domingo, 19 de maio de 2013

MÉDICOS DO INTERIOR


ZERO HORA 19 de maio de 2013 | N° 17437


Pequenas cidades, grandes salários

Municípios do RS fazem uma verdadeira ginástica legal para garantir médicos em suas regiões, pagando até mais do que recebem os prefeitos


Uma espécie de leilão por médicos é o resultado da árdua tarefa de contratar profissionais para atender à população do Interior. Ganham os municípios que oferecerem a remuneração superior à dos vizinhos. A dificuldade em garantir profissionais ficou ainda mais exposta depois que o governo federal anunciou a intenção de trazer médicos estrangeiros para atuar na atenção básica e no Programa Saúde da Família.

Hoje, os médicos das cidades pequenas recebem quase o triplo do que os de grandes centros. E até o dobro do que os próprios prefeitos, o que exige uma verdadeira ginástica legal na hora da contratação – a Constituição Federal determina a remuneração dos prefeitos como o teto para pagamento dos servidores municipais.

Em Joia, município de 8,3 mil habitantes, a dificuldade em manter os altos salários afastou três dos quatro médicos, há cerca de um mês. Em janeiro, cada um deles recebeu R$ 27 mil. A remuneração é 170% superior ao salário dos clínicos-gerais contratados por Passo Fundo, com 184,8 mil moradores, para 40 horas.

– Tentamos negociar para diminuir os salários, mas eles optaram por outras cidades – relata a secretária de Saúde, Cleonice Mara Poletto da Silva.

Se mantivesse os três profissionais, a prefeitura desembolsaria em um único mês 27% do orçamento do município. Mesmo assim, o salário da única médica que continua na cidade é 26% superior aos R$ 11 mil pagos ao prefeito. A clínica-geral Andrea Sione Ferreira Serafini, 47 anos, adotou Joia há 24 anos.

Em abril, ela recebeu 65% acima do salário líquido da presidente Dilma Rousseff, que é de R$ 19,8 mil. Como é a única médica da cidade, viu a folha de pagamento saltar dos R$ 13,9 mil para R$ 32,8 mil, por conta de 21 plantões. O prefeito José Roberto Zucolotto Moura ainda oferece R$ 18 mil para médicos interessados em atuar na cidade. O contrato é realizado por credenciamento de empresas pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Cisa).

Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Fernando Weber Matos não interpreta as remunerações do Interior como supersalários. Ele argumenta que os profissionais têm dedicação exclusiva. Segundo ele, nos grandes centros, as remunerações adicionais de plantões e consultas particulares garantem renda melhor. Auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Paulo Luiz Squeff Conceição admite que é comum ter pequenas cidades escolhendo entre deixar a população sem atendimento médico ou passar por cima da legislação. Ele explica que muitos prefeitos ganham em torno de R$ 5 mil e fica quase impossível contratar médicos por essa remuneração.

O assessor técnico da área da Saúde da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Leonildo José Mariani, reforça que o teto municipal dificulta a contratação por concurso:

– É por essa razão que vemos tantos concursos sem candidatos no Interior.

Por isso, os prefeitos têm de apelar para outras formas de contratação, como a terceirização. Na modalidade, os médicos não são servidores municipais, mas da empresa. O TCE, no entanto, só admite a medida para atendimentos de média e alta complexidades, e não de saúde básica. Com a terceirização, os prefeitos assumem o risco de terem irregularidade apontada pelo TCE.

l O RS é o 4º Estado com mais médicos do país. São 2,37 para cada mil habitantes, 18,5% acima da média nacional.

l A média gaúcha é 137% superior à sugerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

l No RS, são 25.541 médicos registrados, 12.335 deles em Porto Alegre (48%).

l A média da Capital, de 8,73 médicos para cada mil habitantes, é 268% maior do que a média estadual.

l Porto Alegre é a segunda capital com mais médicos por habitantes, atrás de Vitória (ES).

l A média de médicos que atendem pelo SUS no RS – 1,40 para cada mil habitantes – é 26% superior à nacional.

l Na comparação das capitais, Porto Alegre é líder nacional na média de médicos que atendem pela rede pública – 2,94 médicos para cada mil habitantes.

