domingo, 21 de junho de 2015

SAÚDE TERMINAL. HOSPITAIS AGONIZAM


Hospitais que atendem pelo SUS agonizam no Estado Carlos Macedo/Agencia RBS
ZERO HORA 21 de junho de 2015 | N° 18201


MARCELO MONTEIRO E MAURÍCIO TONETTO
Colaborou Humberto Trezzi




DÍVIDAS COM FORNECEDORES, BANCOS E FUNCIONÁRIOS COM SALÁRIOS ATRASADOS superam R$ 1,2 bilhão. Ainda há cortes nos repasses de verbas estaduais e federais. A REALIDADE DA SAÚDE PÚBLICA NO ESTADO É TERMINAL. A curto e médio prazos, instituições filantrópicas, que atendem a 75% do sistema SUS no RS, devem eliminar 4,6 milhões de procedimentos gratuitos à população

Os hospitais gaúchos que dependem de recursos oficiais para sobreviver estão agonizando. A crise nas instituições que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado é como uma doença terminal. Entubadas na UTI, muitas respiram por aparelhos, à espera de uma cura que parece cada vez mais distante.

Presentes em 197 dos 497 municípios gaúchos, os 245 hospitais filantrópicos enfrentam dificuldades sem precedentes. Com dívida total superior a R$ 1,2 bilhão relativa a bancos, fornecedores, tributos, salários e encargos trabalhistas, as instituições estão, uma a uma, tendo de readequar o atendimento a novos padrões orçamentários, em razão da queda dos repasses governamentais.

A partir de agora, a cada renovação de contrato com o SUS, a tendência é de redução no volume de atendimentos pactuado com o Ministério da Saúde. No curto e médio prazos, a consequência será a perda de 4,6 milhões de procedimentos anuais, incluindo internações (46,7 mil), exames (2,8 milhões) e procedimentos ambulatoriais (1,8 milhão). No longo prazo, há o risco de que muitas instituições fechem as portas.

– A agudização do quadro se deu quando este governo (Sartori) cortou o cofinanciamento e disse que nada deve. Aquilo que usávamos para pagar despesas correntes voltou a faltar – diz o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Francisco Ferrer.

O dirigente refere-se à suspensão do repasse anual de R$ 300 milhões (R$ 25 milhões mensais) para santas casas e hospitais filantrópicos, anunciado pelo governo em janeiro e confirmado na última quarta-feira pelo secretário adjunto da Saúde, Francisco Paz. Além dos valores referentes a 2015, o Estado ainda deve às instituições R$ 132,6 milhões – que correspondem a outubro e novembro de 2014. Para completar, os recursos hoje já insuficientes tendem a ficar ainda mais escassos, com a decisão da União de reduzir o orçamento de 2015 do Ministério da Saúde em R$ 11,77 bilhões.

A crise nos hospitais não é de hoje. Segundo administradores hospitalares e gestores públicos ouvidos por ZH, a criação do SUS, em 1988, determinando a universalização do atendimento sem ampliar proporcionalmente a estrutura de saúde foi o primeiro de uma série de equívocos cometidos ao longo dos anos, uma ferida ainda aberta, que causa a hemorragia de recursos. E, pior do que isso, a precarização dos serviços. A lista de causas para a crise ainda inclui a defasagem na tabela de serviços do SUS, falhas na organização do sistema e a indisponibilidade de médicos em algumas áreas.

No país, os 1.753 hospitais filantrópicos respondem por 54% dos atendimentos via SUS. No Estado, as 245 instituições do gênero atendem a 75% dos pacientes do sistema, o que torna a dependência de recursos oficiais ainda mais dramática.

– O SUS, do ponto de vista teórico, é maravilhoso, mas, na prática, se consubstanciou uma dificuldade tremenda na operacionalização – avalia Ferrer.

CORTES NO ATENDIMENTO APÓS SILÊNCIO OFICIAL

Os efeitos da crise espalham-se em metástases Estado afora. Em abril, os hospitais deram ao Piratini prazo de 30 dias para repassar recursos, sob pena de redução de 15% a 20% nos atendimentos eletivos (quando não há urgência ou emergência). Diante do silencio oficial, a ameaça foi colocada em prática.

