sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

VERBA DESVIADA DA SAÚDE

ZERO HORA 28 de dezembro de 2012 | N° 17296

PREJUÍZO PÚBLICO. Onze servidores municipais de Miraguaí são suspeitos de lesar em R$ 500 mil os cofres da cidade

VANESSA KANNENBERG

Uma operação do Ministério Público (MP) realizada ontem em Miraguaí, no noroeste do Estado, prendeu 11 pessoas por envolvimento no esquema de desvio de recursos públicos. O MP estima que uma quadrilha formada por servidores municipais tenha desviado pelo menos R$ 500 mil com a compra de medicamentos para favorecer empresas de amigos e familiares.

O Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organização (Gaeco) cumpriu sete mandados de prisão e nove de busca e apreensão. A investigação teve início em maio e, em julho, foi deflagrada a primeira Operação Dose Dupla. Naquela etapa, o foco era fraude em concurso público, mas foram encontrados indícios que levaram à segunda operação.

Entre os 11 presos, estavam quatro funcionários públicos detidos em flagrante tentando queimar documentos públicos. Até então, eles não era suspeitos. Os outros sete servidores municipais foram presos preventivamente. Eles foram denunciados pelo MP por formação de quadrilha, peculato, adulteração de sistema de informações, fraude em procedimento licitatório e advocacia administrativa na compra de medicamentos pela prefeitura para atender os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). As prisões foram pedidas para evitar que testemunhas sejam coagidas.

Segundo o promotor Heitor Stolf Júnior, um dos coordenadores da Operação Dose Dupla II, os suspeitos teriam fraudado licitações com quantidade elevada de medicamentos que não eram entregues à população:

– Alguns medicamentos tinham estoque para 15 anos, sendo que alguns venciam no início de 2013 e outros até já estavam fora do prazo de validade.


Gasto com remédios cresceu mais de 700%

A título de comparação, o promotor Heitor Stolf Júnior explica que, em 2010, a prefeitura gastou R$ 70 mil com medicamentos para os moradores. Neste ano, uma licitação reservou R$ 500 mil para o mesmo fim, o que significa um aumento de mais de 700%. Para ele, o valor não corresponde ao que os 4,8 mil habitantes necessitam.

Segundo o MP, os remédios eram comprados para favorecer empresas e farmácias de amigos e familiares dos servidores e ficavam estocados no posto de saúde. Para escapar da fiscalização, eles fraudavam o sistema usando nomes e dados de moradores que não precisavam de medicação.

– Uma senhora nos procurou para dizer que no histórico dela constava que ela havia retirado seis medicamentos, sendo que ela nunca foi ao posto de saúde para isso – afirma o promotor.

Além disso, alguns desses remédios comprados com licitação fraudulenta eram repassados para pessoas que, legalmente, não teriam direito, porque não são carentes. Entre elas estavam servidores municipais e familiares.

Os nomes dos presos não foram divulgados, porque, segundo o Ministério Público, a investigação corre em sigilo. Os documentos apreendidos vão ser analisados com objetivo de fornecer provas sobre outros possíveis crimes, que podem levar a novas denúncias.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FRAUDE NA SAÚDE NUM PEQUENO MUNICÍPIO DO RS

Castelo em Crissiumal, RS
ZERO HORA 21 de dezembro de 2012 | N° 17290

CRISSIUMAL. Investigada suspeita de fraude na saúde

Operação prendeu 13 pessoas, entre elas o vice-prefeito e três secretários



A partir de suspeitas de fraudes na área da saúde, uma investigação da Polícia Civil encontrou indícios de que uma suposta organização criminosa atuaria em setores da prefeitura de Crissiumal, município de 14 mil habitantes no noroeste do Estado. O esquema envolveria direcionamento na contratação de empresas, declarações falsas de prestação de serviços e desvio de materiais de construção.

Ao desencadear a Operação Patriota, na manhã de ontem, a polícia cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e prendeu 13 pessoas, entre elas, o vice-prefeito Carlos Grun (PT) e três secretários municipais. Grun, candidato a prefeito derrotado em outubro, teve prisão preventiva decretada pela Justiça.

O atual prefeito, Sergio Drumm (PDT), que não está entre os investigados, desconhecia detalhes da apuração.

– Posso falar quando tiver conhecimento. Sabíamos de uma investigação eleitoral, mas não desse teor – disse Drumm.

