domingo, 21 de junho de 2015

A FALTA DE REPASSES FAZ MUNICÍPIOS INVESTIREM MAIS EM SEUS HOSPITAIS



ZERO HORA 21 de junho de 2015 | N° 18201


SAÚDE TERMINAL. Municípios investem mais do que a lei exige

A falta de repasses estaduais e federais vem forçando os municípios a investirem cada vez mais em seus hospitais. Segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), dos 497 municípios gaúchos, 229 aplicaram, em 2014, entre 20% e 30% do que arrecada com impostos. Sendo que a exigência mínima legal é de 15%. Do total, oito chegaram a aplicar mais de 30% e apenas um, Porto Lucena, investiu menos (14,59%).

Conforme a Famurs, os municípios destinam cerca de R$ 80 milhões mensais ao atendimento nos hospitais públicos e filantrópicos. Responsável pela operação do Hospital Centenário, a prefeitura de São Leopoldo, no Vale do Sinos, gastou 38,8% da arrecadação de impostos em saúde. Mas nem o topo do ranking de investimentos garantiu a excelência esperada.

Na última segunda-feira, os médicos decidiram entrar em greve, alegando salários atrasados há nove meses. Antes disso, em 1º de junho, o município havia anunciado a decisão de não mais atender a pacientes de cidades vizinhas nas especialidades de neurologia e neurocirurgia. Com credencial de alta complexidade desde 2012, a Secretaria de Saúde local diz não receber da União recursos capazes de dar suporte ao atendimento dos pacientes de toda a região de abrangência, estimada em 800 mil habitantes.

A reclamação é que, enquanto São Leopoldo recebe R$ 1,9 milhão oficiais, a vizinha Novo Hamburgo tem direito a R$ 4,9 milhões. Por isso, a prefeitura leopoldense tenta renegociar os valores com a União, uma vez que o Estado já descartou aumento nos repasses.

– O Estado está absolutamente surdo conosco. Alega que não tem recursos. Não abre negociação para nada – reclama o secretário de Saúde, Júlio Galperim.

Médico de formação, o prefeito Anibal Moacir afirma que decidiu abrir mão de serviços e obras em outras áreas da administração para tentar garantir a manutenção dos serviços do hospital.

– Se tivesse orçamento sobrando, investiria mais em capina e varrição. Além disso, várias ruas e calçamentos são pedidos para mim, e não posso fazer porque estou investindo na saúde. Mas a saúde é o mais importante de tudo – sentencia.



Estado quer regionalizar atendimento

Titular da Secretaria Estadual de Saúde desde janeiro, o médico João Gabbardo planeja reformular a estrutura de saúde pública. A redistribuição do atendimento, que começará pelos hospitais do Litoral Norte e mais tarde deverá ser implementada nas outras regiões, prevê o estabelecimento de instituições regionais capazes de atender a casos graves ou complexos, com UTI, UTI Neonatal e médicos de todas as especialidades. As instituições menores, que receberão casos mais simples, também funcionarão como pontos de triagem do sistema e, em caso de necessidade, enviarão os pacientes para os hospitais regionais. Apenas procedimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos, seriam enviados para os grandes centros, como Porto Alegre.

– Os regionais, para atenderem às situações de maior gravidade, não podem receber os casos simples. Esses têm de ficar nos hospitais menores. Além disso, os hospitais menores têm de estar harmonizados com o atendimento dos ambulatórios, com os postos do Programa de Saúde da Família (PSF), com as Unidades Básicas de Saúde e com as UPAs, que farão o atendimento ambulatorial – explica Gabbardo.

ORÇAMENTO PASSA POR READEQUAÇÃO

O secretário diz que a distribuição do atendimento será estudada de forma individual, considerando as características de cada região. No caso do Litoral, como não há um hospital de grande porte capaz de centralizar as operações, o atendimento de alta complexidade será dividido entre Tramandaí, Capão da Canoa e Osório.

Segundo Gabbardo, o modelo irá racionalizar os recursos, evitando um grande número de internações hospitalares desnecessárias. Conforme ele, 25% das internações registradas no país são de pessoas que precisariam de algum tipo de auxílio mas que não teriam de ser hospitalizadas.

– A gente não vai fazer isso de uma hora para outra. Mas, em algum momento, a gente tem de começar – afirma Gabbardo.

