sábado, 8 de setembro de 2012

O SÁBIO E A GRIPE

ZERO HORA 08 de setembro de 2012 | N° 17186. ARTIGOS

Adroaldo Furtado Fabrício*

Há uma coisa mais perigosa do que a ignorância. É a ignorância qualificada pela empáfia. O ignorante inocente pode fazer algum mal, principalmente a si próprio, mas o que nada sabe e pensa saber tudo é uma ameaça pública. Ele se considera pronto, completo, e não aceita sequer a hipótese de estar errado ou de precisar de luzes alheias para aperfeiçoar-se ou para melhor conduzir seus misteres.

Veja-se a entrevista dada a este jornal por certo secretário do Ministério da Saúde que considera melhor remediar do que prevenir, e não vê diferença entre um idoso do extremo sul do país e outro da Amazônia. Ele estarreceu a comunidade com sua arenga, na qual exibiu uma ignorância de todo incompatível com sua posição. O espanto não foi só da classe médica, mas de todos, porque não é preciso saber Medicina para perceber a inacreditável extensão das estultícias, menos ainda para notar o tamanho da arrogância.

Segundo o luminar, continuar-se-á racionando a vacina e prodigalizando o Tamiflu, por ser essa a conduta correta, no seu incontrastável entender. E não se vai tratar diversamente o Sul das temperaturas negativas e o Norte equatorial, já que diferença alguma cabe fazer entre os habitantes de uma e outra região. As questões geográficas, ambientais, sanitárias, culturais não têm a menor importância. “O homem e suas circunstâncias”? Seria demais esperar que ele tenha lido isso, até porque as pessoas que sabem tudo não precisam perder tempo com leituras.

Pelo menos nesse aspecto do desprezo pelas diferenças regionais, da pasteurização do povo brasileiro como geleia uniforme, talvez seja um tanto menor o grau de culpa do insensível e autossuficiente burocrata. Nisso, ele se afina a um movimento claro dos governos centrais recentes, cuja ânsia de uniformização nacional atropela as etnias, culturas, condições e tradições regionais e frequentemente afronta a Constituição Federal, na sua primeira e maior epígrafe: o Brasil é uma República Federativa.

Mas esse é outro assunto. Voltemos ao nosso inefável secretário. A cada pergunta do jornalista, munido de sólidas e variadas informações sobre o tema, a resposta vinha altaneira e inabalável: todas as decisões pertinentes já estão tomadas e nada vai alterá-las. As soluções estão prontas, suas premissas não vêm ao caso. Morreram cinquenta e tantas pessoas em certa área geográfica? Paciência; que morram outras tantas, ou mais, em 2013; não há de ser por isso que se modificará o roteiro.

O que o fato tem de terrivelmente assustador é perceber em que mãos se acham nossas políticas públicas, nossos destinos, nossas vidas.

*Jurista

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