Segundo a apuração, teriam sido desviados cerca de R$ 4 milhões desde 2011. Uma testemunha contou à polícia que verbas do Consórcio Intermunicipal de Saúde (Cisa) estavam sendo desviadas. O esquema permitiria que um laboratório recebesse pagamentos por exames não-realizados. Uma médica participaria da fraude assinando requisições falsas de exames, que depois seriam cobradas do município pelo laboratório.

Justiça decreta bloqueio de bens

Também foi apurado o suposto direcionamento da contratação de empresa para a realização de obras públicas.

Os investigados que tiveram prisão preventiva decretada foram levados ao presídio de Três Passos. Segundo o delegado de Crissiumal, William Garcez, os investigados que estavam com prisão temporária decretada seriam ouvidos e liberados. Foi decretada pela Justiça, a pedido da polícia, a indisponibilidade de bens dos suspeitos.


Contraponto

O que diz a prefeitura de Crissiumal - Informou que a procuradoria do município seria responsável por falar em nome dos integrantes do Executivo presos. Até o final da tarde de ontem, porém, a procuradoria dizia que não havia tido acesso ao inquérito e que, por isso, não poderia se manifestar.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CRISE COM OS HOSPITAIS

ZERO HORA 14 de dezembro de 2012 | N° 17283

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA

Um alerta feito pela direção do Instituto de Previdência do Estado (IPE) à Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de que os pagamentos previstos para os dias 19 e 26 deste mês poderão ficar para o início de janeiro causou pânico entre os dirigentes das instituições. O representante da federação no grupo que negocia com o IPE, Roberto Plentz, adverte que essas instituições, principalmente as de pequeno porte, não terão como pagar o 13º e o salário de dezembro se não receberem os cerca de R$ 100 milhões previstos para este mês.

A federação advertiu que, se o pagamento não for feito, os 245 hospitais filantrópicos poderão suspender o atendimento aos segurados.

O chefe de gabinete do IPE, César Bento, diz que o problema não é financeiro, mas orçamentário. O IPE tem dinheiro em caixa, no Fundo de Assistência Social, mas precisa restringir os pagamentos em dezembro porque estourou o orçamento e depende de suplementação.

O aviso aos hospitais chamou a atenção para um problema de desequilíbrio nas contas do IPE. O fundo, que já teve R$ 350 milhões de saldo, está com R$ 110 milhões. Isso significa que o instituto está gastando mais do que arrecada e terá de adotar medidas urgentes para não comprometer a saúde financeira que havia sido recuperada no governo de Germano Rigotto com a separação do IPE Saúde e do IPE Previdência.

O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, garante que são infundadas as suspeitas levantadas por dirigentes de hospitais de que o governo está usando o dinheiro do IPE para pagar outras contas, como o 13º salário dos servidores:

– Isso não é verdade. O IPE tem dinheiro em caixa. A Fazenda não mandou falar com os hospitais e não deu qualquer orientação. Estão fazendo terrorismo. Ainda estamos tentando viabilizar o pagamento.

O secretário reconhece que, na administração do caixa, o Estado eventualmente atrasa o repasse da contribuição patronal para o IPE Saúde, mas diz que essa é “uma questão interna”.

– Todos os meses fazemos repasses ao IPE. O problema é que a demanda por serviços aumentou e por isso eles estão operando com déficit orçamentário.


ALIÁS

Para reequilibrar as contas, o IPE vai adotar medidas que aumentem a receita e reduzam as despesas. Isso passa por uma revisão dos contratos com as prefeituras que têm convênio com o instituto.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

REMÉDIO AMARGO


FOLHA.COM 13/12/2012 - 03h30

Editorial


Não para de crescer a conta do que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a iniciativa de pacientes de acionar o poder público para obter tratamentos que não fazem parte do rol do SUS.

De janeiro a outubro deste ano, o governo federal gastou R$ 339,7 milhões em remédios, equipamentos e insumos para cumprir essas decisões judiciais. Esse valor daria para construir pelo menos dois hospitais de 80 leitos cada um e equivale a 7,5% de tudo que a cidade de São Paulo aplicou em saúde no ano de 2011 (R$ 4,5 bilhões).

Isso representa 28% mais do que o total despendido com as ações na Justiça em todo o ano de 2011. E essa é só a parte da União.

O montante aumentaria significativamente se fossem computados também os valores desembolsados por Estados e municípios. A situação é tão caótica que o valor total não é sequer conhecido.

Não se discute o direito de cidadãos recorrerem à Justiça sempre que acharem necessário. O problema é que o acúmulo de liminares --70% das decisões são desfavoráveis ao governo-- acaba retirando do administrador público a capacidade de definir prioridades e decidir a melhor alocação para um volume limitado de recursos.

