domingo, 8 de setembro de 2013

OS OUTROS CUBANOS

ZERO HORA 08 de setembro de 2013 | N° 17547

ARTIGOS

 Marcos Rolim*



A polêmica sobre o programa Mais Médicos, do governo federal, envolve temas complexos e exige conhecimentos específicos em gestão pública de saúde. O tom em que o debate está sendo proposto é, no todo, improdutivo e só irá alimentar posições sectárias, sem compromisso com o interesse público. A situa-ção seria melhor se alguns veículos influentes da mídia brasileira fizessem sua obrigação: informar.

Em sua edição nº 1.620, de 20 de outubro de 1999, a revista Veja publicou uma matéria cujo título era: “Doutores Cubanos: doentes do interior são atendidos por médicos cubanos por falta de brasileiros”. Os leitores foram então informados de que o hospital de Arraias, um pequeno município no interior de Tocantins, permaneceu fechado por quatro anos. O motivo, diz a revista, era “bizarro”: em que pese os bons salários oferecidos, nenhum médico queria “se aventurar por aquele fim de mundo”. Então, o hospital foi aberto e o “milagre”, diz a matéria, veio de Cuba. O município de Arraias conseguiu importar cinco médicos cubanos. O caso não era isolado e, segundo a revista, havia “muitos municípios que nem aparecem no mapa”, onde serviços de saúde só passaram a funcionar “após o desembarque das tropas vestidas de branco de Cuba”. A matéria informa que, naquele ano, 166 médicos cubanos trabalhavam em regiões muito pobres em Roraima, Pernambuco e Acre e termina com a seguinte observação: “Os cubanos são bem-vindos, mas existe um problema. A contratação destes médicos é irregular perante as leis do Brasil. Eles precisam da revalidação do diploma numa universidade brasileira para atuar no país. Com base nessa desculpa burocrática, o Conselho Federal de Medicina denunciou as contratações ao Ministério Público pedindo o cancelamento dos convênios. ‘Não somos xenófobos, mas não há motivos para trazer médicos de fora e tirar o emprego dos profissionais daqui’, diz Edson de Oliveira Andrade, presidente da entidade. O doutor Andrade e seu douto conselho deveriam explicar então por que faltavam médicos nas cidades miseráveis que agora estão sendo atendidas pelos cubanos”.

Recentemente, matéria da revista Veja sobre o programa Mais Médicos do governo federal, assinada por Nathalia Wat, trouxe o seguinte título: “Por que a importação de médicos cubanos vai inundar o Brasil com espiões comunistas”. O texto inacreditável e que parece ter saído da caderneta de um membro do Comando de Caça aos Comunistas da década de 60, afirma que de cada cinco médicos cubanos exportados, um é espião do regime. “Deixar o Partido dos Trabalhadores comandar a política externa dá nisso”, conclui a revista (?). A ausência de médicos brasileiros em pequenas cidades deixou de ser um problema para a revista e os médicos cubanos não são mais bem-vindos, mas uma ameaça.

Na época em que a vinda de médicos cubanos era saudada como um “milagre” por Veja, o ministro da Saúde chamava-se José Serra e o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, ambos do PSDB. Naquela época, os cubanos eram outros, claro.*JORNALISTA

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