uma espécie de convênio com os prestadores de serviço médico. A partir de setembro de 2009, o sistema passou a vigorar também para internações hospitalares de cirurgias eletivas. Os valores recolhidos pelos usuários junto aos cofres municipais foram integralmente passados aos prestadores de serviço (médicos e hospital). As pessoas não eram coagidas ou obrigadas a fazê-lo.”

Severino Balbinotti, da direção do Hospital dos Trabalhadores de Ronda Alta (Atra) e também servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Pontão, diz que apenas informou o valor estabelecido pelo consórcio em vigor para a cirurgia de Nersa Batista. E que o valor foi repassado integralmente ao médico.

COMO DENUNCIAR

O diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Adalberto Fulgêncio, explica o procedimento que deve ser tomado caso o usuário do SUS sofra algum tipo de cobrança pelo serviço prestado:

– É ilegal. Todo usuário que tenha procurado o SUS e que por ventura sofra alguma cobrança deve procurar a Ouvidoria do SUS, pelo telefone 136, o Conselho de Saúde municipal de sua cidade ou o Ministério Público.

R$ 753 MILHÕES PELO RALO


ZERO HORA 3 de setembro de 2012 | N° 17201

SAÚDE. Auditorias no SUS detectam perdas milionárias em fraudes e procedimentos equivocados nos últimos três anos


HUMBERTO TREZZI


Qual o custo de fraudes e erros na área de saúde, que acabam estourando no bolso de todos os brasileiros? Foram pelo menos R$ 753.728.076,16 nos últimos três anos. Quase R$ 688 mil por dia, gastos de forma duvidosa.

É dinheiro consumido por prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), que o governo federal exige de volta – por equívocos no procedimento utilizado ou por falcatruas detectadas. O valor é a parte visível, já que só entre 10% e 30% dos procedimentos passam por auditorias.

Zero Hora chegou ao tamanho do rombo após encaminhar, em junho, ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde um pedido de acesso a auditorias dos últimos cinco anos feitas no SUS. Tomou como base a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 16 de maio, e que tem o objetivo de garantir aos cidadãos acesso aos dados oficiais do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que não estejam classificadas como sigilosos.

A Secretaria Estadual de Saúde considerou o pedido muito abrangente – o volume médio de Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs), só no Rio Grande do Sul, é de 35 mil por mês – e informou ser, “num primeiro momento”, impossível atender ao pedido. Já o Ministério da Saúde deu acesso às auditorias solicitadas, a maioria já disponível em site.

O resultado é um mar de documentos. Afinal, apenas nos últimos três anos foram realizadas 4.070 auditorias pelo ministério. A perspectiva é que sejam quase 15 mil em uma década. Os R$ 753 milhões de erros, fraudes e perdas detectados até que não somam muito no universo de R$ 49 bilhões de verbas auditadas pelo Departamento Nacional de Auditorias do SUS (Denasus). Significa que foram encontradas irregularidades em 1,7% do total investigado.

Mesmo assim, os R$ 753 milhões seriam suficientes para comprar mais de 5 mil UTIs móveis (ambulâncias sofisticadas) – serviriam para adquirir cinco desses veículos por dia. Ou para erguer três grandes shopping centers.

Maioria opta por ressarcir valores

E quais os erros e fraudes mais comuns, constatados pelos auditores do SUS?

Há de tudo um pouco, no universo das cobranças sob suspeita. ZH checou por amostragem o resultado de auditorias realizadas no Rio Grande do Sul. Uma das constatações frequentes é cobrança por técnicas ou materiais que, na verdade, não foram utilizados pelo prestador de serviço. Um exemplo é exigência de pagamento por um procedimento cirúrgico quando, na verdade, a operação foi outra, de custo menor.

Outro episódio corriqueiro é o de estabelecimentos ou profissionais conveniados que cobram dos pacientes, em dinheiro, por cirurgias que deveriam ser inteiramente custeadas pelo SUS.

Nem todos os estabelecimentos e profissionais auditados aceitam o resultado da auditoria. O cálculo de R$ 753 milhões gastos indevidamente é do governo federal e, muitas vezes, os conveniados do SUS não concordam com os equívocos apontados na investigação oficial. Mas o surpreendente é que a maioria, após prestar as primeiras explicações, opta por ressarcir o Ministério da Saúde.

– A gente pede ressarcimento e, até para continuar recebendo nossas verbas, o sujeito decide devolver o que foi questionado. Importante ressaltar que devolver não significa que ele continuará credenciado ao SUS, tudo depende se houve crime ou não – resume Adalberto Fulgêncio, diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus).

Isso quer dizer que a maior parte das auditorias não é contestada judicialmente pelos autores dos erros ou fraudes. Sinal de que nem eles mesmos acreditam que venceriam uma batalha jurídica.

domingo, 16 de setembro de 2012

A SAÚDE PEDE SOCORRO

CORREIO DO POVO, 16/09/2012


Taline Oppitz


Apontada pela população como a prioridade entre as prioridades nas eleições a cada dois anos, a saúde no país, infelizmente, tem acumulado sucessivas manchetes negativas. 

Os dados mais recentes foram divulgados sexta-feira pelo Conselho Federal de Medicina, que realizou levantamento com base em dados oficiais do Ministério da Saúde.  De acordo com as informações, 42 mil leitos do SUS foram desativados nos últimos sete anos, o que dá uma média de 6 mil leitos extintos por ano em diversas regiões do país. 

Os setores mais afetados são psiquiatria, pediatria, obstetrícia, cirurgia-geral e clínica-geral. O Ministério da Saúde questionou a logística de avaliação dos números, mas, diariamente, quem depende do sistema sente na pele as deficiências dos serviços. 

No Rio Grande do Sul, apesar do esforço do governo e da previsão no orçamento para 2013, não há garantia de que o índice hoje aplicado na saúde, que está em cerca de 6% da receita, seja dobrado para garantir o cumprimento dos 12% que deveriam ser destinados à área segundo a Constituição. 

Paralelamente, os 239 hospitais filantrópicos e santas casas, responsáveis por cerca de 75% dos atendimentos do SUS no Estado, têm déficit anual de mais de R$ 300 milhões e acumulam dívidas que chegam a R$ 600 milhões.

sábado, 15 de setembro de 2012

SAÚDE PERDE 42 MIL LEITOS EM SETE ANOS

CORREIO DO POVO, 15/09/2012

EDITORIAL

Quando se diz que a saúde brasileira está na UTI, parece que se está apelando a uma figura de linguagem repetida à exaustão. Contudo, infelizmente, ela é bastante atual e reflete uma situação de caos num setor tão importante para a população, um serviço primordial e de primeiríssima necessidade. O Sistema Único de Saúde (SUS) é tachado como um sistema que funciona bem no papel, mas que é ineficiente para garantir um atendimento eficaz e amplo para os pacientes.

Essa avaliação negativa recebe agora o reforço de um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Com base nos próprios dados do Ministério da Saúde, o CFM aponta que 42 mil leitos foram desativados no SUS entre outubro de 2005 e junho de 2012. As especialidades mais atingidas foram psiquiatria (9.297 leitos a menos), pediatria (8.979 leitos a menos), obstetrícia (5.862 leitos a menos), cirurgia-geral (5.033 leitos a menos) e clínica-geral (4.912 leitos a menos). O estado com mais cortes foi o Mato Grosso do Sul (26,6%), vindo a seguir Paraíba (19,2%) e Rio de Janeiro (18%). Em números absolutos, São Paulo foi o mais prejudicado, tendo perdido 10.278 leitos.