O secretário ainda discorda do que os dirigentes de hospitais chamam de corte de recursos. Segundo ele, as instituições receberão em 2015 um valor maior do que o pago no ano passado. Com os números na memória, o secretário escreve em uma folha em branco a progressão dos valores repassados aos hospitais nos últimos anos – R$ 150 milhões (2010), R$ 300 milhões (2011), R$ 450 milhões (2012) e R$ 600 milhões (2013). Sobre 2014, diz que, embora o prometido pelo Estado tenha sido R$ 1,1 bilhão, na prática, as instituições embolsaram R$ 900 milhões – a diferença deve-se ao não pagamento, pelo governo, dos valores referentes a outubro e novembro, recursos para os quais, segundo ele, não há no momento a menor perspectiva de pagamento.

Empenhando no que chama de “adequação dos gastos com o disponível no orçamento”, Gabbardo diz que o aperto no orçamento da secretaria inclui gastos com passagens, telefones, diárias, treinamentos, combustíveis e consultorias.




“Tu colocas mais dinheiro no sistema, mas isso não se reverte para a população”

JOÃO GABBARDO, Secretário estadual de Saúde



ZH falou com o secretário na tarde de sexta-feira. Ele afirma que os gestores de hospitais filantrópicos reclamam injustamente do corte do incentivo para a realização de atendimentos via SUS. Segundo Gabbardo, em 2015 as instituições receberão mais recursos do que em 2014. O secretário também rebate as críticas sobre a redução no valor pago mensalmente pelo Estado pela produção das instituições. Conforme ele, o objetivo da medida é garantir o cumprimento dos contratos, evitando que recebam por serviços não executados.

Quais as causas da atual crise dos hospitais?

Neste momento, o que está aparecendo mais é uma insatisfação dos hospitais com o fato de não estarmos mantendo o incentivo (conhecido como Ihosp) para atendimentos SUS nos filantrópicos do Estado. Há uma tentativa de demonstrar que a falta deste recurso vai trazer prejuízo à população. Então, agora, qualquer coisa que acontece, dizem: “Isso aí é por falta do Ihosp, isso aí é por falta do Ihosp”. Tem hospitais que não têm nada a ver. Os casos de Capão da Canoa e Torres não têm nada a ver com a questão financeira. No entanto, estão dando como exemplo: “Está aí, mais dois hospitais que estão deixando de atender”. Isso faz parte da questão política do processo. Querem passar para a população essa ideia. Para demonstrar que esse dinheiro vai fazer falta, a Santa Casa (da Capital) chega e anuncia: vai fechar cem leitos. Qual a repercussão para a população? Que todas aquelas pessoas que se internavam na Santa Casa vão deixar de ser atendidas. Não é verdade. A PUC ofereceu substituir os atendimentos que a Santa Casa não quer fazer. Então, se um não quer fazer, outro vai fazer. Nós temos alternativas para isso.

Por que o senhor discorda dos valores pedidos pelos hospitais?


Como é que vou entender que, no Brasil inteiro, todo mundo atende pela tabela (do SUS)? Eles dizem que a tabela tem uma defasagem de 40% a 50%. A gente está passando, como incentivo, mais do que os 40% ou 50%. Muito mais. Para cada R$ 1 que eles recebem pela produção de serviços, a Secretaria da Saúde bota, em média, mais R$ 3,50. Então, se a tabela tem uma defasagem de 40% a 50%, como é que tu botas R$ 3,50, de média, e não resolve o problema? Como é que se explica? É média: para alguns, dá menos, para outros, dá mais. Tem hospitais que recebem R$ 7 para cada R$ 1 do SUS. Este é um outro problema: a Secretaria de Saúde fez convênios no passado com diferentes hospitais, com sistemáticas diferentes de valorização. Então, alguns hospitais estão recebendo mais do que deviam. Não tenho a menor dúvida disso. E tem hospitais que estão recebendo menos. Não houve um processo harmônico.

O que levou o Estado a reavaliar os valores referentes à produção repassados aos hospitais?

A forma como foram feitos os contratos no passado. Os hospitais recebiam por produção. E se mudou isso um pouco nos últimos anos. Passou-se a repassar recursos globais para os hospitais, independentemente da produção, com valores fechados. Isso faz com que muitos hospitais recebam aquele valor, mas terminem entregando menos do que deviam, para não faltar ou para sobrar dinheiro. Então, tu botas mais dinheiro no sistema, e a população continua sendo prejudicada. Porque, quando tu fazes isso, prevendo que o hospital vai fazer 300 internações em um mês e ele faz 200, tu deixaste 100 internações sem ocorrer. O cidadão vai correr de um hospital para outro, porque o primeiro está dizendo que não tem vaga e que não atende mais, porque não quer atender mais. Então, tu colocas mais dinheiro no sistema, mas isso não se reverte em favor da população. Pelo contrário: a população fica ainda mais prejudicada.

Isso vai ser revisto?

Já estamos revendo. Estamos descontando, inclusive, os valores que eles receberam e que não atenderam. Isso nunca foi feito.

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