sábado, 25 de maio de 2013

LEITE ADULTERADO: UM VEREADOR ENTRE OS SUSPEITOS

ZERO HORA - 25 de maio de 2013 | N° 17443

Político de Horizontina preso como um dos supostos envolvidos na fraude criou associação que pagava mais aos produtores

CARLOS WAGNER | HORIZONTINA

O orgulho dos moradores de Horizontina por serem conterrâneos da top model Gisele Bündchen foi contrastado, nesta semana, pelo constrangimento de ter um de seus líderes políticos, o vereador Larri Lauri Jappe (PDT), 54 anos, envolvido no escândalo do leite adulterado no Estado. Jappe foi preso na operação Leite Compen$ado como suspeito de adicionar água e ureia com formol ao produto.

Homem de personalidade forte e político populista, Jappe ganhou fama por ser o mentor de projetos que aumentaram a renda dos agricultores, como a suinocultura e o leite. Nascido em Palmitos, oeste catarinense, chegou a Horizontina pela primeira vez no final da década de 1980 para trabalhar em um banco, mas não ficou por muito tempo.

No início dos anos 1990, voltou para Palmitos, onde foi eleito duas vezes vereador pelo extinto PDS (atual PP), mas se afastou antes de completar o último mandato. Foi então que voltou para Horizontina.

– O pai pediu para sair, em 1995, porque ganhou uma pequena herança aqui. E viemos administrar nossos bens – diz Michelle Cris Jappe, uma das filhas do vereador.

A herança foi um prédio de madeira em Cascata do Buricá, distrito de Horizontina, em uma esquina que virou uma movimentada bodega.

Em 2007, como secretário da Agricultura do município, Jappe gastou R$ 12,8 mil no conserto de um Fusca 1983 e R$ 8,4 mil em um Gol – os dois veículos estava sucateados e seriam leiloados pela prefeitura. O episódio ficou conhecido como Caso do Fusca e virou um inquérito no Ministério Público Estadual (MPE). Em março de 2012, a 2ª Promotoria de Justiça arquivou o caso por não ter encontrado má-fé na despesa. O Gol continua na ativa. O Fusca foi desativado no início deste ano.

Do episódio ficou a fama: Jappe passou a ser conhecido como Vereador do Fusca. A popularidade acrescentou 40% aos votos, calcula um de seus amigos. Tanto que está no seu quarto mandato. Todos afirmam, inclusive adversários, que é dono de rara inteligência, além de ser um orador de “mão cheia”. Embora tenha concluído apenas o Ensino Médio, Jappe é descrito como alguém capaz de falar sobre vários assuntos.

Promotor afirma que as provas do caso são sólidas

Esse é um dos lados do vereador. Há outro, descrito pelos fiscais do Ministério da Agricultura e do MPE. Ele teria usado seu poder econômico e político para convencer agricultores a lhe emprestar o bloco do produtor (a nota fiscal) para justificar a diferença entre a quantidade de leite recolhido e a entregue. Os promotores o descrevem como uma espécie de barão do leite adulterado. O advogado de Jappe, Kácio Leandro Gelain, contesta o envolvimento do cliente.

Entre os moradores da cidade, o suposto envolvimento do vereador na adulteração de leite é descrito como “barbaridade”. A discussão mais quente é entre os colegas de Câmara. Foi aberta até uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). Henrique José da Silva, da direção do PDT na cidade, definiu assim a situação:

– Ninguém terá ganho político com o episódio. Creio que todos os 18 mil moradores da cidade perdem.

Mas há quem avalie que Jappe se sairá bem da situação. Mauro Rockenbach, promotor responsável pelo caso, acredita num final diferente:

– As provas contra ele são sólidas.




O bodegão que receberia R$ 1,1 milhão

Em pouco mais de dois anos, o vereador Larri Lauri Jappe (PDT) montou um sistema entre os produtores de leite do distrito Cascata do Buricá, de Horizontina, apontado como exemplo de negócio bem-sucedido nas cidades da região. Até mesmo pelos inimigos políticos.

Dono de um bodegão – como são conhecidas as casas comerciais no interior –, Jappe fornecia todos os insumos para os criadores de gado leiteiro e usava sua frota de seis caminhões para transportar o leite. O produto era pago a preços acima do mercado. A relação com os colonos era por meio da Associação Agrícola e Pecuária dos Pequenos Produtores, que funciona em uma sala no mesmo prédio do bodegão. O vereador é secretário da entidade, que hoje soma mais de 300 membros.

