sexta-feira, 10 de maio de 2013

INDÚSTRIAS NEGLIGENTES

ZERO HORA 10 de maio de 2013 | N° 17428

LEITE ADULTERADO. MP: as indústrias foram negligentes



Mesmo dizendo-se vítimas da fraude do leite, as indústrias estão na mira do Ministério Público Estadual (MP) e devem ser responsabilizadas nos inquéritos civis abertos para apurar o caso. As conclusões preliminares indicam que, no mínimo, houve negligência no controle de qualidade da matéria-prima. Após ser recolhido nas propriedades, o leite era adulterado por transportadores com a adição de água e ureia e entregue em laticínios gaúchos. Ontem, o alvo do nono mandado de prisão apresentou-se à polícia. Depois de duas pessoas serem liberadas na quarta-feira, ainda há sete detidos pela Operação Leite Compen$ado.

– As normativas do Ministério da Agricultura determinam que as indústrias têm de fazer todos os testes para a evitar fraude no leite cru – ressalta o promotor Alcindo Bastos, da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Consumidor da Capital, à frente de três dos quatro procedimentos instaurados para investigar responsabilidade civis no caso.

Os deveres das empresas na garantia da sanidade do leite estão claros na nota técnica do ministério sobre o episódio. Citando as regras que regem o setor, o documento lembra que, além de zelar pela qualidade na seleção da matéria-prima, as empresas têm de ser capazes de detectar fraudes. Ainda ano passado, quando foram verificadas substâncias proibidas em postos de refrigeração de leite, os responsáveis foram autuados. Quem não fez as correções foi interditado.

O MP deve pedir às indústrias indenizações equivalentes ao volume de leite fraudado que chegou ao varejo, adianta Bastos. O dinheiro seria destinado o Fundo Estadual de Defesa do Consumidor. Outra iniciativa será propor termos de ajustamento de conduta (TACs) para aperfeiçoar o controle.

O escândalo também fez o Ministério da Agricultura agir. Toda a rede de laboratórios de qualidade do leite fará testes para detectar ureia. Uma dessas estruturas, na Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, é coordenada pela veterinária Maria Edi Rocha Ribeiro. Ela diz estar estarrecida com a adulteração de um dos alimentos mais populares no mundo e admite que o consumidor está exposto à ingestão de produtos fraudados.

Demora torna teste ineficaz

Duas vezes por mês, os laticínios enviam amostras coletadas nos produtores para laboratórios credenciados para análises. Como a coleta em regra ocorre a cada 15 dias e os laudos demoram outros cinco, a detecção de uma adulteração poderia demorar quase três semanas – tempo em que lotes adulterados se espalhariam pelo mercado. Nas indústrias, novos testes são realizados, mas nenhum foi capaz de detectar a fraude.

– Acho que estamos expostos, e não só no leite, mas nos alimentos em geral – resigna-se Maria Edi.

Presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado (Sindilat), Wilson Zanatta contesta o MP.

– Em momento nenhum a indústria foi negligente. Foi mantido sigilo (durante a investigação) para que os fraudadores pudessem ser pegos – diz Zanatta, também presidente do conselho de administração da LBR, empresa que teve lote da marca Líder retirado do mercado por adulteração.

Ao longo do dia de ontem, formaram-se filas de consumidores nos supermercados para trocar leite das marcas citadas pelo MP. Em alguns casos, houve negativa em substituir ou ressarcir produtos. Conforme o Procon, há a obrigação da troca dos produtos de lotes com problemas mediante apresentação da nota fiscal.

CAIO CIGANA


Empresa está proibida de produzir leite e derivados

Ao ignorar determinação de autoridades sanitárias para estancar a produção de leite e suscitar dúvidas em torno da eficiência de seu controle sobre o produto trazido por transportadores, a VRS Indústria de Laticínios teve suas operações suspensas nesta semana pela Secretaria da Agricultura. Dona da marca Latvida, que continha formol em sua composição, a empresa está proibida de envasar outras três marcas de leite terceirizadas: Hollmann, Goolac e Só Milk.

Esses rótulos só poderão voltar ao mercado se fabricados por outra empresa, ou caso a VRS volte a ter autorização para produzir. A Secretaria da Agricultura informa que não foram encontrados indícios de adulteração nessas três marcas. No entanto, ordenou que os supermercados deixem de vender as variedades. A proibição não afeta derivados das marcas Hollmann, Goolac e Só Milk, incluindo queijos e iogurtes, cuja venda está liberada, pois esses derivados são produzidos em outras empresas (que não a VRS) e a matéria-prima não é transportada pelas companhias investigadas.

Com uma produção de 180 mil litros de leite no município de Estrela e fornecendo para mais de 40 redes de supermercados, a VRS havia sido advertida no dia 1º de abril pela Coordenadoria de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Secretaria da Agricultura (Cispoa) a suspender a produção das variedades de longa vida. Teste feito em março mostrara irregularidade na composição do produto Latvida.

Semanas depois, no entanto, o MP verificou que o fornecimento e a produção continuavam. Agentes da Cispoa visitaram a fábrica e comprovaram que as operações prosseguiam, além de detectarem problemas na estrutura da fábrica.

– Determinamos a suspensão de todas as atividades da VRS, inclusive de derivados de leite – explica Ângela Antunes de Souza, da Coordenadoria de Inspeção.

Procurada pela reportagem, a VRS explicou que continuou fabricando leite após 1º de abril para submetê-lo a novos testes, e o produto não teria sido repassado ao comércio. O assessor jurídico, Rafael Godinho, informa que o leite trazido por fornecedores era submetido aos testes previstos em lei, e diz estranhar a presença de formol na amostra coletada pela Cispoa em março, já que uma contraprova não teria detectado a substância.

ERIK FARINA


“A indústria é responsável pela qualidade”

Zero Hora – De que adianta transferir a responsabilidade do transporte do leite para a indústria, que não conseguiu detectar a fraude?

Luiz Fernando Mainardi – A indústria é a responsável pela qualidade do leite. Os órgãos de fiscalização, Estado e União, verificam se o que está sendo feito de análise está correto. É o que está na legislação. A forma de resolver o problema do transportador é tirar ele de circulação. Ele não tem de ficar comprando e vendendo leite. Não acresce nada, não qualifica o processo. Só surgiu porque temos uma produção menor de leite no Rio Grande do Sul do que a nossa capacidade instalada. Essa fraude surgiu do poder do atravessador de comprar leite dos pequenos. Se a indústria se responsabilizar por buscar o leite, vamos eliminar a possibilidade de fraude.

ZH – Por que não apressar a regulamentação da nova norma de qualidade do leite (IN 62)?

Mainardi – Eu não sei as razões todas, é uma questão mais técnica. Não sei se é uma solução. Eu acho que não, mas podemos verificar se tem alguma relação com esse tema.









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