sábado, 15 de março de 2014

SAÚDE FRAUDADA DE NOVO E RESISTENTE A PUNIÇÕES



ZERO HORA 15 de março de 2014 | N° 17733

CAIO CIGANA E FERNANDA DA COSTA


REPORTAGEM ESPECIAL. Fraude resistente a punições


Na quarta etapa da Operação Leite Compen$ado, um empresário foi preso suspeito de adicionar formol ao leite e 15 caminhões foram apreendidos ontem. Cerca de 300 mil litros do produto com problemas teriam sido enviados para São Paulo e Paraná. Depois de 10 meses da ofensiva, já são 20 prisões, com penas somadas de 60 anos. No entanto, a fraude continua, admite o promotor Mauro Rockenbach

A descoberta de mais um grupo que usava produtos químicos para adulterar leite no Estado leva a uma conclusão perturbadora: mesmo após série de detenções nas três operações anteriores do Ministério Público Estadual (MPE), a condenação de seis envolvidos a penas de até 18 anos e seis meses de prisão, fraudadores seguem agindo.

– A fraude prossegue. É desanimador, é preocupante, mas eu não posso enganar o consumidor. Temos outros casos sendo investigados – admite o promotor Mauro Rockenbach, à frente da Operação Leite Compen$ado desde 2013.

Ontem, foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos seguintes municípios: Condor, Bossoroca, Vitória das Missões, Tupanciretã, Panambi, Santo Augusto, Capão do Cipó e Ijuí. Odir Pedro Zamadei, dono da Laticínio O Rei do Sul, em Condor, foi preso preventivamente, acusado de receber leite adulterado, armazenar o produto e distribuí-lo.

– Sou inocente. Eu nunca adulterei leite – afirmou.

Na operação, 600 quilos de soda cáustica foram apreendidos na empresa. Zamadei, que já responde por um caso de adulteração de leite, segundo o MPE, disse que usava o produto para limpar os caminhões. Também foram apreendidos 15 caminhões e documentos em duas cooperativas, quatro empresas e duas residências.

Além disso, cerca de 300 mil litros com problemas teriam sido remetidos para São Paulo e Paraná pela empresa LBR. O recolhimento do produto ainda está em curso, segundo o Ministério da Agricultura.

Para Rockenbach, a persistência da fraude é resultado de uma série de fatores. Primeiro, a ganância de quem coloca o lucro criminoso acima do risco de ser pego e ignora o efeito pedagógico das prisões anteriores. Depois, a falta de legislação mais rigorosa sobre os elos da cadeia, principalmente o transportador, figura recorrente nas adulterações. Por último, fiscalização insuficiente para o tamanho do desafio.

Por corte de recursos no ministério para combustível e diárias, só metade das denúncias de irregularidades são averiguadas, revela João Becker, delegado sindical da Associação Nacional dos Fiscais Agropecuários no Estado. Questionado, o ministério respondeu apenas que “a destinação de recursos para a fiscalização é uma prioridade da pasta” e que todos os Estados receberam integralmente os recursos solicitados.

Fiscalização limitada

Para o secretário estadual da Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, a melhor fórmula para evitar a fraude é banir a figura do transportador que compra o leite do produtor e revende à indústria. Mas o programa de coleta a granel que elimina a figura do atravessador ainda não foi implementado e é pouco abrangente – limitado a unidades sob inspeção estadual.

Depois de o leite com formol ter sido entregue à unidade da LBR em Tapejara, no norte do Estado, a empresa remeteu o produto para ser industrializado em Guaratinguetá (SP) e Lobato (PR). O leite adulterado enviado para São Paulo, 100 mil litros, foi embalado com a marca Parmalat. No Paraná, foram cerca de 200 mil litros, com a marca Líder. A empresa não informou ao MP a numeração dos lotes distribuídos ao comércio.

– Esse leite chegou à indústria, mas estranhamente o formol não foi constatado no laboratório da empresa – relata Rockenbach.

Inicialmente, a indústria se recusou a fazer o recall do produto. Após ação judicial, aceitou.


DISPUTAS E CARÊNCIAS. Pendências que afetam a qualidade do leite

- O Instituto Gaúcho do Leite, que deveria ser responsável por planejar o setor no Estado, nasceu sob polêmica. Farsul e Sindilat, que reúne as grandes empresas, não querem participar.

- A criação de novo tributo para custear o Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite encareceria e retiraria competitividade do leite gaúcho.