Para o presidente do CFM, Roberto Luiz d''Ávila, grande parcela dos entraves para uma boa gestão da saúde pública passa pelo subfinanciamento do SUS e por um comprometimento real das autoridades do setor com os serviços prestados. Para ele, tornou-se comum dizer que "faltam médicos" para explicar lacunas, mas não há um conjunto de ações que melhorem a infraestrutura existente, incentivem a opção profissional dos profissionais do setor e garantam os recursos necessários.

Os relatos daqueles que precisam usar o SUS não são nada animadores. Filas, equipamentos sucateados, poucos servidores, prédios em condições precárias. Isso reflete bem o fato de a saúde não ser prioridade para os governantes. O trabalho do CFM corrobora essa análise e mostra o contraste entre o Brasil ser uma das maiores economias do mundo e um dos piores lugares para quem tiver a desventura de adoecer.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

PEREGRINAÇÃO E MORTE

G1 13/09/2012 09h04 - Atualizado em 13/09/2012 13h24

Homem morre após 5 viagens no RS em busca de atendimentos pelo SUS. Almedorino da Silva morreu quarta durante cirurgia recomendada há 20 dias. Estado diz ter monitorado situação até o paciente deixar hospital de Bagé.

Do G1 RS




Um homem de 48 anos precisou fazer cinco viagens entre quatro cidades do Rio Grande do Sul em busca de atendimentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) após ter sofrido uma lesão na perna esquerda que causou outras complicações, como mostra reportagem do Bom Dia Rio Grande, da RBS TV (veja no vídeo). Depois de percorrer os caminhos entre Encruzilhada do Sul, no sudeste do estado, Bagé, na Região da Campanha, Cachoeira do Sul e Santa Cruz do Sul, ambas na Região Central, Almedorino Élcio da Silva não resistiu a uma cirurgia de amputação realizada nesta quarta-feira (12), que havia sido recomendada há 20 dias.

"Ele deveria ter tido uma prioridade maior no atendimento, lá no princípio" - Dilson Teodoro, médico

"Ele teve um período muito longo entre o evento inicial e o tratamento definitivo", lamenta o médico Dilson Teodoro, que acredita que a morte poderia ter sido evitada. "Ele deveria ter tido uma prioridade maior no atendimento a essa enfermidade, lá no princípio", acrescentou.

"Não só eu, a família toda quer que melhore a saúde, para que as pessoas não passem pelo que estamos passando, perder um pedaço da gente por falta de atendimento", lamenta a irmã de Almedorino Maria Dorvalina da Silva.

De Encruzilhada do Sul a Bagé

Segundo a família, no dia 22 de agosto, há cerca de três semanas, Almedorino foi atendido em Encruzilhada do Sul, mas precisou ser transferido para o Hospital Universitário de Bagé para receber o tratamento contra uma hemorragia digestiva. "Ele caiu, enganchou o pé num arame e caiu contra um alicerce de pedra que tinha na fonte", contou mulher de Almedorino, Joaquina de Oliveira Lopes, ainda durante uma das internações do marido.

Em Bagé, a hemorragia foi contida, mas foi diagnosticada uma insuficiência renal aguda que o hospital não tinha condições de tratar. Almedorino teria de ser submetido a uma cirurgia. O médico Gilberto Costa Gomes entrou em contato com a Central de Leitos, que sugeriu que ele tentasse um leito em Passo Fundo, no norte gaúcho, Rio Grande ou Pelotas, ambas no sul. As tentativas, no entanto, foram frustradas. "Tentei até contato com o gabinete do secretário de saúde do estado”, conta o médico. "Infelizmente, não tive esse retorno", acrescenta.


Mapa mostra cidades percorridas por Almedorino
(Foto: Reprodução/RBS TV)

Retorno a Encruzilhada do Sul

Maria entrou em contato com a Defensoria Pública de Encruzilhada do Sul para garantir um leito. “Eles me disseram que não podiam fazer nada, porque ele estava em outra cidade”, contou Maria, que não desistiu de tentar viabilizar um atendimento ao marido. “Pedi ao secretário (municipal de Encruzilhada do Sul) que buscasse ele lá então e procurasse recurso. Aí, se ele tivesse em Encruzilhada, tentaríamos entrar com recurso”, explicou. Almedorino voltou para onde havia sido atendido pela primeira vez.

Três viagens entre três cidades

A insuficiência renal se agravou durante a viagem e, logo após chegar a Encruzilhada do Sul, ele precisou ser levado a Cachoeira do Sul. O problema foi resolvido, e o homem precisou fazer mais uma viagem. Ele foi a Santa Cruz o Sul para tratar da dificuldade de circulação do sangue na perna. Lá, foi diagnosticada a necessidade de amputação da perna, o que teria de ser feito em Cachoeira do Sul. Era a quinta viagem de Almedorino. Ele chegou e foi submetido à cirurgia no Hospital de Caridade e Beneficência de Cachoeira do Sul, onde morreu devido a complicações durante o procedimento.

O outro lado


Em nota, a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul informou que a Central de Leitos acompanhou a situação de Almedorino até a última quinta-feira (6), quando ele ainda estava em Bagé. Ele seria encaminhado para realizar cirurgia vascular, mas o pedido foi suspenso porque ele deixou o hospital por conta própria para voltar a Encruzilhada do Sul. Ainda de acordo com o órgão estadual, quando o homem retornou a Cachoeira do Sul, não foi feito o cadastro para o procedimento cirúrgico.

CARÊNCIA NA SAÚDE

ZERO HORA 13 de setembro de 2012 | N° 17191

EDITORIAL


A redução de 10% no número de leitos no sistema público de saúde do Rio Grande do Sul no período de sete anos ajuda a explicar o caos registrado nas emergências, particularmente em cidades de maior porte, e exige uma atenção maior por parte do poder público à necessidade de ampliação dos investimentos no setor. A queda no número de vagas, apurada pelo Conselho Federal de Medicina, se deve em boa parte ao fato de muitas instituições hospitalares terem fechado suas portas ou descontinuado o atendimento em algumas áreas devido à insatisfação com os valores pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pelos serviços prestados. Por isso, ao mesmo tempo em que precisam ampliar os investimentos, os responsáveis pela formulação de políticas nessa área devem dar mais ênfase à prevenção, como forma de reduzir a busca por hospitais.

Um dos pressupostos do SUS, desde sua criação, é justamente a ênfase em ações preventivas, como forma de reduzir a pressão por vagas em hospitais. A questão é que, até hoje, poucos municípios investem o mínimo necessário para atender à demanda por consultas ambulatoriais, preferindo na maioria das vezes investir em ambulâncias e simplesmente enviar seus pacientes para centros maiores. Como o número de leitos diminui enquanto a população aumenta, a carência de vagas em hospitais é crítica, ao mesmo tempo em que a situação das emergências mostra-se cada vez mais calamitosa.

Presente em praticamente todo o país, o caos na saúde pública tornou-se preocupação número 1 da população, dominando os debates da campanha eleitoral nos municípios. A questão, porém, é séria demais para ficar no âmbito de promessas eleitorais renovadas a cada quatro anos.

