quinta-feira, 21 de novembro de 2013

DINHEIRO NA CONTA, EPIDEMIA NAS RUAS E METAS INCOMPLETAS


ZERO HORA 21 de novembro de 2013 | N° 17621

CARLOS GUILHERME FERREIRA


AIDS

Dinheiro na conta, epidemia nas ruas AIDS

Líderes na incidência da doença entre Estados e Capitais, Rio Grande do Sul e Porto Alegre investem, em média, R$ 7 de cada R$ 10 para prevenção


Rio Grande do Sul e Porto Alegre lideram os casos de aids entre Estados e Capitais, mas não conseguem gastar todo o dinheiro à disposição para combater a disseminação da doença. A cada R$ 10 recebidos desde 2003, R$ 3, em média, permanecem nos cofres públicos. Os recursos acabam presos na burocracia da máquina estatal e, também, na emaranhada teia das relações políticas.

Desde a implantação da Programação de Ações e Metas (PAM) pelo Ministério da Saúde, em 2003, os municípios gaúchos receberam em conjunto R$ 85,4 milhões. Para se ter uma ideia, a soma de recursos à disposição em julho deste ano chegava a R$ 23,7 milhões. Porto Alegre ganhou R$ 11,1 milhões desde 2004, e fechou julho último com R$ 3,1 milhões nos cofres.

Mesmo com dinheiro disponível, o quadro de epidemia – reconhecido pelas autoridades – não recua. É o que mostrará o boletim epidemiológico de 2012 do Ministério da Saúde, a ser divulgado nos próximos dias. Os dados extraoficiais apontam 43 casos de aids a cada 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul – um leve crescimento, comparado ao número anterior. Porto Alegre apresenta o dobro, índice de 99,1, com redução inferior a um ponto.

O prefeito da Capital, José Fortunati, classificou os dados como “assustadores” na manhã de terça-feira. Ele falava a cerca de 50 pessoas no salão nobre da prefeitura, por ocasião do lançamento do Plano de Enfrentamento de HIV/Aids em Porto Alegre – uma estratégia com ênfase em grupos com maior risco de exposição, como gays, homens que fazem sexo com homens, travestis, transexuais e mulheres.

Disse o prefeito que o comportamento da população gaúcha – com acesso a informações de saúde – precisa mudar:

– Os índices têm muito a ver com certa soberba e arrogância do povo gaúcho.

Haveria uma espécie de sentimento de imunidade, avaliou. Mas nem todos concordam.

– O que ele (Fortunati) diz é baseado em conhecimento empírico – afirma a coordenadora executiva do Fórum de ONG/Aids do Estado, Márcia Leão, ao lamentar que, até hoje, não tenha sido aplicada na Capital uma Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas (PCAP), sobre comportamento sexual.

Atitudes à parte, a gestão pública também compartilha a responsabilidade. É o que admite o coordenador da Política Estadual de DST/Aids, Ricardo Charão.

– Durante muitos anos, a porta de entrada para diagnóstico foi muito estreita – explica.

Como o Estado começou a aplicar testes rápidos de Aids em unidades de saúde de cerca de 200 municípios, desde junho de 2012, Charão considera natural o patamar alto de notificações. A lógica é simples: mais amostras, mais casos.

Para Márcia Leão, porém, faltam vontade política e ações mais adaptadas à realidade. Segundo ela, é difícil as autoridades comprarem brigas com setores conservadores, por vezes avessos às políticas de Aids.

De fato, os municípios do Rio Grande do Sul patinam na aplicação de recursos. Ficam abaixo da média da Região Sul, atrás de Paraná e de Santa Catarina – segundo lugar no ranking de Aids, onde se gastam R$ 9 em cada R$ 10. E a execução de Porto Alegre não alcança a média das capitais, de R$ 8 aplicados a cada R$ 10. Nesta mesma comparação, em Curitiba sobram R$ 0,40.

– A gente vem melhorando a performance nos gastos. Temos alguns entraves burocráticos de projetos já empenhados. Não tem saldo livre – afirma o coordenador da área técnica de DST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Saúde da Capital, Gérson Winkler.

– Os entraves e as dificuldades são aqueles todos do serviço público. Geralmente temos uma máquina muito burocratizada para compras e repasses de recursos – diz Charão.

Para a responsável pela coordenação no país da Unidade de Políticas Sociais do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Nena Lentini, são aceitáveis os 70% de gastos de Porto Alegre e do Estado – feita a ressalva do ideal, que é 100%.



Metas são cumpridas de forma incompleta



Nos próximos dias, a Comissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids do Conselho Estadual da Saúde vai avaliar os resultados de 2012 da Programação Anual de Metas (PAM) de combate à doença. Se a PAM for reprovada, o Conselho remeterá parecer com pedido de providências ao Ministério Público (MP). Caberá ao órgão decidir se fará investigações.

Em relatório próprio, a Secretaria Estadual da Saúde apontou 83% de execução dos 15 objetivos propostos. Um indicador muito bom, avalia o coordenador da Política Estadual de DST/Aids, Ricardo Charão.

– Foi a primeira vez que passamos de 70% – afirma.

Das 15 metas, quatro ficaram entre 50% e 70%: qualificar rede de assistência às pessoas com HIV/Aids, implantar o Plano Estadual de Enfrentamento da Feminização da epidemia em 44 municípios, qualificar o Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) e executar seis ações de prevenção.

Este último objetivo, dividido entre seis submetas, teve 50% de realização. Exemplos: enquanto a campanha permanente de prevenção e de incentivo ao diagnóstico alcançou 100%, a parceria com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) para enfrentar aids e DSTs no sistema prisional não saiu do zero.

Existe nas cadeias a relação sexual entre homens (chamada de HSH), um dos focos de combate à epidemia de aids. A justificativa aparece no relatório da PAM: “Não houve condições para executar a ação devido à falta de pessoal para conduzir as articulações e realizar as atividades”.

O relatório de monitoramento de 2012 de Porto Alegre não está fechado porque ainda há ações em execução, sustenta o coordenador da área técnica de DST/Aids, Gérson Winkler. Em documento próprio, a prefeitura aponta 15 pontos na PAM, com 11 metas executadas de forma “adequada” e quatro com necessidade de “revisão de ações e/ou insumos”. Mas não traz detalhes do trabalho nem quanto foi gasto. Trata-se de um monitoramento quantitativo, e não qualitativo, afirma a coordenadora executiva do Fórum de ONG/Aids do RS, Márcia Leão.

– Temos de evoluir – admite Winkler.

Tanto Capital quanto Estado não enviaram a tempo os resultados das metas de 2012 para a análise de monitoramento do Ministério da Saúde, fechada em março.

Porto Alegre lidera a incidência da doença entre as capitais desde 2006, enquanto o Rio Grande do Sul ocupa o topo do ranking nacional a partir de 2000.





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