O pecado original, aqui, nasce com o artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado. Em vez de interpretar a passagem --justificativa de todas as ações-- como mero princípio programático, magistrados lhe têm dado força de norma a cumprir, custe o que custar.

É uma visão míope. Orçamentos públicos são finitos, sabem todos, mas as possibilidades de gastar mais com a saúde não conhecem limites: sempre é possível importar uma droga experimental, ou testar uma nova terapia, a preços muitas vezes exorbitantes.

Vale observar que há uma importante assimetria na repartição de tais recursos. Com a judicialização da saúde, tendem a ser beneficiados pacientes que tipicamente necessitam de drogas caras e têm acesso a informação qualificada e a advogados particulares. Perdem, em contrapartida, os doentes pobres que dependem unicamente do SUS.

Por outro lado, não é aconselhável pender para o extremo oposto e confiar exclusivamente às autoridades sanitárias a tarefa de decidir quais tratamentos serão cobertos e quais ficarão de fora. Burocracias são, por natureza, lentas e preferem resolver seus problemas de caixa evitando novos custos.

É preciso criar formas rápidas, de preferência na esfera administrativa, e não na judicial, com controle externo da classe médica, para garantir que novas terapias sejam incorporadas ao SUS tão logo se revelem eficazes e economicamente razoáveis. Embora certa leitura da Constituição insinue o contrário, não existe tratamento grátis.

SEM PERÍCIA

ZERO HORA 13 de dezembro de 2012 | N° 17282

EDITORIAIS

É parcial a vitória obtida pelos que aguardam o desfecho das perícias do INSS, que agora receberão compulsoriamente o benefício se o instituto não se manifestar até 45 dias depois do requerimento. A determinação do Tribunal Regional Federal leva em conta o drama enfrentado por milhares de gaúchos que esperam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez por períodos que podem chegar a três meses. É compreensível que, ao julgar ação encaminhada pela Defensoria Pública, a Justiça tenha optado pela proteção aos segurados. A decisão não tem, no entanto, o poder de alterar uma estrutura deficiente, mas apenas de atenuar momentaneamente as falhas de um sistema de gestão comprovadamente superado.

A pressão exercida pelo Judiciário é parcial, mas pode ter o mérito de mudar a postura do INSS, que vem ignorando o quadro caótico das perícias no Rio Grande do Sul. As filas de espera foram denunciadas por este jornal, em sucessivas reportagens, a partir de julho. A demora em emitir laudos vem punindo os trabalhadores num momento crucial da vida de cada um deles, quando do afastamento das atividades profissionais por doença ou invalidez. Ao retardar a perícia, o instituto atrasa também, por consequência, o pagamento dos benefícios. Quem deveria receber tratamento diferenciado, pelas circunstâncias enfrentadas, acaba sendo humilhado e penalizado financeiramente.

Argumenta o INSS que a liminar pode estimular os desonestos a recorrer à Previdência, já que, mesmo não comprovada a necessidade, ao final da perícia, o segurado não será obrigado a devolver o que recebeu. É bem possível. Porém, o dano social dos atrasos supera em muito, como decidiu o Tribunal, o risco de fraudes. O que o instituto deve fazer, para que não reaja apenas quando submetido às ordens da Justiça, é reconhecer as deficiências, em respeito a quem sustenta um serviço essencial e merece tratamento digno.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

SUS TEM DESPESA RECORDE COM AÇÕES JUDICIAIS

FOLHA.COM, 12/12/2012

JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

A conta da chamada judicialização da saúde alcançou novo recorde: R$ 339,7 milhões gastos pelo governo federal de janeiro a outubro.

O valor engloba as compras diretas de remédios, equipamentos e insumos pelo Ministério da Saúde, e o repasse a Estados, a municípios e a pacientes para o cumprimento de decisões judiciais.

O balanço preliminar de 2012 supera em quase 28% o que foi gasto em todo o ano de 2011 --que, por sua vez, registrou um aumento de 90% em relação ao gasto de 2010.

Entre 2007 e 2011, o crescimento dessas despesas da União chega a 1.237% --esses cálculos não incluem as ações contra Estados e municípios.

Como comparação, os R$ 339,7 milhões são 2,6 vezes o investimento anual do ministério na incorporação, no SUS, do medicamento trastuzumabe -- utilizado contra o câncer de mama.

A escalada dessas ações --12.811 novas em 2011, com 70% de decisões desfavoráveis à União-- está registrada num relatório da consultoria jurídica do ministério obtido pela Folha.