Políticas adequadas de saúde não devem depender de quem está no poder ou pretende alcançá-lo. Bons resultados nessa área são o mínimo que a sociedade precisa exigir de administradores municipais e estaduais, de quem se espera apenas que cumpram com suas obrigações.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

EM SETE ANOS, 10% DE LEITOS A MENOS

 
ZERO HORA 12 de setembro de 2012 | N° 17190

O SUS NO ESTADO. Estudo do Conselho Federal de Medicina aponta redução no RS, especialmente em pediatria, obstetrícia, cirurgia e clínica geral

LARA ELY

O número de leitos no sistema público de saúde no Rio Grande do Sul diminuiu em 10% nos últimos sete anos. Estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que cerca de 2,5 mil vagas de internação foram desativadas no Estado, principalmente em pediatria (-762 leitos), obstetrícia (-467), cirurgia geral (-374) e clínica geral (-126). As informações integram uma análise do CFM sobre os aspectos que dificultam o trabalho do médico, como falta de investimento e de infraestrutura.

De acordo com dados apurados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, entre outubro de 2005 e junho de 2012, quase 42 mil leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) foram desativados em todo o país. Para o vice-presidente do CFM, Carlos Vital, é inaceitável a diminuição das condições de internamento no país, uma vez que a necessidade de assistência para a saúde cresce a cada ano. Segundo ele, a média é de 6 mil leitos a menos por ano, número que reforça deficiências na área da saúde pública.

– Falta financiamento, cumprimentos das propostas e valorização dos recursos humanos – afirma Vital.

O principal fator para a redução, segundo o diretor do Departamento de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da Secretaria Estadual da Saúde, Marcos Lobato, está na migração de leitos do sistema público para o privado. Segundo ele, além da dificuldade que os hospitais enfrentam com financiamentos, a mudança no tipo de internações agrava o problema:

– Como mudou o perfil dos pacientes internados, não se consegue atender os casos por falta de tecnologia. Os hospitais foram preparados para um outro momento do SUS.

A medida para melhorar a situação adotada pela Secretaria Estadual da Saúde foca na destinação de recursos para a reabertura de hospitais, como o de Tramandaí, e o aumento da complexidade das tecnologias disponíveis, como no Hospital de Taquara, que agora conta com leitos de UTI.

Sem investimento, o número de leitos diminuirá, diz Cremers

Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Rogério Wolf Aguiar acredita que, se não houver maior investimento em saúde coletiva, o número de leitos vai continuar diminuindo e o atendimento pelo SUS encolherá:

– Estamos fazendo pressão política por todos os lados para que seja cumprido o que está na lei. Não é uma responsabilidade apenas desse governo, mas dos governantes que passaram pelo poder nos últimos 10 anos.

Impacto sobre as emergências

A carência de leitos hospitalares é uma das questões que está por trás da superlotação de emergências. Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Rogério Wolf Aguiar, se houvesse mais leitos disponíveis nos hospitais e vagas na atenção primária, muitos dos problemas que chegam aos hospitais poderiam ser evitados. A população acaba recorrendo às emergências, onde, apesar do longo tempo de espera, ainda é possível consultar pelo SUS.

O investimento na atenção primária e a construção de novas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) são soluções apontadas pelo diretor do Departamento de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da Secretaria da Saúde, Marcos Lobato, como medidas para contornar o problema.

Causas apontadas
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTOS
- Com o que recebem do SUS, os hospitais dizem não conseguir cobrir os custos de manutenção dos leitos. Alguns fecharam as portas ou reduziram as vagas por causa do déficit financeiro.
MUDANÇA NO PERFIL DOS PACIENTES
- Pelo aumento do atendimento preventivo, atualmente se interna menos crianças com pneumonia e mais idosos e pessoas com traumas, por exemplo. Por isso, em muitos casos não há tecnologia suficiente para o atendimento requerido.
TECNOLOGIAS DEFASADAS
- A falta de investimento em tecnologia faz que com os hospitais não consigam atender a demanda atual. A solução não está só na criação de novos hospitais, mas no aumento de vagas com maior complexidade técnica nos já existentes.




terça-feira, 11 de setembro de 2012

NO PAPEL, 12% PARA A SAÚDE


ZERO HORA 11 de setembro de 2012 | N° 17189

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA



A proposta de Orçamento que vai para a Assembleia na sexta-feira tem, como principal novidade, a previsão de aplicação de 12% da receita corrente líquida em saúde, como manda a Constituição, sem contabilizar nesse total os investimentos em saneamento. Na prática, porém, não há segurança de que os 12% serão aplicados, porque isso depende da obtenção de recursos que ainda não estão assegurados.

– Boa parte dos recursos nós vamos ter de buscar, inclusive com o aumento da arrecadação própria. Vamos ter de trabalhar bastante para encontrar os recursos de manutenção e de folha de pessoal – explicou o secretário da Fazenda, Odir Tonollier.

Os recursos para investimentos estão assegurados no orçamento de 2013 com empréstimos do BNDES e do Banco Mundial.

A necessidade de aplicar os 12% em saúde e de investir em outras áreas críticas, como a segurança, é um dos argumentos usados pelo governador Tarso Genro para justificar a ação direta de inconstitucionalidade contra o reajuste do piso do magistério com base na variação do custo/aluno no Fundeb. Se tiver de dar aumento superior a 20% para um piso que, na verdade, é o salário básico sobre o qual incidem as vantagens previstas no plano de carreira, em pouco tempo o Estado terá de canalizar todo o seu orçamento para a educação.

Tarso tem razão quando diz que o orçamento do Estado não comporta esse aumento. Porque o mínimo de R$ 1.451 é o salário do nível 1, classe A, para 40 horas semanais. O crescimento exponencial desse valor até o nível 6, classe F, resulta num aumento anual superior a R$ 2 bilhões na folha de pagamento, já que mais de 80% dos professores estão nos níveis 5 e 6.

É fácil para quem está de fora dizer que o governador tem de cumprir a promessa de campanha, quando não se falava que o índice do Fundeb era inaceitável. O problema é identificar uma fonte de recursos. Tarso disse que o Estado não tem plano B para o caso de o Supremo rejeitar a ação. Não tem porque não pode fabricar dinheiro nem há clima para aumentar imposto. Por isso, diz que vai passar a conta para o governo federal – uma clara ameaça para pressionar a presidente Dilma Rousseff a mobilizar sua base para mudar o índice de correção para o INPC.

domingo, 9 de setembro de 2012

MAIS DESPERDÍCIO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2235, 09.Set.12 - 11:27

Novos documentos indicam que o estrago pode chegar a 300 mil bolsas de sangue. A Câmara quer explicações do ministro da Saúde, Alexandre Padilha Claudio Dantas Sequeira



PROBLEMÃO
Parlamentares defendem ida do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, à Câmara

Documentos internos do Ministério da Saúde sugerem que o desperdício de plasma sanguíneo, denunciado por ISTOÉ na última edição, pode ser bem maior que as 55 mil bolsas de sangue escondidas num depósito nos arredores de Brasília. Uma troca de memorandos entre setores técnicos e a cúpula ministerial, entre os meses de fevereiro e agosto de 2009, indica que o governo tinha em estoque mais de 660 mil bolsas de plasma. Desse total, foram “enviadas para beneficiamento 423 mil bolsas”. Ninguém sabe informar o que houve com outras 237 mil bolsas e por que esse material não foi enviado para a França. Uma pista do destino desse plasma pode estar no mesmo depósito do Ministério da Saúde. Uma fonte do setor garantiu à reportagem que havia cerca de 300 mil bolsas estocadas na câmara fria do ministério. Suspeita-se que a maior parte desse carregamento tenha sido retirada do local no início do ano, quando a denúncia começou a circular.

