segunda-feira, 9 de junho de 2014

A OMISSÃO QUE MATA E DESTRÓI UMA FAMÍLIA

TV GLOBO, FANTÁSTICO Edição do dia 08/06/2014


Imagens mostram mulher pedindo ajuda para salvar fotógrafo em hospital. Luiz Cláudio infartou há cerca de 100 metros do Instituto Nacional de Cardiologia, um hospital referência em cirurgias cardíacas e transplantes.





Um homem passa mal dentro de um ônibus, no Rio, e morre na porta de um hospital, sem atendimento. O Fantástico reconstitui os últimos momentos do fotógrafo Luiz Cláudio Marigo e investiga a omissão inacreditável da qual ele foi vítima.

“É isso, é paciência, é dedicar tempo, procurar o bicho”, disse o fotografo Luiz Cláudio em uma gravação de 2011.

“Sentimento de vazio, de perda, de coisa irreparável, de tristeza”, desabafa Cecília Marigo, viúva de Luiz Cláudio.

“Essas câmeras não são nada se não fossem com ele segurando. O importante não é o equipamento, o importante é o fotógrafo que está olhando através das lentes”, afirma Vítor Marigo, filho de Luiz Cláudio.

As declarações revelam a dor de uma família que perdeu a referência.

“E era uma paixão, a gente completamente conectado com essas expedições dele”, conta Gustavo Marigo, filho de Luiz Cláudio.

Em mais de 40 anos de profissão, o fotógrafo Luiz Cláudio Marigo desvendou a natureza brasileira. São dezenas de livros publicados.

Com um olhar privilegiado fez registros premiados no mundo. Entre as fotos raras, a ararinha azul. O ofício do profissional sensível, obstinado, está nos versos de Carlos Drummond de Andrade, num poema escrito especialmente para ele.

O coração do fotógrafo, de 63 anos, parou de bater na última segunda-feira dentro do ônibus em que voltava para casa, depois de fazer uma caminhada no Aterro do Flamengo, no Rio.

Luiz Cláudio enfartou há cerca de 100 metros do Instituto Nacional de Cardiologia, um hospital público, referência em cirurgias cardíacas e transplantes. Diante da situação, isso parecia ser um ponto a favor. O motorista estacionou o ônibus em frente ao instituto, e saiu em busca de socorro. Mas não conseguiu. Uma investigação da polícia mostrou que enquanto pessoas tentavam ressuscitar o fotógrafo do lado de fora, 13 médicos estavam na escala de trabalho do hospital naquela segunda-feira.

Amarildo Gomes, motorista: Eu entrei dentro do hospital. Em frente a banca de jornal, mas não tive sucesso.
Fantástico: O que eles falaram pro senhor?
Motorista: Ligar pro 192.

Em seguida, outros passageiros também pediram ajuda ao hospital e da mesma forma foram orientados a ligar para o 192, pedindo uma ambulância do Samu.

Bruno estava sentado no banco de trás, bem perto do fotógrafo.

“No hospital falaram que não havia emergência, que ali não havia emergência no local, e não era a primeira vez que acontecia aquilo ali. Voltei para o ônibus indignado, e daí eu comecei a gravar o vídeo”, conta Bruno Gonçalves Py, analista de processamento.

“O rapaz acabou de ter um infarto no ônibus, em frente ao Hospital do Coração, e o pessoal diz que não pode fazer nada”, diz Bruno no vídeo.

O Instituto Nacional de Cardiologia tem três entradas. O hospital entregou a polícia a gravação de uma câmera, instalada na recepção.

Imagens que o Fantástico conseguiu com exclusividade mostram o momento em que uma mulher de blusa branca, passageira do ônibus, entra com pressa, e pede ajuda a um dos seguranças. Ele olha na direção da rua e balança a cabeça negativamente. Ela olha para os lados, usa o telefone e sai. A conversa dura 30 segundos.

“As imagens deixam claro que existiam servidores do hospital ali na frente do atendimento, juntamente com a atendente, juntamente com o vigilante, são pessoas que estavam de jaleco, de crachá”, disse o delegado Roberto Nunes.

Em seguida, chegou a ambulância do Samu. As testemunhas dizem que, ao todo, Luiz Cláudio ficou quase uma hora na porta do hospital até ser declarado morto.

“Para uma pessoa que era saudável, não fumava nem bebia, fazia exercício, fazia ioga, meditação, comia bem, sendo atendido que fosse dois, três minutos depois, eu imagino que tivesse grandes chances de ter uma sobrevida, de ter saído dessa”, destaca Vítor Marigo.

Em entrevista ao Bom Dia Rio, na quarta-feira, a diretora médica do Instituto Nacional de Cardiologia, Cynthia Magalhães, disse que a equipe médica não foi informada que um homem estava enfartando em frente ao hospital.

Cynthia Magalhães, diretora-médica do Instituto Nacional de Cardiologia: Uma senhora se reportou ao segurança da portaria, dizendo que tinha uma pessoa passando mal na rua, nem sequer citou a existência do ônibus parado. Eu acho que houve uma má informação da gravidade do que estava acontecendo dentro do ônibus. Na nossa avaliação não, não houve omissão de socorro e não houve erro.

Reinaldo dos Santos, cobrador: Juntou muita gente. Não é possível que alguém tenha se comunicado com eles, com os médicos que estavam lá em cima.

A polícia está ouvindo as testemunhas. Para o delegado a punição não pode ser apenas por omissão de socorro.

“E as ordens do hospital têm que ser bem claras no sentido de que no balcão de atendimento tem que ter alguém que possa fazer uma triagem mínima ali, com qualificação. Se não fizerem, eles podem responder pelo resultado que advier pra vítima. Se for morte, vai responder por homicídio’, disse o delegado.

A família do fotógrafo acha que a triagem feita por seguranças dos hospitais deve ser mudada.

“Elas são orientadas para agir assim, para barrar, no caso as pessoas que barraram. Mas eu acho que o que tem que ser mudado é o sistema. Isso é urgente mudar”, ressalta Cecília Marigo.

Luiz Cláudio Marigo também era conhecido por combater as injustiças e as desigualdades, e foi assim que ele se mostrou em um documentário de 2011: “É tanta notícia ruim, tanta miséria, que a gente perde a sensibilidade, a pele vai ficando dura, a gente vai ficando sensível como um rinoceronte. Eu sou fotógrafo, eu fotografo. E eu mostro. Eu quero que as pessoas vejam o que existe e o que a gente está perdendo. E eu acho que isso vai mexer com as pessoas”.

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