quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

SUS TEM DESPESA RECORDE COM AÇÕES JUDICIAIS

FOLHA.COM, 12/12/2012

JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

A conta da chamada judicialização da saúde alcançou novo recorde: R$ 339,7 milhões gastos pelo governo federal de janeiro a outubro.

O valor engloba as compras diretas de remédios, equipamentos e insumos pelo Ministério da Saúde, e o repasse a Estados, a municípios e a pacientes para o cumprimento de decisões judiciais.

O balanço preliminar de 2012 supera em quase 28% o que foi gasto em todo o ano de 2011 --que, por sua vez, registrou um aumento de 90% em relação ao gasto de 2010.

Entre 2007 e 2011, o crescimento dessas despesas da União chega a 1.237% --esses cálculos não incluem as ações contra Estados e municípios.

Como comparação, os R$ 339,7 milhões são 2,6 vezes o investimento anual do ministério na incorporação, no SUS, do medicamento trastuzumabe -- utilizado contra o câncer de mama.

A escalada dessas ações --12.811 novas em 2011, com 70% de decisões desfavoráveis à União-- está registrada num relatório da consultoria jurídica do ministério obtido pela Folha.

A pasta pretende lançar em 2013 uma plataforma que permita reunir dados das ações contra a União, os Estados e os municípios, um valor hoje desconhecido pelo governo.

O consultor jurídico da pasta, Jean Uema, fala em possível arrefecimento da curva da judicialização.


Editoria de arte/Folhapress



"O valor não deve dobrar, pode ser um indicativo de que nossas ações têm dado resultado." Segundo Uema, são duas as frentes de atuação da pasta: incorporar ao SUS novos medicamentos e dar a juízes informações sobre os remédios demandados e tratamentos similares disponíveis.

MAIS EXIGÊNCIAS

Para Tiago Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia (que apoia pessoas com câncer), decisões recentes indicam que a Justiça está mais exigente antes de determinar a entrega de um remédio.

"Hoje os juízes pedem não só um relatório, mas toda uma justificativa sobre a escolha desse remédio e não outro da lista do SUS. Na grande maioria das vezes, o paciente não tem como pedir ao médico um relatório com essa precisão, principalmente no SUS."

Para o advogado especializado em saúde Julius Conforti, é preciso olhar para a origem do problema, que passaria pela lentidão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em registrar produtos. "Trata-se a judicialização como um fenômeno surgido a partir do nada e sempre com um ar bastante pejorativo, como se fosse uma maldição", diz.

Matos concorda: "A judicialização é uma forma de a sociedade cobrar. Se as pessoas entram com ação e ganham é porque têm direito, não dá para ignorar. O governo têm que olhar os dados e buscar uma forma de garantir esse acesso que não seja por meio de ação judicial."



Análise: É preciso aprimorar a assistência à saúde, mas judicializar o debate é questionável

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

A escalada de ações judiciais para a obtenção de medicamentos representa hoje um dos grandes dilemas para as três instâncias de governo.

A Constituição prevê que saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Usando esse argumento e o fato de que as terapias disponíveis no SUS são, em geral, insuficientes e desatualizadas, pacientes recorrem à Justiça.

Os juízes, por sua vez, entendem que a "saúde prevalece sobre o orçamento" e, na maioria das vezes, obrigam a oferta da droga via liminares.

Já os gestores de saúde insistem que a destinação dos recursos escassos da saúde é questão técnica, na qual o Judiciário não deve interferir.

A questão é que não é possível o Estado oferecer tudo para todos. As novas drogas, especialmente as oncológicas, são impagáveis até em países desenvolvidos.

Não é à toa que Inglaterra, Alemanha e Itália adotaram sistemas experimentais baseados na resposta de alguns remédios contra o câncer. Só pagam se eles funcionarem.

Economistas da saúde defendem que a decisão sobre quais remédios e tratamentos oferecer deveria ser técnica e fundamentada nas melhores evidências científicas, mas reconhecendo a limitação de recursos existentes.

Todos concordam com a necessidade de a assistência farmacêutica do SUS ser aprimorada, para o bem do paciente, mas judicializar esse debate é bastante questionável.

Alguns estudos já apontam para o risco de a judicialização aumentar as desigualdades sociais na saúde.

Artigo publicado na revista da Harvard School of Public Health (EUA) diz, por exemplo, que as ações judiciais para a obtenção de remédios no Brasil estão concentradas nas áreas ricas,
focam excessivamente tratamentos de alto custo e via de regra não favorecem as pessoas com as piores condições socioeconômicas.

Para o autor do artigo, Octávio Luiz Motta Ferraz, professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido), a solução exige o reconhecimento de que a escassez de recursos implica uma questão de ordem eminentemente ética: como distribuir de forma justa os recursos da saúde?

Ele defende que a questão seja enfrentada pela sociedade como um todo, incluindo juízes e técnicos da saúde, num debate aberto e democrático.

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