Na quarta-feira 5, o Ministério da Saúde publicou o edital para a contratação da empresa que fará o descarte das 55 mil bolsas, armazenadas desde 2004. A medida foi tomada em caráter emergencial, após denúncia de ISTOÉ, a pedido do próprio ministro Alexandre Padilha. A interlocutores, ele diz que “herdou um problemão”. Na Câmara, o presidente da Comissão de Seguridade, deputado Luiz Mandetta (DEM/MS), conseguiu aprovar requerimento de informação ao Ministério da Saúde. O deputado Eleuses Paiva (PSD/SP), que também é médico, fez coro. “O ministro precisa esclarecer ao Congresso”, diz. Ele defende a convocação de Padilha e de seus antecessores, como o próprio deputado Saraiva Felipe (PMDB/MG), que sucedeu Humberto Costa. “Trata-se de uma questão de alto interesse público”, diz.



ATRASO
Lotes de hemoderivados podem ter chegado já vencidos

Outro personagem que poderá ser convocado é a ex-secretária-executiva do Ministério da Saúde Márcia Bassit, que deixou o cargo em 2011 para assumir a diretoria-geral do Laboratório Francês de Biotecnologia (LFB) no Brasil. Suspeita-se que Márcia tenha agido em benefício dos franceses. ISTOÉ descobriu que os dois primeiros lotes de hemoderivados beneficiados pela empresa chegaram ao Brasil com 223 dias de atraso – o limite contratual é de 180 dias. Como os hemoderivados têm validade de dois anos, há o risco de que tenham chegado ao consumidor próximo do vencimento ou já vencidos.

sábado, 8 de setembro de 2012

O SÁBIO E A GRIPE

ZERO HORA 08 de setembro de 2012 | N° 17186. ARTIGOS

Adroaldo Furtado Fabrício*

Há uma coisa mais perigosa do que a ignorância. É a ignorância qualificada pela empáfia. O ignorante inocente pode fazer algum mal, principalmente a si próprio, mas o que nada sabe e pensa saber tudo é uma ameaça pública. Ele se considera pronto, completo, e não aceita sequer a hipótese de estar errado ou de precisar de luzes alheias para aperfeiçoar-se ou para melhor conduzir seus misteres.

Veja-se a entrevista dada a este jornal por certo secretário do Ministério da Saúde que considera melhor remediar do que prevenir, e não vê diferença entre um idoso do extremo sul do país e outro da Amazônia. Ele estarreceu a comunidade com sua arenga, na qual exibiu uma ignorância de todo incompatível com sua posição. O espanto não foi só da classe médica, mas de todos, porque não é preciso saber Medicina para perceber a inacreditável extensão das estultícias, menos ainda para notar o tamanho da arrogância.

Segundo o luminar, continuar-se-á racionando a vacina e prodigalizando o Tamiflu, por ser essa a conduta correta, no seu incontrastável entender. E não se vai tratar diversamente o Sul das temperaturas negativas e o Norte equatorial, já que diferença alguma cabe fazer entre os habitantes de uma e outra região. As questões geográficas, ambientais, sanitárias, culturais não têm a menor importância. “O homem e suas circunstâncias”? Seria demais esperar que ele tenha lido isso, até porque as pessoas que sabem tudo não precisam perder tempo com leituras.

Pelo menos nesse aspecto do desprezo pelas diferenças regionais, da pasteurização do povo brasileiro como geleia uniforme, talvez seja um tanto menor o grau de culpa do insensível e autossuficiente burocrata. Nisso, ele se afina a um movimento claro dos governos centrais recentes, cuja ânsia de uniformização nacional atropela as etnias, culturas, condições e tradições regionais e frequentemente afronta a Constituição Federal, na sua primeira e maior epígrafe: o Brasil é uma República Federativa.

Mas esse é outro assunto. Voltemos ao nosso inefável secretário. A cada pergunta do jornalista, munido de sólidas e variadas informações sobre o tema, a resposta vinha altaneira e inabalável: todas as decisões pertinentes já estão tomadas e nada vai alterá-las. As soluções estão prontas, suas premissas não vêm ao caso. Morreram cinquenta e tantas pessoas em certa área geográfica? Paciência; que morram outras tantas, ou mais, em 2013; não há de ser por isso que se modificará o roteiro.

O que o fato tem de terrivelmente assustador é perceber em que mãos se acham nossas políticas públicas, nossos destinos, nossas vidas.

*Jurista

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ESTRATÉGIA DE RISCO

ZERO HORA 07 de setembro de 2012 | N° 17185
 

EDITORIAL


Tornou-se lugar-comum apontar, nos últimos meses, a infeliz estreiteza de visão das autoridades sanitárias no episódio da epidemia de gripe A na Região Sul. A parte mais meridional do país se viu às voltas com condições favoráveis à proliferação do vírus H1N1, como já havia ficado evidente em 2009. O resultado foi que, neste ano, o alcance da doença foi mais devastador no extremo Sul do que em países mais populosos, como a Índia. A política de prevenção e combate à gripe contrastou, por sua vez, com o caso da Argentina, onde as autoridades recorreram à vacinação em massa. Como bem lembra o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Weber Matos, o abismo entre os números de mortes atribuídas à moléstia – 63 em nosso Estado, zero na Argentina – é um fator de peso quando se discute qual foi a estratégia mais exitosa.

O governo brasileiro finca pé na tese de que é possível atacar o H1N1 por meio de uma estratégia global, alicerçada nos mesmos procedimentos do equatorial Oiapoque ao subtropical Chuí. Sustenta que não há necessidade de se partir para uma vacinação abrangente, além dos limites de grupos de risco constituídos por jovens e idosos. O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, em entrevista ao repórter Itamar Melo, de Zero Hora, foi peremptório: “Por que vou fazer uma medida que a chance de sucesso é muito baixa (a vacinação em massa), quando eu tenho uma medida que a chance de sucesso é altíssima (uso precoce do medicamento Tamiflu)”.

A questão central é se há sentido em se manter uma ação unificada de prevenção e combate ao vírus H1N1 num país com tantas variações climáticas e no qual a Região Sul se mostra particularmente vulnerável a ameaças como a gripe A. Na visão do representante do Ministério da Saúde, “idoso no Amazonas e idoso no Rio Grande do Sul para mim é igual”. Para as associações médicas e conselhos regionais de Medicina do Rio Grande do Sul e do Paraná, trata-se de opinião controversa. Sem que se chegue a um denominador comum quanto a esse ponto, será difícil avançar na definição de um plano de combate à moléstia em 2013.

É recomendável que, diante de problema de tamanha repercussão sobre a vida de milhões de brasileiros, o poder público se mostre mais ágil e permeável ao clamor da sociedade. É preciso combater os entraves burocráticos que dificultam a pronta resposta dos órgãos de saúde quando o quadro epidemiológico se agrava. Situações como essa mostram, ao mesmo tempo, o quanto é preciso avançar para que se possa garantir um atendimento à saúde de primeira linha. Como sexta economia do mundo, o Brasil reclama um sistema de saúde amplo e eficiente, com a melhoria das condições do SUS.