A pasta pretende lançar em 2013 uma plataforma que permita reunir dados das ações contra a União, os Estados e os municípios, um valor hoje desconhecido pelo governo.

O consultor jurídico da pasta, Jean Uema, fala em possível arrefecimento da curva da judicialização.


Editoria de arte/Folhapress



"O valor não deve dobrar, pode ser um indicativo de que nossas ações têm dado resultado." Segundo Uema, são duas as frentes de atuação da pasta: incorporar ao SUS novos medicamentos e dar a juízes informações sobre os remédios demandados e tratamentos similares disponíveis.

MAIS EXIGÊNCIAS

Para Tiago Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia (que apoia pessoas com câncer), decisões recentes indicam que a Justiça está mais exigente antes de determinar a entrega de um remédio.

"Hoje os juízes pedem não só um relatório, mas toda uma justificativa sobre a escolha desse remédio e não outro da lista do SUS. Na grande maioria das vezes, o paciente não tem como pedir ao médico um relatório com essa precisão, principalmente no SUS."

Para o advogado especializado em saúde Julius Conforti, é preciso olhar para a origem do problema, que passaria pela lentidão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em registrar produtos. "Trata-se a judicialização como um fenômeno surgido a partir do nada e sempre com um ar bastante pejorativo, como se fosse uma maldição", diz.

Matos concorda: "A judicialização é uma forma de a sociedade cobrar. Se as pessoas entram com ação e ganham é porque têm direito, não dá para ignorar. O governo têm que olhar os dados e buscar uma forma de garantir esse acesso que não seja por meio de ação judicial."



Análise: É preciso aprimorar a assistência à saúde, mas judicializar o debate é questionável

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

A escalada de ações judiciais para a obtenção de medicamentos representa hoje um dos grandes dilemas para as três instâncias de governo.

A Constituição prevê que saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Usando esse argumento e o fato de que as terapias disponíveis no SUS são, em geral, insuficientes e desatualizadas, pacientes recorrem à Justiça.

Os juízes, por sua vez, entendem que a "saúde prevalece sobre o orçamento" e, na maioria das vezes, obrigam a oferta da droga via liminares.

Já os gestores de saúde insistem que a destinação dos recursos escassos da saúde é questão técnica, na qual o Judiciário não deve interferir.

A questão é que não é possível o Estado oferecer tudo para todos. As novas drogas, especialmente as oncológicas, são impagáveis até em países desenvolvidos.

Não é à toa que Inglaterra, Alemanha e Itália adotaram sistemas experimentais baseados na resposta de alguns remédios contra o câncer. Só pagam se eles funcionarem.

Economistas da saúde defendem que a decisão sobre quais remédios e tratamentos oferecer deveria ser técnica e fundamentada nas melhores evidências científicas, mas reconhecendo a limitação de recursos existentes.

Todos concordam com a necessidade de a assistência farmacêutica do SUS ser aprimorada, para o bem do paciente, mas judicializar esse debate é bastante questionável.

Alguns estudos já apontam para o risco de a judicialização aumentar as desigualdades sociais na saúde.

Artigo publicado na revista da Harvard School of Public Health (EUA) diz, por exemplo, que as ações judiciais para a obtenção de remédios no Brasil estão concentradas nas áreas ricas,
focam excessivamente tratamentos de alto custo e via de regra não favorecem as pessoas com as piores condições socioeconômicas.

Para o autor do artigo, Octávio Luiz Motta Ferraz, professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido), a solução exige o reconhecimento de que a escassez de recursos implica uma questão de ordem eminentemente ética: como distribuir de forma justa os recursos da saúde?

Ele defende que a questão seja enfrentada pela sociedade como um todo, incluindo juízes e técnicos da saúde, num debate aberto e democrático.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

DECISÕES QUE AFETAM A VIDA

ZERO HORA 11 de dezembro de 2012 | N° 17280. ARTIGOS

 Luiz Carlos Corrêa da Silva*



Nos dias de hoje, graças ao desenvolvimento da tecnologia e do método científico, sabe-se de muitas coisas que há poucas décadas eram inimagináveis. Evoluímos muito com o rádio, a televisão, o telefone celular, a internet e seus múltiplos desdobramentos. A comunicação tornou-se ampla, veloz e obrigatória. O que acontece em qualquer canto da Terra logo se divulga em cadeia mundial. E quem fica à margem dessas ferramentas pode correr muitos riscos, um dos quais é deixar de se beneficiar com os avanços oferecidos para melhorar a saúde e a vida.

