Saúde pública. Fátima Borges e Fábio do Nascimento: quem são e o que os aproxima? - Noêmia Maestrini, O Globo 17/09/2010 às 17h59m; Artigo da leitora
Mesmo não conhecendo um ao outro, Abadia Fátima Borges, mineira, quarenta e poucos anos, viúva, mãe de três filhos, e Fábio de Souza do Nascimento, 14 anos, falecido no último dia 9 de agosto de parada respiratória, têm seus destinos ligados pela falta de cumprimento das leis. Apesar de terem o direito constitucional à saúde, sofrem impedimentos dolorosos e inenarráveis, sustentadas historicamente pela lerdeza no cumprimento das ordens judiciais.
Mas quem são eles? O que liga suas histórias? Fátima e Fábio nunca se conheceram. Fábio, que morava no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, lutava contra um câncer desde 1 ano e 7 meses, tendo passado por inúmeras sessões de quimioterapia até os 10 anos, quando realizou o segundo transplante de medula. Logo depois, começou a tossir e a ter dificuldades para respirar. Teve diagnóstico de enxerto contra-hospedeiro, e foi-lhe prescrito um balão de oxigênio em casa. Sem recursos financeiros, precisou obter da Justiça o direito de receber esse balão, mas nenhum dos órgãos municipais, estaduais ou federais quis cumprir a ordem, empurrando um para o outro tal medida (que custaria ao paciente R$ 520,00 por mês). Fábio faleceu no último dia 9 de agosto por falta de um balão de oxigênio . Dá para acreditar?
Fátima Borges, viúva há seis anos, mora em São Gonçalo. Ela é minha faxineira há mais de 15 anos e trabalha também para outras três das minhas amigas e para minha filha. Aprendemos a gostar muito dela, principalmente pela luta que trava pela subsistência dos três filhos, sendo que somente de uns dois anos para cá a filha conseguiu começar a trabalhar para ajudá-la. Enquanto vivo, o marido, cardíaco, passou mais tempo de sua vida hospitalizado do que trabalhando. O menor estuda, e o outro, de nome Henrique, é autista, esquizofrênico, tem 26 anos, não fala, e tem idade mental de 1 ano e meio.
No Brasil, primeiro é preciso sofrer, processar, entrar contra alguém ou algum órgão na Justiça para que os direitos sejam cumpridos. Henrique precisa de recursos não só para se alimentar ou se vestir, mas principalmente para remédios. Pior que isso: a Lei da Reforma Psiquiátrica , que acabou com os manicômios e hospitais prisionais, não ofereceu assistência efetiva para as famílias sofredoras.
Henrique já envolveu seus irmãos e sua mãe em seus inúmeros e perigosos surtos; os últimos com agressão física e destruição de móveis, obrigando a família a dormir na área de serviço do apartamento em que moram. Na casa de Fátima, todos ficaram sem assistência ambulatorial, sem corpo de bombeiros, sem o carro da polícia ou do pronto socorro para levar Henrique ao atendimento.
Mais uma vez se vê que tanto Fátima como Fábio não foram atendidos pela saúde pública, num jogo de empurra-empurra que deixa as famílias desassistidas. Os surtos são repetitivos, e internar Henrique para deixar a família salvaguardada é um esforço ingente e sem resposta de nenhum dos órgãos assistenciais, prevendo-se que a qualquer momento a doença de Henrique poderá transformar-se em tragédia familiar, vindo a lume nas páginas dos jornais, como aconteceu com a história de Fábio do Nascimento.
Como podemos nos orgulhar do governo quando presenciamos fatos como a morte de Fábio do Nascimento, 14 anos, por falta de um balão de oxigênio, e Fátima Borges precisa dormir com seus filhos na área de serviço de casa, porque nenhuma instituição pode receber e tratar de Henrique? Vamos sediar os Jogos Olímpicos? Antes, a Copa do Mundo? E quando vamos ter olhos e ouvidos para nossos problemas intestinos, antes de enfeitarmos a pílula para o turista ver o Brasil que não somos?
Urgem respostas; saber onde internar Henrique para que Fátima possa continuar trabalhando pelo sustento familiar; uma solução para as muitas faxineiras que precisam sair de casa e deixar seus filhos isolados em casa por falta de resposta e local para acolhê-los condignamente; e para os inúmeros Henriques, que clamam por seus direitos, quando o município, o estado e a federação deveriam olhar por eles, porém os ignoram.
No Brasil, a saúde pública é tratada com descaso, negligência e impostos altos em remédios e tudo o que faz bem à saúde. Médicos e agentes da saúde são poucos e mal pagos; As pessoas sofrem e morrem em filas, corredores de ambulatórios e postos de saúde; As perícias são demoradas e burocracia exagerada; Há falta de leitos, UTI, equipamentos, tecnologia, hospitais e postos de saúde apropriados para a demanda; A impunidade da corrupção desvia recursos e incentiva as fraudes.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
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