Marcos rolim, Jornalista - Zero Hora 13/02/2011
A crise na saúde exige uma resposta efetiva do poder público. Há duas maneiras de se pensá-la: aquela oferecida pela tradição e a que identifica na tradição parte importante dos problemas. Os prefeitos do RS percebem, concretamente, os limites da tradição. O sindicalismo e as corporações médicas têm dificuldades de reconhecê-las, porque constituem a tradição.
Os prefeitos estão premidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo teto salarial que os impede, em regra, de pagar bons salários aos médicos.
Muitos médicos concursados, também por isso, não cumprem seus horários. Há situações em que os salários pagos são muito bons, mas mesmo nestes casos o “normal” é descumprir contratos e reservar tempo para o atendimento privado. Até as pedras sabem disso. A resposta padrão de que cabe ao gestor punir os “maus profissionais” é ingênua ou hipócrita. Quando os gestores exigem o cumprimento dos horários, os médicos retardam a duração das consultas, atendendo menos pacientes. Assim, forçam o acordo. Quem resolver discutir o tempo médio das consultas estará, é claro, aviltando a autonomia médica.
Na base do descompromisso com o serviço público, há várias distorções. A mais ampla deriva do fato de que a estabilidade – que deveria ser apenas uma garantia contra a perseguição política – virou uma garantia para a ineficiência. No caso dos médicos, a situação ganha destaque, seja pela importância de suas funções, seja pelos valores elitistas que ainda se reproduzem como cultura. Aliás, em artigo em ZH no último dia 4, um médico aposentado expôs sua mágoa diante das administrações petistas na Capital que terminaram com o refeitório dos médicos e com o estacionamento privativo no HPS. Uau! Sim, deve ter sido dramático suportar aquela gente falando em “trabalhadores de saúde” e ainda ter que disputar uma vaga no estacionamento com uma enfermeira. O mundo, definitivamente, não é mais o mesmo.
É uma ilusão, de qualquer maneira, pensar que o problema na saúde pública se resolverá com mais atendimentos. É preciso também enfrentar outros “gargalos”, investindo, por exemplo, no atendimento de alta complexidade e criando leitos que desafoguem as emergências. Resolutividade em saúde também se faz com tecnologia e não se pode ignorar o fato de que, muitas vezes, a rede pública ainda atende pacientes como na década de 50.
Qualquer que seja a solução, ela não será simples. É preciso criar as condições para estimular os bons médicos e, ao mesmo tempo, permitir aos gestores flexibilidade para inovação. Na busca desta saída, há que se superar a tradição formalista que pune os gestores que tentam, com novos instrumentos de gestão, melhorar o serviço público. Neste ponto, a posição do Cremers – favorável às fundações públicas de direito privado – merece elogios e aponta para outra sensibilidade entre os médicos.
Neste debate, é correto dizer que “a verdade faz bem à saúde”. O problema é que a verdade terá de ser construída para além dos interesses corporativos. E, nesse lugar, não há estacionamentos privativos.
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