A população é parte fundamental da solução desses impasses. Historicamente, os brasileiros têm atendido ao chamado de autoridades, escolas e meios de comunicação e acorrido aos pontos de vacinação, além de adotar outras medidas preventivas recomendadas. Foi assim que o Brasil enfrentou e venceu a meningite, a poliomielite e outras moléstias, ainda que algumas, como a dengue e a gripe A, ainda se insinuem nas fímbrias do controle. Sobretudo, não devem os gestores de saúde perder de vista a importância de se conscientizar e envolver a população em ações sanitárias elementares.

O QUE QUEREMOS NA SAÚDE

ZERO HORA 07 de setembro de 2012 | N° 17185. ARTIGOS

CLÁUDIO JOSÉ ALLGAYER*

A assistência à saúde prestada no país faz-se com base num sistema múltiplo. Os que possuem recursos – inclusive a nova classe média – elegem o sistema suplementar de saúde, com livre opção por serviços e profissionais, enquanto os demais (a maioria) são atendidos pelo SUS, onde falta a possibilidade de escolha. São históricas as infrutíferas disputas sobre quem gerencia melhor os recursos e quem oferece melhores serviços. Esse embate, entretanto, tornou-se obsoleto. Cada vez mais percebe-se a necessidade de uma sólida conexão entre o SUS e o sistema suplementar de saúde, com incentivos adequados e mecanismos inteligentes de subsídio que efetivamente beneficiarão os pacientes.

A Agenda 2020 – um movimento da sociedade civil que objetiva transformar o Rio Grande no melhor Estado para se viver e trabalhar –, através do seu Fórum Temático de Saúde, analisa o sistema de saúde a partir de quatro eixos: acesso, gestão, qualidade da assistência e financiamento. No entendimento dos especialistas e voluntários da Agenda 2020, o acesso constitui-se no fator preponderante da equidade. Os problemas na marcação de consultas, em particular nas consultas especializadas, na realização de exames, na limitação de leitos gerais e em unidades de terapia intensiva acarretam conse- quências graves à vida dos pacientes e seus familiares. A superação dessas deficiências depende, em grande parte, de uma maior e melhor integração entre os dois subsistemas de saúde.

A gestão das ações e serviços de saúde precisa ser considerada responsavelmente. Não basta a vontade de querer melhorar, é necessário método, conhecimento e liderança. Nesse sentido, a capacitação gerencial e assistencial dos gestores representa um aspecto fundamental para um melhor desempenho dos serviços de saúde e um maior protagonismo da Secretaria Estadual da Saúde como ordenadora, coordenadora e reguladora do sistema.

A qualidade da assistência oferecida pelos serviços de saúde, públicos e privados, necessita ser reconhecida externamente, através da acreditação. Essa iniciativa elevará a qualificação dos serviços e a segurança do paciente, além de viabilizar a comparabilidade entre eles.

O financiamento necessita ser mais efetivo por parte das três esferas governamentais. É preciso cumprir os pisos mínimos constitucionalmente determinados e oferecer apoio ao livre empreendedorismo, a fim de que haja condições propiciadoras do amplo e melhor acesso.

Qualquer que seja o caminho para melhorar a saúde, é indispensável que o SUS torne-se eficiente, resolutivo, equitativo e fiscalmente sustentável, a fim de que a saúde suplementar exerça o papel estabilizador do sistema global de saúde.

A Agenda 2020 preconiza um choque de inovação, racionalidade e complementaridade no setor saúde, a fim de que seja alcançado o patamar aspirado pelos pacientes, profissionais e organizações de saúde.

*Coordenador do Fórum Temático da Saúde da Agenda 2020

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

GRIPE A - ESTRATÉGIA FEDERAL REVOLTA ESPECIALISTAS

ZERO HORA 06 de setembro de 2012 | N° 17184

COMBATE À GRIPE A
Especialistas criticam postura do ministério

 ITAMAR MELO

A entrevista publicada ontem em ZH com o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, estarreceu especialistas e entidades da área médica.

Apesar de os casos e as mortes por gripe A estarem concentradas no Sul, Barbosa reafirmou que Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná não terão política diferenciada de vacinação, como reivindicam as secretarias estaduais de Saúde e recomendam entidades médicas da região.

O homem do ministro Alexandre Padilha e da presidente Dilma Rousseff na área da vigilância foi além em suas afirmações, surpreendendo os especialistas: disse que a vacina tem pouca eficácia e que não existe evidência de que ampliar seu uso significa proteger melhor a população.

– Nunca vi um secretário de vigilância em saúde dizer que vacina não adianta. É inacreditável. Minimizar a importância da vacina é desmerecer tudo o que se fez até hoje na vigilância em saúde – reagiu o médico e deputado federal Osmar Terra, ex-secretário estadual da Saúde.

Ontem, na Assembleia, o secretário estadual Ciro Simoni ressaltou a importância de antecipar a vacinação e de dobrar as doses no Estado. Estudo propondo essa estratégia foi encaminhado ao ministério pelos conselhos regionais de medicina e associações médicas de Rio Grande do Sul e Paraná há um mês. O documento foi elaborado por infectologistas, pediatras e profissionais de órgãos governamentais. O governo nem respondeu. A ZH, Barbosa disse que as entidades não têm expertise.

– A postura do secretário nos deixa a cada entrevista mais preocupados – afirma o presidente do Cremers, Rogério Wolf de Aguiar.

O que disse Jarbas Barbosa

Em 2010, o ministério vacinou quase 50% dos gaúchos. Não houve nenhum caso de gripe A. A partir de 2011, cortou mais de dois terços das doses. As mortes aumentaram. Barbosa diz que o aumento não tem a ver com a redução da vacinação e que já era esperado que houvesse poucos casos em 2010, porque o vírus circulou muito em 2009, imunizando as pessoas. Neste ano, segundo ele, as mortes aumentaram porque a circulação do vírus cresceu, e não porque a vacinação caiu.

O que dizem os especialistas

Se a argumentação de Barbosa está correta, o ministério adotou a curiosa política de vacinar em massa quando o vírus circula pouco e de cortar a vacinação quando o vírus circula muito. Mas o ex-secretário estadual de Saúde Osmar Terra contesta o raciocínio de Barbosa:

– Quem contrai a gripe A fica imunizado permanentemente. Se a razão para não termos tido casos em 2010 fosse que a população teve contato com o vírus no ano anterior, então o número de caso deveria ter continuado em zero nos anos seguintes. A verdade é que não houve casos em 2010 porque a vacinação foi maciça.

O que disse Jarbas Barbosa

Segundo o representante do ministério, não existe evidência de que ampliar a vacinação, como reivindicam os gaúchos, aumenta a proteção contra o vírus. Para ele, vacinar mais gente pode até levar a um número maior de mortes.

O que dizem os especialistas

– Quanto mais pessoas vacinadas, menos casos e mortes – diz o infectologista Luciano Goldani.

O que disse Jarbas Barbosa

Segundo ele, a vacina tem entre 50% e 70% de eficácia.

O que dizem especialistas

O chefe do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas, Luciano Goldani, observa que a eficácia está entre 60% e 90% e é maior para pessoas jovens e saudáveis, que não estão nos grupos vacinados pelo ministério e que correspondem ao perfil de quem morreu no Estado. Se a eficácia da vacina fosse baixa, diz o presidente do Cremers, Rogério Wolf de Aguiar, deveria haver entre os mortos várias pessoas de grupos de risco vacinadas.

– Quando olhamos quem morreu, achamos muita gente que tomou Tamiflu, mas quase nenhuma que foi vacinada. Não dá para esconder o sol com a peneira. A eficácia está na vacina.