Este enorme desenvolvimento está atrelado a empresas ou corporações que o produzem ou adquirem o direito do seu uso, usufruindo fartos lucros pela posse da sua marca ou da sua distribuição. O capital sempre está presente e faz parte do circuito.

Mas nem tudo o que rende grandes lucros é bom e saudável para o ser humano. Diz o bom senso que tudo o que é prejudicial deveria ser banido ou, pelo menos, controlado ao máximo. Mas, quando um setor que aufere grandes lucros percebe ameaças para seus ganhos, ele busca de todas as maneiras manter o seu negócio, custe o que custar. Mesmo que signifique prejuízo letal para a sociedade, esta posição mercantilista pode permanecer imutável e, por vezes, até tornar-se ameaçadora para a soberania das nações.

O que estamos assistindo no setor do tabaco e do álcool demonstra claramente que a ambição, quando não tem limites, pode ser muito danosa ao conjunto social. Há um ano, em 14 de dezembro de 2011, a presidenta Dilma sancionou a lei federal de número 12.546, cujo texto contém diversos itens da máxima importância para o controle do tabaco (o produto) e do tabagismo (a doença). No entanto, um ano depois, ainda não houve sua regulamentação, isto é, a sequência de processos operacionais que garantem sua aplicabilidade.

Quem ganha com esse retardamento? Certamente, não é o já sacrificado povo brasileiro que aprova a lei na sua maioria. Quem “ganha” com isso é a doença e suas consequências terríveis que a maioria das famílias conhece muito bem. Quem não tem ou teve entre os seus alguém com problemas pulmonares, cardíacos ou câncer? Quem ganha com isso é uma indústria que já demonstrou historicamente não ter escrúpulos e usar de variadas e travestidas estratégias para chegar a seus objetivos: lucro a qualquer custo! Numa sociedade moderna, esclarecida e justa, como explicar a posição da defesa de um produto que só causa danos e letalidade?

Chegou o momento de todos se unirem em torno das mesmas ideias, dos mesmos objetivos, e deflagrar-se uma bandeira única pela saúde e por uma vida melhor. Liderados pelo Ministério da Saúde, todos os setores de governo envolvidos com o controle do tabaco e do tabagismo precisam mostrar aos brasileiros que são capazes de promover uma grande ação em prol da saúde, através da regulamentação da Lei 12.546, antes do final de 2012. Assim, poderemos iniciar um 2013 com mais dignidade.

Os danos causados, silenciosamente, pelo tabagismo são incomparavelmente maiores que os gerados pela gripe A e demais doenças infecciosas, e pelas causas externas, particularmente acidentes de trânsito e violência em geral.


*COMISSÃO DE TABAGISMO DA SBPT – SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A FILA DA DESCONSIDERAÇÃO

ZERO HORA 05 de dezembro de 2012 | N° 17274

EDITORIAIS


O aglomerado formado por uma multidão de pacientes nos primeiros dias de marcação de consultas para 2013 no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na zona portuária do Rio de Janeiro, atesta de forma inquestionável o descaso de sucessivas administrações com a saúde pública no país. Centenas de pessoas, muitas das quais com dificuldade de locomoção, esperaram longas horas na fila da desconsideração, sem conseguir sequer a senha para consulta ou cirurgia. A demanda, que de alguma forma se multiplica por todo o país, nessa e em outras especialidades, é um indicativo de que o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais precisam revisar suas estratégias com urgência.

O que vem ocorrendo agora no Rio chama a atenção pelas dimensões e pela tensão registrada entre pacientes, muitos dos quais às voltas há mais de dois anos com as dores e sequelas de problemas em sua maior parte localizados no joelho, quadril e coluna. O episódio provoca revolta também porque nem mesmo o fato de a instituição ter passado a operar em novas instalações – inauguradas com atraso de dois anos e sob a suspeita de terem recebido valores pagos com sobrepreço – contribui para melhorar o atendimento.

No caso do Into, as metas de atendimento simplesmente não são alcançadas porque faltam médicos especialistas. E, diante dos tumultos registrados pelos segurados, a instituição decidiu que as consultas passarão a ser marcadas apenas por telefone – cujo número, obviamente, ninguém consegue acessar.

A imposição de um atendimento degradante a segurados precisa ser analisada com atenção por parte de gestores de saúde em todo o país para evitar que esse tipo de situação continue se repetindo. Esse é um desafio particularmente para os novos prefeitos, que não podem aguardar a posse em janeiro para, só então, começar a pensar no que fazer para reduzir o sofrimento dos enfermos.