Os associados vendem para Jappe em torno de 700 mil litros de leite por mês. No ano passado, o vereador foi o mentor da ideia de que a associação deveria instalar um posto de resfriamento de leite. A unidade permitiria que produção leiteira subisse para 1,5 milhão de litros mensais.

A proposta ganhou apoio político até dos adversários do parlamentar, recorda Nildo Hickmann, atual prefeito de Horizontina pelo PT. No final de 2012, Jappe conseguiu que o Ministério da Agricultura se dispusesse a financiar R$ 700 mil para construção do posto de resfriamento. O restante, em torno de R$ 400 mil, ficaria por conta da prefeitura.

Embora simpático à ideia do posto de resfriamento, o prefeito relutava em fazer o investimento. Hickmann alegava que não estava bem explicado o modelo econômico montado pelo vereador. Jappe rebatia que o lucro extra vinha do fato de que, por ter um grande volume de leite para vender, seria possível obter melhores preços das indústrias, e isso possibilitava pagar melhor o produtor.

Em março, não era mais o vereador quem pressionava a prefeitura, mas os colonos da associação. O surgimento do nome de Jappe na operação Leite Compen$ado esfriou os ânimos. Agora, todos esperam que a investigação revele a fórmula por meio da qual Jappe conseguiu pagar preços acima do mercado para os produtores.

– Não temos interesse de nos pronunciarmos sobre o assunto neste momento – informou Michelle Cris Jappe, filha do vereador e responsável pelo escritório da associação.


Ação agressiva em busca de produto barato

ERIK FARINA

Apontada pelo fraudador confesso Antenor Pedro Signor, preso na operação Leite Compen$ado, como incentivadora de adulteração de leite no Rio Grande do Sul, a Confepar, uma união de cooperativas paranaenses, teria desembarcado no Estado em busca de produto barato e abundante. A estratégia comercial agressiva para atrair produtores gaúchos, oferecendo mais dinheiro por litro, chegou a causar reação de indústrias locais.

Os primeiros passos da Confepar no Estado ocorreram há dois anos, mas se aceleraram em outubro de 2012, período de entressafra no país. A Confepar alugou um posto de resfriamento da Marasca, em Selbach, e passou a pagar mais aos produtores de leite. Conforme o Ministério Público Estadual (MPE), o objetivo seria comprar o máximo de leite para tornar o frete até Londrina (PR) mais rentável.

– O leite no Rio Grande do Sul é mais barato do que no Paraná. A Confepar estaria oferecendo um pouco a mais ao produtor, e os caminhões eram completados com água e ureia com formol. O negócio era ganhar em volume, uma concorrência desleal à indústria gaúcha – diz Mauro Rockenbach, promotor responsável pela investigação.

Empresário do ramo de transporte que confessou ter participado do esquema, Antenor disse em depoimento ao MPE que era orientado por um funcionário da Confepar a adulterar o produto. Essa informação foi reiterada por Odirlei Fogalli, motorista de Antenor, em depoimento prestado ontem.

A caça dos paranaenses aos fornecedores gaúchos começou a causar desconforto. Em reuniões setoriais, fabricantes de leite do Estado passaram a reclamar que a Confepar estava tomando seus fornecedores ao pagar um preço com o qual não podiam competir. A estranheza aumentava porque não é comum empresas de outros Estados buscarem leite cru no Rio Grande do Sul, exceto fabricantes de Santa Catarina, para onde a diferença de valor com frete é menor.

– A concorrência é livre, isso pode ocorrer. Desde a entressafra do ano passado, muitas indústrias passaram a reclamar da perda de fornecedores para essa empresa (Confepar) – explica Darlan Palharini, secretário-executivo do Sindicato da Indústria do Leite no Estado (Sindilat-RS).

Conforme as investigações do MPE, a Confepar estaria ampliando ainda mais sua atuação no Estado. A empresa já teria locado entrepostos nos municípios de São Valentim e Eugênio de Castro, no noroeste do Estado. Conforme a Confepar, “as acusações são infundadas e, a nosso ver, trata-se de uma estratégia da quadrilha responsável pela adulteração do leite no Rio Grande do Sul”.


Terceira fase em preparação

Em duas semanas, deverá ser desencadeada a terceira fase da operação, disse Mauro Rockenbach, promotor responsável pela investigação. Transportadores presos na quarta-feira serão denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPE) na próxima semana. Ontem, após acertarem o benefício da delação premiada com o MPE, três foram soltos. O transportador Antenor Signor e o motorista Odirlei Fogalli detalharam o esquema em depoimento. O MPE também solicitou a libertação de Adelar Signor, irmão de Antenor. Oito pessoas continuam presas. No total, 13 já tiveram denúncia aceita pela Justiça.








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