quarta-feira, 13 de março de 2013

A UTI QUE QUEREMOS

ZERO HORA 13 de março de 2013 | N° 17370 ARTIGOS


Cristiano Franke*


O surgimento das primeiras unidades de cuidados intensivos ocorreu no início dos anos 50 devido a um grande número de doentes acometidos por uma epidemia de poliomielite grave, com necessidade de respiração artificial. Os milhares de doentes salvos resultaram no constante aprimoramento destas unidades e concentração nestes locais de profissionais especializados no atendimento de doentes graves.

Com o crescimento da expectativa de vida da população, a alta prevalência de chamadas doenças da civilização (diabetes, obesidade, doenças cerebrovasculares, entre outras) e a epidêmica violência urbana em alguns locais têm ocasionado uma lacuna crescente entre a procura por unidades de tratamento intensivo e a capacidade de oferta deste tratamento especializado. As UTIs consomem quantidades crescentes de recursos financeiros e humanos mundialmente.

A oferta de leitos de cuidados intensivos no nosso país e no RS (13 e 17 por 100 mil habitantes respectivamente – dados do censo 2010 da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) é maior que a de muitos países desenvolvidos (11,5 na Europa), embora com substanciais diferenças regionais, como a grande concentração na região metropolitana do nosso Estado. A disponibilidade de UTIs e de profissionais de alta qualificação (no sistema de saúde público, privado e complementar) marcou a terapia intensiva gaúcha nacionalmente e mundialmente.

As diferentes demandas têm resultado em algumas situações como o trabalho em UTI por profissionais não especializados, sem entendimento adequado, o tratamento de doentes graves fora de unidades especializadas, ou o trabalho de muitos profissionais capacitados em jornadas extraordinárias e extenuantes, ambas ocasionando um tratamento não ideal. A incidência da conhecida síndrome de burnout (associada ao trabalho excessivo e estressante, levando a desinteresse, despersonalização e desumanização) é extremamente elevada entre os profissionais de UTI, com consequências negativas para os trabalhadores, os doentes e seus familiares. Muitas vezes, o tratamento e atenção dada a um familiar de um doente em estado crítico é referido como frio e comercial.

A necessidade de uma gestão adequada dos recursos é extremamente importante para, tecnicamente, poder disponibilizar o cuidado adequado ao maior número de doentes. A sociedade científica, representando os especialistas que trabalham na UTI, está organizada para participar deste debate, que já acontece em todo o mundo. É imprescindível a participação, nesta discussão, de todos os segmentos representativos da sociedade, com a devida transparência, para a construção da UTI que todos queremos.

*MÉDICO INTENSIVISTA, PRESIDENTE DA SOCIEDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO RIO GRANDE DO SUL (SOTIRGS)

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