O que disse Jarbas Barbosa

Barbosa afirmou que não faz diferença, para a proteção, iniciar a vacinação em fim de março, em abril ou em maio. Neste ano, a campanha começou apenas em maio.

O que dizem os especialistas

O diretor científico da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), Antonio Carlos Weston, afirma que é importante vacinar mais cedo porque o Sul tem uma situação climática especial e porque a vacina precisa de alguns dias até fazer efeito.

– É preciso vacinar antes dos meses frios, que são maio, junho, julho e agosto. Com isso, as pessoas vacinadas ficam protegidas, ajudam a diminuir a circulação do vírus e colaboram para que o pico do vírus seja menor.

O que disse Jarbas Barbosa

Os Estados mais ao Sul concentram os casos e as mortes por gripe A, mas Barbosa diz que eles não terão tratamento diferenciado.

– Idoso no Amazonas e idoso no Rio Grande do Sul para mim é igual – afirmou.

O que dizem especialistas

Infelizmente para os gaúchos, idoso no Amazonas e idoso no Rio Grande do Sul não é igual para o vírus da gripe A. É aqui que o H1N1 consegue circular e matar.

– O vírus da febre amarela faz a mesma coisa com uma pessoa do Amazonas ou do Rio Grande do Sul. Mas essa doença é um problema sério lá, não aqui. Não queremos a mesma política contra a febre amarela que é aplicada no Norte, mas precisamos de um programa especial para a gripe A, porque é aqui que tem gripe A – diz o presidente do Cremers.

O que diz Jarbas Barbosa

Que não há porque recorrer a uma medida que ele considera de baixa eficácia (a vacina), quando está disponível uma medida que ele considera de eficácia altíssima (a medicação com Tamiflu).

O que dizem os especialistas

Além de observarem que as pessoas que morreram tomaram Tamiflu e não vacina, os especialistas ressaltam que uma coisa não exclui a outra e lembram aquilo que toda dona de casa sabe: é melhor prevenir do que remediar.

– Não tem sentido combater com medicação o que pode ser controlado com prevenção. As declarações entram em contradição frontal e inexplicável com as políticas de prevenção do ministério – afirma o presidente do Cremers.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MULHER É BALEADA EM TIROTEIO DENTRO DE POSTO DE SAÚDE


Morre mulher baleada em tiroteio dentro de posto de saúde em Coelho Neto. Cláudia Lago de Souza foi feita refém por bandidos que invadiram o local
O Globo
Publicado: 5/09/12 - 9h25
Atualizado: 5/09/12 - 10h29


Cláudia foi baleada ao ser usada como refém Guilherme Pinto / O Globo


RIO - A mulher que foi baleada em um tiroteio dentro do Posto de Assistência Médica (PAM) de Coelho Neto, na Zona Norte do Rio, morreu na madrugada desta quarta-feira. Cláudia Lago de Souza, de 33 anos, estava na UTI do Hospital estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, onde foi operada no começo da noite de terça-feira, mas não resistiu aos ferimentos. De acordo com a direção do Hospital estadual Carlos Chagas, Cláudia passou por uma cirurgia para a retirada de um projétil, que causou lesões graves como a fratura exposta da região sacra, obstruindo também o intestino, o reto e o baço. O corpo da paciente foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal.

Cláudia foi ferida enquanto era utilizada como escudo por um bandido em fuga, que invadiu o PAM quando fugia da polícia. Ela estava na unidade para procurar atendimento médico para seu filho de dez anos. Após o tiroteio, o criminoso invadiu uma escola particular e sequestrou um ônibus que levava estudantes em excursão, de onde saltou fugindo para o Morro da Pedreira.

Segundo o comandante do 2º Comando de Policiamento de Área (CPA), coronel Rogério Leitão, um instaurado um procedimento para apurar por que um dos policiais trocou tiros com os bandidos dentro do posto de saúde.

Em entrevista à Rádio BandNews, a mãe da vítima, identificada como Iracilda, disse que ficou sabendo que a filha tinha sido baleada pela televisão. Segundo ela, que tem seis filho, Cláudia era a caçula.

— Mesmo baleada, minha filha ainda conseguiu ligar para uma amiga dela pedindo que alguém fosse pegar meu neto no PAM — lamentou.

Dupla havia roubado carro

Segundo a Polícia Militar, o bandido e um comparsa, identificado como Leonardo Carvalho, estavam em um automóvel Gol quando foram surpreendidos por uma viatura do 41º BPM (Irajá) na Avenida Automóvel Clube. Os policiais teriam sentido o cheiro de maconha ao parar do lado do carro. Quando receberam a ordem de encostar, os bandidos fugiram. Os PMs foram em perseguição, e os dois trocaram tiros até que o Gol bateu em uma mureta do lado de fora do PAM de Coelho Neto. Carvalho, de 24 anos, que estava ferido, ficou no carro.

Os policiais cercaram a unidade e foram atacados com disparos. No tiroteio, Cláudia foi feita de escudo humano e acabou baleada. O bandido ferido também chegou a ser levado para o Hospital Carlos Chagas, mas não resistiu aos ferimentos. O outro suspeito conseguiu fugir. Ele pulou o muro e invadiu o colégio particular na Rua Barra Mansa, onde um grupo de crianças estava embarcando em um ônibus para uma excursão. O criminoso entrou no veículo e, ameaçando o motorista com uma arma, o obrigou a levá-lo, sem liberar os alunos ou professores, até o Morro da Pedreira. Em um dos acessos à comunidade, ele desceu do veículo e fugiu.

O caso foi registrado para a 30ª DP (Marechal Hermes). O órgão informou ainda que as consultas no PAM foram interrompidas e serão reagendadas, mas o posto será reaberto normalmente nesta quinta-feira. A Secretaria estadual de Saúde pede que os pacientes que tinham consultas marcadas para terça e esta quarta-feira não compareçam à unidade. Eles devem aguardar o contato das equipes do PAM informando a nova data do atendimento.

Em 2011, bandidos em fuga invadiram escola e usaram crianças como escudo

No dia 8 de abril de 2011 dois bandidos invadiram a Escola Municipal Astrogildo Pereira, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, depois de assaltar algumas pessoas na rua do colégio. Os criminosos estavam fugindo e entraram na unidade para se esconder dos policiais.

Os dois estavam desarmados, mas mesmo assim fizeram crianças de escudo. Depois da negociação com os agentes da polícia, eles se entregaram e foram levados para a 34ª DP (Bangu). Alguns alunos ficaram muito nervosos durante a invasão. Em estado de choque, uma professora teve que ser atendida em um hospital.

No dia 15 de fevereiro de 2012, cerca de 50 alunos da Escola Municipal Grandjean Montigny, na Pavuna, entraram em pânico quando três traficantes, que fugiam de uma operação policial no Morro do Chapadão, invadiram o colégio. De acordo com a diretora Vânia de Almeida Brivo, parte dos estudantes — com idades de 4 a 10 anos — estava no pátio, esperando o horário de entrada, quando os bandidos pularam o muro nos fundos da escola. A diretora contou ter levado os alunos e os funcionários para o auditório para protegê-los.