Em Ijuí, o Hospital de Caridade, referência em serviços de alta complexidade para cem cidades, demitiu 10% do seu quadro de 120 funcionários e encerra, nos próximos dias, um novo contrato com o SUS. Em julho, o percentual de 80% de atendimentos gerais pelo sistema cairá para 70% devido à falta de verba do Estado, à defasagem da tabela do SUS e ao não pagamento por serviços prestados em 2014 – cerca de R$ 9 milhões. Com a diminuição da equipe, a estrutura não terá condições de receber a demanda de hoje do SUS para a região – cerca de 35 mil procedimentos mensais.

– Não vemos luz no fim do túnel. Não temos a solução interna. Dependemos da sensibilidade dos governos. Imagina um colapso? Não podemos esperar isso acontecer – alerta João Leone diretor-executivo do hospital.

SEM DINHEIRO, SEM SAÚDE


Em Sobradinho, no Vale do Rio Pardo, em vez de pacientes, enfermeiros e médicos, o que se vê em uma das alas do Hospital Sebastiany são quartos vazios e colchões espalhados pelo corredor. A instituição fechou 30 leitos do SUS por sete dias – de 13 a 19 de junho. Na última sexta, o Estado fez um apelo prometendo novas negociações sobre os pedidos do hospital, que sofre com a falta de repasses. Os últimos dois anos foram de contenção de gastos e mais de 20 demissões – quatro somente neste mês. Cansado de esperar pela correção da tabela do SUS, o gerente do hospital, Júnior Ycastro, estuda uma fusão com uma instituição filantrópica da cidade vizinha de Segredo.

– Estamos buscando recursos só para manter a estrutura, e isso é frustrante. Se eu pensar a médio e longo prazos, talvez nem tenhamos hospital aqui – lamenta o gerente do Sebastiany.

A falta de instituições, de leitos e atendimento hoje já faz uma multidão sair de sua cidade todo mês em busca de tratamento com especialista.

A cada 30 dias, 192 mil pacientes – equivalente a uma cidade como Passo Fundo – transitam atrás de atendimento de média e alta complexidade em outros municípios. A conclusão, que consta em levantamento da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), é que um dos principais problemas do atual sistema de saúde pública do é a má distribuição dos recursos e das estruturas de atendimento.

No último dia 8, no lançamento do edital de licitação para a construção de 1.052 leitos na Região Metropolitana, o secretário estadual de Saúde, João Gabbardo, anunciou a intenção de expandir e qualificar os leitos, de forma racional, regionalizando o atendimento de média e alta complexidades, o que, segundo ele, garantiria melhores resultados aos pacientes que buscam a rede pública:

– Sem a descentralização, vamos afogar cada vez mais os grandes centros – afirmou.

Conforme pesquisa da Famurs, que compilou dados fornecidos de 133 prefeituras, Porto Alegre é a cidade que mais recebe pacientes: em média, 53 mil por mês. Outros municípios, juntos, recebem mensalmente mais de 139 mil pessoas. A principal razão para o deslocamento é a dificuldade de acesso a consultas, exames e cirurgias de alta e média complexidade, problema enfrentado por 98,5% das cidades – as maiores deficiências estão nas áreas de traumatologia, urologia, oftalmologia, cardiologia, ortopedia e neurologia.

Por isso, o presidente da Famurs, Seger Menegaz, considera correta a ideia de descentralização proposta pelo governo:

– O sistema de regulação do Estado precisa ser reavaliado. Temos de identificar bem isso para saber onde investir, em vez de ficarmos transportando toda essa gente. Temos de investir em hospitais microrregionais de determinadas especialidades.

Em todo o Estado, a estimativa é de que, juntos, os 497 municípios contabilizem cerca de 250 mil exames, consultas e cirurgias reprimidos ou não realizados por falta de recursos e estrutura.











Nenhum comentário:

Postar um comentário