quinta-feira, 26 de junho de 2014

INSEGURANÇA NA MATERNIDADE

ZERO HORA 26 de junho de 2014 | N° 17841


ADRIANA IRION E HUMBERTO TREZZI


FINAL FELIZ NOS BRAÇOS DOS PAIS. BÁRBARA JÁ ESTÁ EM CASA

POLÍCIA RESGATA RECÉM-NASCIDA 10 horas depois de ser levada de maternidade em Porto Alegre. A sequestradora, mãe de cinco filhos, foi denunciada por pessoa que a conhecia e viu na internet imagens dela fugindo do hospital com o bebê



Porto Alegre foi cenário, entre a terça e a quarta-feira, de um celebrado final feliz para um crime que começou de forma hedionda. É que a maternidade há muito acalentada por Viviane Beatriz Casagrande, 35 anos, virou pesadelo quando ela teve a filha recém-nascida, Bárbara, arrancada dos braços por uma mulher desconhecida.

O crime ocorreu na maternidade do Hospital Santa Clara, no Complexo Santa Casa. E o que poderia ter terminado em tragédia culminou com choros de alívio quase 10 horas depois, quando a Polícia Civil encontrou a sequestradora – e a menina, ilesa. Médicos, enfermeiros e policiais se abraçaram nos pais da criança e choraram juntos, emocionados.

Foi por volta das 16h de terça-feira que a sequestradora, Luciana Soares de Brito, 39 anos, levou o bebê. Ela entrou com uma roupa e depois a trocou, vestindo um jaleco branco, para simular ser funcionária do hospital. Disse à mãe do bebê que levaria a criança para um exame, que duraria de 20 a 25 minutos. O drama só teve fim pouco antes das 2h da madrugada de quarta, quando a menina foi encontrada na casa de um filho de Luciana, em um casebre no Lami, bairro da zona sul.

O delegado Hilton Müller Rodrigues, que esclareceu o caso, diz que a mídia teve papel fundamental, ao divulgar vídeos da suspeita levando a criança. Uma pessoa viu as imagens de Luciana e passou informações sobre a sua localização. Policiais da 17ª Delegacia de Polícia, comandados por Müller, localizaram familiares da sequestradora no bairro Glória e, dali, foram ao Lami, onde encontraram o bebê e prenderam a mulher.

Voz infantilizada, chorando muito, Luciana Brito deu uma explicação confusa para ter sequestrado a filha de outra mulher.

– Eu queria cuidar ela, que eu também tinha um nenê na minha barriga. É Gabrieli, o nome dela – declarou Luciana ao ser presa.

PAI AGRADECE A QUEM DEU PISTAS

Luciana disse que ia cuidar de Bárbara (a quem chamava permanentemente de Gabrieli) junto com o bebê que traz na barriga – embora não seja perceptível qualquer gravidez nela. Diz que chegou a comprar “um monte de coisa bonita para o bebê”.

– Sei que a mãezinha ia ficar triste, mas eu ia devolver. Quando viesse o sol eu ia devolver. Eu só ia cuidar dela, das duas Gabrieli. Botar sapato nela, para ela ficar bem bonita. Mas me arrependo, porque a mãezinha dela ficou triste. Se pegassem meu bebê e levassem eu também ia ficar triste. Não sei quem é ela, mas sei que ficou triste. Mas agora ela não vai mais chorar – declarou Luciana, entre crises de choro, ao ser presa.

Luciana, que trabalha numa clínica psiquiátrica, tem cinco filhos: um de 23 anos, dois de 20, uma de 15 e uma de 10 anos. Zero Hora falou com dois deles. Eles admitem que a mãe falou, há quatro meses, que estava grávida, mas não aparentava ter barriga de gestante. Na terça-feira, para surpresa deles, apareceu com o bebê no Lami.

– Tive de esquentar leite para o bebê, cuidamos dele. Estranhamos, porque ela está em tratamento psíquico desde que meu pai (foragido que já morreu) tentou matar ela, há três anos. Aí, vi na TV reportagem sobre uma criança sumida e desconfiei. Até brinquei: mãe, não é essa menina? Ela negou – relata Bruno, o filho de 20 anos.

Ontem, ele foi o primeiro a visitar a mãe, na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, onde está Luciana, com prisão preventiva decretada pela Justiça, por sequestro e cárcere privado.

Jorge Santos, gerente comercial da clínica São José, confirma que Luciana é funcionária desde 2011 como copeira, mas esteve afastada por cerca de dois anos por problemas de saúde. Ela retornou ao serviço em abril passado. Segundo Santos, era uma boa funcionária.

Na terça-feira, dia do sequestro, Luciana deveria ter trabalhado no turno da tarde, mas não apareceu para o expediente.

Os policiais analisam as ligações feitas no celular dela, para verificar se agiu sozinha (o que consideram mais provável) ou se foi um crime planejado por quadrilha. Serão feitos também exames psiquiátricos e físicos, para ver se a gravidez dela é imaginária.