FERNANDA DA COSTA E FERNANDO GOETTEMS


Remuneração motivou mudança para Centenário


Elaine Fernandes Soares, 49 anos, desistiu de um contrato de 20 horas em Áurea, no Norte, por conta do salário. Ela optou por trocar a vaga como concursada por um contrato terceirizado em Centenário.

– Não é fácil arrumar um profissional para vir trabalhar aqui, pois nem acesso asfáltico temos. Ou você paga bem ou não tem ninguém para atender aos moradores – desabafa Wilson Carlos Lukaszewski, prefeito do município de 2,9 mil habitantes.

Por isso, ele decidiu valorizar Elaine. A médica atuava como concursada por 20 horas e recebeu um contrato adicional de mais 30 horas, feito por meio de uma empresa terceirizada.

– Eu não quero fazer a coisa errada. Também não posso deixar o povo sem uma alternativa – acrescenta o prefeito.

Conforme a secretária de Saúde de Centenário, Simone Pereira Serafini, a contratação adicional foi a única forma para ampliar o horário de atendimento do posto de saúde, que passou a funcionar das 8h às 19h, sem fechar ao meio-dia. Antes, atendia até as 17h.

– Amo clínica geral e, no Interior, recebi a valorização que esperava. Se eu trabalhasse em um grande centro, não ganharia o que recebo aqui – avalia Elaine, que conhece pelo nome a maioria dos pacientes.

Aos R$ 12 mil que ela recebe pelo trabalho terceirizado, juntam-se R$ 6 mil pelo contrato como concursada. O total é o dobro do que o prefeito recebe.




ENTREVISTA 

PAULO LUIZ SQUEFF, Auditor do TCE - “Um drama permanente dos prefeitos”


Auditor do TCE, Paulo Luiz Squeff Conceição explica que o tribunal conhece a dificuldade de contratação de médicos no Interior. Confira trechos da entrevista:

Zero Hora – Como o TCE trata o teto do servidor municipal e a dificuldade na contratação de médicos no Interior?

Paulo Luiz Squeff Conceição – Esse problema do teto salarial para os médicos tem sido um drama permanente dos prefeitos. Há limitadores salariais que são invencíveis. Quando eles têm médicos, os profissionais estão ameaçando ir embora. A quantidade de prefeitos que nos procuram aqui, num tom de desespero, é muito grande. O tribunal tem sido sensível, porque se trata da área médica e as pessoas não podem ficar sem atendimento.

ZH – A terceirização é a alternativa?

Conceição – Seria uma solução, mas enfrenta problemas, como a resistência de órgãos de controle. O Tribunal de Contas evoluiu no entendimento sobre o assunto e admite terceirizações para atendimentos de média e alta complexidade, feitas de acordo com a Lei de Licitações e a Constituição Federal. Mas isso não resolve o problema dos pequenos municípios, que precisam de médicos para saúde básica.




ELETROCARDIOGRAMA DO CIFRÃO - Compare as remunerações médias de médicos no Interior com o que é pago para cargos públicos

R$ 18 MIL Salário oferecido para médico em Joia
R$ 11 MIL Salário do prefeito de Joia

R$ 18 MIL Salário oferecido para médico em Centenário 
R$ 9,4 MIL Salário do prefeito de Centenário

R$ 19,8 MIL Salário líquido da presidente Dilma
R$ 13,8 MIL Salário médio dos médicos em Caxias


MÉDIA GAÚCHA ACIMA DA NACIONAL

Dados sobre a distribuição dos profissionais no Rio Grande do Sul – e a comparação com o país

- O RS é o 4º Estado com mais médicos do país. São 2,37 para cada mil habitantes, 18,5% acima da média nacional.
- A  média gaúcha é 137% superior à sugerida pela OMS
- No RS, são 25.541 médicos registrados, 12.335 em Porto Alegre (48%)
- A média  da Capital, de 8,73 médicos por mil habitantes, é 268% maior que a média nacional
- Porto Alegre é a segunda capital com mais médicos por habitantes, atrás de Vitória (ES)
- A média de médicos que atendem pelo SUS no RS - 1,40 para cada mil habitantes é 26% superior à nacional
- Na comparação das capitais, Porto Alegre é líder nacional na média de médicos que atendem  pela rede pública - 2,94 médicos por cada mil habitantes.

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