domingo, 5 de outubro de 2014

ROBÔS CIRÚRGICOS E MÉDICOS SEM PACIENTES



ZERO HORA 05 de outubro de 2014 | N° 17943


NELSON MATTOS*

Na última semana, tive a oportunidade de falar sobre as transformações causadas pela revolução digital na área de saúde em uma conferência de Medicina em Gramado. Como saúde é uma área de interesse de todos, achei oportuno compartilhar alguns dos pontos da minha palestra na coluna deste mês.

Possibilitada pela popularização dos computadores, mas realmente criada pelo desenvolvimento da internet, a adoção de tecnologias baseadas na web, inteligência artificial, robótica e várias outras áreas da computação, a revolução digital está transformando a medicina.

A digitalização de registros médicos progrediu muito nos últimos anos devido ao acesso remoto e ao processamento na nuvem que a internet permite. Vários hospitais no mundo praticamente já não usam mais papel, pois quase tudo é digitalizado imediatamente: dados pessoais dos pacientes, seu histórico médico, resumo de todas as consultas e os pareceres médicos, resultado de exames, e assim por diante. Com essa digitalização e a coleta e transmissão de dados remotamente, a internet está sendo usada para telemedicina, ou seja, a prestação de serviços médicos a distância através de videoconferência. Ela é amplamente utilizada não só para prestar serviços médicos às áreas remotas da África, sem médicos, mas também para pacientes no mundo desenvolvido. Um número crescente de hospitais rurais nos Estados Unidos está usando a telemedicina para prestar cuidados especializados. Vários Estados americanos já aprovaram legislação que obriga as empresas de seguro de saúde a prestar serviços de telemedicina.

A digitalização de dados médicos e a comunicação entre aparelhos eletrônicos estão sendo combinadas com robótica para a criação de máquinas para melhorar vários procedimentos cirúrgicos. Os resultados são impressionantes, superando o dos médicos que operam sem tais aparelhos. Hoje em dia, minúsculos braços robóticos conseguem operar a parte interna do coração sem a necessidade de abrir o peito do paciente, pois são introduzidos por uma pequena incisão entre as costelas.

Membros artificiais, isto é, braços e pernas biônicas, já estão sendo implantados no corpo humano com um desempenho melhor do que as partes do corpo que estão substituindo. Para ter uma ideia de quão sofisticados esses membros artificiais podem ser, veja a palestra do senhor Hugh Herr do MIT Media Lab no YouTube. Busque por “Hugh Herr Zeitgeist” e clique no link da palestra “The World We Dream – Hugh Herr Zeitgeist Americas 2012”. Mesmo que você não consiga entender o inglês, a palestra vale a pena para se verem as pernas biônicas.

E, apesar do impacto incrível que a revolução digital já está tendo na área de medicina, eu acredito que estamos recém no comecinho de tais transformações. Nos próximos anos, vamos ver avanços extraordinários implementados cada vez mais rápido, uma vez que agora também empresas de tecnologia estão focando na área de saúde e investindo no uso de tecnologias da revolução digital para melhorar a medicina e a saúde. Google anunciou no ano passado um novo empreendimento na área de saúde – Calico, que é uma tentativa de prolongar a vida das pessoas desacelerando o envelhecimento e as doenças relacionadas ao envelhecimento. Também recentemente, Google anunciou a Smart Contact Lens: uma lente de contato com um chip que lê o nível de glicose na lágrima. Esse chip faz uma leitura por segundo e, através de uma antena embutida, transmite os dados da leitura para um smartphone, médico, ou outro computador para ser analisada. No futuro, sensores como esse serão colocados dentro do corpo humano para coletar constantemente todos os dados vitais, como pressão, temperatura, glicose… Ao longo do tempo, esses dados permitirão uma análise muito mais detalhada da saúde do corpo humano.

O implante médico de tais sensores já é comum para uso a curto prazo. Por exemplo, quando alguém tem um ataque epilético, pode ter eletrodos colocados na superfície do cérebro para detectar a origem do ataque. O sistema é atualmente utilizado apenas por poucos dias, mas, no futuro, posso imaginar um monitoramento a longo prazo. Um chip desenvolvido no início deste ano monitora os níveis de proteína e ácidos no sangue. É perfeito para situações de emergência quando o acompanhamento constante de tais níveis são de extrema importância. O próximo passo será permitir que esses dispositivos administrem doses de remédio para corrigir os problemas. Já posso imaginar a combinação de sensores dentro da corrente sanguínea, do coração e do cérebro alertando problemas de saúde, como ataques cardíacos, antes que eles aconteçam e administrando doses certas de remédios para evitar tais problemas. Um outro exemplo é o que está sendo desenvolvido em Cambridge: um sistema de pâncreas artificial que irá ligar um medidor de glicose implantado sob a pele a uma bomba de insulina, criando um sistema autônomo que monitora e corrige o nível de açúcar no sangue. Tudo sem nenhuma intervenção humana. O teste em pessoas começará ainda neste ano.

O que ainda evita o implante de tais sensores em grande escala é o fato de eles terem uma vida útil muito curta e por isso terem que ser substituídos em pouco tempo. Claro que isso não é desejável, mas é um bom começo. E eu tenho certeza de que logo vamos descobrir materiais que durarão muito mais tempo dentro do corpo humano. E, uma vez que isso aconteça, milhões de novos aplicativos para telefones celulares serão desenvolvidos para executar muitas das tarefas que os médicos e enfermeiras fazem hoje em dia. Assim, muitos médicos não vão mais lidar com os pacientes diretamente, mas passarão o tempo todo trabalhando com equipes de informatas desenvolvendo tais aplicativos. E nós, não médicos, vamos usar os aplicativos sem precisar de orientação médica. Para ilustrar isso, veja no YouTube o vídeo da Scanadu – uma empresa norte-americana que está desenvolvendo o que eles chamam de médico móvel. Busque por “scanadu” e clique no link com o título “Scanadu Trailer”. Quando isso acontecer, seremos muito mais autossuficientes!


*DOUTOR EM CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO, GAÚCHO, RESIDENTE NO SILICON VALLEY, CALIFÓRNIA

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