PMs entraram no colégio e, ao vasculhá-lo, detiveram um dos invasores, um menor, com uma mochila cheia de drogas. Os outros dois criminosos, que provavelmente estavam armados, escaparam. A escola, que tem cerca de 700 alunos da educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, fica próxima a uma das entradas do Chapadão. Na hora da invasão, cerca de 30 PMs faziam uma operação na comunidade para prender traficantes que festejavam o aniversário do chefe do bando, Luiz Fernando Nascimento Ferreira.

domingo, 2 de setembro de 2012

DE NOVO, A SAÚDE

ZERO HORA 02 de setembro de 2012 | N° 17180

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA



Não é só por intuição dos candidatos e seus marqueteiros que a saúde é o tema dominante na propaganda de rádio e TV em Porto Alegre. A pesquisa do Ibope mostra que a saúde é líder absoluta no elenco de prioridades dos eleitores porto-alegrenses. Quando os pesquisadores pediram aos entrevistados para citar a área em que Porto Alegre está enfrentando maiores problemas, metade respondeu saúde. Segurança, segunda colocada, só foi mencionada por 13% dos eleitores, e a educação, por 11%.

Convidados a apontar três áreas em que a população de Porto Alegre está enfrentando os maiores problemas, os eleitores mantêm a saúde no topo do ranking. Somando-se as indicações em primeiro, segundo e terceiro lugares, saúde é preocupação de 79% dos eleitores. A segurança está entre as três prioridades de 51% dos entrevistados, e a educação, de 49%.

Nas campanhas modernas, os candidatos orientam os programas de rádio e TV por pesquisas qualitativas e quantitativas. Delas vem a informação de que a saúde está no topo da lista de prioridades. O trabalho das equipes de marketing é encontrar o tom adequado para o candidato abordar na campanha.

Fortunati, que responde por uma administração aprovada por 67% dos porto-alegrenses e investe em saúde mais do que a Constituição exige, antecipou-se às críticas dos adversários. Logo que começou a propaganda de rádio e TV, o prefeito puxou o assunto saúde para dizer que reconhece as deficiências, mas que seu governo está trabalhando para aumentar o número de leitos, agilizar as consultas e melhorar o atendimento.

Sintonizados com a voz das ruas, os candidatos de oposição carregam nas críticas e apontam soluções que, em geral, passam pela informatização da rede e pelo teleagendamento, para acabar com as filas. A essas medidas, se somam o aumento do número de leitos, a ampliação do quadro de médicos e enfermeiros e a contratação de serviços de terceiros para suprir as demandas da rede pública.

A pesquisa reflete o bom momento da economia: geração de empregos, que já foi uma das maiores preocupações dos porto-alegrenses, só foi mencionada como prioridade número1 por 2%. E só está entre as três maiores preocupações de 13%. O trânsito, presente em quase todas rodas de conversa da classe média, só é a maior preocupação para 3% dos eleitores. Está entre as três maiores para 18%.

SUSPEITA DE CORRUPÇÃO ESTRAGA 55 MIL BOLSAS DE SANGUE

REVISTA ISTO É N° Edição: 2234 | 31.Ago.12 - 21:00 | Atualizado em 02.Set.12 - 12:45


Como o governo deixou estragar 55 mil bolsas de sangue


Descaso, incompetência administrativa e suspeita de um novo esquema de corrupção fizeram com que o Ministério da Saúde não desse uso a 13,7 mil litros de plasma sanguíneo avaliados em US$ 1,6 milhão

Claudio Dantas Sequeira



TRÊS MINISTROS ESCONDERAM O DESPERDÍCIO
Humberto Costa, José Gomes Temporão e Alexandre Padilha
(da esq. para a dir.): sangue jogado fora

A cada ano, o Ministério da Saúde gasta milhões em campanhas de incentivo à doação de sangue. Boa parte dessas doações é industrializada fora do País e retorna como hemoderivados, medicamentos essenciais no tratamento de hemofílicos. A matéria-prima desse processo é o plasma sanguíneo, um insumo tão cobiçado que um litro chega a custar US$ 120 no mercado internacional – tanto quanto um barril de petróleo. O Ministério da Saúde esconde em um depósito no Distrito Federal um carregamento de 55 mil bolsas de plasma humano, avaliado em US$ 1,6 milhão, mas cuja validade está vencida há pelo menos cinco anos. O segredo, que pode causar estragos às pretensões políticas dos ex-ministros da Saúde Humberto Costa e José Gomes Temporão, além do atual ministro, Alexandre Padilha, está trancado a 50 graus negativos numa câmara frigorífica vigiada por seguranças armados.



Essa espécie de “túmulo do sangue”, como funcionários do ministério chamam o local, é apenas o fio de um novelo que está sendo deslindado em diferentes investigações pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União. Os processos, obtidos com exclusividade por ISTOÉ, atestam desvios recorrentes na produção e estocagem do plasma coletado e lançam suspeitas sobre a existência de uma nova modalidade de máfia dos vampiros, com conexões até na França. Os lotes vencidos foram coletados em 41 hemocentros e bancos de sangue de diversos Estados em 2003 e 2004, justamente o ano em que estourou o escândalo do comércio ilegal de hemoderivados, desbaratado pela Polícia Federal na Operação Vampiro. Então ministro, Costa chegou a ser indiciado por suspeita de participação no esquema. Em março de 2010, foi absolvido pela Justiça e conseguiu ser eleito senador. Agora, apenas dois anos depois, está dedicado a virar prefeito do Recife, numa estratégia para chegar ao governo de Pernambuco em 2014.


DESCASO
O depósito que guarda as bolsas estragadas fica na cidade-satélite
de Águas Claras. Na foto maior, o estoque inadequado do produto

O ex-ministro terá de explicar aos promotores por que abandonou as 55 mil bolsas de sangue no depósito do ministério. Naquele momento, havia duas empresas responsáveis pelo beneficiamento do plasma: a suíça Octapharma e a francesa LFB (Laboratoire Français Du Fractionnement et des Biotechnologies S/A). Citadas no inquérito da Operação Vampiro, nenhuma delas se encarregou dos lotes. À ISTOÉ, Costa admitiu que sabia do carregamento estocado e impetrou recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região “a fim de dar aproveitamento ao produto.” O recurso, segundo ele, foi negado sob o argumento de que sua liberação poderia implicar grave prejuízo ao erário. O hoje senador diz que não acompanhou os desdobramentos do caso.



Antes de deixar o cargo em 2005, Costa criou a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados (CGSH) e mandou fazer nova licitação, engavetada nas gestões-tampão dos peemedebistas Saraiva Felipe e Agenor Álvares e retomada apenas no final de 2007, por José Gomes Temporão. A licitação lançada por Temporão foi vencida pela francesa LFB e o contrato previa o fornecimento de hemoderivados e a transferência da tecnologia de fracionamento do plasma para a Hemobrás, estatal criada por Costa em 2004 e que até hoje não saiu do papel. “Contratamos a empresa numa licitação transparente”, afirma Temporão, que diz desconhecer o carregamento de plasma vencido.



Em ofício encaminhado ao MP sobre o caso, o coordenador-geral de sangue e hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez, alega que, quando a LFB foi contratada, o plasma estocado em Brasília “já se encontrava vencido, não sendo viável a sua utilização e recolhimento no escopo do objeto do contrato”. Genovez se referia ao uso na produção dos chamados fatores 8 e 9 para o tratamento de hemofílicos. Como são mais sensíveis, esses produtos devem ser aproveitados com o plasma mais fresco. Entretanto, mesmo vencido esse prazo, ainda seria possível processá-lo para a obtenção de imunoglobulina e albumina, de uso cirúrgico.