- Há falta de legislação específica para normatizar o trabalho dos transportadores, que costumam comprar o produto dos criadores e revender para a indústria. A prática abre brecha para artifícios para aumentar o volume entregue ou mascarar produto deteriorado.

- Das 55 indústrias fiscalizadas pelo Estado no programa de coleta a granel, apenas 22 apresentaram seus planos, que recém estão sendo analisados.

- Faltam recursos para fiscalização. Dinheiro usado para diárias e combustíveis de fiscais vem sendo contingenciado pelo governo federal.

- São apenas seis técnicos atuando na fiscalização de laticínios sob inspeção federal.



Na unidade de resfriamento em Condor foi encontrada soda cáustica em um galpão, o que gerou suspeita ainda não comprovada de uso do produto no leite


Dono de posto de resfriamento, Zamadei foi detido e levado a uma prisão em Ijuí


LBR reincide em falha


A LBR – Lácteos Brasil tornou-se reincidente com a descoberta de que cerca de 300 mil litros de leite das marcas Parmalat e Líder foram contaminados com formol. Em maio do ano passado, no início da Operação Leite Compen$ado, já fora envolvida em fraudes com lotes da Líder e Bom Gosto.

Apresentando-se como a maior empresa privada do país no ramo de laticínios, a LBR produz mais seis marcas de leite – nenhuma delas sob suspeita –, além de queijos, manteigas e derivados. A companhia está em recuperação judicial desde fevereiro de 2013, com dívidas de R$ 1,1 bilhão junto a 2,7 mil fornecedores. No ano passado, quase foi vendida ao grupo francês Lactalis. Para tentar se equilibrar, está se desfazendo de indústrias pouco rentáveis – já teve unidades em 11 Estados.

Sem detectar “anormalidade”

Na tarde de ontem, a LBR lançou nota sobre o caso. Garantiu que realizou baterias de testes no leite, sem detectar “nenhuma anormalidade”. Julgando que estava apropriado, enviou o alimento in natura da fábrica gaúcha de Tapejara para as unidades de Lobato (Paraná) e Guaratinguetá (São Paulo). Também informou que recolheu os lotes apontados como impróprios pelo Ministério da Agricultura, por cautela, mesmo acreditando não haver “anormalidades”.

A LBR foi criada em 2010, fruto da união das empresas LeitBom (controlada pela Monticiano Participações, que tem como acionista a dona da Parmalat no Brasil) e a gaúcha Bom Gosto, do empresário Wilson Zanatta, de Tapejara. O novo grupo conseguiu que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aportasse R$ 700 milhões na fusão.

Zanatta é o atual presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (Sindilat). Ele não se manifestou sobre a reincidência da LBR em adulteração de leite, mas o Sindilat divulgou nota lamentando a ocorrência de novo episódio e pedindo que seja esclarecido.

Já o presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), Ernesto Krug, destacou que chegou o momento de separar o “joio do trigo”, extirpar do mercado os fraudadores que prejudicam o trabalho de empresas sérias e tradicionais.

– Que se tire uma lição. É lastimável que ações isoladas afetem a cadeia produtiva – criticou Krug.

NILSON MARIANO

QUASE UM ANO DE FLAGRANTES - A operação já te quatro etapas contra adulteração de leite

PRIMEIRA FASE

- Quando: 8 de maio de 2013
- Onde: Ibirubá, Ronda Alta, Boa Vista do Buricá, Horizontina e Guaporé
- Fraude: adição de água e ureia com formol

SEGUNDA FASE
- Quando: 22 de maio de 2013
- Onde: Rondinha, Boa Vista do Buricá e Horizontina
- Fraude: adição de água e ureia com formol

TERCEIRA FASE
- Quando: 7 de novembro de 2013
- Onde: Três de Maio
- Fraude: adição de água oxigenada

QUARTA FASE
- Quando: 14 de março de 2014
- Onde: Condor, Bossoroca, Vitória das Missões, Tupanciretã, Panambi, Santo Augusto, Capão do Cipó, Ijuí e Entre-Ijuís
- Fraude: adição de água e ureia com formol e suspeita de soda cáustica


Mais imagens da quarta fase da Operação Leite Compensado


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A lei deveria ser ainda mais rigorosa contra este tipo de crime, pois é um atentado contra a saúde da população, um terrorismo que atinge principalmente as crianças. Caberia uma longa pena e trabalhos forçados, sem direito a progressão de regime e redução da penalidade. Mas como vivemos num país onde as penas não passam de 30 anos e o bandido, após cumprir  apenas um 1/6 dela, já tem direito a condicional e outros benefícios e auxílios pecuniários.

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