Recobrados do susto, os familiares do bebê ainda tentam entender o ocorrido. O pai, o vendedor Magnum Lefa, faz questão de agradecer a quem fez a denúncia do paradeiro da criança:

– Não sei quem é, mas sou eternamente grato.

A mãe, Viviane, traça uma parábola para o destino da filha:

– Ela já nasce como Santa Bárbara, uma guerreira. Essa foi a intenção do nome dela e ela está aqui. Nasceu de novo, graças a Deus.


Tropeço na segurança e no início das buscas

Enquanto tenta desvendar o que está por trás da ação da mulher que sequestrou uma recém-nascida na Santa Casa de Misericórdia na terça-feira – se foi movida por transtorno mental ou visando a interesses financeiros, envolvendo uma eventual venda do bebê –, a Polícia Civil também questiona falhas na segurança do hospital e na atuação da Brigada Militar (BM).

A criança com um dia de vida foi tomada da mãe dentro do quarto do hospital por Luciana Soares Brito, 39 anos, presa cerca de 10 horas depois do sequestro, no bairro Lami, zona sul de Porto Alegre. A partir de imagens captadas pelas câmeras do hospital, o delegado Hilton Müller Rodrigues, que conduz a investigação na 17ª Delegacia da Polícia Civil, fala de “falhas graves” na segurança da instituição. As gravações flagraram o momento em que Luciana se encaminhava para o portão, com o bebê no colo, sendo acompanhada por uma funcionária durante o trajeto até perto da saída.

A funcionária contou em depoimento que a mulher dizia que não era para tocar nela, que ela havia ido a uma consulta e que pegaria os documentos da recém-nascida com o marido, que a estaria esperando no carro. Com isso, conseguiu sair do hospital sem ser impedida pelos funcionários.

– Todos os dias, recebo casos de seguranças de supermercado que trazem aqui pessoas que pegaram um pacote de bala de goma. E a segurança do hospital não reteve uma pessoa suspeita que levava uma criança sem documentos – ressalta Müller.

Em nota oficial assinada pelo diretor-geral e administrativo, Carlos Alberto Fuhrmeister, e publicada no site do hospital, a Santa Casa informou que “está apurando as responsabilidades técnicas e administrativas na execução do protocolo de segurança existente naquele local e, em eventuais inadequações, adotará as medidas necessárias e cabíveis ao caso e, notadamente, não medirá esforços para que tal situação não volte a ocorrer”.


HOSPITAL PEDE DESCULPAS À FAMÍLIA

O complexo hospitalar também pediu desculpas pelo ocorrido: “A Santa Casa de Misericórdia expressa publicamente suas desculpas à família da pequena Bárbara e se solidariza pelos momentos difíceis enfrentados pelos pais da recém-nascida, seus familiares e amigos”.

O delegado Müller ainda questionou ontem a atuação da BM no caso. O sequestro foi informado pelo hospital por meio do fone 190 às 16h50min da terça-feira. Segundo Müller, o policial militar que recebeu o chamado e registrou o caso como “rapto de uma criança” não teria difundido a ocorrência para os demais órgãos de segurança, entre os quais, a Polícia Civil.

Em razão dessa falha, a polícia só soube do caso e começou o trabalho de buscas cerca de uma hora e meia depois do sequestro. A criança foi encontrada em um casabre no bairro Lami, quase na zona rural da cidade.

A suposta falha de comunicação está sendo apurada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). Até o fechamento desta edição, a SSP não havia se manifestado sobre o caso.


ENTREVISTA

“Vão ter de me provar que não foi complô”



VIVIANE CASAGRANDE, Mãe de Bárbara


A mãe da pequena Bárbara, Viviane Casagrande, teve poucos instantes de descanso ontem. Todos os celulares e também o telefone fixo da casa de dois andares, na zona norte de Porto Alegre, tocaram o dia inteiro. Eram amigos, confortando, e a mídia, em busca de informações. Como paciência é uma das virtudes que tem de ser cultivada no seu emprego, uma auto-escola, Viviane tentou atender a todos, sem conseguir. Dedicou-se, sobretudo, a mimar a filhota, agora segura em seus braços.

Em um intervalo das mamadas no peito, a mãe de segunda viagem – tem outra filha, de 13 anos – falou com Zero Hora.

A senhora deconfiou da situação, quando a mulher se apresentou para levar sua filha?

Desde o primeiro minuto. Vi que ela não tinha jeito de enfermeira, apesar de se vestir como uma. Ela disse que levaria minha filha para um procedimento. Quando perguntei qual, ela saiu depressa. Aí chamei os funcionários. Me desesperei.

A senhora estava sozinha no quarto?

Não. Apesar de ser convênio, estávamos em três gestantes e três bebês. É possível que ela tenha escolhido a criança de forma aleatória. Mas vão ter de me provar que não foi complô. Ainda tenho a impressão de que ela planejou tudo, talvez para ganhar dinheiro passando o bebê adiante, Deus me livre... Tomara que eu esteja errada, mas ela pode ter se fingido de louca. Peço que o hospital não deixe nenhuma mãe passar pelo que passei, isso não existe, roubar um filho de uma mãe... Que mude o sistema de segurança, que sirva de alerta.

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