O Ministério da Saúde garante que negociou com a LFB um aditivo contratual, que só seria assinado em 2009. Mas, com a demora, o que restava do material também perdeu a validade. Estranhamente, a LFB disse à ISTOÉ que “desconhece o assunto”. No documento enviado ao MP, Guilherme Genovez informa que o descarte do material sofreu impedimentos sanitários nos anos seguintes e voltou a ser debatido em 2011, já na gestão do ministro Alexandre Padilha. Mas acrescenta que não há ainda cronograma nem método para o descarte. Ao ser questionado pela reportagem, Padilha informou por meio da assessoria de imprensa que já está com edital pronto para escolher em 30 dias a empresa que fará o descarte do material.



O problema com os hemoderivados não se restringe ao caso do depósito em Brasília. ISTOÉ obteve com exclusividade cópia de um relatório de auditoria feita por técnicos do Ministério da Saúde nas instalações da LFB, em Lille e Lês Ulis, Paris. Os técnicos ouviram dos dirigentes da empresa explicações controversas e relataram uma série de irregularidades. O documento está na mesa de Padilha desde maio.Uma das mais graves denúncias diz respeito a uma carga de mais de meia tonelada de produtos intermediários de hemoderivados que foi estocada, sem uso. O procedimento nem sequer foi notificado ao governo brasileiro. São 673 quilos de produtos semiacabados com prazo de validade expirado cujo destino não foi informado ao Ministério da Saúde, como prevê o contrato entre o governo e a LFB. Outro lote ainda maior, com quase 1,2 tonelada de princípio ativo para a produção de hemoderivados, também se encontrava estocado, em regime de quarentena e prazo de validade próximo de expirar. Uma terceira carga de 1,5 tonelada foi totalmente perdida por desvios de qualidade durante o processo produtivo.



Surpreendeu os técnicos o fato de a LFB usar na produção do fator 9 (aquele para o tratamento de hemofílicos) lotes de 2,8 mil litros num equipamento com capacidade máxima de 2,2 mil litros, “implicando com isso a perda de aproximadamente um lote de produto acabado para cada quatro descongelamentos de plasma”. Os técnicos do ministério calcularam o descarte de plasma em aproximadamente 30%, quase o dobro do limite de 15%. Além dos descartes irregulares, a auditoria atestou divergências entre o rendimento do plasma declarado pela LFB e o apurado pelos técnicos, em alguns casos de até 50% a menos. O ministério diz que solicitou à empresa indenização dos produtos e ameaçou com multas e sanções.

Para o procurador do TCU Marinus Marsico, as informações colhidas pela auditoria do Ministério da Saúde são “extremamente graves”. Na sexta-feira 31, ele entrou com pedido de investigação complementar na corte, no qual também alerta sobre a assinatura pelo governo de aditivos suspeitos aos contratos com a LFB. Segundo o procurador, pode ter havido burla à lei de licitações e até a “execução concomitante de dois contratos com objetos iguais”, a fim de ocultar alguma irregularidade ou pagamento em duplicidade. A “irregularidade” a que Marinus se refere, embora não expressamente, teria a ver com suspeitas de existência de um mercado negro de plasma, que se aproveita da falta de controle governamental. Por ora, não há provas desse comércio ilegal. Indícios claros aparecem em trecho do relatório da auditoria, no qual técnicos questionam o desaparecimento de princípios ativos de hemoderivados. Na reunião que discutiu a auditoria, a desconfiança era tanta que o diretor de qualidade da LFB, Robert Vedeguer, precisou defender a honra de seus funcionários. “Eu gostaria de convencer o Ministério da Saúde da honestidade dos técnicos da LFB”, disse. Por meio da assessoria de imprensa, a LFB garantiu que “não há possibilidade de uso irregular ou desvio de destinação do plasma enviado à França”.



As suspeitas de desvio de plasma para o mercado negro estão sendo investigadas pelo promotor de Justiça do Distrito Federal, Moacyr Rey Filho. As pistas foram dadas pelo médico Crescêncio Antunes da Silveira Neto, ex-secretário de Gestão Participativa do Ministério da Saúde e ex-conselheiro da Hemobrás, na gestão Temporão. Em depoimento, Antunes disse que “suspeita que os desvios ocorram em vários Estados e em número maior no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia”. Para sustentar sua tese, ele apresentou planilha com registros de descarte exagerado do Hemocentro de Brasília. Seja como for, só uma apuração aprofundada poderá determinar se todo esse desperdício de sangue é o sintoma mais evidente da existência de uma nova máfia no setor ou apenas resultado do descaso e da incompetência.

SAÚDE É A MAIOR PREOCUPAÇÃO DO PORTO-ALEGRENSE



ZERO HORA 02 de setembro de 2012 | N° 17180

IBOPE NA CAPITAL. Saúde é a área que mais preocupa

Pesquisa indica que porto-alegrenses também veem problemas na segurança pública, educação e pavimentação de ruas


Os candidatos à prefeitura de Porto Alegre já sabiam, mas, a julgar pela mais recente pesquisa Ibope, terão de dar ainda mais atenção à saúde pública. É esse o tema que mais angustia a metade do eleitorado da Capital: 50% dos entrevistados apontaram que os serviços oferecidos por postos e hospitais são o verdadeiro calcanhar de aquiles da cidade.

Depois da saúde, a preocupação mais significativa dos porto-alegrenses não diz respeito diretamente aos prefeitos: segurança pública, com 13% dos entrevistados. A educação aparece em terceiro lugar (11%), seguida pelo calçamento de ruas e avenidas (5%) e pelo transporte coletivo de Porto Alegre (4%).

Quando instados a citar os três maiores problemas da Capital, 79% dos entrevistados mencionaram a saúde, 51% a segurança pública e 49% a educação.

A pesquisa Ibope mensurou ainda a avaliação que o eleitorado da Capital faz das gestões do governador Tarso Genro e da presidente Dilma Rousseff. A popularidade da presidente é superior a de Tarso: 53% avaliam que a administração dela é ótima ou boa. No caso do governador, 39% dos entrevistados afirmaram ter impressão semelhante. A avaliação negativa é maior no caso de Tarso. Dos ouvidos pelo Ibope, 15% disseram que a administração do petista é ruim ou péssima. Quando perguntados sobre Dilma, 8% a avaliaram como ruim ou péssima.

Ficha técnica
Contratante: Grupo RBS
Amostra: 805 entrevistas
Período: 28 a 30 de agosto
Margem de erro: três pontos percentuais, para mais ou para menos
Registro no TRE: RS-00099/2012

Os números do levantamento. Em qual área a população de Porto Alegre está enfrentando os maiores problemas? (em %)
Saúde 50
Segurança pública 13
Educação 11
Calçamento de ruas e avenidas 5
Transporte coletivo 4
Trânsito 3
Limpeza pública 2
Geração de empregos 2
Habitação 2
Assistência social 1
Iluminação pública 1
Abastecimento de água 1
Meio ambiente 1
Impostos e taxas 1
Rede de esgoto 1
Administração pública 0
Atividades esportivas 0
Atividades culturais 0
Opções de lazer 0
Nenhuma destas 0
Não sabe/não respondeu 1
Como classifica a administração do governador Tarso Genro até o momento? (em %)
Ótima 5
Boa 34
Regular 41
Ruim 8
Péssima 7
Não sabe/não respondeu 4
Como classifica a administração da presidente Dilma Rousseff até o momento? (em %)
Ótima 9
Boa 44
Regular 35
Ruim 5
Péssima 3
Não sabe/não respondeu 3